No seu comentário político do passado dia 27 de
dezembro, na SIC, Marques Mendes opinou que as próximas eleições presidenciais são atípicas porque são três
eleições dentro de uma.
E especificou:
a primeira é para escolher o presidente, sendo Marcelo Rebelo de Sousa o único
e verdadeiro candidato; a segunda será para perceber qual dos três candidatos à
esquerda fica mais bem colocado, Ana Gomes, Marisa Matias ou João Ferreira,
sendo esta mais uma questão para bolha jornalística e política; e a terceira é para
saber quem vai ficar em segundo lugar.
Em relação à
primeira escolha, a única dúvida é saber se Marcelo ficará acima ou abaixo dos 60% de votos, ou seja, se
será muito ou pouco penalizado pela abstenção.
No atinente à liderança à esquerda, ou seja, saber quem à esquerda fica
mais bem colocado – Ana
Gomes, Marisa Matias ou João Ferreira – trata-se duma disputa que apenas interessa à bolha político-mediática, nada
dizendo ao povo e nada acrescentando à política.
E a última questão
não é tão importante para Ana Gomes, para quem o segundo lugar seria uma
vantagem simbólica, como para o líder do Chega. Com efeito, quanto mais votos André
Ventura conseguir nas presidenciais, maior será o dano para o PSD, visto
que, para Ventura, são um ensaio para ver quantos votos consegue tirar
ao PSD.
Se Ana Gomes ficar em segundo lugar, tem uma vitória simbólica, que se
esgota no dia da eleição, ao passo
que, para André ventura, a questão é essencial.
Considerando
que André Ventura joga muito nestas eleições, o comentador sustenta que só o debate
entre Ventura e Ana Gomes é que pode ter algum impacto nas intenções de voto,
porque disputam o segundo lugar. Porém, Ana Gomes não lidera um partido nem
pensa criar um novo partido, ao passo que André Ventura, que não está propriamente a concorrer para Belém,
muito menos contra Marcelo, quer fazer destas eleições um ensaio para as
próximas legislativas (E porque não para as autárquicas?) e vai tentar crescer o mais possível, retirando votos
ao PSD, porque a maioria dos seus
eleitores são do PSD. E, se as pessoas que normalmente votam no PSD se
fidelizam no Chega, a situação é mais complicada para o PSD, que vai esvaziando
o seu eleitorado, o que se vê já nas sondagens.
A este respeito, Marques Mendes, verificando que, no último mês foram
publicadas, pelo menos, quatro sondagens sobre intenções de voto nos partidos, lembrou-se de fazer uma média de que resulta que o PSD fica com 25,6% e o PS com 37,8%, sendo a
esquerda maioritária em relação à direita. E daqui tira, pelo
menos, duas conclusões: abrir uma crise política e ter eleições
antecipadas não serviria para nada nem beneficiaria ninguém, pois o PS continuaria
a ganhar, mas sem chegar à maioria absoluta, enquanto O PSD continuava a perder; ao fim de 5 anos de oposição ainda não há alternativa (a democracia
precisa de uma alternativa) – problema sério, desde
logo para o PSD (com resultados abaixo de
30% ou até nos 30%, nunca o PSD conseguirá ganhar eleições), mas igualmente para a
direita em geral, pois todos somados, os partidos à direita do PS não
ultrapassam os 36% da PAF de Passos Coelho e Portas, de 2015, e não é possível formar governo com menos de 44-45%
dos votos.
Para já,
a pandemia tem beneficiado o poder, quer em Portugal, quer na Europa. Mas
falta saber como será quando o impacto chegar ao domínio económico e social.
Assim, estando prestes a começar os debates entre os vários candidatos, o
comentador pensa que os debates não terão impacto relevante no sentido de voto
dos eleitores. Admite que uns vão ter mais audiência que outros (por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa vs Ventura e
Marcelo vs Ana Gomes), mas sustenta que o único que pode ter real
influência eleitoral é o debate Ventura/Ana Gomes, pois os dois estão
muito próximos nas sondagens. E entende que os candidatos à esquerda estão
demasiado focados no discurso do Chega e este agradece, pois, quanto mais de
dele falarem, mais notoriedade lhe dão e as intenções de voto nas presidenciais
estão a baixar à esquerda.
***
Ora bem. Que
um analfabeto em política partidária como eu, entenda que as próximas eleições
presidenciais estejam vencidas pelo recandidato, é admissível. Porém, um
político da nossa praça, que já liderou o maior partido da oposição, foi
deputado, desempenhou cargos ministeriais, dinamizou ações de formação política
e integra o Conselho de Estado, órgão de consulta do Presidente da República,
não pode considerar, nem por um momento, que só há um “verdadeiro e único”
candidato presidencial. Com efeito, a democracia também vive de regras e
formalismos, pelo que ninguém pode decretar, à face da nossa Constituição, a
recondução automática do Presidente da República. Aliás, em muitos setores do
mundo associativo em que os estatutos e regulamentos impõem eleições dos corpos
sociais, muitas vezes há lista única, mas faz-se a eleição. E a legitimidade do
eleitor expressa-se no voto a favor, no voto branco e no voto nulo, bem como na
abstenção, não sendo desejáveis as duas últimas hipóteses.
Outrossim,
em democracia tudo pode acontecer e, havendo vários candidatos, cuja
candidatura o Tribunal Constitucional validou ou validará, não pode ninguém,
muito menos um comentador ou órgão de comunicação social, arvorar-se em classificador
de candidatos em 1.ª, de 2.ª ou 3.ª. Tanto assim é que, nos termos do n.º 3 do
art.º 124.º da Constituição, “em caso de morte de qualquer
candidato (sublinhei)
ou de qualquer outro facto que o incapacite para o exercício
da função presidencial, será reaberto o processo eleitoral, nos termos a
definir por lei”.
Além disso,
caberá ao comentador político, além da análise da situação, uma função
pedagógica de modo a contribuir para a valorização dos atos eleitorais e para o
combate à abstenção, apelando à satisfação do direito/dever cívico de intervir
politicamente. Andamos a lamentar o desinteresse dos cidadãos pela política e
vamos mantendo incólumes os aparelhos partidários e fazendo o discurso adequado
à manutenção do status quo da
mediocridade e do desinteresse.
É óbvio que
só haverá um ganhador nestas eleições, mas os diferentes candidatos, para lá de
outras intenções com que pretendam preencher o palco da campanha eleitoral,
podem fornecer aos cidadãos eleitores a sua visão do modo como deve ser
desempenhada a função presidencial. E isso dependerá tanto dos candidatos como
dos entrevistadores e dos moderadores dos debates. Ora, prendermo-nos com uma
dose de vacina de gripe ou com a hipótese de dar posse a um Governo apoiado
também por um determinado partido é paupérrimo em termos de debate eleitoral.
E, mesmo no caso do recandidato, mais do que a avaliação do mandato que está
prestes a chegar ao fim, importa saber o que pensa do futuro e do modo como
pensa desempenhar a função presidencial em contexto de eventual crise sistémica
polimorfa, no respeito pela separação dos poderes, que não pode ser apenas
regra geral, e na construção da interdependência desses mesmos poderes, sem se
colar ao Governo, ao Parlamento e ao poder judiciário e sem deles se demarcar,
mas intervindo como firmeza, oportunidade e diálogo.
Quanto à
propaganda a um determinado partido a cargo dos outros candidatos, é justo
dizer que o comentador também a vai fazendo. Na verdade, se o Tribunal
Constitucional (TC) deve analisar as candidaturas a
criação de partidos com mais cuidado e se o Ministério Público deve motivar o TC
a julgar eventuais discursos e atos de cariz racista, xenófobo e anti-humano,
também é certo que os democratas devem ajudar os poderes a corrigir excesso,
facilitismo e perversão que se instalam em órgãos do poder e organismos
corporativos que servem o Estado.
***
Não
obstante, não se pode acusar Mendes de opção discriminatória na sociedade. Com
efeito, ao falar de vacinas da covid-19, salienta não haver o risco de discriminações sociais, pois todos (ricos e
pobres) terão o mesmo tratamento e as vacinas
são gratuitas. Por outro lado, não há o risco
de falta de adesão das pessoas, sendo que uma sondagem aponta para 62% dos
portugueses que querem ser vacinados, percentagem que está a aumentar
com a proximidade da vacina.
Assinalando
o primeiro dia da vacinação contra a covid-19, referiu que a adesão entusiasta
dos profissionais de saúde é o “maior sinal de segurança” e “um exemplo importante
de confiança”. Mas avisou que é preciso moderar as expectativas porque ainda
não assegurámos todas as vacinas de que precisamos, nem para as primeiras fases
de vacinação.
Portugal tem
22 milhões de doses (o que dá para 11 milhões de portugueses: mais do que
a nossa população), mas
algumas vacinas ainda não foram aprovadas pela EMA e os processos das duas
últimas, da Janssen e da Sanofi, estão atrasados. E explicitou:
“No curto prazo só temos disponíveis 6,3 milhões de vacinas”; e é
preciso vacinar 3,65 milhões de pessoas nas primeiras e duas fases. As vacinas
autorizadas dão para 3,15 milhões pessoas, o que representa 86% das vacinações
previstas na primeira e segunda fase. Para concluir as primeiras duas fases,
Portugal precisa da vacina da Astra Zeneca/Oxford ou do reforço das doses de
outras farmacêuticas que já têm autorização.”.
Depois,
apresentou três quadros de cuja leitura resulta:
- Das 6 vacinas contratadas, há uma aprovada e outra em aprovação (Pfizer e Moderna); duas em início de avaliação
(AstraZeneca/Universidade
de Oxford e Curevac); e duas que ainda não estão em avaliação
(Janssen e
Sanofi/GSK) – cenário
insuficiente para os desafios de vacinação;
- Na primeira e segunda fase da vacinação, está previsto vacinar 3.650
milhões de pessoas, sendo que
as vacinas que vamos ter da Pfizer e da Moderna, mesmo que cheguem com
rapidez, só dão para vacinar 3.150
milhões de pessoas, ou seja, cerca de 90% das pessoas previstas para as duas
primeiras fases.
