O país
tem estado sobressaltado por via de duas situações escandalosas: o assassinato
dum cidadão ucraniano por elementos do SEF (Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras)
em março passado; e o plano de reestruturação da TAP em curso e de acordo com
as indicações da Comissão Europeia.
O caso
do assassinato do estrangeiro Ihor Homenyuk,
por meios de imobilização e tortura letais, seguido de abandono, por parte de
três inspetores do SEF no Aeroporto Internacional de Lisboa é a todos os
títulos lamentável e condenável, tal como o é a tentativa de cumplicidade e
encobrimento da parte de mais nove, sobretudo num país que diz prezar os
direitos humanos.
O caso
arrasta-se no tempo e o Governo, que tutela aquela organização policial foi
tardo a assumir as responsabilidades políticas e de saneamento administrativo.
É certo que o Ministro da Administração Interna exigiu a demissão dos
responsáveis pelo serviço no aeroporto e mandou instaurar os respetivos
inquéritos e processos disciplinares, tendo comunicado, de imediato, os
resultados ao Ministério Público para efeitos de julgamento, que está previsto
iniciar-se no próximo mês de janeiro.
Entretanto,
as vozes vêm crescendo no sentido da exigência da demissão do governante por
não ter assumido em tempo útil a responsabilidade política do ocorrido, não ter
dado pública explicação bastante e por não ter promovido a justa (tanto
quanto possível)
indeminização por parte do Estado à viúva, tendo sido esta a custear as despesas
da transferência do cadáver para a Ucrânia. Por outro lado, não tomou a
iniciativa de demitir a Diretora-Geral do CEF, que levou imenso tempo a
perceber a pressão e a colocar o lugar à disposição da tutela.
Também é
verdade que o Chefe de Estado, que tem sido tão assíduo a intervir oportuna e
importunamente em tantos casos, designadamente a apresentar condolências por
cada um dos falecidos de que tem conhecimento não se pode escudar na desculpa
de que o processo estava a ser tratado pelo judiciário para não ter dado uma
palavra aos familiares do assassinado.
Não
concordo com a demissão de Eduardo, porque nada resolveria, como não concordei
com a demissão de Jorge Coelho aquando da estrondosa queda da ponte de
Entre-os-Rios. Mais do que a demissão importa o apuramento dos factos e das
eventuais responsabilidades dos governantes e dos diretores-gerais e figuras
análogas. A demissão pura e simples até pode ser cómoda, a não ser que os
responsáveis estejam em vias de serem constituídos arguidos, caso em que ela
pode ser um imperativo legal e/ou ético.
Por
outro lado, não percebo a razão por que o titular dum cargo político –
ministro, secretário de Estado ou diretor-geral e equiparado – questionado
sobre a não apresentação do pedido de demissão, responde que pôs o lugar à
disposição do Primeiro-Ministro ou, se for o caso, do Ministro. É óbvio que
esses lugares estão sempre à disposição do Primeiro-Ministro ou do governante
que tutela diretamente os serviços. O pedido de demissão configura uma atitude
ativa de desvinculamento da função, que obviamente carece de aceitação
superior, que pode ser negada ou acolhida. Outra coisa é a exoneração por
iniciativa do Primeiro-Ministro ou do governante que tutela os serviços. Também
a resposta do Chefe de Estado de que só nomeia ou exonera ministros por
proposta do Primeiro-Ministro é meramente formal, pois, como se diz na minha
terra, há muita maneira de matar moscas. E todos sabemos como, nos bastidores,
as pressões se podem organizar de modo a obter pedidos de demissão. E o atual
Presidente da República não perdeu oportunidades de o mostrar publicamente. Que
o diga Urbano de Sousa!
Obviamente
não concordo com uma determinada figura política que pretendia a demissão do
Ministro porque a predita figura foi exilada e nunca viu um português ser
tratado assim num país estrangeiro. Eu também nunca vi, mas garanto que ninguém
nos chama para tratar mal outra pessoa nas instalações duma polícia ou nas
masmorras dum cárcere.
Agora, o
Governo, que mantém o Ministro, que está fragilizado, assegura aos familiares
do falecido uma indemnização (cujo montante será calculado pela
Provedora de Justiça)
e concretizará a reestruturação do SEF, que estava em agenda e que as
circunstâncias acabaram por precipitar.
Irá a
eventual extinção ou a mera reestruturação resolver, só por si, o problema do
SEF, nomeadamente a entrega de algumas funções a outras polícias?
Pelo
Decreto-Lei n.º 171/74, de 25 de abril, foi extinta a DGS (Direção-Geral
de Segurança), sucessora
da PIDE (Polícia
Internacional de Defesa do Estado), tendo o
diploma atribuído à PJ (Polícia Judiciária) o controlo de estrangeiros em território nacional e à GF (Guarda
Fiscal) a vigilância e fiscalização das
fronteiras – solução provisória e de emergência, face à extinção da DGS.
Porém, não
estando a PJ vocacionada para o desempenho da função de controlo de
estrangeiros, pelo Decreto-Lei n.º 215/74, de 22 de maio, tal função
foi transferida para o Comando-Geral da PSP (Polícia de Segurança Pública), o qual recebeu também as funções de emissão de
passaportes para estrangeiros e a emissão de pareceres sobre pedidos de
concessão de vistos para entrada no País. E a GF manteve a função de vigilância
e fiscalização das fronteiras.
