Após várias avaliações, incluindo CPI, a BCP, BPN,
BES, Banif e CGD, que não dispensaram os portugueses dos encargos com o resgate
da banca, feita uma auditoria quase interminável ao Novo Banco (NB), a da Deloitte,
e prometida que foi uma avaliação ao mesmo por parte do Tribunal de Contas (TdC), embora sem data marcada, que o Chefe de Estado entende demasiado
complexa para a capacidade daquele tribunal, vem aí a comissão parlamentar de
inquérito (CPI) ao banco liderado por António Ramalho, o qual tem passado por entre as
pingas grossas de chuva de trovoada (troa e
alaga, mas passa rápido).
Esta CPI, que tomará posse a 15 de dezembro, iniciará
os trabalhos em janeiro e terá um mandato de 4 meses, visa apurar as perdas registadas pelo NB e imputadas
ao Fundo de Resolução (FdR). São já conhecidos
os nomes que a integram, sendo que o presidente é o deputado socialdemocrata Fernando
Negrão, que liderou o inquérito à queda do BES. E o percurso polémico da instituição
deixa antever o tipo de intervenção de alguns deputados.
Duarte Pacheco (PSD), João Paulo Correia (PS), Mariana Mortágua
(BE) e Cecília
Meireles (CDS) são, de momento, os parlamentares em
funções mais experientes em CPI à banca e deverão voltar a ser protagonistas neste
inquérito, tendo cada um papéis diferentes. Pacheco centrará a atenção na fase posterior à venda do NB
ao Lone Star em outubro 2017, sob a égide do Governo socialista, esquecendo que
o negociador era Sérgio Monteiro da anterior governança. Paulo Correia priorizará a evidência dos erros cometidos aquando
da resolução do BES, em 2014, no Governo do PSD /CDS. Por seu turno, Mortágua e Meireles, que foram estrelas na CPI à Caixa
Geral de Depósitos (foram contundentes na audição a Joe Berardo), deverão destacar-se nesta CPI.
Como novidade, ressalta a participação de João Cotrim Figueiredo da IL, autor de uma das
iniciativas de inquérito aprovadas e que deram origem à Comissão Eventual de
Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo
de Resolução.
Considerando que a CPI tem quatro pontos no seu objeto – designadamente o “período
antecedente à resolução e relativo à constituição do NB”, o “período antecedente
e relativo à alienação”, o “período após alienação” e a “atuação dos governos,
BdP, FdR e Comissão de Acompanhamento no quadro da defesa do interesse público”
– são de recordar os intervenientes da saga NB chamados a depor e os termos em
que o farão.
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP), deporá sobretudo pela decisão que tomou enquanto Ministro das Finanças,
estando no centro a venda do NB ao Lone Star (75% por mil milhões de euros) e o acordo de capital contingente de 3,9 mil milhões
de euros que tem estado a cobrir as perdas com ativos tóxicos. É certo que
Centeno já se justificou com a
necessidade de vender o banco na 25.ª hora, sob pena de Bruxelas o mandar
fechar com consequências imprevisíveis para todo o sistema financeiro, mas criticando
a resolução feita em 2014, que tem como a “mais desastrosa” da Europa, onde
foi “incompetente a separação de ativos”.
Carlos Costa, ex-governador do BdP, deporá pela medida de resolução ao BES em agosto de
2014, que deu origem ao NB, tendo ficado decididos os passivos e ativos que transitariam
para o banco de transição e os que ficariam no banco mau. Não obstante, persistem
dúvidas sobre a bondade de tal separação. Além disso, foi Costa quem, um ano
depois, mandou proceder à retransmissão dum conjunto de obrigações seniores do
banco bom para o banco mau, tendo grandes investidores como a Pimco e a
BlackRock, afetados pela decisão, anunciado um boicote ao país durante
determinado período, pois estes fundos ainda têm ações em tribunal para reaver
o dinheiro. E também será escrutinada a supervisão do BdP, embora a queda do
BES já tenha sido alvo duma CPI, cujo relatório ainda não se conhece.
Máximo dos Santos, presidente do FdR, enquanto responsável
pelo organismo obrigado a compensar o
NB pelas perdas com um conjunto de ativos tóxicos, explicará como o envelope de 3,9 mil milhões foi usado em cerca
de três mil milhões, restando 900 milhões, sem se saber se vão ser totalmente
utilizados devido ao travão oposto no Parlamento. Com efeito, embora financiado
pelos bancos do sistema, o FdR tem recorrido a empréstimos do Tesouro para
suportar as resoluções bancárias nos últimos anos no Banif e no NB e, por ser
uma entidade pública, cada injeção no NB tem peso nas contas públicas. Ademais,
o FdR detém uma participação de 25% e um papel central na vida do banco,
sobretudo ao fiscalizar as vendas de ativos (nenhuma operação é feita sem o aval
de Máximo dos Santos) que estão
na origem dos prejuízos milionários e, por consequência, das injeções.
