Pelo Decreto do Presidente da República n.º
66-A/2020, de 17 de dezembro, foi renovada a declaração do estado de emergência
para todo o território nacional com início às 00h00 do dia
24 de dezembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia 7 de janeiro de 2021, sem
prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei.
Tal renovação sucede à anterior, que resultou do Decreto do Presidente da
República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro – tudo em conformidade com a
Constituição e a Lei n.º 44/86, de 30 de setembro (na
sua redação atual), que estabelece o regime do estado de sítio e do estado
de emergência. E o Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro, que regulamenta a
aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, já
antecipava a definição das regras especiais para o período do Natal e do Ano
Novo, para vigorar entre as 00:00 h de 24 de dezembro de 2020 e as 23:59 h de 7
de janeiro de 2021”, caso fosse renovada a declaração de estado de emergência. Nestes
termos, o art.º 1.º estipula que “o
presente decreto regulamenta a prorrogação do estado de emergência efetuada
pelo Decreto do
Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de
dezembro, bem como a eventual renovação do mesmo”.
Entretanto, é de registar que o novel decreto
presidencial traz uma inovação relativamente ao anterior, a inclusão da norma
seguinte:
“A violação do disposto na declaração do
estado de emergência, incluindo na sua execução, faz incorrer os respetivos
autores em crime de desobediência, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual” (art. 6.º).
E, de acordo com o respetivo comunicado e as
explicações do Primeiro-Ministro, o Conselho de Ministros aprovou, no dia 17, o decreto que regulamenta a prorrogação do estado de
emergência decretado pelo Presidente da República, em todo o território
continental, no período entre as 00h00 do dia 24 de dezembro de 2020 e as 23h59
do dia 7 de janeiro, cujo teor é:
“Tendo por base a reavaliação da situação
epidemiológica no país, o Conselho de Ministros atualizou a lista dos
concelhos de risco, manteve as regras anteriormente definidas para o período do
Natal e procedeu ao agravamento das medidas para o período do Ano Novo.
“Foi, então, decidido: aplicar a proibição
de circulação na via pública a partir das 23h00 do dia 31 de dezembro, e nos
dias 1, 2 e 3 de janeiro a partir das 13h00, mantendo-se a proibição de
circulação entre concelhos entre as 00h00 do dia 31 de dezembro de 2020 e as
05h00 do dia 4 de janeiro de 2021, salvo por motivos de saúde, de urgência
imperiosa ou outros especificamente previstos; rever os horários de
funcionamento dos restaurantes, em todo o território continental,
estabelecendo-se que, no dia 31 de dezembro, o funcionamento é permitido até às
22h30; e nos dias 1, 2 e 3 de janeiro até às 13h00, exceto para entregas ao
domicílio.”.
O Presidente
da República alertara, em meados
de outubro, para a necessidade de “repensar o Natal em família”, de modo
que os portugueses viessem a adaptar esta época festiva às circunstâncias da
pandemia. E, o Governo, tendo anunciado preliminarmente um alívio das medidas
para o Natal e Ano Novo, mantém as medidas para o Natal, mas endurece-as para o
Ano Novo, pois, considerando como certo este equilíbrio, confia em que as
famílias “farão esforço para se organizarem e, como o fenómeno do início de Ano
Novo ultrapassa em muito a dinâmica familiar, as restrições justificam-se na
ocasião.
Face a tais disposições, sobretudo no atinente
ao alívio das medidas de restrição no Natal, são de ter em conta as posições
dos especialistas, que não são unânimes, mas que apontam para um conjunto de
comportamentos sobre os quais há um mínimo de consensualidade.
Não obstante, alguns especialistas entendem que o Governo devia ter dado
algumas orientações relativamente ao número de pessoas por agregado familiar e avisam
que é preciso dar “recomendações muito claras e objetivas” aos cidadãos para
que possam ter um Natal em segurança, com o mínimo risco possível.
Carlos Robalo Cordeiro (diretor serviço de Pneumologia dos Hospitais da
Unidade de Coimbra e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia) esperava a reavaliação das medidas, não havendo
aligeiramento, por ver nas orientações “convite ao
convívio” e “porta aberta” para um aumento significativo do
número de casos em final de janeiro e fevereiro. Com efeito, os números
não aconselham abertura; e a Europa vai pela via do acréscimo das restrições.
Para Ricardo Mexia (presidente da Associação Nacional dos Médicos de
Saúde Pública – ANMSP), é muito
importante as pessoas perceberem que o problema não está resolvido”, mesmo
pensando na “potencial solução que é a vacina”, pois “ainda vai demorar algum
tempo” até se conseguir “vacinar uma proporção suficientemente elevada da
população”, de modo a proteger “os mais vulneráveis e evitar que a doença se
propague”. E, como Portugal regista “um número elevado de casos a
nível nacional”, não é “altura de baixar a guarda”.
Por seu turno, Francisco George (presidente da Cruz Vermelha Portuguesa – CVP e
antigo Diretor-Geral da Saúde), confiando
em que “as autoridades de saúde tudo farão para definir melhor a situação no
futuro próximo”, considera que as medidas serão certamente as
mais indicadas.
