O Presidente da República considerou, no dia 31 de maio, que há forte possibilidade de “uma crise na direita portuguesa nos
próximos anos” e sustentou que, num contexto destes, o seu papel “é
importante para equilibrar os poderes”.
Comentando os resultados das eleições europeias de 2019 na FLAD (Fundação
Luso-Americana para o Desenvolvimento), em
Lisboa, declarou que Portugal tem agora “uma esquerda muito mais
forte do que a direita” e que “o que aconteceu à direita é muito preocupante”.
No atinente à esquerda, Marcelo referiu que “o PS fortaleceu a sua
posição” e equacionou a hipótese de isso acontecer “de forma ainda mais
profunda” nas próximas legislativas”, podendo vir a ter “diferentes
possibilidades” para formar maioria, além de PCP e BE, “porque outros partidos
estão a crescer”. Já, em relação à direita, identificou-lhe a fragmentação, com
muitos partidos, “embora alguns deles sejam muito pequenos”, e a crise interna nos partidos que estiveram coligados no
anterior Governo, PSD e CDS-PP, mas entre os quais agora há “uma
impossibilidade de diálogo”.
O Chefe de Estado realçou que “veio
da direita” (o que, a meu ver, Sá Carneiro não gostara de ouvir,
pois sempre considerou o seu partido um partido de centro-esquerda) e aduziu que, “com um Governo forte de
centro-esquerda e uma oposição de direita fraca, cabe ao Presidente”, não
equilibrar, mas “ser muito sensível e sentir que é preciso ter um
equilíbrio no sistema político”.
***
As reações não se fizeram
esperar. E o primeiro a pronunciar-se foi, ao invés do que lhe é habitual, o
líder do PSD, que admite que os partidos da direita precisam de ser
revitalizados, mas diz que os portugueses não estão descontentes só com a
direita, mas com todos os partidos. Disse-o no dia 1 de junho, em Albufeira, e defendeu
“reformas profundas no regime” com a colaboração “dos partidos todos”, pois,
como acentuou, “os portugueses não estão descontentes com os partidos da direita, estão
descontentes com os partidos como um todo”.
Rio foi
ao Algarve à Convenção Nacional do Conselho Estratégico socialdemocrata, mas, à
margem do evento partidário, foi confrontando pelos jornalistas com as
declarações do Presidente da República, que aludiam a uma crise na direita, e
mostrou uma opinião diferente.
Para o
líder socialdemocrata, se fosse uma questão apenas da direita até seria melhor,
porque seria mais fácil de resolver. No entanto, em sua opinião, é um problema
no sistema, que só pode ser resolvido com a colaboração de todos os partidos. Caso
contrário, a elevada abstenção verificada nas europeias só irá aumentar. E, a este respeito, disse:
“Os 70% de
abstenção não têm nada a ver com a direita, nem com a esquerda, têm a ver com o
sistema como um todo. (…) Temos de fazer reformas profundas no regime e isto
tem de ter a colaboração do sistema partidário todo, dos partidos todos.”.
E
insistiu declarando que, se não se fizerem as reformas profundas no regime, “o descrédito vai
aumentar”. E garantiu que “ou as pessoas percebem que o sistema está em
crise e tem de ser revitalizado e revigorado ou o sistema continuará incapaz de
responder aos problemas da sociedade”. E foi mais longe a denunciar a crise não só do
sistema, mas do próprio regime:
“O regime
democrático é, e está, cada vez menos democrático, para mim isso é claro. Cada
vez mais os poderes instalados têm mais força que o próprio sistema político,
que os poderes políticos e o próprio governo, seja ele qual for.”.
Entre
as reformas que indicou como necessárias, Rio colocou a reforma do Estado – mas
sem precisar o que entende por reforma do Estado –, reformas na justiça e no
sistema de Segurança Social que garantam a sustentabilidade do sistema. Também
nestas duas últimas, tal como em relação à reforma mais profunda de que
defende, disse apenas que os partidos têm de dialogar, sem dizer exatamente que
mudanças pretende fazer e quais os resultados que delas espera.
Sobre
as críticas duras que lhe fez Jorge Moreira da Silva, antigo vice-presidente do
PSD e Ministro do Ambiente de Passos Coelho, Rui Rio disse apenas que não leu,
pelo que não teceu quaisquer comentários.
***
Mário
Centeno foi no domingo, dia 2 de junho, à feira do livro para uma conversa
sobre a Europa, mas no final, questionado pelos jornalistas, mostrou-se em
total desacordo com o presidente do PSD, negando que haja “uma crise de regime”, e disse que a representação está
muito bem desenhada na democracia e que o que será preciso é capacidade de
decisão e fazer compromissos. Depois, vestindo a pele de presidente do
Eurogrupo e falando do impacto de decisões políticas como o Brexit e o aumento
que o protecionismo tem nas economias e, consequentemente nas opiniões
políticas dos eleitores, declarou:
“A representação
está muito bem desenhada na nossa democracia, são 19 democracias maduras na
área do euro. Portugal orgulhosamente faz parte desse grupo, temos apenas que, com os instrumentos que temos, com base na situação
económica e financeira muito positiva que hoje todos os países vivem, reduzir a
incerteza política.”.
Mário
Centeno não comentou as declarações do Presidente da República sobre uma eventual
crise na direita portuguesa – apesar de ser um dos ministros Governo mais
críticos da anterior governação –, mas deixou mais
um recado a Rui Rio:
“O
regime está muito bem estabelecido, a representação não tenho dúvida nenhuma
sobre como é que se faz. É preciso apenas que se use a tal palavra 'compromisso’
e capacidade de decisão.”.
Pelos vistos, o Ministro das Finanças de António Costa
reduz a crise e o fenómeno da abstenção à incerteza política. Com efeito, afirma que é preciso
“reduzir a incerteza política” porque é aí que “reside a parte mais facilmente explicável e [mais] significativa da
abstenção assim como das nossas incertezas económicas”. E exemplificou
aduzindo situações específicas que estimulam a incerteza:
“Estamos
há três anos a discutir o Brexit, levamos já anos a discutir as tensões
comerciais, [existe] a incerteza sobre o processo orçamental italiano…”.
Embora não
encontre crise de regime em Portugal, Centeno encontra crise nos partidos de
direita e centro-direita – e não apenas portugueses. Durante a apresentação do
livro A
Europa não é um país estrangeiro, de José Tavares, o Ministro apontou, citado pela RTP,
que “os partidos da direita e centro-direita europeia viveram em
todos estes países durante muitos anos sem nenhuma oposição”, o que mudou. Mas
deixou de ser assim, na interpretação de Centeno, porque a resposta e o
benefício que esses partidos tentaram retirar da gravíssima crise por que a
Europa passou foi a veiculada pela “expressão não há alternativa” – o afamado TINA (There Is No Alternative). Para Centeno, a direita e
centro-direita na Europa “não conseguiram lidar com a pós-crise, com a
recuperação económica, com os desafios” que se colocavam, refugiando-se numa
tese política de que não havia alternativa – não a tendo nomeado diretamente,
referir-se-ia presumivelmente à austeridade enquanto solução de saneamento das
finanças públicas de países do euro. A governação à direita na Europa “colocou,
em muitos países, em muitos maus lençóis os partidos sociais-democratas”.
***
Por seu
turno, a Presidente do CDS não responde a Marcelo nem a Rio ou a Centeno, mas
garante que analisou “com atenção” os últimos resultados eleitorais, sendo
agora o momento de esquecer as picardias e focar as propostas do seu partido,
com os olhos postos no futuro. No
arranque de umas jornadas parlamentares dedicadas à Saúde, no distrito do Porto,
Assunção Cristas desviou-se do comentário ao comentário do Presidente da
República. A questão foi-lhe colocada uma, duas, três vezes. Mas a
resposta não chegou, pelo menos diretamente. Assunção não quis falar, mas
garantiu estar a apanhar os cacos das europeias e a olhar para outubro:
“Lemos
com atenção os resultados eleitorais e estamos a trabalhar com muito afinco”.
