É a trilogia da mensagem de Natal do Primeiro-Ministro,
que prometeu que o Governo não regateará esforços (aliás, nunca os regateou) para, com os nossos recursos e junto da UE, “combater a pandemia
e aliviar o sofrimento dos portugueses”, certo de que, pela solidariedade, que
arvorou em palavra de ordem, “venceremos a pandemia e recuperaremos da
crise que gerou”.
Na mensagem
natalícia de 2020, gravada na residência oficial, em São Bento, onde António Costa
tem estado em confinamento desde dia 17, quando se soube que o Presidente
francês, com quem tinha almoçado na véspera, estava infetado com covid-19, reconhece
que, ao longo destes meses, podem ter sido cometidos erros, pois, como disse,
“só não erra quem não faz”.
Depois de mencionar
a situação que o país vive, deixou elogios à capacidade e “resiliência” dos
cidadãos por manterem a coesão, apesar de tudo.
A seguir, expressou
“gratidão a todos portugueses pela capacidade de adaptação e sacrifício, pela
determinação e disciplina, pela responsabilidade cívica, com que têm coletivamente
enfrentado esta pandemia”; expressou “gratidão aos que prestam assistência a
quem dela mais necessita, sejam funcionários de lares ou da Segurança Social, sejam
militares das Forças Armadas ou elementos das Forças de Segurança”; expressou “gratidão
à mobilização da comunidade científica e aos professores, que nunca abandonaram
os seus alunos, mesmo quando as escolas tiveram de encerrar”; expressou
gratidão “a todos os que, ininterruptamente desde março, mantiveram o país a
funcionar e que, na agricultura, na indústria e no comércio, têm garantido que
nada de essencial nos tenha faltado”; e gratidão “de modo muito especial aos
profissionais de saúde, que dia e noite dão o seu melhor para tratar quem está
doente, tantas vezes com sacrifício de folgas, tempo de descanso e contacto com
a sua própria família”. E, aqui, recordou o testemunho de uma médica, do Hospital
de São João, e de uma enfermeira, do serviço de infeciologia do Curry Cabral, “apenas
dois exemplos entre tantos, tantos outros que diariamente constroem essa
magnífica obra coletiva que é o Serviço Nacional de Saúde”.
Depois, referiu
que o Governo, “confrontado com um vírus inesperado e desconhecido”, tem
procurado responder “da melhor forma, com equilíbrio e bom senso, aprendendo
dia a dia a lidar com a novidade e a readaptar-se permanentemente perante o
imprevisto”. Admitiu que “não fizemos tudo bem e cometemos erros, porque só não
erra quem não faz”, mas assegurou:
“Não regateámos, nem regatearemos esforços, com os nossos recursos e
junto da União Europeia, para combater a pandemia e aliviar o sofrimento dos
portugueses”.
E, no quadro
da solidariedade, que ocupou a segunda parte da mensagem, Costa expressou solidariedade
a todos (e tantos
são) “os que sofrem as graves
consequências económicas e sociais desta pandemia”. Afirmou ter “bem
consciência da dureza de muitas das medidas” que tivemos de tomar ao longo do
ano, “limitando liberdades, proibindo atividades ou adiando projetos de vida,
para defender a saúde pública, conter a transmissão do vírus, garantir
capacidade de resposta dos serviços de saúde, salvar vidas”. E frisou o “impacto
profundo destas medidas na vida de todos ”: no convívio social, que se reduziu;
nos afetos que não se puderam manifestar, em especial aos mais idosos; na
estabilidade emocional de tantas pessoas em isolamento; e na economia, com
tantos empresários a lutar pela sobrevivência das suas empresas e tantos
trabalhadores que perderam ou temem perder o emprego e o rendimento. E, elogiando
a “resiliência”, a comunhão e a união do povo “que soube manter-se coeso na
adversidade, coletivamente irmanado neste desígnio comum de travar a expansão
de um vírus que a todos ameaça”, pediu que todos continuem a lutar contra a
pandemia cumprindo “as regras” e adotando “os comportamentos que são decisivos
para salvar vidas”.
Depois da
gratidão e da solidariedade, António Costa quis deixar uma mensagem de
esperança: esperança na questão sanitária; e esperança na recuperação económica.
Quanto à
primeira, vincou a aproximação de um ano novo, antecedido do início do processo
de vacinação contra a covid-19 que, mesmo sendo um processo faseado e
prolongado no tempo, dá renovada confiança de que, “graças à ciência, é possível
debelar a pandemia”. E, recordando que, há um ano, fizera questão de gravar a mensagem
de Natal numa unidade de saúde familiar, acabada de inaugurar, para salientar o
compromisso do Governo com o SNS (Serviço Nacional de Saúde), sendo que “tudo o que aconteceu desde então apenas
veio confirmar o acerto dessa prioridade e a necessidade de continuarmos a
reforçar o SNS”.
Já no atinente
à recuperação económica, frisou que “podemos contar, durante o próximo ano, com
a solidariedade reforçada da União Europeia, para apoiar o esforço nacional de
iniciar uma recuperação sustentada, que nos permita não só superar as
dificuldades que atualmente vivemos, mas, sobretudo, enfrentar os problemas
estruturais que historicamente limitam o potencial de desenvolvimento do país”.
Por isso, tendo o Governo definido uma visão estratégica para o futuro de
Portugal, o Primeiro-Ministro garantiu que “dispomos agora dos meios para a
concretizar, abrindo assim às novas gerações o horizonte de um país mais justo,
mais próspero, mais moderno”, pelo que a mensagem termina com desejo de um
“promissor” 2021.