Segundo estimativa dos investigadores do Instituto de Saúde Pública da
Universidade do Porto, apresentada na última reunião do Infarmed, citada
pelo Expresso (acesso pago), se os
números continuarem a descer ao ritmo das últimas semanas, haverá, no mínimo,
cerca de 20 mil portugueses infetados no Natal, sem que a maioria das pessoas o
saiba, já que poderão estar assintomáticas ou com sintomas ligeiros. Por outro
lado, os números da mortalidade disparam de dia para dia, podendo registar Portugal
um acréscimo de 800 a 1.500 óbitos em janeiro, no caso do levantamento das
restrições, como fora planeado.
Na verdade, um dos grandes entraves ao combate desta pandemia é o facto de
o contágio ser silencioso, sendo na quadra natalícia os contactos
consideravelmente superiores ao habitual.
Na sobredita reavaliação, o Governo não definiu um número de pessoas que se
podem juntar em cada habitação, tendo Costa, com base na relação de confiança, justificado
a decisão pelo facto de os portugueses terem “demonstrado um enorme bom senso
nesta pandemia”. Contudo, avisou que “as pessoas têm de ter consciência disso”,
pois “não é por acaso que os grandes momentos de contaminação têm sido os
convívios sociais”. E o presidente da ANMSP admite que é difícil dar um número
relativamente ao número de pessoas que se possam reunir por agregado, já
que o risco não é “0 ou 100%”, mas adverte que, quanto maiores forem os
agregados, maior será o risco, pelo que esta situação pode “multiplicar” o
risco. Porém, como se trata de época particularmente ligada à família,
aconselha a que os contactos fora do agregado familiar sejam minimizados ao
máximo e as famílias optem pelo desfasamento dos encontros. E o presidente da
CVP entende que, havendo menos pessoas à mesa, “o espaço é ocupado por
menos membros” e, havendo mais ventilação”, há menos riscos. Até compara com a lotaria:
“Quanto maior for o número de cautelas
adquiridas, maior é a probabilidade de sair a lotaria”.
Já o diretor serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra
alerta para o “preço” por se aligeirarem as medidas e considera que se deve privilegiar o encontro das pessoas, que normalmente que se
encontram, isto é, as que vivem na mesma casa ou se juntam regularmente,
já que, nos encontros de pessoas que não estão normalmente juntas, poder-se-á
“não conhecer o risco umas das outras”, agravando, por isso, a possibilidade de
transmissão do vírus. E o antigo diretor da DGS sugere, por exemplo, que as
famílias façam “as refeições em regime buffet“, o que
permite ter um maior distanciamento do que se estiverem sentados à mesa.
No tocante às refeições, o presidente da ANMSP recomenda que a “disposição
à mesa” respeite os “agregados familiares de origem”, por ajudar “a diminuir o
risco nos momentos em que as pessoas não têm a máscara posta”, e as famílias
reduzam o “tempo das refeições”. E o diretor serviço de Pneumologia dos
Hospitais da Unidade de Coimbra avisa que se deve manter a “máxima distância
possível enquanto estão à mesa”.
Em geral, os especialistas recomendam que nestes encontros familiares todos os membros utilizem máscara, tirando-a apenas no período da
refeição, e tomem todas as outras três “regras de ouro”: distanciamento físico, higienização das mãos e etiqueta
respiratória.
E, quanto a orientações mais genéricas, todos concordam que é “fundamental”
assegurar que todas as pessoas infetadas ou que desenvolvem
sintomas não devem participar nas reuniões familiares e que os
contactos devem ser reduzidos ao máximo, aconselhando que se evitem “todos os
encontros não essenciais”. Ou seja, sem proporem “isolamento pré-festividades”,
entendem que será útil as pessoas poderem “reduzir de forma quase total esses
contactos”. Por outro lado, os espaços devem ser
frequentemente arejados, de preferência através da ventilação natural, isto
é, as janelas, pois, como recorda o presidente da CVP, “a
ventilação é fundamental, é tão importante como usar máscara”; e, se
possível, os encontros devem ser realizados no exterior ou em “espaços mais
amplos e mais arejados”.