Com
efeito, o momento é o de “sublinhar o que é o trabalho [do CDS]”, “certamente
com uma preocupação que é também a do senhor Presidente, que é a de sermos uma
oposição forte, construtiva, uma alternativa para o país” – disse. Depois
assegurou que, para isso, é preciso ir para a estrada (esta manhã os deputados centristas
estiveram a pintar as paredes do Centro Social e Cultural da Paróquia de Valbom) e “mostrar as propostas e a visão
diferentes do CDS”.
Assunção
Cristas tem a estratégia definida e garante ter “lido, olhado e analisado com
atenção” os resultados eleitorais e com eles o que os eleitores que votaram
“quiseram dizer”, embora também “o que foi a atuação de todos aqueles que não
quiseram ir às urnas e o que está por trás disso”. Assim, Cristas tem 4 meses
para mostrar que as europeias não passaram de um deslize.
***
Primeiro, foi
Rio que respondeu a Marcelo; a seguir, foi Centeno; e, por fim, Cristas.
Marcelo
identificou uma hipótese de crise à direita, marcada pela fragmentação e pelo
enfraquecimento interno dos respetivos partidos; Rio estende a crise ao sistema
e mesmo ao regime; Centeno doura a pílula e, para o também economista-comentador,
a causa de todo o desafeto da política é exatamente a incerteza política; e Assunção
Cristas, que leu os resultados e diz ter entendido a mensagem dos eleitores,
está a preparar o futuro, ignorando qualquer crise.
Ora bem,
Marcelo poderia ter evitado a sua análise e comentário, seja porque tal não lhe
cabe, seja porque induziu a que o debate se retraísse. Com efeito, o líder do
PSD, que dizem ter sofrido a maior derrota de sempre (mas mantém o mesmo número de
eurodeputados que em 2014),
foi rápido a estender a crise a todo o sistema e mesmo ao regime, pelo que o
debate, a acontecer, será caótico; Centeno não vê crise nenhuma, pelo que não
lhe parecerá necessário o debate; e Assunção Cristas assobia para a frente, sustentando-se
no debate interno, sem dar lugar ao debate interpartidário, porque o seu partido
está a preparar-se para ser um grande partido de oposição (parece ter perdido o escopo de se
constituir como alternativa ao atual Governo).
E é pena se
não se fizer o debate aprofundado, o que Rio verifica ao dizer que não é em
tempo de eleições que se fazem os acordos de regime.
O divórcio
entre eleitores e partidos existe e é muito grande. Deve-se às estafadas promessas
não cumpridas; à corrupção e ilícitos afins, que invadem os diversos escalões
da administração pública, da governança – central e autárquica –, do
Parlamento, do poder judiciário e dos empresários que têm conexões praticamente
indissolúveis com os poderes políticos; ao espectro do desemprego, da precariedade
no emprego e das más condições do trabalho (salários magros, assédio laboral, sobrecarga de trabalho,
falta de conciliação com a família); à falta da proteção social (reformas não garantidas, velhice desamparada…); ao desequilíbrio fiscal; ao mau funcionamento
dos serviços públicos (sobretudo
de saúde e da segurança social, crónico neste
caso); ao espectro da
pobreza; à falta de democracia partidária; enfim, ao não reconhecimento dum futuro
suficientemente risonho.
A crise
é do sistema, mas o regime democrático tem em si forma de se regenerar. Haja
lucidez e vontade política para o debate e para a renovação. Não nos basta
pertencer ao euro. E nem sei se a pertença nos dá tanto orgulho como diz Centeno.
O que desejamos é viver com dignidade, desafogo e futuro!
2019.06.03 –
Louro de Carvalho
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