É
verdade. Depois do Decreto do Presidente da
República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro, que declarou o estado de emergência,
fundamentado na verificação da situação de calamidade pública, iniciando-se às
00h00 do dia 9 de novembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia 23 de novembro de
2020, surgiu o Decreto do Presidente da
República n.º 59-A/2020, de 20 de novembro,
que renovou a declaração do estado de emergência, com fundamento na
verificação de uma situação de calamidade pública para se iniciar às 00h00 do
dia 24 de novembro de 2020 e cessar às 23h59 do dia 8 de dezembro de 2020 (1.º caso de incidência em dezembro).
Tanto num momento como no outro, seguiu-se o decreto do
Governo a regulamentar a aplicação do estado de emergência (Decreto n.º 9/2020, de 8 de novembro, e Decreto n.º 9/2020,
de 21 de novembro).
Entretanto, surgiu o Decreto do Presidente da República n.º
61-A/2020, de 4 de dezembro, que renova a declaração do estado de
emergência, fundamentado na verificação da situação de calamidade pública,
iniciando-se às 00h00 do dia 9 de dezembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia
23 de dezembro de 2020 (2.º caso de incidência
em dezembro).
Como o Presidente da República deixou claro na sua
comunicação ao país no dia da promulgação do referido decreto presidencial, o
Governo já foi ouvido e os partidos políticos já deram assentimento no sentido
duma outra
renovação
da declaração do estado de emergência a iniciar-se às 00h00 do dia 24
de dezembro de 2020 e cessar às 23h59 do dia 7 de janeiro de 2021 (3.º caso de incidência em dezembro).
Quem pensasse que se estaria a atropelar a Constituição ficou
esclarecido por Marcelo Rebelo de Sousa de que o cumprimento da Constituição
não está em causa, pois, trata-se de ministrar às pessoas a informação de que
precisam para saberem com o que podem contar. São previsões sobre o que se irá
passar pelas razões que o Presidente enunciou e que se sintetizam no seguinte:
apesar do ligeiro decréscimo do número de infetados e mortos, não é certo que a
contenção da pandemia esteja num decrescendo consolidado, verificando-se, até,
que o número de internados e o de abrangidos pelos cuidados intensivos está em
aumento; e, por outro lado, a vacinação – universal, gratuita e facultativa –
levará quase um ano a atingir toda a população que a deseje.
Não obstante,
segundo o comunicado do Conselho de Ministros de 4 de dezembro de 2020 e a subsequente
explicação do Primeiro-Ministro, o Governo
já aprovou o decreto que regulamenta
a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República,
em todo o território nacional continental, no período entre as 00:00h do dia 9
de dezembro de 2020 e as 23:59h do dia 23 de dezembro, bem como as medidas
aplicáveis considerando a eventual renovação do mesmo. E o comunicado revela
que se mantêm, no essencial, as regras vigentes, estabelecendo-se medidas
especiais para o período do Natal e do Ano Novo, para vigorarem entre as 00:00h
de 24 de dezembro e as 23:59h de 7 de janeiro de 2021, entre estas, sobressai:
- A
proibição de circulação na via pública em vigor nos Concelhos de Risco Elevado,
Muito Elevado e Extremo, não é aplicável no dia 23 de dezembro, no período após
as 23:00h e até às 05:00h do dia seguinte, para as pessoas que se encontrem em
viagem; não é aplicável nos dias 24 e 25 de dezembro no período após as 23:00 h
e até às 02:00h do dia seguinte; estará em vigor no dia 26 de dezembro, a
partir das 23:00h, onde aplicável; não é aplicável entre as 5:00h do dia 31 de
dezembro e as 2:00h do dia 1 de janeiro de 2021; e no dia 1 de janeiro, a
partir das 23:00h, onde aplicável.
- O dever
geral de recolhimento domiciliário em vigor nos Concelhos de Risco Elevado,
Muito Elevado e Extremo não é aplicável nos dias 23 a 26 de dezembro de 2020,
inclusive, assim como entre as 05:00h do dia 31 de dezembro de 2020 e as 02:00h
do dia 1 de janeiro de 2021.
- Quanto aos
horários de funcionamento nos setores da cultura e da restauração,
estabelece-se:
. Nos dias
24 e 25 de dezembro, e independentemente da sua localização, os restaurantes
podem encerrar até à 01:00h (devendo o
acesso ao público ficar excluído para novas admissões às 00:00h) e não se aplicam os horários de encerramento aos
estabelecimentos culturais;
. No dia 26
de dezembro, os estabelecimentos de restauração e similares podem funcionar, no
que diz respeito ao serviço de refeições no próprio estabelecimento, até às
15:30h;
. Na noite
de passagem de ano, os estabelecimentos de restauração e similares,
independentemente da sua localização, podem encerrar até à 01:00h (devendo o acesso ao público ficar excluído
para novas admissões às 00:00h);
. No dia 1
de janeiro, nos concelhos de Risco Muito Elevado e Extremo, os estabelecimentos
de restauração e similares só podem funcionar, no que diz respeito ao serviço
de refeições no próprio estabelecimento, até às 15:30h.
