Marcelo
Rebelo de Sousa anunciou, no passado dia 7 de dezembro, o que já todos
sabíamos: recandidata-se a Presidente da República. O lançamento da recandidatura
havia de ser numa livraria, mas o estado de emergência levou o recandidato a
optar por uma pastelaria (o que sucede pela primeira vez), no caso, a Versailles de Belém,
ao lado do Palácio de Belém, no prédio onde, há 5 anos, instalou a
sede nacional da sua campanha.
O recandidato,
numa comunicação sem direito a perguntas dos jornalistas, disse o que o move: “um dever de consciência”. Com efeito,
não vai “a
meio de uma caminhada exigente e penosa” fugir às responsabilidades, trocando “as
adversidades e as impopularidades de amanhã pelo comodismo pessoal ou familiar
de hoje”, ou, como disse, como há 5 anos, cumpre “um dever de consciência”.
Por vir a propósito, invocou a pandemia que trouxe “uma crise económica e
social a vencer”, ou “uma oportunidade única de além de vencer a crise mudar
para melhor Portugal”.
E justificou o timing tardio
do anúncio com a necessidade de “promulgar as novas regras eleitorais antes de
convocar a eleição” e por ter querido “convocar a eleição como Presidente
da República antes de avançar como cidadão” e “tomar decisões sobre o
segundo estado de emergência como Presidente da República e não como
candidato”.
Ao mesmo
tempo, insistiu na ideia de que será no próximo mandato, caso reeleito, “exatamente
o mesmo” que foi nestes 5 anos. E, a querer assegurar que não se comportará
como os anteriores presidentes, que foram sempre no segundo mandato mais
agressivos para os governos do que no primeiro mandato, porfiou: “Quem avança para esta eleição é exatamente o mesmo que avançou há anos”. Ou dito de outro modo:
“Tudo o que disse e escrevi em 2015 mantém-se por
igual, como igual é o homem que o disse e o escreveu”.
Teremos,
portanto, de novo, um Presidente da “descrispação” e do “pluralismo democrático”,
de “diálogo e convergência no essencial”, e “exatamente o mesmo” nas suas
convicções: “orgulhosamente
português e, por isso universalista; convictamente católico e, por isso, dando primazia
à dignidade da pessoa; ecuménico e contrário a um Estado confessional;
assumidamente republicano e, por isso, avesso a nepotismos, clientelismos e
corrupções; determinadamente socialdemocrata e, por isso, defensor da
democracia e da liberdade” – de “toda a liberdade: a pessoal, a
política, a económica, a social e a cultural”.
Porém,
esclareceu que não é “da chamada democracia iliberal, que não é democrática, nem da liberdade
que não é plenamente por ser vivida na pobreza, na ignorância ou na dependência”.
O seu desafio
é, portanto, ser reeleito, de preferência com um resultado acima dos 52% com
que foi eleito há 5 anos (pois todos os presidentes reforçaram a
sua percentagem no momento da reeleição).
Outro
objetivo importante – tal como o de todos os candidatos – será o de minimizar
ao máximo os efeitos que uma recandidatura, somados aos da situação pandémica,
poderão ter na abstenção, pois uma ausência massiva ao ato eleitoral
fragilizará a reeleição.
***
À partida,
quem enfrentará o presidente recandidato em quadrantes políticos de potencial
apoio é a candidata socialista Ana Gomes, mais assertiva que a de há 5
anos, a socialista Maria de Belém. Também fará frente – e é a primeira vez
tal sucede em eleições presidenciais – a um candidato conotado com a direita
radical, André Ventura, líder e deputado único do Chega. No entanto, no
anúncio da recandidatura, Marcelo disponibilizou-se para debates frente
a frente com todos os candidatos.
Logo a
seguir ao anúncio da recandidatura, Francisco Rodrigues dos Santos, presidente
do CDS, solicitou a convocação duma reunião extraordinária do o Conselho
Nacional, o órgão máximo do partido entre congressos, “para que o partido tome
posição sobre as próximas eleições presidenciais”, reunião que se realizará no próximo
dia 12, sendo de esperar que o CDS afirme aí o seu apoio oficial a Marcelo,
apesar de alguns amargos de boca centristas com o respaldo do Presidente ao Primeiro-Ministro
socialista António Costa.
No PS, para
lá dos apoios já conhecidos, surgiu explicitamente o do eurodeputado Pedro
Marques, que comunicou a sua decisão ao país através do Twitter.
Porém, a
candidata Ana Gomes veio logo acusar o seu grande adversário Marcelo Rebelo de
Sousa de “menorizar” as eleições de 24 de janeiro ao anunciar a recandidatura
numa pastelaria quando o país estava em confinamento. E disse a este propósito:
“Acho que na pastelaria
Versalhes de Belém, ainda por cima uma pastelaria em dia de confinamento, em
que as outras pastelarias deveriam estar fechadas, e sem sequer permitir o
acesso de jornalistas, sem sequer permitir perguntas e respostas do candidato, parece-me
que foi uma forma de menorizar umas eleições que são importantes para a
democracia em Portugal”.
Em declarações aos jornalistas, à
margem duma sessão de cumprimentos na Câmara Municipal do Porto, Ana Gomes disse
não ser “apologista de que se menorize a importância de eleições presidenciais”,
dada a sua relevância, já nos bastando “as restrições que decorrem da crise sanitária”.
E, não se mostrando surpreendida com o anúncio de recandidatura de Marcelo, disponibilizou-se
para debater com todos os candidatos às presidenciais.
Todavia, deixou
duas críticas explícitas ao adversário-mor. Por um lado, a posição de Marcelo em
relação ao que se passou em Camarate há 40 anos. Com efeito, se ele não acredita
que se tratou dum acidente, como está no relatório oficial, que vincula todo o
Estado, mas dum atentado, e nada fez como Presidente da República para que o
Estado não esteja a adotar uma versão que, segundo ele, não corresponde à
verdade, está a “pôr em causa as mais altas instituições do Estado”. Por outro lado,
considera o Presidente como “o principal
artífice” do acordo do Chega nos
Açores, considerando que isso “não o faz cumprir e fazer cumprir a
constituição” e que o acordo é “altamente
desestabilizador da República e da
democracia”.
***
Já no dia 7, a candidata socialista considerava,
em entrevista à “Rádio Observador”,
considerava que “Marcelo é o maior desestabilizador do Estado”.
Evocando declarações
recentes de Marcelo sobre Camarate, disse:
“Se fosse Presidente e também estivesse convencida de que tinha sido um
atentado – como estou – eu não descansaria. Sobretudo quando há um relatório
que compromete todo o Estado a dizer o contrário.”.
E disse que “Marcelo é o maior instabilizador
do Estado”, pois, se ele “acredita nisso, é a maior suspeita que se pode
levantar sobre todas as instituições do Estado e há que reabrir o caso”.
Também garante
que, ao contrário dele, teria impedido a substituição do presidente do Tribunal
de Consta, que não teria aceitado o acordo dos Açores, “que é desestabilizador
da democracia em Portugal” e que “não tem apenas como objetivo mudar a direção
do PSD, mas condicionar o período pós-Costa no PS”, pois “o que vai seguir-se em Portugal” parece-lhe
muito perigoso se Marcelo continuar a ser Presidente, esperando ela que “isso
não aconteça”.
Questionada
a propósito do acordo parlamentar nos Açores, que inclui o Chega, a candidata declarou
que “isto não pode ser só uma questão de aritmética”, que o PSD se coligou com
“uma formação que quer semear o ódio e que tem práticas contra a Constituição” e
que não a viabilizaria se fosse Chefe de Estado. Porém, não respondeu à questão
se, como Presidente, dissolveria a Assembleia Legislativa Regional. E, não podendo
substituir-se ao TC (Tribunal Constitucional), disse que como Presidente perguntaria à instituição
“se mantém a avaliação que levou à legalização do Chega, à luz do que está na
Constituição”, pois o discurso e alguns atos violam o n.º 2 do art.º 10.º e o
n.º 4 do art.º 46.º da CRP.
Quanto a
alguma relação com o Chega, enquanto Presidente, disse que, sendo diplomata por
formação, está preparada para “falar com o diabo”, mas que jamais teria uma relação
pessoal com o partido. Garante que, enquanto o partido for legal, “não poderia
furtar-se a recebê-lo em Belém, mas isso não quer dizer que lhe apertaria a mão.
Coisa parecida disse da China: se fosse eleita, à luz dos mesmos princípios,
não teria “uma relação normal com a China”, embora não defenda “o corte de
relações com nenhum país”.
Também a
candidata foi confrontada com tweets que faz nas redes sociais alegadamente sem
apresentar factos, como no caso da morte de Sindika Dokolo que classificou de
“ser estranha, muito estranha”. E, questionada sobre se vai continuar a fazer
este tipo de tweets se for eleita, respondeu: “Depende”. Mas garante que é diplomata e que sabe “comportar-se
como diplomata”. E sustenta que, face a elementos que tem, não só
fala deles como os carreia para a justiça e nega “ter escrito alguma coisa “sem
fundamento” na sua conta do Twitter.
Pensa que “há
uma nebulosa que leva a crer que possa haver esquema criminoso” na gestão do
Novo Banco e que tem dúvidas sobre o conteúdo do parecer do Ministério Público (MP) sobre a instituição porque “foi feito num curtíssimo
espaço de tempo”, gostando de ver “todo o processo BES começar a ser julgado”, “pois
justiça demorada é justiça negada”.
Quanto a
elementos do MP que podem ter interesses em atrasar os megaprocessos – como tem
afirmado – a socialista não esclarece, mas garante que, se for eleita, “uma das
questões prioritárias é que a Justiça funcione”, sobretudo no atinente ao crime
organizado, pois “há imensas intervenções que a Presidente da República pode
fazer para que os operadores que querem fazer o seu trabalho não sejam
travados”. Na verdade, garante que a maior parte dos magistrados do MP são
competentes e dedicados, mas interferências superiores fazem determinações que
afastam os processos do caminho para o juiz.
A socialista
falou ainda da falha no apoio do PS à sua candidatura – o partido decidiu não apoiar
oficialmente nenhum candidato, mas fez um balanço globalmente positivo do
desempenho do atual Presidente –, mas para dizer que, na Madeira, nos
dois últimos dias em pré-campanha, “foram muitos os militantes do PS” que
estiveram consigo e que tem apoios de figuras publicamente notórias. Mais: “o
que se passou na Madeira têm-se passado em todo o país”. Por isso, discorda do
PS por não ter um candidato próprio. E, perante a insistência sobre por que
motivo não consegue convencer o seu próprio partido, Ana Gomes disparou: “Alguns até é melhor que não estejam comigo”. Mas não quis
detalhar a quem se referia, apenas disse que “essas pessoas sabem quem são”.
E, sobre a alegada irregularidade da toma da
vacina da gripe, esclareceu que uma amiga trouxera de França a vacina para o
marido, prescrita pelo médico, com a respetiva guia de tratamento e guardada no
congelador. Como, entretanto, o marido precisou de tratamento hospitalar e lhe
deram a vacina, a amiga disponibilizou a vacina a Ana Gomes, que a tomou na farmácia,
mediante a apresentação do cartão de cidadão – a farmácia não tinha vacinas
disponíveis, mas ministrou a que lhe foi apresentada. Não lhe disseram que era ilegal
nem tinham por que o dizer, dado que não se trata de importação propriamente dita
de medicamento estrangeiro (remessa
massiva), que necessita de autorização do regulador.
Ora, no Twitter, a questão é outra. Trata-se duma
interpelação à DGS por não garantir um stock suficiente de vacinas para acudir
a todas as pessoas que integram grupos de risco (maiores de 65 anos e pessoas com doenças crónicas), ao
passo que as empresas que pretendem vacinar os seus colaboradores conseguem
fazê-lo. Não há crítica às empresas, mas interpelação à DGS.
***
Independentemente do juízo que se possa fazer
sobre estas candidaturas – já em tempos me referir às candidaturas presidenciais
para 2021 –, convém dizer que não se trata dum problema de consciência. Todos os
candidatos o podem dizer. E imaginemos que todos os cidadãos com capacidade
eleitoral passiva entendiam que a sua consciência os levava a candidatarem-se! Depois,
qualquer candidato tem de saber posicionar-se para enfrentar a pandemia e as
crises que dela derivam. Ademais, todos os atos de Estado que pratica o Presidente
são de Presidente e não de candidato ou de mero cidadão. Aliás, o único poder que
não pode exercer é o de dissolução do Parlamento. E é difícil que um segundo mandato
presidencial não seja diferente do primeiro. A experiência não deixa que
ninguém se iluda. Todos têm feito a sua autocrítica e têm resolvido mudar um
pouco de agulha.
Ana Gomes, que tem razão em quase tudo o que
defende, deveria evitar cair em determinadas ambiguidades como as declarações twitteiras
sobre a vacina da gripe, até para ter mais e melhor autoridade quando
escalpeliza a corrupção e o crime organizado, bem como o silêncio das
autoridades ou a falta de investimento nas Forças Armadas, nas polícias e nos equipamentos
de defesa e segurança.
Não sei se vai lá com a cruzada da corrupção. Lembro-me
do candidato Paulo Morais, que não passou, há 5 anos, da voz que clamava no
deserto contra a corrupção e com elementos que poderiam servir de prova, se a quisessem
utilizar!
É caso para perguntar se a navegação em águas turvas
não interessará a alguém.
Porém, aprecio as caraterísticas de cidadão com
que Marcelo diz reapresentar-se ao eleitorado.
2020.12.09 – Louro de Carvalho
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