sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Restrições – alívio no Natal e agravamento no Ano Novo

 

Pelo Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020, de 17 de dezembro, foi renovada a declaração do estado de emergência para todo o território nacional com início às 00h00 do dia 24 de dezembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia 7 de janeiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei.

Tal renovação sucede à anterior, que resultou do Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro – tudo em conformidade com a Constituição e a Lei n.º 44/86, de 30 de setembro (na sua redação atual), que estabelece o regime do estado de sítio e do estado de emergência. E o Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro, que regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, já antecipava a definição das regras especiais para o período do Natal e do Ano Novo, para vigorar entre as 00:00 h de 24 de dezembro de 2020 e as 23:59 h de 7 de janeiro de 2021”, caso fosse renovada a declaração de estado de emergência. Nestes termos, o art.º 1.º estipula que “o presente decreto regulamenta a prorrogação do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro, bem como a eventual renovação do mesmo”.

Entretanto, é de registar que o novel decreto presidencial traz uma inovação relativamente ao anterior, a inclusão da norma seguinte:

A violação do disposto na declaração do estado de emergência, incluindo na sua execução, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual” (art. 6.º).

E, de acordo com o respetivo comunicado e as explicações do Primeiro-Ministro, o Conselho de Ministros aprovou, no dia 17, o decreto que regulamenta a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, em todo o território continental, no período entre as 00h00 do dia 24 de dezembro de 2020 e as 23h59 do dia 7 de janeiro, cujo teor é:

Tendo por base a reavaliação da situação epidemiológica no país, o Conselho de Ministros atualizou a lista dos concelhos de risco, manteve as regras anteriormente definidas para o período do Natal e procedeu ao agravamento das medidas para o período do Ano Novo.

Foi, então, decidido: aplicar a proibição de circulação na via pública a partir das 23h00 do dia 31 de dezembro, e nos dias 1, 2 e 3 de janeiro a partir das 13h00, mantendo-se a proibição de circulação entre concelhos entre as 00h00 do dia 31 de dezembro de 2020 e as 05h00 do dia 4 de janeiro de 2021, salvo por motivos de saúde, de urgência imperiosa ou outros especificamente previstos; rever os horários de funcionamento dos restaurantes, em todo o território continental, estabelecendo-se que, no dia 31 de dezembro, o funcionamento é permitido até às 22h30; e nos dias 1, 2 e 3 de janeiro até às 13h00, exceto para entregas ao domicílio.”.

O Presidente da República alertara, em meados de outubro, para a necessidade de “repensar o Natal em família”, de modo que os portugueses viessem a adaptar esta época festiva às circunstâncias da pandemia. E, o Governo, tendo anunciado preliminarmente um alívio das medidas para o Natal e Ano Novo, mantém as medidas para o Natal, mas endurece-as para o Ano Novo, pois, considerando como certo este equilíbrio, confia em que as famílias “farão esforço para se organizarem e, como o fenómeno do início de Ano Novo ultrapassa em muito a dinâmica familiar, as restrições justificam-se na ocasião. 

Face a tais disposições, sobretudo no atinente ao alívio das medidas de restrição no Natal, são de ter em conta as posições dos especialistas, que não são unânimes, mas que apontam para um conjunto de comportamentos sobre os quais há um mínimo de consensualidade. 

Não obstante, alguns especialistas entendem que o Governo devia ter dado algumas orientações relativamente ao número de pessoas por agregado familiar e avisam que é preciso dar “recomendações muito claras e objetivas” aos cidadãos para que possam ter um Natal em segurança, com o mínimo risco possível.

Carlos Robalo Cordeiro (diretor serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia) esperava a reavaliação das medidas, não havendo aligeiramento, por ver nas orientações “convite ao convívio” e “porta aberta” para um aumento significativo do número de casos em final de janeiro e fevereiro. Com efeito, os números não aconselham abertura; e a Europa vai pela via do acréscimo das restrições.

Para Ricardo Mexia (presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública – ANMSP), é muito importante as pessoas perceberem que o problema não está resolvido”, mesmo pensando na “potencial solução que é a vacina”, pois “ainda vai demorar algum tempo” até se conseguir “vacinar uma proporção suficientemente elevada da população”, de modo a proteger “os mais vulneráveis e evitar que a doença se propague”. E, como Portugal regista “um número elevado de casos a nível nacional”, não é “altura de baixar a guarda”.

Por seu turno, Francisco George (presidente da Cruz Vermelha Portuguesa – CVP e antigo Diretor-Geral da Saúde), confiando em que “as autoridades de saúde tudo farão para definir melhor a situação no futuro próximo”, considera que as medidas serão certamente as mais indicadas.

