quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Anúncio de recandidatura presidencial fecha o painel dos candidatos

 

Marcelo Rebelo de Sousa anunciou, no passado dia 7 de dezembro, o que já todos sabíamos: recandidata-se a Presidente da República. O lançamento da recandidatura havia de ser numa livraria, mas o estado de emergência levou o recandidato a optar por uma pastelaria (o que sucede pela primeira vez), no caso, a Versailles de Belém, ao lado do Palácio de Belém, no prédio onde, há 5 anos, instalou a sede nacional da sua campanha.

O recandidato, numa comunicação sem direito a perguntas dos jornalistas, disse o que o move: “um dever de consciência”. Com efeito, não vai “a meio de uma caminhada exigente e penosa” fugir às responsabilidades, trocando “as adversidades e as impopularidades de amanhã pelo comodismo pessoal ou familiar de hoje”, ou, como disse, como há 5 anos, cumpre “um dever de consciência”. Por vir a propósito, invocou a pandemia que trouxe “uma crise económica e social a vencer”, ou “uma oportunidade única de além de vencer a crise mudar para melhor Portugal”. E justificou o timing tardio do anúncio com a necessidade de “promulgar as novas regras eleitorais antes de convocar a eleição” e por ter querido “convocar a eleição como Presidente da República antes de avançar como cidadão” e “tomar decisões sobre o segundo estado de emergência como Presidente da República e não como candidato”.

Ao mesmo tempo, insistiu na ideia de que será no próximo mandato, caso reeleito, “exatamente o mesmo” que foi nestes 5 anos. E, a querer assegurar que não se comportará como os anteriores presidentes, que foram sempre no segundo mandato mais agressivos para os governos do que no primeiro mandato, porfiou: “Quem avança para esta eleição é exatamente o mesmo que avançou há anos”. Ou dito de outro modo: “Tudo o que disse e escrevi em 2015 mantém-se por igual, como igual é o homem que o disse e o escreveu.

Teremos, portanto, de novo, um Presidente da “descrispação” e do “pluralismo democrático”, de “diálogo e convergência no essencial”, e “exatamente o mesmo” nas suas convicções: “orgulhosamente português e, por isso universalista; convictamente católico e, por isso, dando primazia à dignidade da pessoa; ecuménico e contrário a um Estado confessional; assumidamente republicano e, por isso, avesso a nepotismos, clientelismos e corrupções; determinadamente socialdemocrata e, por isso, defensor da democracia e da liberdade” – de “toda a liberdade: a pessoal, a política, a económica, a social e a cultural”.

Porém, esclareceu que não é “da chamada democracia iliberal, que não é democrática, nem da liberdade que não é plenamente por ser vivida na pobreza, na ignorância ou na dependência”.

O seu desafio é, portanto, ser reeleito, de preferência com um resultado acima dos 52% com que foi eleito há 5 anos (pois todos os presidentes reforçaram a sua percentagem no momento da reeleição).

Outro objetivo importante – tal como o de todos os candidatos – será o de minimizar ao máximo os efeitos que uma recandidatura, somados aos da situação pandémica, poderão ter na abstenção, pois uma ausência massiva ao ato eleitoral fragilizará a reeleição.

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À partida, quem enfrentará o presidente recandidato em quadrantes políticos de potencial apoio é a candidata socialista Ana Gomes, mais assertiva que a de há 5 anos, a socialista Maria de Belém. Também fará frente – e é a primeira vez tal sucede em eleições presidenciais – a um candidato conotado com a direita radical, André Ventura, líder e deputado único do Chega. No entanto, no anúncio da recandidatura, Marcelo  disponibilizou-se para debates frente a frente com todos os candidatos.

Logo a seguir ao anúncio da recandidatura, Francisco Rodrigues dos Santos, presidente do CDS, solicitou a convocação duma reunião extraordinária do o Conselho Nacional, o órgão máximo do partido entre congressos, “para que o partido tome posição sobre as próximas eleições presidenciais”, reunião que se realizará no próximo dia 12, sendo de esperar que o CDS afirme aí o seu apoio oficial a Marcelo, apesar de alguns amargos de boca centristas com o respaldo do Presidente ao Primeiro-Ministro socialista António Costa.

No PS, para lá dos apoios já conhecidos, surgiu explicitamente o do eurodeputado Pedro Marques, que comunicou a sua decisão ao país através do Twitter.