Para a
execução daquelas funções, foi criada, pelo Decreto-Lei n.º 651/74, de 22
de novembro, no Comando-Geral da PSP, a DSE (Direção de Serviço de Estrangeiros), que foi reestruturada, pelo Decreto-Lei n.º 494-A/76, de 23 de junho,
passando a designar-se por SE (Serviço de
Estrangeiros), dotado de
autonomia administrativa, deixando de estar na dependência da PSP e passando a
ficar diretamente subordinado ao Ministro da Administração Interna. E,
pela Portaria n.º 1045/81, de 12 de dezembro, os cargos de diretor e de
subdiretor do SE passaram a ser equiparados, respetivamente, a diretor-geral e
a subdiretor-geral.
Foi o Decreto-Lei
n.º 440/86, de 31 de dezembro, que transformou o SE no SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), sendo-lhe também atribuído o controlo de fronteiras.
Porém, visto que não dispunha de recursos para assegurar tal controlo, a função
continuava a ser assegurada provisoriamente pela GF em cooperação com aquele,
sendo que, a partir de 1 de agosto de 1991, o SEF começou a operar em
todos os postos de fronteira do país, substituindo a GF.
Não há
dúvida de que não é por falta de reestruturações que o SEF não serve. Falta o
cuidado da formação, o mecanismo de vigilância e prevenção e a correta
investigação e a punição atempada das transgressões – importando que haja
sempre afincada vontade política, competência administrativa e fiscalizadora e
que, o poder judicial, escudado no mecanismo da separação dos poderes (que não
obsta à interdependência e ao escrutínio), não faça
capricho em contradizer a lei, e administração e a perceção social, em nome da
mais que abundante floresta jurisprudencial.
***
No respeitante
à TAP, sabe-se que, após da entrega da gestão “profissional” a um brasileiro
com vista ao encontro de parceiro estratégico para esta empresa pública, com os
altos e baixos, que são do conhecimento público, como diz alguém, num mecanismo
de má gestão que facilitasse a privatização, esta foi conseguida no contexto
das alegadas exigências da troika e nas condições conhecidas de todos. Porém,
como é do conhecimento público, o XXI Governo Constitucional consegui reverter
em parte a privatização, mas continuou posto de lado na gestão corrente da empresa,
que suprimiu, alargou e repôs rotas e contratou a aquisição de mais aeronaves.
Finalmente, o maior acionista privado saiu da empresa e o Estado ficou na
condição de acionista largamente maioritário.
Em todo este
percurso, houve demissões de administradores e gestores – e havia
representantes do Estado, cuja demissão ninguém exigiu (Por serem
da oposição?), que
deixaram que a gestão corrente andasse em roda livre e que a estratégia da
empresa não fosse cuidadamente promovida e acautelada –, mas o apuramento de
responsabilidades ficou vazio, enquanto os encargos indemnizatórios foram
satisfeitos, porque o Estado, quando convém, “cumpre os contratos”!
Entretanto, após seis meses de trabalho, está fechada a proposta de plano de
reestruturação, que foi enviada à Comissão Europeia para aprovação. O cenário
mais pessimista é o de a companhia aérea precisar de 3.725 milhões de euros em
apoio público, mas já se vê o horizonte para o regresso aos resultados
positivos: o ano de 2025. Porém, haverá cortes no número de aviões, trabalhadores
e rotas.
Ao contrário de outras companhias áreas europeias, o apoio à TAP não é
feito no âmbito do quadro temporário da covid-19, mas num regime autónomo para
empresas em dificuldades já antes da pandemia, dispondo a Comissão Europeia, na
sua legislação, de critérios bem definidos para determinar se uma empresa está
em dificuldades e cumprindo a TAP dois desses critérios: capitais próprios
negativos; e dívida de cerca de 300 milhões de euros com atrasos de pagamento
superiores a 90 dias. E, por imposição de Bruxelas, o Governo avançou com apoio
faseado: cheque de 1,2 mil milhões de euros para garantir tesouraria até final
do ano; e desenho, no prazo de 6 meses, da reestruturação (pelo
Governo e administração da TAP, com consultoria da BCG).
Obviamente a pandemia agravou
o cenário com as restrições nas viagens, vindo a empresa a perder mais de 700
milhões de euros nos primeiros 9 meses de 2020 e, na totalidade do ano, o
buraco será ainda maior. O cenário previsto pelo
Governo é de o que a TAP tenha perdas acumuladas de receita no montante de 6,7
mil milhões de euros até 2025 – perdas que levam a companhia a precisar de mais
dinheiro. E, feitas as contas aos vários anos, o custo do apoio público de
2020 a 2024 estará entre 3.414 milhões e 3.725 milhões de euros.
Além da “crise sem precedentes no setor da aviação”, a TAP tem “problemas
adicionais” porque já tinha problemas antes da pandemia”, como diz o Ministro
da tutela. Entre as várias “ineficiências”, incluem-se ter mais 19% pilotos por
aeronave do que os concorrentes e mais 28% de tripulantes. Por isso, irão sair mais
de três mil trabalhadores: contratos não renovados, passagens a part-time, rescisões por mútuo acordo,
licenças sem vencimento ou reformas antecipadas e despedimento. E quem fica
terá um corte progressivo no salário (no máximo de 25%) no remanescente a partir dos 900 euros. Será vendida
a TAP Manutenção e Engenharia (ME) e o número
de aviões passará para 88 (face aos atuais 108).
A aposta será no longo curso e na TAP Express (antiga
Portugália), que
aumentará a frota, mas não concorrerá com as low cost. Quanto a rotas, persiste a
incógnita tendo o Governo avançado que, à partida, haverá corte de rotas
no inverno, mas sem mexidas para o próximo verão.
Dará resultado, e por quanto tempo, esta feroz reestruturação (à laia das
de outras empresas, baseadas em cortes)? Não virá a
TAP, pelo desaforo futuro, a constituir um “Novo Banco com asas”?
Está visto que o segredo não está em demitir e reestruturar, mas garantir
responsabilidade.
2020.12.12 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário