quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

No 27.º ano da Escola Profissional de Sernancelhe

Já lá vão 27 anos. A 29 de julho de 1993, quinta-feira de forte trovoada na zona de Sernancelhe e Lapa (os telefones avariaram quase todos na zona), foi firmado, no auditório do CNE (Conselho Nacional de Educação), em Lisboa, o contrato-programa da criação da Escola Profissional de Sernancelhe (ESPROSER), juntamente com os de mais uma dúzia de outras.  

O contrato-programa foi elaborado ao abrigo dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do Decreto-lei n.º 70/93, de 10 de março, e foi assinado em sessão solene pelo Dr. Alberto Antas de Barros, diretor do DES (Departamento do Ensino Secundário), por parte do Estado, e pelo Dr. José Mário Almeida Cardoso, Presidente da Câmara Municipal de Sernancelhe, e pelo Dr. Joaquim António Ferreira Seixas, Presidente da Associação Jornalística de Sernancelhe (AJS), por parte das duas entidades promotoras, de que eram os respetivos presidentes. E o Dr. Manuel Joaquim Pinho Moreira de Azevedo, Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário, que presidiu à sessão, homologou os respetivos contratos-programa e salientou que o referido decreto-lei “integrava as escolas profissionais na rede do ensino secundário” (cito de cor).

Estive presente na sessão, dado que, nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do aludido normativo legal, a criação de escolas profissionais era “precedida da candidatura a um concurso anual de projetos para abertura de novas escolas” e eu, como vice-presidente da susodita AJS, assumi-me como um dos colaboradores ativos da preparação da candidatura, bem como colaborador nas demais diligências prévias tendentes à criação da escola, sua organização e funcionamento. Isto não retira absolutamente nada à dedicação e ao mérito das personalidades acima referidas, já que o trabalho desenvolvido foi um trabalho de conjunto que teve de suscitar diversas sinergias e ultrapassar algumas resistências. E é de sublinhar que em reunião do executivo municipal foi aprovado por unanimidade um voto de regozijo pela criação da Escola.

Não se pode deixar de recordar, no âmbito da satisfação do estipulado no n.º 1 do art.º 6.º do mesmo diploma, o trabalho com o Dr. Jaime Manuel Oliveira Ferreira na definição dos estatutos, projeto educativo, primeiro regulamento interno, primeiro plano de atividades, áreas e perfis de formação, recursos humanos e materiais, financiamento e gestão, bem como natureza e objetivos da escola, denominação e regime de acesso – no que ajudaram imenso os contributos da direção da Escola Profissional de Torredeita, nomeadamente do Inspetor Arcides Simões, e dos serviços jurídicos do DES. Obviamente que a parte de financiamento que incumbia às entidades promotoras foi definida por estas sob a égide dos respetivos presidentes, tendo a Câmara procedido às obras adaptação das instalações da antiga EB 2/3 (onde funcionou o Colégio Infante Santo), para aí se instalar a ESPROSER.

É de justiça salientar o apoio de dactilografia prestado pela funcionária do município Graça Figueiredo e as diligências feitas no RNPC (Registo Nacional de Pessoas Coletivas), da parte do então motorista do Conselho Diretivo do Centro Regional de Segurança Social, Viseu, Jorge Patrício, já falecido, bem como o acompanhamento de Nelson Soares um pouco para todo o lado.

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O processo conducente à criação da Escola Profissional foi um tanto longo e teve informações contraditórias da parte do DES. E o Presidente da Câmara foi firme no contorno da situação, no que foi acompanhado pelo vereador em regime de permanência Vítor Figueiredo.

Começando do início, deve dizer-se que a ideia da criação da escola resultou no âmbito de um debate, que moderei, sobre a prossecução dos estudos dos jovens sernancelhenses (já que no concelho não havia oferta formativa no ensino secundário), ocorrido a 2 de novembro de 1991 no Salão Nobre do Município com a presença de antigos alunos e professores do Colégio Infante Santo (criado em 1966, vindo progressivamente a dar lugar ao ensino público), os presidentes daquelas que viriam a ser as entidades promotoras, vários professores, com destaque para o então Presidente do Conselho Diretivo da EB 2/3, Eng. António José de Almeida, o Governador Civil, Dr. António Soares Marques, um deputado, Dr. José de Almeida Cesário, e o antigo Diretor do Colégio, Dr. Laurentino Ferreira Lages. Este debate constituiu um dos números do encontro dos antigos alunos do Colégio no 25.º aniversário da sua criação.

Quando foram auscultados técnicos do DES, a orientação era de que o processo não deveria mencionar a autarquia. Como assim se procedeu na elaboração do material da candidatura, esta acabou por não ser considerada justamente por não estar expressamente envolvida na mesma a Câmara Municipal. Esta foi a grande contradição lançada precisamente por quem tinha a função de analisar as candidaturas.

Também se ficou a saber que o Secretário de Estado que tutelava diretamente a criação das escolas profissionais não estava pela criação da escola em Sernancelhe e alguns achavam descabida a insistência de Sernancelhe neste projeto, o qual teve a determinação e a persistência de prosseguir.

Entretanto, o Primeiro-Ministro Professor Aníbal António Cavaco Silva, a 21 de novembro de 1992, visitou Tarouca, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira, Penedono, Sernancelhe e Aguiar da Beira.

Sernancelhe recebeu-o em peso em frente à EB 2/3. E, além dum memorando rubricado por seis presidentes da câmara presentes, o Presidente da Câmara de Sernancelhe, em seu discurso, enfatizou a relevância da criação da escola profissional no concelho, desafiando retoricamente o líder do Governo a percorrer as diversas paragens do território do município, garantindo-lhe que, vendo tanto trabalho dos munícipes e seus animadores, “até levaria a mal estarmos a pedir-lhe tão pouco” (cito de cor). E foi mais explícito ao dizer: “a maior e melhor obra que V. Ex.cia pode inaugurar em Sernancelhe será a escola profissional” (cito de cor).

O Primeiro-Ministro respondeu ao discurso e, no atinente à escola profissional, referiu que estávamos numa escola, que a escola é o principal motor do desenvolvimento, que à Câmara Municipal cabia a liderança do projeto e que, depois, “numa perspetiva de complementaridade, o meu Governo pode apoiar”. Portanto, “não será por culpa do meu Governo que Sernancelhe não terá a escola profissional” (cito de cor). Tais palavras foram escutadas por todos, incluindo o Dr. José Manuel Durão Barroso, Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio, Ministro da Justiça, o Dr. Manuel Joaquim Dias Loureiro, Ministro da Administração Interna, o Dr. José Manuel Nunes Liberato, Secretário da Administração Local e Ordenamento do Território, e o Dr. José Manuel Bracinha Vieira, Secretário de Estado dos Recursos Educativos. Bastava que alguém fosse lembrando a Cavaco Silva que tinha prometido a criação da escola, o que alguns dos presentes tentaram fazer logo no dia seguinte em Viseu e que Bracinha Vieira manteve até ao fim.

Uns dias antes do Carnaval, estivemos (Presidente da Câmara, Presidente e Vice-presidente da AJS) no gabinete de Bracinha Vieira a dar conta do projeto de candidatura, que deveria ser por nós entregue nas instalações do DES no Porto. E Bracinha Vieira fez questão de lembrar diante de nós, por telefone, a Joaquim Azevedo a promessa de Cavaco Silva em Sernancelhe. 

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Criada a escola, entrou em funcionamento no dia 22 de setembro de 1993, com duas turmas do 1.º ano, uma de construção civil/condução de obra e uma de turismo/profissionais de informação turística. Visitada a 4 de novembro pelo Ministro da Administração Interna, já referido, foi oficialmente inaugurada, a 28 de novembro, em cerimónia presidida, em nome do Governo da República, pelo Secretário de Estado da Defesa Nacional Dr. António Figueiredo Lopes. E foi crescendo e gerida pelos órgãos previstos nos estatutos, num crescendo de quantidade e qualidade, incluindo a ampliação e melhoria das instalações, que a torna uma referência regional e mesmo nacional, tendo recentemente sido “certificada com o selo EQAVET, o que significa que se encontra alinhada com os padrões do Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade na Educação e Formação Profissional”.

Devo deixar uma palavra de reconhecimento aos técnicos acompanhantes Dr. António Morais, Dra. Fátima Beirão e Eng.ª Anabela Santos, a qual recebeu público louvor, a 20 de agosto, da parte do Diretor-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Dr. João Miguel dos Santos Gonçalves, bem como ao falecido Dr. João Luís da Inês Vaz, que foi, como o Governador Civil anterior, um dos amigos da ESPROSER.

Entretanto, com a publicação do Decreto-lei n.º 4/98, de 8 de janeiro, que estabelecia o regime jurídico das escolas profissionais, estas, sendo privadas, deixavam de funcionar sob a égide de entidades promotoras, mas tinham de ser detidas por uma entidade proprietária. Esta podia ser uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva – isoladamente ou em regime de associação. Era, na prática uma refundação, visto que o art.º 20.º daquele diploma, estabelecia que o regime ora estabelecido se aplicava às escolas profissionais criadas ao abrigo da legislação anterior; que estas dispunham do prazo de um ano para procederem à reestruturação decorrente do regime estabelecido; e  que os direitos e obrigações de que eram titulares as escolas profissionais e/ou as respetivas entidades promotoras e que se encontrassem afetos ao desempenho das funções daquelas escolas se transferiam, por força do susodito diploma, que constituía título bastante para efeitos de registo, com dispensa de qualquer outra formalidade, para as entidades proprietárias. 