Segundo estimativa dos investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, apresentada na última reunião do Infarmed, citada pelo Expresso (acesso pago), se os números continuarem a descer ao ritmo das últimas semanas, haverá, no mínimo, cerca de 20 mil portugueses infetados no Natal, sem que a maioria das pessoas o saiba, já que poderão estar assintomáticas ou com sintomas ligeiros. Por outro lado, os números da mortalidade disparam de dia para dia, podendo registar Portugal um acréscimo de 800 a 1.500 óbitos em janeiro, no caso do levantamento das restrições, como fora planeado.

Na verdade, um dos grandes entraves ao combate desta pandemia é o facto de o contágio ser silencioso, sendo na quadra natalícia os contactos consideravelmente superiores ao habitual.

Na sobredita reavaliação, o Governo não definiu um número de pessoas que se podem juntar em cada habitação, tendo Costa, com base na relação de confiança, justificado a decisão pelo facto de os portugueses terem “demonstrado um enorme bom senso nesta pandemia”. Contudo, avisou que “as pessoas têm de ter consciência disso”, pois “não é por acaso que os grandes momentos de contaminação têm sido os convívios sociais”. E o presidente da ANMSP admite que é difícil dar um número relativamente ao número de pessoas que se possam reunir por agregado, já que o risco não é “0 ou 100%”, mas adverte que, quanto maiores forem os agregados, maior será o risco, pelo que esta situação pode “multiplicar” o risco. Porém, como se trata de época particularmente ligada à família, aconselha a que os contactos fora do agregado familiar sejam minimizados ao máximo e as famílias optem pelo desfasamento dos encontros. E o presidente da CVP entende que, havendo menos pessoas à mesa, “o espaço é ocupado por menos membros” e, havendo mais ventilação”, há menos riscos. Até compara com a lotaria: “Quanto maior for o número de cautelas adquiridas, maior é a probabilidade de sair a lotaria”.

Já o diretor serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra alerta para o “preço” por se aligeirarem as medidas e considera que se deve privilegiar o encontro das pessoas, que normalmente que se encontram, isto é, as que vivem na mesma casa ou se juntam regularmente, já que, nos encontros de pessoas que não estão normalmente juntas, poder-se-á “não conhecer o risco umas das outras”, agravando, por isso, a possibilidade de transmissão do vírus. E o antigo diretor da DGS sugere, por exemplo, que as famílias façam “as refeições em regime buffet“, o que permite ter um maior distanciamento do que se estiverem sentados à mesa.

No tocante às refeições, o presidente da ANMSP recomenda que a “disposição à mesa” respeite os “agregados familiares de origem”, por ajudar “a diminuir o risco nos momentos em que as pessoas não têm a máscara posta”, e as famílias reduzam o “tempo das refeições”. E o diretor serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra avisa que se deve manter a “máxima distância possível enquanto estão à mesa”.

Em geral, os especialistas recomendam que nestes encontros familiares todos os membros utilizem máscara, tirando-a apenas no período da refeição, e tomem todas as outras três “regras de ouro”: distanciamento físico, higienização das mãos e etiqueta respiratória.

E, quanto a orientações mais genéricas, todos concordam que é “fundamental” assegurar que todas as pessoas infetadas ou que desenvolvem sintomas não devem participar nas reuniões familiares e que os contactos devem ser reduzidos ao máximo, aconselhando que se evitem “todos os encontros não essenciais”. Ou seja, sem proporem “isolamento pré-festividades”, entendem que será útil as pessoas poderem “reduzir de forma quase total esses contactos”. Por outro lado, os espaços devem ser frequentemente arejados, de preferência através da ventilação natural, isto é, as janelas, pois, como recorda o presidente da CVP, “a ventilação é fundamental, é tão importante como usar máscara”; e, se possível, os encontros devem ser realizados no exterior ou em “espaços mais amplos e mais arejados”.