- Para atingirmos a imunidade de grupo, precisamos de, pelo menos, mais
duas vacinas: a da AstraZeneca/Universidade de Oxford (é a que nos fornecerá maior número de doses) e mais uma,
que pode ser a da Janssen (tem a
vantagem de ser só uma “toma”) ou um reforço das doses da Moderna, reforço esse que a UE (União
Europeia) vai assegurar.
Aliás, a
Comissão Europeia acaba de anunciar que decidiu adquirir mais 100 milhões de
doses da vacina BioNTech/ Pfizer, a juntar aos 200 milhões já contratados desta
vacina que foi considerada “segura e eficaz”.
Mendes considerou
que as vacinas surgiram em tempo record por três razões conjuntas: um notável exemplo da
ciência e da comunidade científica; o apoio financeiro público, quer da UE quer de vários países que financiaram em
grande esta operação;
e a
inovadora decisão da UE que,
fazendo compras em conjunto e para todos os Estados-Membros, permitiu que todos
tenham vacinas ao mesmo tempo.
Por
isso, é paladino da esperança, que não da euforia, pois, se não se explicar a
situação, corre-se o risco de má gestão das expectativas,
reforçando ansiedades e frustrações na população.
***
Ainda em
termos da equidade, destacou a notícia de que o Governo decidiu que os trabalhadores do Estado com contrato individual de
trabalho passam a ser também beneficiários da ADSE, considerando-a uma
medida justa, pois, se a ADSE é um
“seguro” de saúde dos trabalhadores do Estado, não faz sentido haver
trabalhadores de 1.ª e de 2.ª, e uma medida necessária para garantir a
sustentabilidade da ADSE, como ainda há um ano realçou o Tribunal de
Contas. Por outro lado, entende que não se trata dum favor político, pois a
ADSE, hoje, não é do Estado, que não
põe ali um único euro, pertencendo ela exclusivamente aos beneficiários (1 milhão e 200 mil), que são quem a sustenta com os seus descontos.
Porém, o Estado não só não financia a
ADSE como ainda lhe tira receitas. Com efeito, é o Estado quem determina quais
os beneficiários que ficam isentos, mas não paga essas isenções. Ora, se
é política social, é o OE que deve pagar.
Também
referiu como prenda de Natal o aumento
do salário mínimo nacional, que entende como medida correta, apesar de
contestada à direita, contrariando aqui o seu partido. Na verdade, é uma medida elementar de justiça social
e correta do ponto de vista económico,
visto que a competitividade da economia não se pode fazer na base de salários
baixos. E não se trata dum papão que afete
o emprego, já que os últimos quatro anos provaram que é possível aumentar o SMN e
ao mesmo tempo baixar o desemprego.
***
E, dada a atualidade do acontecimento, o comentador, não esqueceu o
acordo subsequente ao Brexit como excelente notícia para a presidência alemã da
UE. Assim, a Alemanha pode dizer que termina
a sua presidência em grande, pois resolveu todos os dossiês difíceis. E também
sustenta que se trata de excelente
notícia para a presidência portuguesa, pois, se este acordo não tivesse
sido feito agora, o pesadelo do
Brexit cairia na nossa presidência.
Também acha que o acordo é excelente para a UE. De facto, em si o Brexit foi mau, uma vez que tornou
a UE mais fraca. Já este acordo
torna o Brexit menos mau, pois, não deixando de ser um divórcio, é um divórcio
amigável entre UE e UK (Reino Unido). Deixam de ser casados mas
continuam parceiros e amigos. E entende
que é excelente para o UK, visto que “uma
coisa é querer sair da UE” e “outra coisa é estar de costas voltadas para a UE”.
Ora, com este acordo, o UK evitou o caos e o isolamento da sua economia.
E sustenta, que à finalização deste acordo não será estranha a influência
da nova atmosfera política vinda dos EUA. Biden quer reforçar a relação com a
UE. Neste quadro, não fazia sentido que o UK (o maior aliado dos EUA) fizesse o contrário, afastando-se da UE a 27.
Até o Parlamento
britânico retificar o acordo, o que sucederá dentro de dias, e o Conselho
Europeu o assumir formalmente, ele entra provisoriamente em vigor no próximo dia
1 de janeiro, por entendimento de reunião em que estiveram presentes representantes
dos 27.
***
Assim, fica
patente que, sendo o comentador adepto da igualdade dos cidadãos e dos eleitores
– caso da ADSE e do SMN –, só pode ter estado politicamente distraído ou movido
pela amizade por Marcelo ao discriminar ou “anular” candidatos e o debate
político eleitoral.
Estaremos
para ver se os debates e a campanha em geral – com 8 ou 9 candidatos – se
pautarão pela pobreza de ideias ou se enriquecerão a democracia. As eleições
são atípicas, sim, mas pelo contexto de restrições impostas ou voluntariamente
assumidas por causa da covid-19.
2020.12.29 –
Louro de Carvalho
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