Como a AJS deixara de funcionar, fora criada uma associação designada por Liga dos Amigos da ESPROSER, a funcionar nos termos estatutários. Recordo parenteticamente que ESPROSER era a designação abreviada de Escola Profissional de Sernancelhe como constava no contrato-programa. E, havendo dúvidas sobre a forma de entidade proprietária a constituir para responder aos objetivos do ensino profissional, entendeu-se que a melhor forma seria a de SA (sociedade anónima), embora sem fins lucrativos. E, ainda que fossem necessários, ao tempo, nos termos do código das sociedades comerciais (CSC), cinco subscritores para se constituir uma SA, desde que um dos subscritores fosse uma entidade pública que subscrevesse a maioria do capital social, bastava um outro subscritor privado. Assim, a entidade proprietária surgiu duma parceria entre o município, que subscreveu 60% do capital social, e a Liga dos Amigos da ESPROSER, que subscreveu 40%. Presentemente, o município já não tem participação maioritária, detém 49,5% do capital social, tendo o resto da sua participação sido cedido a outras três entidades; e os seus estatutos foram sofrendo ajuntamentos em conformidade com o CSC.   

O projeto de estatutos, elaborado com a colaboração de um jurista e um economista recomendados pela ANESPO e com o acompanhamento da Dra. Fernanda Sobral, vereadora em regime de permanência, foi submetido, para aprovação, à Assembleia Municipal e à assembleia geral da Liga dos Amigos da ESPROSER. E, no RNPC, foi acordado para a SA com a representante da escola a denominação de ESPROSER – Escola Profissional, S.A.  

E, a 9 de junho de 1999 (já lá vão 21 anos), foi celebrada escritura pública no cartório notarial de Sernancelhe em que outorgaram, pelo município, o Dr. José Mário Almeida Cardoso, Presidente da Câmara Municipal, e, pela Liga dos Amigos da ESPROSER, o Dr. António Adelino Conde Rebelo, Presidente, e eu próprio, vice-presidente (os estatutos da Liga obrigavam a duas assinaturas). Entretanto, foi efetuado o registo na Conservatória do Registo Comercial e o Ministério da Educação emitiu o alvará de funcionamento. E, em setembro, a SA e a escola já funcionaram com os novos órgãos estatutários.

E, obviamente, ao longo do tempo, a ESPROSER e a escola foram-se ajustando às alterações legislativas e às novas circunstâncias. Mas estão de pedra e cal como uma válida resposta formativa de Sernancelhe às necessidades da região (e de alguns PALOP) e como contributo para o seu progresso – e a cumprir as suas obrigações com a Educação, o Estado e a Sociedade.

Porém, é de justiça deixar esta referência da génese e dos alvores da escola para que conste, já que 27 anos são uma bonita etapa (Três novenas, nove triénios!). Só espero que ninguém pense que pretendo tirar disto qualquer proveito pessoal, profissional ou partidário, já que, a 29 de julho de 2007, domingo, me coube apresentar um livro e seu autor, meu amigo. A apresentação, porque o livro era adequado, ocorreu na Igreja da Senhora das Necessidades (Vila da Ponte) e eu frisei que aquele dia era importante para o concelho de Sernancelhe por ser o dia aniversário da escola profissional. E alguém disse, na sessão subsequente da Assembleia Municipal, que eu fora fazer política (?) “na capela”!... Apenas fui corresponsável pela conceção do projeto e pelo seu desenvolvimento durante os primeiros sete anos. 

Apraz-me saber que, tal como asseguram os responsáveis no site, “a ESPROSER, enquanto instituição dedicada e vocacionada para o ensino profissional, sente um regozijo pelo facto de, ao longo da sua história, ter contribuído de forma decisiva para o sucesso pessoal e profissional de muitas centenas de formandos que fizeram parte deste Projeto Educativo”; e “continuará a tudo fazer para que os formandos que a que a escolhem como a ‘sua escola’ alcancem as suas metas profissionais e pessoais”. E é de apreciar o “agradecimento profundo” que deixam “a todos os envolvidos ao longo destes 27 anos”.

 (Reformulação e aumento de artigo escrito a 30 de julho de 2018 por ocasião dos 25 anos da ESPROSER, a que procedi agora a instâncias dum amigo meu acima referido, sentindo-me no agradável dever de o dar a lume)

2020.12.02 – Louro de Carvalho

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