No dia 21 de dezembro, o Presidente da República Marcelo Nuno Duarte Rebelo
de Sousa fez publicar na página Web
da Presidência da República a seguinte nota:
“A Mensagem de Ano Novo do
Presidente da República, no primeiro dia do ano, é uma tradição de muitas
décadas, praticamente desde que há televisão em Portugal.
“Depois do 25 de Abril, todos os
cinco Presidentes da República eleitos depois da Constituição de 1976 dirigiram
tais mensagens aos Portugueses, com duas exceções, a dos Presidentes da
República Mário Soares e Jorge Sampaio, que não o fizeram respetivamente a 1 de
janeiro de 1991 e a 1 de janeiro de 2001, pois se estava em pleno período de
campanha eleitoral para as eleições de 13 de janeiro de 1991 e de 14 de janeiro
de 2001, tendo-se a campanha eleitoral iniciado a 30 de dezembro de 1990 e a 31
de dezembro de 2010, 14 dias antes do ato eleitoral em que foram reeleitos. O
General Ramalho Eanes fez a tradicional mensagem a 1 de janeiro de 1981, mas já
estava reeleito desde 7 de dezembro de 1980. Já em 2011, em que as eleições
presidenciais se desenrolaram a 23 de janeiro, o Presidente Cavaco Silva
proferiu a mensagem a 1 de janeiro, portanto antes do início da campanha
eleitoral.
“Em 2021 as eleições estão previstas
para 24 de janeiro, pelo que o dia 1 é bem antes do início da campanha
eleitoral a 10 de janeiro. No entanto, o Presidente da República decidiu não
dirigir a tradicional mensagem de Ano Novo aos Portugueses, pois participa, na
qualidade de candidato às eleições presidenciais, em debates com outros
candidatos nos dias imediatos.”.
Ficamos assim
a saber que o Presidente da República não pronunciará a tradicional mensagem de
Ano Novo pelo facto de participar “na qualidade de candidato às eleições
presidenciais, em debates com outros candidatos nos dias imediatos”. No entanto,
reconhece que a habitual mensagem “é uma tradição de muitas décadas,
praticamente desde que há televisão em Portugal”. E o Presidente constitui-se
em exceção porquanto os seus antecessores que, apesar de serem recandidatos e reeleito
um deles, não se esquivaram à emissão de tal mensagem pelo facto de o dia 1 de
janeiro não lhes ter caído em tempo de campanha eleitoral. Com efeito, apenas
dois – Mário Soares e Jorge Sampaio – não pronunciaram a predita mensagem, a 1
de janeiro de 1991 e a 1 de janeiro de 2001, respetivamente, “pois se estava em
pleno período de campanha eleitoral”.
Em 2021 as
eleições estão previstas para 24 de janeiro, pelo que o dia 1 é bem antes do
início da campanha eleitoral a 10 de janeiro, nada obstando à emissão da
conveniente mensagem.
Ora bem, além da sua relevância pelo conteúdo, a mensagem constitui uma cortesia
em que o símbolo máximo da identidade nacional se dirige aos seus concidadãos. Por
isso, em meu entender, nada justifica a omissão deste ato dum Chefe de Estado
para com o povo, sobretudo quando técnica e formalmente não se está em campanha
eleitoral. E, ainda que o dia do início do Ano Novo caísse em tempo de campanha
eleitoral, o Presidente não devia prescindir deste ato de cortesia para com os
portugueses, não colhendo o exemplo de dois dos antecessores acima referidos. O
que é de exigir ao Presidente que se recandidatou é que saiba distinguir as
águas, ou seja, falar como Presidente quando assume postura de Estado e falar
como candidato nos atos e só nos atos atinentes a essa condição, nomeadamente
comícios, debates e entrevistas.