- A
proibição de circulação entre concelhos estará em vigor no período compreendido
entre as 00:00h do dia 31 de dezembro de 2020 e as 05:00h do dia 4 de janeiro
de 2021, salvo por motivos de saúde, de urgência imperiosa ou outros
especificamente previstos.
- A
realização de festas ou celebrações públicas ou abertas ao público de cariz não
religioso está proibida nos dias 31 de dezembro e 1 de janeiro de 2021.
***
O Primeiro-Ministro defendeu a eficácia das medidas de restrição contra
a pandemia de covid-19 adotadas nas últimas duas semanas sobre a redução do
número de novos casos de contágio. E, ressalvando que, apesar da “evolução
positiva é fundamental manter as medidas, que continuam a ser necessárias”,
afirmou:
“A evolução da pandemia evidencia bem que as
medidas que têm sido adotadas têm produzido efeitos, quer na redução de casos,
quer na diminuição significativa de novos casos por semana. (…). Há uma clara correlação
entre esta evolução e o termos decretado o estado de calamidade logo a 15 de
outubro e, depois, uma descida mais acentuada com o decretar no último mês do
estado de emergência. Esta evolução de novos casos tem também uma
correspondência significativa na diminuição do Rt (índice de
transmissibilidade), que está já abaixo de 1".”.
O Chefe do Governo fez um retrato positivo da evolução da pandemia,
referindo os 27 concelhos que passaram de risco “muito elevado” ou “elevado”
para risco “moderado”, sendo que, na comparação da situação entre 19 de
novembro e 2 de dezembro, há agora: menos 12 concelhos em “risco extremo”;
menos 2 concelhos de risco “muito elevado”; mais 6 concelhos de risco
“elevado”; e mais 8 concelhos de risco “moderado”.
Segundo disse António Costa, é provisório o anúncio das medidas para o
Natal e Ano Novo. O estado geral da pandemia será avaliado dia 18 e aí, sim, se
confirmarão (ou não) as regras agora divulgadas para estes dois períodos. “Se as
medidas continuarem a ser cumpridas estou certo de que chegaremos a dia 18 numa
situação ainda melhor do que a atual”, afirmou.
Assim, no
Natal, será permitida a circulação entre concelhos. Porém, na noite de 23-24,
será permitida apenas para quem se encontre em trânsito; nos dias 24 e 25, será permitida até
às 2h do dia seguinte; e, no dia 26, será permitida até às 23h. Os restaurantes
podem funcionar, nas noites de 24 e 25 até à 1h; e, no dia 26, o serviço de
almoço pode ir até às 15h30.
Por sue turno, no Ano Novo, são proibidas festas públicas ou abertas ao
público e os ajuntamentos na via pública com mais de 6 pessoas; é proibida a circulação entre concelhos entre as 00h00
de 31 de dezembro e as 5h de 4 de janeiro de 2021; é permitida a circulação na via pública na noite de Ano
Novo até às 2h00 e, no dia 1 de janeiro até às 23h; os restaurantes podem
funcionar, na noite de 31 de dezembro, até à 1h e, a 1 de janeiro, o serviço de
almoço pode ir até às 15h30.
Segundo o Chefe do Governo, os concelhos com risco de transmissão de
covid-19 muito elevado e extremamente elevado voltarão
a ter proibição
de circulação na via pública a partir das 13h00 nos fins de semana de 12 e 13 e
de 19 e 20 de dezembro. Está em causa o dever de recolhimento entre as 13h00 e as 5h00 do dia
seguinte.
***
Ao invés do
que disse o Presidente no sentido de que, a verificar-se a situação de
calamidade pública, uns dias antes de expirar o prazo a que respeita a atual
declaração do estado de emergência, seriam ouvidos os partidos e o Governo,
seria solicitada a autorização da Assembleia da República e seria decretada a
renovação da declaração do estado de emergência, o Governo não se limitou a
comunicar a sua intenção da tomada de medidas de alívio ou de agravamento nos
períodos do Natal e do Ano Novo, mas incluiu-as no teor do decreto.
Ora,
tratando-se dum decreto que regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo
Presidente da República, não faz sentido regulamentar o que ainda não está
decretado – o que pode levantar problemas de constitucionalidade orgânica, talvez
não seja inconstitucional por se tratar, regra geral, de medidas de alívio, mas
não deixando de ser medidas restritivas.
Todavia, não
é só esta a enormidade em que o Governo está a incorrer. Não sei quem
aconselhou o Governo a decretar a proibição de circulação na via pública em
sábados, domingos e feriados – o que se mantém com exceção do Natal e Ano Novo
– das 13 horas às 5 horas do dia seguinte e, nas vésperas de feriado, das 15
horas às 5 horas do dia seguinte, obviamente com o encerramento da maior parte
dos estabelecimentos comerciais, incluindo restaurantes.