Porém, a candidata Ana Gomes veio logo acusar o seu grande adversário Marcelo Rebelo de Sousa de “menorizar” as eleições de 24 de janeiro ao anunciar a recandidatura numa pastelaria quando o país estava em confinamento. E disse a este propósito:

Acho que na pastelaria Versalhes de Belém, ainda por cima uma pastelaria em dia de confinamento, em que as outras pastelarias deveriam estar fechadas, e sem sequer permitir o acesso de jornalistas, sem sequer permitir perguntas e respostas do candidato, parece-me que foi uma forma de menorizar umas eleições que são importantes para a democracia em Portugal”.

Em declarações aos jornalistas, à margem duma sessão de cumprimentos na Câmara Municipal do Porto, Ana Gomes disse não ser “apologista de que se menorize a importância de eleições presidenciais”, dada a sua relevância, já nos bastando “as restrições que decorrem da crise sanitária”. E, não se mostrando surpreendida com o anúncio de recandidatura de Marcelo, disponibilizou-se para debater com todos os candidatos às presidenciais.

Todavia, deixou duas críticas explícitas ao adversário-mor. Por um lado, a posição de Marcelo em relação ao que se passou em Camarate há 40 anos. Com efeito, se ele não acredita que se tratou dum acidente, como está no relatório oficial, que vincula todo o Estado, mas dum atentado, e nada fez como Presidente da República para que o Estado não esteja a adotar uma versão que, segundo ele, não corresponde à verdade, está a “pôr em causa as mais altas instituições do Estado”. Por outro lado, considera o Presidente como “o principal artífice” do acordo do Chega nos Açores, considerando que isso não o faz cumprir e fazer cumprir a constituição” e que o acordo é “altamente desestabilizador da República e da democracia”.

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Já no dia 7, a candidata socialista considerava, em entrevista à “Rádio Observador”, considerava que “Marcelo é o maior desestabilizador do Estado”.

Evocando declarações recentes de Marcelo sobre Camarate, disse:

Se fosse Presidente e também estivesse convencida de que tinha sido um atentado – como estou – eu não descansaria. Sobretudo quando há um relatório que compromete todo o Estado a dizer o contrário.”. 

E disse que “Marcelo é o maior instabilizador do Estado”, pois, se ele “acredita nisso, é a maior suspeita que se pode levantar sobre todas as instituições do Estado e há que reabrir o caso”.

Também garante que, ao contrário dele, teria impedido a substituição do presidente do Tribunal de Consta, que não teria aceitado o acordo dos Açores, “que é desestabilizador da democracia em Portugal” e que “não tem apenas como objetivo mudar a direção do PSD, mas condicionar o período pós-Costa no PS”, pois “o que vai seguir-se em Portugal” parece-lhe muito perigoso se Marcelo continuar a ser Presidente, esperando ela que “isso não aconteça”.

Questionada a propósito do acordo parlamentar nos Açores, que inclui o Chega, a candidata declarou que “isto não pode ser só uma questão de aritmética”, que o PSD se coligou com “uma formação que quer semear o ódio e que tem práticas contra a Constituição” e que não a viabilizaria se fosse Chefe de Estado. Porém, não respondeu à questão se, como Presidente, dissolveria a Assembleia Legislativa Regional. E, não podendo substituir-se ao TC (Tribunal Constitucional), disse que como Presidente perguntaria à instituição “se mantém a avaliação que levou à legalização do Chega, à luz do que está na Constituição”, pois o discurso e alguns atos violam o n.º 2 do art.º 10.º e o n.º 4 do art.º 46.º da CRP.

Quanto a alguma relação com o Chega, enquanto Presidente, disse que, sendo diplomata por formação, está preparada para “falar com o diabo”, mas que jamais teria uma relação pessoal com o partido. Garante que, enquanto o partido for legal, “não poderia furtar-se a recebê-lo em Belém, mas isso não quer dizer que lhe apertaria a mão. Coisa parecida disse da China: se fosse eleita, à luz dos mesmos princípios, não teria “uma relação normal com a China”, embora não defenda “o corte de relações com nenhum país”.

Também a candidata foi confrontada com tweets que faz nas redes sociais alegadamente sem apresentar factos, como no caso da morte de Sindika Dokolo que classificou de “ser estranha, muito estranha”. E, questionada sobre se vai continuar a fazer este tipo de tweets se for eleita, respondeu: “Depende”. Mas garante que é diplomata e que sabe comportar-se como diplomata. E sustenta que, face a elementos que tem, não só fala deles como os carreia para a justiça e nega “ter escrito alguma coisa “sem fundamento” na sua conta do Twitter.