Mas há um ponto que não reúne consenso entre os especialistas: muita gente
está a marcar testes de despiste à covid-19 para os dias que antecedem o Natal,
para se poder reunir com a família. O presidente da ANMSP, admitindo
que estes testes podem “ajudar a identificar alguns casos que existam na
comunidade e que não estejam ainda diagnosticados”, alerta que este mecanismo deve ser utilizado como “complemento” a todas
as medidas anteriormente mencionadas “e não como alternativa”. O
presidente da CVP, concordando, admite que “é um fator de segurança”, mas avisa
que a capacidade instalada de testes rápidos “não é universal”, podendo
existir, por isso, um “estrangulamento entre a procura e a oferta”. No polo
oposto, o diretor serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra defende
que esta tendência “é um engano brutal”, pois os testes de antigénio (testes
rápidos) “não têm a mesma fiabilidade dos
testes de PCR” (os de zaragatoa) e são mais
eficazes quando as pessoas têm sintomas ou quando a carga viral é maior. Assim,
pode alguém assintomático, com dois a três dias de contacto com um
infetado (tendo ainda, portanto, uma carga viral baixa) fazer o teste no dia 23, mas no
dia 24 e 25 já não ter a segurança de que poder não estar já com uma carga
viral que possa fazer com que seja contagioso. Por isso, o
especialista considera que deve existir um aconselhamento “pragmático, muito
transparente e muito claro” para que possa ser entendido pela população
relativamente aos riscos que acarretam estes períodos festivos. Porém, o presidente da ANMSP sustenta que “nem só de medidas
restritivas se faz o combate à pandemia”, pelo que apela ao reforço da
capacidade resposta do SNS, salientando a importância de interromper as cadeias
de transmissão, pois, “além das regras, deve haver recomendações
muito objetivas que as pessoas possam adotar para reduzir os riscos, já que
exortar ao bom senso é demasiado genérico e não permite que as pessoas percebam
o que podem e devem fazer.
***
Neste contexto, a DGS elencou, para esta época
natalícia, um decálogo de recomendações, a que Rui Portugal, o subdiretor-geral, deu pública voz.
Da redução dos contactos ao máximo, ao tempo dos
encontros familiares, passando pelo arejamento e desinfeção dos espaços, são estas
as 10 recomendações da DGS para
que os portugueses tenham o Natal com o mínimo risco possível de transmissão do
vírus de covid-19:
- Cumprir todas as regras que estejam em vigor nesta
quadra referentes ao concelho, à região e
ao país, em termos da mobilidade e das restrições sobre ajuntamentos de pessoas;
- Ajudar quem esteja sujeito a isolamento profilático
ou esteja infetado a cumprir esse “dever, obrigação e solidariedade”,
permanecendo isolado (sendo que “distanciamento físico” não
significa “afastamento familiar”, pelo que as pessoas que lhes estão próximas
devem prestar todo o auxílio);
- Reduzir os contactos antes desta quadra festiva e
durante este período, pelo que, em vez de se
estabelecerem contactos e se socializar “com um número vasto de pessoas”, se
deve tentar “reduzir esse número de pessoas substancialmente”;
- Reduzir o tempo exposição em todos os contactos nesta época
festiva – em vez de estar juntos três, quatro ou cinco horas, tentar
estar juntos, com um tempo mais limitado, de duas, três horas ou de uma hora”,
bem como fazer os encontros em espaços exteriores sempre que
possível;
- Minimizar os contactos fora do agregado familiar, isto é, daqueles que não coabitem (irmãos,
pais, tios e sobrinhos), como “regra
para considerar a família nesta época em especial”;
- Limitar, de preferência, todos os contactos ao agregado familiar
habitual, sendo que o contexto fora do agregado
familiar deve ser realizado desejavelmente por meios digitais, telefonemas, por
vistas rápidas no quintal de uns e outros, ou no patamar das
escadas, com distanciamento físico;
- Manter distanciamento físico (entre
1,5 metros e 2 metros) em
todas as situações (nas
deslocações, nas cozinhas, nos convívios e nas salas) e evitar de todos os cumprimentos tradicionais;
- Promover o arejamento dos espaços, sendo que o risco é menor em espaços maiores, e
desinfetar frequentemente as superfícies;
- Lavar/desinfetar as mãos, seguir a etiqueta
respiratória, utilizar máscara em
espaços fechados e interiores “se não conseguirmos garantir o distanciamento
social” (digo,
distanciamento físico);
- Evitar a partilha de objetos e o consumo de substâncias que promovam contactos
físicos.
Em fim, os jornais até registaram a verbalização: “utilização moderada e racional de substâncias que possam contribuir
para o aumento da afetividade”.
***
Importa que o Natal seja vivido e celebrado no seu espírito fundamental em
consonância com o credo religioso perfilhado por cada pessoa e comunidade ou
com a empatia que a cultura ajudou a criar e a consolidar. Porém, que as
restrições impostas ou aconselhadas levem a moderar o consumismo e a evitar o indesejável
atropelo à saúde pessoal, familiar e pública. E não vá o diabo tecê-las, por
exemplo, com doenças letais provocadas por indevido arejamento e/ou exposição a
correntes de ar, sujeição a outras viroses que não a covid-19, excesso de frio (hipotermia)
por abuso de espaços exteriores ou
angústia por solidão e falta de afeto.
Não interessa propriamente salvar o Natal, mas salvarmo-nos com o Natal, no
Natal e pelo Natal. O homem não foi feito para o Natal. Ao invés, o Natal é a
oferta de Deus aos homens e a nós compete-nos merecê-lo, expandi-lo e colher todos
os seus frutos religiosos, culturais e civilizacionais, de modo que ninguém fique
de fora ou para trás.
2020.12.18 –
Louro de Carvalho
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