E Costa
concluiu poder assegurar-nos que, “neste tempo tão duro e exigente”, tem “uma
enorme honra” em poder estar “ao serviço de Portugal”.
Em suma,
o Chefe do Governo salientou as dificuldades que a pandemia trouxe aos
portugueses e os engulhos que trouxe ao Governo por via das incertezas sobre o comportamento
do vírus e do tratamento a dar-lhe (incertezas que os cientistas
confessam ter);
admitiu erros; elogiou a capacidade de trabalho, dedicação, solidariedade e resiliência
dos portugueses; e pôs a tónica
no arranque da vacinação e na receção dos fundos europeus – ao todo, Portugal
receberá cerca de 58 mil milhões de euros da UE ao longo dos próximos sete
anos, dos quais parte é exclusivamente para a recuperação económica pós-crise
pandémica.
Estamos,
segundo o Primeiro-Ministro, perante o “maior desafio das nossas vidas”, cabendo-nos a construção de um “país mais justo,
mais próspero, mais moderno”.
Por outro
lado, esta mensagem do Primeiro-Ministro, oportunidade que os últimos
decénios têm reservado ao Chefe do Governo, porque a do Presidente da República
costuma ocorrer no dia 1.º de janeiro, constitui uma resposta subtil à mensagem
que o Chefe de Estado, que renunciou a dirigir ao país no início do Ano Novo,
dirigiu, neste dia, aos portugueses através de artigo publicado no Jornal de
Notícias.
Na
mensagem deste ano, o Chefe de Estado fez
uma resenha histórica das dificuldades que o país atravessou noutros momentos
para deixar alguns alertas sobre o que ainda nos espera, no complexo contexto da
pandemia que nos forçou a estarmos longe daqueles de quem mais gostamos, apelando
à resiliência dos cidadãos e à necessidade de acelerarmos a passada no caminho
que temos vindo a traçar. Começou por falar do Natal em guerra que os portugueses de algumas
gerações testemunharam: a guerra no mundo, mas com reflexos cá dentro; a guerra
nas colónias, sorvedouro de recursos, vidas e integridades. E recordou tempos
de Natal em crise financeira, económica e social, com a fome a apoderar-se das
pessoas e a tolher o progresso.
Depois, focou-se no
Natal de 2020 como “uma realidade substancialmente
nova”, porque passado em pandemia que nos atinge há dez
meses e que, “apesar da esperança nas vacinas”, ficará “semanas e meses”, ninguém prevendo quantos.
Referindo que à
pandemia sanitária se junta “uma pandemia económica e social”, de que resulta, como efeito imediato, “o aumento da pobreza e das desigualdades”, afirmou que a situação “converte este
Natal num terreno nunca experimentado”. E, no quadro das consequências
do que denomina de “pandemias” (considera duas), inscreve a mudança de comportamentos sociais; a alteração de relações comunitárias; a “ausência de padrões comparativos que permitam medir o alcance e a
profundidade do que se mudou, do que se alterou, do que vai ficar, do que irá
partindo à medida que a pandemia se atenua e que a recuperação e a recriação
económica e a correção das desigualdades se tornam visíveis”.
Considerando como o
mais urgente “olhar para o Natal de 2020 com
uma visão de prazo mais curto”, entende que deve ser feito “tudo o que pudermos fazer para acautelar as semanas e os meses mais próximos”. Todavia propõe “um outro olhar para o Natal de 2020”, com “uma visão de médio prazo”, o que postula um “consenso
alargado para criar condições para um melhor arranque de 2021, em termos de
pandemia sanitária”, que “deve estender-se ao que vão ainda ser meses de surto e sua prevenção,
enquanto a vacinação avança”. Tal consenso alargado requer –
agora e por mais algum tempo – “estabilidade, reforço da coesão social, existência de referenciais de
confiança”.
Uma vez que, “desde março, temos demonstrado estar à altura de
tal exigência”, está convicto de que “não iremos
esmorecer, nestes dias, por entre a alegria responsável do reencontro e a
redescoberta do valor da esperança na resistência às dificuldades”. E, tendo nós, juntos, percorrido tanto caminho e “com inabalável determinação”, Marcelo crê que “nada poderá levar-nos a deitar a perder o realizado”.
Por fim, apontando “hesitações, descontinuidades, tergiversações” – “todas elas dispensáveis e mesmo contraproducentes” – o Presidente da República considera
que “o desafio é importante demais e o
tempo premente demais, também ele, para comportarem outra coisa que não seja
continuar o feito e acelerar o que, na mesma linha, há que fazer”.
***
As duas mensagens
merecem releitura e conveniente reflexão. Com efeito, precisamos de ser gratos,
solidários e movidos pela esperança, admitindo erros e vendo enormes
sofrimentos (de toda a ordem) no país; de encarar os desafios que o momento nos apresenta para hoje
e para o futuro; e de obter consenso alargado, portador de estabilidade, reforço da coesão social e referenciais de confiança. Porém, nem o
Governo pode autoinocentar-se as deficiências coletivas existentes e das que o
futuro nos reservar, nem o Presidente pode ter a veleidade de conseguir o que o
Governo não é capaz de fazer ou não quer fazer. Ora, se o Presidente falasse no
Ano Novo, como é usual, não daria a impressão de estar a competir com o Governo.
E as duas mensagens, num quadro de complementaridade seriam mais bem
assimiladas.
Todavia, cumpra-se!
2020.12-25 – Louro de Carvalho
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