António Ramalho, o CEO do NB, que já foi, várias vezes, ao Parlamento explicar os
prejuízos e os pedidos de dinheiro ao FdR e esclareceu as polémicas vendas de
ativos (malparado e
imobiliário) que levantaram
suspeitas a muitos quanto à possibilidade de o banco estar a vender ao
desbarato para “maximizar” as injeções previstas contratualmente, voltará lá, porque
as dúvidas subsistem e o banco fará nova call ao FdR no
próximo ano, devido aos prejuízos que registará este ano.
O Lone Star, acionista americano que detém uma participação de 75% no NB desde outubro de
2017, a troco de 1.000 milhões de euros, tem beneficiado, como condição posta para
ficar com o banco, da referida garantia pública que protege a instituição e os
acionistas das perdas com um conjunto de ativos problemáticos herdados do BES. Este
fundo de private equity, que tem sido implicado nos processos de
vendas de ativos, embora tenha reiteradamente porfiado que nunca adquiriu imóveis
do banco, faz-se representar através de Byron
Haynes, presidente do conselho geral e de supervisão, que esteve
envolto em polémica, devido às pretéritas ligações ao fundo Cerberus que comprou
ativos ao NB.
José Rodrigues de Jesus, da comissão de acompanhamento
– órgão que tem por
missão escrutinar as decisões do NB no que possa ter impacto na chamada de
capital ao FdR através do mecanismo de capital contingente, nomeadamente as
vendas de malparado e outros ativos problemáticos com prejuízos significativos –,
irá reexplicar a atuação de fiscalização, pois na audição de março de 2019, lançou
algumas tiradas que deixaram os deputados perplexos.
***
Como é
do conhecimento público, o Parlamento, em sede de discussão na especialidade do
OE 21, por iniciativa do BE com o apoio de PSD,
PCP e PAN, impediu
o Governo de transferir 476 milhões de euros
para o FdR a fim de este acudir aos prejuízos do NB. A ideia é não haver
autorização de qualquer despesa para já, ficando para mais à frente se, à luz
dos resultados das auditorias que vão ser feitas, se prove a efetiva
necessidade dessas verbas dos contribuintes.
Todavia, acabou por deixar passar verba quase igual – 467
milhões de euros – para aguentar sete veículos financeiros (a cargo do Estado), que guardam restos de bancos privados (Banif
e BPN).
Durante
muitos anos, o grande sorvedouro de dinheiros públicos foi o universo BPN, mas
nos últimos anos apareceu o Banif como o grande peso morto no OE.
Segundo o “Dinheiro Vivo”, cerca de 80% dos 467
milhões de euros aprovados vão para os veículos Banif: 271 milhões de euros
para a Oitante, 91 milhões para Banif Imobiliária, 7 milhões para a sociedade
Wil – Projetos Turísticos e 1 milhão para Banif SA. Total: 370,4 milhões de
euros. Mesmo assim, este valor é bastante inferior (menos 35%) ao orçamentado no OE 20 suplementar para o mesmo
universo Banif (570 milhões de euros). Para o
universo do antigo do BPN, o OE 2021 tem reservados mais de 96 milhões de
euros, menos 28% face ao que está no OE 2020 suplementar. A Parvalorem obteve 58
milhões de euros, a Parups ficou com mais 31 milhões de euros e
Parparticipadas com 6 mil milhões de euros.
No final de 2018, os valores das perdas efetivas infligidas
pela banca aos contribuintes são impressionantes. No total, desde 2008, o
prejuízo público já ia em 18,3 mil milhões de euros; e agora ultrapassa os 20
mil milhões.
Teremos, desta vez, resultados diferentes? Não é por falta de
avaliações que a banca nos pesa. Quer dizer: as auditorias e avaliações são
inconclusivas, pois acabam por dar uma no cravo e outra na ferradura, as CPI põem
a nu muitos dos deponentes, mas as várias razões têm impedido que haja condenações
judiciais e a reversão de dinheiros, se acontece, é residual. Gastam dinheiro
na defesa, em vez de o restituírem. E, como somos pessoas de bem, pessoas
honradas, nós calamos ou bufamos, mas continuamos a pagar: pacta sunt servanda, custe o que custar, mesmo que os pactos sejam
ignóbeis. São contratos, senhores, são contratos!
2020.12.14
– Louro de Carvalho
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