Na verdade,
o que resulta é que nos estabelecimentos se concentram assustadoramente
inúmeras pessoas, que não podem guardar a respetiva distância de segurança umas
das outras. Na verdade, quem trabalha a semana inteira e tem de gastar horas na
ida para o trabalho e no regresso, não dispõe de tempo para ir às compras da
semana e é possível que precise de sair da sua exígua habitação para dar uma
volta. Por isso, a proibição de circulação naqueles períodos de tempo, com
áreas comerciais encerradas, produz o efeito contrário ao desejado.
Parece que o
confinamento se tornou uma inevitabilidade, talvez para suprir a deficiência do
sistema de saúde. Porém, leva a situações contraditórias, tais como: faz-se
etiqueta respiratória com máscara; chama-se à máscara e à viseira equipamentos
de proteção individual, quando, na maior parte dos casos, elas não protegem
quem as usa, mas as pessoas com quem o indivíduo se cruza (aliás, não
há máscaras ou viseiras coletivas); na maior
parte das vezes, os dois metros de distância medem entre 40 a 60 centímetros (bem longe
dos 200 cm); chama-se
ao distanciamento físico distanciamento social (este queremos combatê-lo e
minimizá-lo); dizemos
que o vírus se propaga em habitações sobrelotadas, mas urgimos a recolha a casa
por parte de infetados e suspeitos; dizemos que se contrai o vírus em ambiente
laboral, mas nem sempre cuidamos das boas condições de trabalho; afirmamos que
a escola é fautora da contaminação, mas não investimos o suficiente na
ampliação e preservação dos espaços escolares, muito menos no controlo da
acumulação de pessoas à entrada; temos uma fé inquebrantável na vacina, mesmo
sem a EMA ter aprovado os diversos tipos, mas aceitamos que a sua ministração
se prolongue pelo espaço de um ano; somos União Europeia, mas permitimos que a
vacina tenha sido produzida, não num regime cooperativo, mas num regime
fortemente concorrencial, levando a que alguns tenham enriquecido
descomunalmente; acreditamos que a crise atingiu a todos, mas aceitamos que
alguns se tenham locupletado à custa do negócio de máscaras, ventiladores,
viseiras, zaragatoas, fatiotas de proteção sanitária, gel alcoólico e suportes
para ele, açambarcamento de medicamentos e muitos produtos alimentares; e
permite-se a abertura de restaurantes a 24 e 25 de dezembro, quando muitos não
funcionavam nos anos anteriores, a não ser nalguns lugares.
***
Por fim, na
linha das ambiguidades, uma pérola linguística: “Nos próximos fins se semana, o nosso horário de abertura é das 9 horas
às 13 horas”. Se fosse horário de funcionamento, percebia-se, mas sendo de
abertura, é de perguntar se a abertura poderá ser a qualquer momento daquele
intervalo temporal ou se o estabelecimento estará sempre a abrir e a fechar
como a porta automática ou se faz como carro a alta velocidade na estrada, que
“vai sempre a abrir”.
Faz-me
lembrar o letreiro numa casa de Lamego “Fabrico
de calçado manual”, quando era fabrico manual de calçado (e não
luvas), o caso do café em que se anunciava
que a utilização da casa de banho só era permitida aos “nossos clientes
exclusivos” ou o do outro em que se preceituava que “as nossas instalações
sanitárias só estão disponíveis para quem se comprometa a consumir o produto”,
bem como os casos da venda de chapéus “para homens de palha”, da venda de
“pentes para senhoras de osso”, do fabrico de adornos para homens de chifre, do
emigrante em França que, regressado a Portugal, perguntava se num sítio do
cheque era para pôr a quantia por extenso e noutro era para “pôr os chifres” ou
o do catraio que pediu na farmácia: “Senhor
Pereira, por favor, dê-me 10 tostões de aguardente para a minha mãe canforada
que partiu uma perna dentro desta garrafa”.
Pior do que
isso foi o caso duma alta funcionária do ME (Ministério da Educação), que me queria informar sobre professores contratados
até “31 de julho” e sobre professores contratados até “31 de setembro” (ao tempo,
havia dois horizontes contratuais de professores com o ME). E ia a zangar-se comigo pelo facto de eu a emendar
para “30 de setembro”.
É óbvio que
muitas ambiguidades não têm origem na governança, mas na leveza com que muitos
tratam as coisas. Não obstante, ao Governo compete, além da execução da lei – e
produção de algumas leis – a administração, que deve ter forte componente
comunicacional e uma certa componente pedagógica e servir de exemplo no
cumprimento arejado da nossa lei fundamental.
2020.12.05 –
Louro de Carvalho
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