segunda-feira, 3 de junho de 2019

Crise da direita, crise de regime – o que dizem os líderes…


O Presidente da República considerou, no dia 31 de maio, que há forte possibilidade de “uma crise na direita portuguesa nos próximos anos” e sustentou que, num contexto destes, o seu papel “é importante para equilibrar os poderes”.
Comentando os resultados das eleições europeias de 2019 na FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento), em Lisboa, declarou que Portugal tem agora “uma esquerda muito mais forte do que a direita” e que “o que aconteceu à direita é muito preocupante”.
No atinente à esquerda, Marcelo referiu que “o PS fortaleceu a sua posição” e equacionou a hipótese de isso acontecer “de forma ainda mais profunda” nas próximas legislativas”, podendo vir a ter “diferentes possibilidades” para formar maioria, além de PCP e BE, “porque outros partidos estão a crescer”. Já, em relação à direita, identificou-lhe a fragmentação, com muitos partidos, “embora alguns deles sejam muito pequenos”, e a crise interna nos partidos que estiveram coligados no anterior Governo, PSD e CDS-PP, mas entre os quais agora há “uma impossibilidade de diálogo”.
O Chefe de Estado realçou que “veio da direita” (o que, a meu ver, Sá Carneiro não gostara de ouvir, pois sempre considerou o seu partido um partido de centro-esquerda) e aduziu que, “com um Governo forte de centro-esquerda e uma oposição de direita fraca, cabe ao Presidente”, não equilibrar, mas “ser muito sensível e sentir que é preciso ter um equilíbrio no sistema político”.
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As reações não se fizeram esperar. E o primeiro a pronunciar-se foi, ao invés do que lhe é habitual, o líder do PSD, que admite que os partidos da direita precisam de ser revitalizados, mas diz que os portugueses não estão descontentes só com a direita, mas com todos os partidos. Disse-o no dia 1 de junho, em Albufeira, e defendeu “reformas profundas no regime” com a colaboração “dos partidos todos”, pois, como acentuou, “os portugueses não estão descontentes com os partidos da direita, estão descontentes com os partidos como um todo”. 
Rio foi ao Algarve à Convenção Nacional do Conselho Estratégico socialdemocrata, mas, à margem do evento partidário, foi confrontando pelos jornalistas com as declarações do Presidente da República, que aludiam a uma crise na direita, e mostrou uma opinião diferente.
Para o líder socialdemocrata, se fosse uma questão apenas da direita até seria melhor, porque seria mais fácil de resolver. No entanto, em sua opinião, é um problema no sistema, que só pode ser resolvido com a colaboração de todos os partidos. Caso contrário, a elevada abstenção verificada nas europeias só irá aumentar. E, a este respeito, disse:
Os 70% de abstenção não têm nada a ver com a direita, nem com a esquerda, têm a ver com o sistema como um todo. (…) Temos de fazer reformas profundas no regime e isto tem de ter a colaboração do sistema partidário todo, dos partidos todos.”.
E insistiu declarando que, se não se fizerem as reformas profundas no regime, “o descrédito vai aumentar”. E garantiu que “ou as pessoas percebem que o sistema está em crise e tem de ser revitalizado e revigorado ou o sistema continuará incapaz de responder aos problemas da sociedade”. E foi mais longe a denunciar a crise não só do sistema, mas do próprio regime:
O regime democrático é, e está, cada vez menos democrático, para mim isso é claro. Cada vez mais os poderes instalados têm mais força que o próprio sistema político, que os poderes políticos e o próprio governo, seja ele qual for..
Entre as reformas que indicou como necessárias, Rio colocou a reforma do Estado – mas sem precisar o que entende por reforma do Estado –, reformas na justiça e no sistema de Segurança Social que garantam a sustentabilidade do sistema. Também nestas duas últimas, tal como em relação à reforma mais profunda de que defende, disse apenas que os partidos têm de dialogar, sem dizer exatamente que mudanças pretende fazer e quais os resultados que delas espera.
Sobre as críticas duras que lhe fez Jorge Moreira da Silva, antigo vice-presidente do PSD e Ministro do Ambiente de Passos Coelho, Rui Rio disse apenas que não leu, pelo que não teceu quaisquer comentários.
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Mário Centeno foi no domingo, dia 2 de junho, à feira do livro para uma conversa sobre a Europa, mas no final, questionado pelos jornalistas, mostrou-se em total desacordo com o presidente do PSD, negando que haja “uma crise de regime”, e disse que a representação está muito bem desenhada na democracia e que o que será preciso é capacidade de decisão e fazer compromissos. Depois, vestindo a pele de presidente do Eurogrupo e falando do impacto de decisões políticas como o Brexit e o aumento que o protecionismo tem nas economias e, consequentemente nas opiniões políticas dos eleitores, declarou:
A representação está muito bem desenhada na nossa democracia, são 19 democracias maduras na área do euro. Portugal orgulhosamente faz parte desse grupo, temos apenas que, com os instrumentos que temos, com base na situação económica e financeira muito positiva que hoje todos os países vivem, reduzir a incerteza política.”.
Mário Centeno não comentou as declarações do Presidente da República sobre uma eventual crise na direita portuguesa – apesar de ser um dos ministros Governo mais críticos da anterior governação –, mas deixou mais um recado a Rui Rio:
O regime está muito bem estabelecido, a representação não tenho dúvida nenhuma sobre como é que se faz. É preciso apenas que se use a tal palavra 'compromisso’ e capacidade de decisão.”.
Pelos vistos, o Ministro das Finanças de António Costa reduz a crise e o fenómeno da abstenção à incerteza política. Com efeito, afirma que é preciso “reduzir a incerteza política” porque é aí que “reside a parte mais facilmente explicável e [mais] significativa da abstenção assim como das nossas incertezas económicas”. E exemplificou aduzindo situações específicas que estimulam a incerteza:
Estamos há três anos a discutir o Brexit, levamos já anos a discutir as tensões comerciais, [existe] a incerteza sobre o processo orçamental italiano…”.
Embora não encontre crise de regime em Portugal, Centeno encontra crise nos partidos de direita e centro-direita – e não apenas portugueses. Durante a apresentação do livro A Europa não é um país estrangeiro, de José Tavares, o Ministro apontou, citado pela RTP, que  “os partidos da direita e centro-direita europeia viveram em todos estes países durante muitos anos sem nenhuma oposição”, o que mudou. Mas deixou de ser assim, na interpretação de Centeno, porque a resposta e o benefício que esses partidos tentaram retirar da gravíssima crise por que a Europa passou foi a veiculada pela “expressão não há alternativa” – o afamado TINA (There Is No Alternative). Para Centeno, a direita e centro-direita na Europa “não conseguiram lidar com a pós-crise, com a recuperação económica, com os desafios” que se colocavam, refugiando-se numa tese política de que não havia alternativa – não a tendo nomeado diretamente, referir-se-ia presumivelmente à austeridade enquanto solução de saneamento das finanças públicas de países do euro. A governação à direita na Europa “colocou, em muitos países, em muitos maus lençóis os partidos sociais-democratas”.
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Por seu turno, a Presidente do CDS não responde a Marcelo nem a Rio ou a Centeno, mas garante que analisou “com atenção” os últimos resultados eleitorais, sendo agora o momento de esquecer as picardias e focar as propostas do seu partido, com os olhos postos no futuro. No arranque de umas jornadas parlamentares dedicadas à Saúde, no distrito do Porto, Assunção Cristas desviou-se do comentário ao comentário do Presidente da República. A questão foi-lhe colocada uma, duas, três vezes. Mas a resposta não chegou, pelo menos diretamente. Assunção não quis falar, mas garantiu estar a apanhar os cacos das europeias e a olhar para outubro:

Lemos com atenção os resultados eleitorais e estamos a trabalhar com muito afinco”.

Com efeito, o momento é o de “sublinhar o que é o trabalho [do CDS]”, “certamente com uma preocupação que é também a do senhor Presidente, que é a de sermos uma oposição forte, construtiva, uma alternativa para o país” – disse. Depois assegurou que, para isso, é preciso ir para a estrada (esta manhã os deputados centristas estiveram a pintar as paredes do Centro Social e Cultural da Paróquia de Valbom) e “mostrar as propostas e a visão diferentes do CDS”.
Assunção Cristas tem a estratégia definida e garante ter “lido, olhado e analisado com atenção” os resultados eleitorais e com eles o que os eleitores que votaram “quiseram dizer”, embora também “o que foi a atuação de todos aqueles que não quiseram ir às urnas e o que está por trás disso”. Assim, Cristas tem 4 meses para mostrar que as europeias não passaram de um deslize.
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Primeiro, foi Rio que respondeu a Marcelo; a seguir, foi Centeno; e, por fim, Cristas.  
Marcelo identificou uma hipótese de crise à direita, marcada pela fragmentação e pelo enfraquecimento interno dos respetivos partidos; Rio estende a crise ao sistema e mesmo ao regime; Centeno doura a pílula e, para o também economista-comentador, a causa de todo o desafeto da política é exatamente a incerteza política; e Assunção Cristas, que leu os resultados e diz ter entendido a mensagem dos eleitores, está a preparar o futuro, ignorando qualquer crise.
Ora bem, Marcelo poderia ter evitado a sua análise e comentário, seja porque tal não lhe cabe, seja porque induziu a que o debate se retraísse. Com efeito, o líder do PSD, que dizem ter sofrido a maior derrota de sempre (mas mantém o mesmo número de eurodeputados que em 2014), foi rápido a estender a crise a todo o sistema e mesmo ao regime, pelo que o debate, a acontecer, será caótico; Centeno não vê crise nenhuma, pelo que não lhe parecerá necessário o debate; e Assunção Cristas assobia para a frente, sustentando-se no debate interno, sem dar lugar ao debate interpartidário, porque o seu partido está a preparar-se para ser um grande partido de oposição (parece ter perdido o escopo de se constituir como alternativa ao atual Governo).
E é pena se não se fizer o debate aprofundado, o que Rio verifica ao dizer que não é em tempo de eleições que se fazem os acordos de regime.
O divórcio entre eleitores e partidos existe e é muito grande. Deve-se às estafadas promessas não cumpridas; à corrupção e ilícitos afins, que invadem os diversos escalões da administração pública, da governança – central e autárquica –, do Parlamento, do poder judiciário e dos empresários que têm conexões praticamente indissolúveis com os poderes políticos; ao espectro do desemprego, da precariedade no emprego e das más condições do trabalho (salários magros, assédio laboral, sobrecarga de trabalho, falta de conciliação com a família); à falta da proteção social (reformas não garantidas, velhice desamparada…); ao desequilíbrio fiscal; ao mau funcionamento dos serviços públicos (sobretudo de saúde e da segurança social, crónico neste caso); ao espectro da pobreza; à falta de democracia partidária; enfim, ao não reconhecimento dum futuro suficientemente risonho.            
A crise é do sistema, mas o regime democrático tem em si forma de se regenerar. Haja lucidez e vontade política para o debate e para a renovação. Não nos basta pertencer ao euro. E nem sei se a pertença nos dá tanto orgulho como diz Centeno. O que desejamos é viver com dignidade, desafogo e futuro!  
2019.06.03 – Louro de Carvalho

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