Pensa que “há uma nebulosa que leva a crer que possa haver esquema criminoso” na gestão do Novo Banco e que tem dúvidas sobre o conteúdo do parecer do Ministério Público (MP) sobre a instituição porque “foi feito num curtíssimo espaço de tempo”, gostando de ver “todo o processo BES começar a ser julgado”, “pois justiça demorada é justiça negada”.

Quanto a elementos do MP que podem ter interesses em atrasar os megaprocessos – como tem afirmado – a socialista não esclarece, mas garante que, se for eleita, “uma das questões prioritárias é que a Justiça funcione”, sobretudo no atinente ao crime organizado, pois “há imensas intervenções que a Presidente da República pode fazer para que os operadores que querem fazer o seu trabalho não sejam travados”. Na verdade, garante que a maior parte dos magistrados do MP são competentes e dedicados, mas interferências superiores fazem determinações que afastam os processos do caminho para o juiz.

A socialista falou ainda da falha no apoio do PS à sua candidatura – o partido decidiu não apoiar oficialmente nenhum candidato, mas fez um balanço globalmente positivo do desempenho do atual Presidente –,  mas para dizer que, na Madeira, nos dois últimos dias em pré-campanha, “foram muitos os militantes do PS” que estiveram consigo e que tem apoios de figuras publicamente notórias. Mais: “o que se passou na Madeira têm-se passado em todo o país”. Por isso, discorda do PS por não ter um candidato próprio. E, perante a insistência sobre por que motivo não consegue convencer o seu próprio partido, Ana Gomes disparou: “Alguns até é melhor que não estejam comigo. Mas não quis detalhar a quem se referia, apenas disse que “essas pessoas sabem quem são”.

E, sobre a alegada irregularidade da toma da vacina da gripe, esclareceu que uma amiga trouxera de França a vacina para o marido, prescrita pelo médico, com a respetiva guia de tratamento e guardada no congelador. Como, entretanto, o marido precisou de tratamento hospitalar e lhe deram a vacina, a amiga disponibilizou a vacina a Ana Gomes, que a tomou na farmácia, mediante a apresentação do cartão de cidadão – a farmácia não tinha vacinas disponíveis, mas ministrou a que lhe foi apresentada. Não lhe disseram que era ilegal nem tinham por que o dizer, dado que não se trata de importação propriamente dita de medicamento estrangeiro (remessa massiva), que necessita de autorização do regulador.

Ora, no Twitter, a questão é outra. Trata-se duma interpelação à DGS por não garantir um stock suficiente de vacinas para acudir a todas as pessoas que integram grupos de risco (maiores de 65 anos e pessoas com doenças crónicas), ao passo que as empresas que pretendem vacinar os seus colaboradores conseguem fazê-lo. Não há crítica às empresas, mas interpelação à DGS.

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Independentemente do juízo que se possa fazer sobre estas candidaturas – já em tempos me referir às candidaturas presidenciais para 2021 –, convém dizer que não se trata dum problema de consciência. Todos os candidatos o podem dizer. E imaginemos que todos os cidadãos com capacidade eleitoral passiva entendiam que a sua consciência os levava a candidatarem-se! Depois, qualquer candidato tem de saber posicionar-se para enfrentar a pandemia e as crises que dela derivam. Ademais, todos os atos de Estado que pratica o Presidente são de Presidente e não de candidato ou de mero cidadão. Aliás, o único poder que não pode exercer é o de dissolução do Parlamento. E é difícil que um segundo mandato presidencial não seja diferente do primeiro. A experiência não deixa que ninguém se iluda. Todos têm feito a sua autocrítica e têm resolvido mudar um pouco de agulha.

Ana Gomes, que tem razão em quase tudo o que defende, deveria evitar cair em determinadas ambiguidades como as declarações twitteiras sobre a vacina da gripe, até para ter mais e melhor autoridade quando escalpeliza a corrupção e o crime organizado, bem como o silêncio das autoridades ou a falta de investimento nas Forças Armadas, nas polícias e nos equipamentos de defesa e segurança.

Não sei se vai lá com a cruzada da corrupção. Lembro-me do candidato Paulo Morais, que não passou, há 5 anos, da voz que clamava no deserto contra a corrupção e com elementos que poderiam servir de prova, se a quisessem utilizar!

É caso para perguntar se a navegação em águas turvas não interessará a alguém.

Porém, aprecio as caraterísticas de cidadão com que Marcelo diz reapresentar-se ao eleitorado.

2020.12.09 – Louro de Carvalho

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