Na verdade, não é por se recandidatar que o Presidente deixará de promulgar
ou vetar decretos do Parlamento e do Governo, nem de solicitar a apreciação
abstrata da constitucionalidade (prévia ou sucessiva), se tal justificar. Aliás, não pode deixar de cumprir todas as
formalidades inerentes à função presidencial, como receber embaixadores, Primeiro-Ministro
e partidos políticos. E nada disto impede que um Presidente apresente a sua
candidatura quando o entender, desde que no estrito cumprimento nos prazos determinados
pela Constituição e pela Lei, como nada impede ou impõe que temporariamente se faça
tabu duma recandidatura. E Marcelo anunciou a sua recandidatura no dia 7 de
dezembro.
Quanto à mensagem de Ano Novo, se não tem significado, é melhor suprimi-la ordinariamente;
se o tem pelo conteúdo e como ato salutatório deveria manter-se. E, caso o Presidente
estivesse impedido, entraria em funções o Presidente substituto. Além disso, o Presidente
podia delegar.
O que digo da Mensagem de Ano digo-o de outros atos da República tais como
a celebração do 25 de Abril, do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
ou do 5 de Outubro. Tudo o que se
traduza em omissão ou redução na comemoração destas efemérides nacionais. E não
é por terem sido encontradas soluções diferentes no passado que elas se terão
como boas.
Só para dar um exemplo. Houve um ano em que o 25 de Abril teve uma celebração
sui generis no Palácio de Belém com a
presença dos Presidentes eleitos em democracia. É certo que o Parlamento estava
dissolvido. Porém, nem a Democracia estava suspensa nem o Palácio de São Bento
estava fechado e, como estabelece o n.º 3 do art.º 177.º da Constituição, “a dissolução da Assembleia
não prejudica a subsistência do mandato dos Deputados, nem da competência
da Comissão Permanente, até à primeira reunião da Assembleia após as
subsequentes eleições”. Ou seja, as cerimónias poderiam ter sido feitas em sede da Assembleia da
República, com a Comissão Permanente e os convidados que o protocolo
estabelecesse.
***
Apesar de Marcelo não
querer intervir em assuntos de Estado como candidato, não se tem mostrado imune
a essa contaminação. Ainda nestes dias referiu que, se o caso do SEF for
sistémico, terá de haver remodelação e os protagonistas de ontem não poderão
ser os protagonistas de amanhã. E ultimamente deu mostras de pressionar o
Primeiro-Ministro a substituir o Ministro da Administração Interna, como avisou
a Ministra da Saúde de que não quer o calendário de vacinação a falhar.
Sobre o
Ministro da Administração Interna, lembrou que fez declarações similares
às que proferiu após os fogos em relação a Constança Urbano de Sousa, mas que nada
acontecera desta vez porque não “houve pedido de exoneração”. Usualmente cuidadoso no léxico, o Presidente da República abdicou agora
da subtileza dizendo que o titular da pasta da Administração Interna só
continua em funções, depois do homicídio de Ihor Homeniuk às mãos de inspetores
do SEF, porque António Costa assim o quis. Aliás, as declarações
peregrinas do Diretor Nacional da PSP são bem um exemplo do que o Presidente
queria dizer.
É certo que recusou adiantar se o Ministro tem
condições políticas para continuar no cargo (“o candidato é Presidente até 9 de março”), mas lembrou que, depois dos fogos de 2017, Constança
foi afastada graças a “uma expressão paralela” e, empurrando as
responsabilidades para o Palacete de São Bento, disse não ter conhecimento de que “tenha havido pedido nem
proposta de exoneração do senhor ministro da Administração Interna”.
Ainda sobre a morte do cidadão ucraniano, Marcelo assegurou que não podia “dizer
nada nem fazer nada que antecipasse” a investigação e o “juízo criminal”. E, em
consequências políticas, realçou a demissão da diretora do SEF e a
reestruturação daquele organismo.
E, quanto às vacinas para a covid-19, não quer que os portugueses sejam “enganados”
como foram com as da gripe. Por isso, avisou a Ministra da Saúde de que não há margem para erro com a vacinação da covid-19 depois da
oferta insuficiente da vacina da gripe. E, respondendo a Miguel Sousa Tavares,
disse ser “verdade”, que “os portugueses foram enganados” em 2019, algo que não
pode voltar a acontecer, pois, desta vez, empenhou-se “em falar com os
produtores das vacinas” para se informar exatamente sobre as questões
quantitativas e as condições para a administração. Garantiu que “foram
feitas as contas para haver o número de vacinas e tomas para todos” e disse já ter
demonstrado aos partidos da oposição sérias reservas sobre a estratégia
desenhada pelo Governo. Reforçou que “está tudo preparado para na hora atuar”,
esperando que “o calendário não escorregue para lá de março ou abril”.
Quer dizer o Presidente confia mais nos fornecedores que na máquina administrativa
do Governo. Como é que pode garantir que os produtores e distribuidores não falhem
e admite facilmente que a administração pública falhe. Será que o alvo da sua
recandidatura é o Governo e não os outros candidatos presidenciais? Contudo, o
Governo e o PS apoiam Marcelo!
Devo dizer que uma vacinação em massa traz sempre problemas de acesso, insuficiência
e questões de fuga, não havendo máquina que resista por mais oleada que seja. Recordo
que em 2013 não consegui a vacina da gripe e, graças a Deus, não gripei nesse ano.
O maior mal, nestes casos, é a criação da expectativa da abundância e da pressa,
como os comentadores fizeram agora com as vacinas da covid-19, tendo o Governo
sido mais prudente!
No capítulo da pandemia, o Presidente notou que não lhe parece provável que
as medidas sejam apertadas para o Natal, mas garantiu que ele próprio e o
Governo farão “tudo o que for necessário” para impedir ou mitigar uma terceira
vaga (“sabendo o
custo que isso tem para a economia”), sobretudo
quando surge uma nova estirpe, mais resistente, do vírus. E apelou aos portugueses
a que fizessem “um esforço para não estragarem” o que foi alcançado até aqui.
Sobre o folhetim de Tancos, começou por ridicularizar a segurança do paiol
assaltado, falando numa fechadura tipo marquise e dum cadeado similar ao de uma
bicicleta, e antecipou uma decisão judicial “mais rápida do que se temia a
certa altura”. Revelou ter sabido pela agência Lusa que as armas tinham sido encontradas, que não afastou o seu
antigo chefe da Casa Militar – que “passou à reserva” – e que nunca se sentiu
enganado por Azeredo Lopes porque ficou convicto de que ele não sabia do furto
nem das manobras de encobrimento.
Garantindo que, se for reeleito, obedecerá aos mesmos princípios (proximidade,
estabilidade e compromissos no essencial), Marcelo
notou que procurará o reforço da “área de poder para ser sustentável”, mas
também a oposição “para o Presidente dispor de alternativa em caso de crise”.
Não sei se compete ao Chefe de Estado liderar o Governo ou a oposição…
Em todo o caso, vislumbra que “o segundo mandato vai ser
mais difícil”, apontando a pandemia e os seus efeitos económicos e sociais como
maiores ameaças no horizonte, pois, “quanto mais tempo for a pandemia,
maior é a crise” e maior será “o stresse político”.
Em modo de estabilizador, o Presidente deixou escapar nas entrelinhas que
promulgará o Orçamento do Estado para 2021 (Era o que faltava não o promulgar
por ser candidato!), mas recordou
que o próximo ano traz autárquicas e a subsequente “discussão interna” dos
partidos, que poderão trocar de lideranças em 2022. E, como candidato e constitucionalista,
confessou que não vê forma de “dizer que não” a um Governo apoiado pelo Chega,
afastando-se das posições assumidas pelas adversárias Ana Gomes e Marisa
Matias, mas não deixou de sugerir o que faria no lugar dos líderes atuais:
parcerias, sim, mas entre PSD e CDS.
Enfim,
se é tão hábil em separar ou misturar as condições de Presidente em exercício e
de candidato, porque não emite a Mensagem de Ano Novo? Era só mais uma separação-mistura.
Lembro que o ano passado, até competiu com o Primeiro-Ministro em mensagem de Natal.
O Chefe do Governo falou a partir do Palacete de São Bento e o Presidente escreveu
num jornal.
2020.12.22 –
Louro de Carvalho
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