Mas há um ponto que não reúne consenso entre os especialistas: muita gente está a marcar testes de despiste à covid-19 para os dias que antecedem o Natal, para se poder reunir com a família. O presidente da ANMSP, admitindo que estes testes podem “ajudar a identificar alguns casos que existam na comunidade e que não estejam ainda diagnosticados”, alerta que este mecanismo deve ser utilizado como “complemento” a todas as medidas anteriormente mencionadas “e não como alternativa”. O presidente da CVP, concordando, admite que “é um fator de segurança”, mas avisa que a capacidade instalada de testes rápidos “não é universal”, podendo existir, por isso, um “estrangulamento entre a procura e a oferta”. No polo oposto, o diretor serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra defende que esta tendência “é um engano brutal”, pois os testes de antigénio (testes rápidos) “não têm a mesma fiabilidade dos testes de PCR” (os de zaragatoa) e são mais eficazes quando as pessoas têm sintomas ou quando a carga viral é maior. Assim, pode alguém assintomático, com dois a três dias de contacto com um infetado (tendo ainda, portanto, uma carga viral baixa) fazer o teste no dia 23, mas no dia 24 e 25 já não ter a segurança de que poder não estar já com uma carga viral que possa fazer com que seja contagioso. Por isso, o especialista considera que deve existir um aconselhamento “pragmático, muito transparente e muito claro” para que possa ser entendido pela população relativamente aos riscos que acarretam estes períodos festivos. Porém, o presidente da ANMSP sustenta que “nem só de medidas restritivas se faz o combate à pandemia”, pelo que apela ao reforço da capacidade resposta do SNS, salientando a importância de interromper as cadeias de transmissão, pois, “além das regras, deve haver recomendações muito objetivas que as pessoas possam adotar para reduzir os riscos, já que exortar ao bom senso é demasiado genérico e não permite que as pessoas percebam o que podem e devem fazer.

***

Neste contexto, a DGS elencou, para esta época natalícia, um decálogo de recomendações, a que Rui Portugal, o subdiretor-geral, deu pública voz.

Da redução dos contactos ao máximo, ao tempo dos encontros familiares, passando pelo arejamento e desinfeção dos espaços, são estas as 10 recomendações da DGS para que os portugueses tenham o Natal com o mínimo risco possível de transmissão do vírus de covid-19:

- Cumprir todas as regras que estejam em vigor nesta quadra referentes ao concelho, à região e ao país, em termos da mobilidade e das restrições sobre ajuntamentos de pessoas;

- Ajudar quem esteja sujeito a isolamento profilático ou esteja infetado a cumprir esse “dever, obrigação e solidariedade”, permanecendo isolado (sendo que “distanciamento físico” não significa “afastamento familiar”, pelo que as pessoas que lhes estão próximas devem prestar todo o auxílio);

- Reduzir os contactos antes desta quadra festiva e durante este período, pelo que, em vez de se estabelecerem contactos e se socializar “com um número vasto de pessoas”, se deve tentar “reduzir esse número de pessoas substancialmente”;

- Reduzir o tempo exposição em todos os contactos nesta época festiva – em vez de estar juntos três, quatro ou cinco horas, tentar estar juntos, com um tempo mais limitado, de duas, três horas ou de uma hora”, bem como fazer os encontros em espaços exteriores sempre que possível;

- Minimizar os contactos fora do agregado familiar, isto é, daqueles que não coabitem (irmãos, pais, tios e sobrinhos), como “regra para considerar a família nesta época em especial”;

- Limitar, de preferência, todos os contactos ao agregado familiar habitual, sendo que o contexto fora do agregado familiar deve ser realizado desejavelmente por meios digitais, telefonemas, por vistas rápidas no quintal de uns e outros, ou no patamar das escadas, com distanciamento físico;

- Manter distanciamento físico (entre 1,5 metros e 2 metros) em todas as situações (nas deslocações, nas cozinhas, nos convívios e nas salas) e evitar de todos os cumprimentos tradicionais;

- Promover o arejamento dos espaços, sendo que o risco é menor em espaços maiores, e desinfetar frequentemente as superfícies;

- Lavar/desinfetar as mãos, seguir a etiqueta respiratória, utilizar máscara em espaços fechados e interiores “se não conseguirmos garantir o distanciamento social” (digo, distanciamento físico);

- Evitar a partilha de objetos e o consumo de substâncias que promovam contactos físicos.

Em fim, os jornais até registaram a verbalização: “utilização moderada e racional de substâncias que possam contribuir para o aumento da afetividade”.

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Importa que o Natal seja vivido e celebrado no seu espírito fundamental em consonância com o credo religioso perfilhado por cada pessoa e comunidade ou com a empatia que a cultura ajudou a criar e a consolidar. Porém, que as restrições impostas ou aconselhadas levem a moderar o consumismo e a evitar o indesejável atropelo à saúde pessoal, familiar e pública. E não vá o diabo tecê-las, por exemplo, com doenças letais provocadas por indevido arejamento e/ou exposição a correntes de ar, sujeição a outras viroses que não a covid-19, excesso de frio (hipotermia) por abuso de espaços exteriores ou angústia por solidão e falta de afeto.

Não interessa propriamente salvar o Natal, mas salvarmo-nos com o Natal, no Natal e pelo Natal. O homem não foi feito para o Natal. Ao invés, o Natal é a oferta de Deus aos homens e a nós compete-nos merecê-lo, expandi-lo e colher todos os seus frutos religiosos, culturais e civilizacionais, de modo que ninguém fique de fora ou para trás.   

2020.12.18 – Louro de Carvalho   

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