A comunicação social deu relevo ao caso da
magistrada do Ministério Público que despachou o arquivamento do processo de
queixa da PSP, nos termos da qual um agente fora insultado e agredido a murro
por dois homens alcoolizados, aduzindo que a expressão “filho da p...” não representa ofensa e o murro não podia ser
considerado crime naquele contexto.
Segundo o despacho a que alguns jornais, como o JN e o CM, tiveram
acesso, uma patrulha da PSP foi chamada ao local por via de distúrbios que dois
homens, um dos quais de nacionalidade russa, estavam a causar. Visivelmente
alcoolizados, os indivíduos entraram em confronto com outros jogadores e não
respeitaram a ordem dos polícias para abandonarem o espaço de diversão.
Chamaram, inclusive, “filho da p...”
a um dos agentes, que também foi agredido com um murro no peito. O caso ocorreu a 23 de março, já depois da meia-noite,
quando a PSP, da Divisão da Amadora, foi chamada ao local onde outros homens
estavam no bingo e foram inquietados por dois indivíduos. O chefe de sala
chamou-os à atenção, mas eles não acataram a indicação e provocaram desacatos,
o que o levou a chamar a patrulha. Instados a abandonar o espaço, ambos
recusaram, tendo ficado “ainda mais exaltados”, supostamente porque “as
autoridades apenas os quiseram encaminhar a eles para o exterior e nada fizeram
em relação ao terceiro individuo que os tinha mandado calar”, como refere o DN. Nesse momento um terá injuriado um
dos agentes, que acabou agredido com um soco.
Os agentes tiveram de os conduzir para o exterior, onde o cidadão russo
disse em português a um dos agentes: “És
um filho da p…”. O polícia deu-lhe voz de detenção e, ato contínuo, foi
agredido com um murro no peito. E o comparsa, ao ver o amigo a resistir à detenção,
puxou o braço do agente e dizia-lhe: “Filho
da p…, não faças isso”. Por isso, ambos acabaram detidos após a chegada de
reforço policial. E o auto de notícia foi encaminhado para o MP da
Comarca.
Porém, uma procuradora da 2.ª secção da Comarca de Lisboa Oeste, na posse
do processo de inquérito, entendeu que insultar e agredir um polícia não é
crime, nem o caso merece, tão pouco, ser julgado. Para a magistrada, que deu
como provados estes factos, a expressão acima referida, por si só e no exato
contexto factual em que foi proferida, não tem o “animus” de ofender quem quer que seja, funcionando antes como ‘um
grito de revolta’, uma manifestação de exaltação e indignação”. E,
relativamente à alegada agressão, também a procuradora entendeu que “as
circunstâncias concretas em que o arguido desferiu um murro” ilibam o agressor
do polícia. Aliás, o soco, defende a magistrada, foi dado porque o homem
alcoolizado “se queria defender da própria força física exercida pelo agente
policial e não com o intuito de lesar o corpo e/ou a saúde deste”.
Assim e apesar de ter considerado as acusações como provadas, a magistrada
decidiu não julgar os alegados crimes, pelo que despachou o arquivamento do
processo ilibando os dois homens.
Instada pelo JN, a Procuradoria-Geral
da República assegurou que o caso não foi alvo de qualquer intervenção
hierárquica e está definitivamente encerrado.
***
O despacho da predita procuradora não é um caso isolado e, pelos vistos, a
polémica que está a surgir na praça pública e nas polícias não terá sucesso. E
não é a lei que está em causa, mas a jurisprudência que se vai fazendo com base
em acórdãos dos tribunais de relação – o que não deixa de ser preocupante num
contexto de perda de valores, de atropelo à convivência e de degradação
civilizacional. Com efeito, o texto do Código Penal (CP) postado na página Web da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa vem anotado com
várias indicações de jurisprudência, de que se dão conta, a seguir, algumas das
referentes ao crime de injúria (art.º 181.º) e ao crime
de ofensa à integridade física simples (art.º 143.º).
***
Em relação à injúria, diz o n.º 1 do art.º 181.º:
“Quem injuriar outra
pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe
palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão
até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.
Entretanto, a jurisprudência é como segue (recolheram-se apenas alguns
casos):
1 - Acórdão (Ac.) do TRC (Tribunal da
Relação de Coimbra) de
2-11-2011, CJ, 2011, T.V, pg. 315:
“As expressões ‘vai pró…’ e ‘vai para a c…
da tua mãe’, dirigidas pelo agente à ofendida (…), têm um significado inequivocamente
ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social,
situando-se muito além da mera violação das regras de cortesia e de boa
educação e atingindo o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao
relacionamento em sociedade. Daí que a sua prática consubstancia um crime de
injúria”.
2 - Ac. TRC de 23-05-2012:
“A expressão ‘sacana’ não tem um conteúdo
ofensivo da honra e consideração do assistente. Trata-se de uma expressão
desrespeitosa e nada educada e cortês.”.
3 - Ac. TRC de 29-03-2012:
“A conduta do arguido que, no decurso de uma
reunião da assembleia de condóminos, referiu que a assistente é uma ‘paranoica’,
primeiro na ausência desta e depois na presença da mesma, preenche o ilícito
dos crimes de difamação e injúria. É manifesto que a ação do arguido se dirige
a imputar um facto ou a fazer um juízo de valor depreciativo em relação à
queixosa, mas o uso vulgar da expressão não pode caber dentro daquela margem de
tolerância que se tem de atribuir à comunicação entre os humanos, muitas vezes
com o uso de juízos e palavras desagradáveis. O que ali se exprime com o
uso do vocábulo ‘paranoica’ é, além de uma grande e lamentável desenvoltura
verbal, a intenção de criticar uma pessoa e de a rotular depreciativamente como
maluca, anormal. E, se a expressão de tal juízo for entendida como normal,
isto é, como tolerável, então estaremos a banalizar não só a falta de educação
como todos os juízos feridentes da autoestima pessoal e social das pessoas,
desculpabilizando tais juízos e palavras sob o manto diáfano do uso normal e
frequente.”.
4 - Ac.
TRC de 10-10-2012:
“1. A linha essencial da distinção entre a
difamação e injúria reside no facto de o ataque ser direto à pessoa do
ofendido, sem intermediação, no caso da injúria, ou ser feito de forma enviesada,
indireta, através de terceiros, no caso da difamação. 2. Comete apenas um crime
de injúria o arguido que, dirigindo-se ao assistente disse ‘és um pedófilo’ e,
de seguida, na presença deste, dirigindo-se às educadoras de infância, que se
encontravam no local proferiu a seguinte expressão ‘vocês têm aqui um pedófilo’.”.
5 - Ac. TRL (Tribunal da Relação de Lisboa) de 3-07-2012, CJ, T3, 2012, pg.162:
“A palavra ‘calinas’ tem o significado comum
de madraço, calaceiro, preguiçoso, mas dependendo do contexto situacional em
que for proferida, pode não chegar a alcançar um patamar mínimo de gravidade
que lhe confira dignidade penal”.
6 - Ac TRC de 18-09-2013:
“1. Comete o crime de injúria aquela que,
dirigindo-se à ofendida, em voz alta, por forma a ser ouvido por todos os
presentes, lhe diz: és ‘uma pessoa tão importante que é uma m…’. 2. É que
objetivamente, ao considerar que a ofendida como pessoa ‘é uma m…’, a arguida
coloca em causa globalmente a sua personalidade, excedendo manifestamente o
direito de crítica sobre a importância social da ofendida, entrando no puro
juízo insultuoso.”.
7 - Ac. TRE (Tribunal da Relação de Évora) de 18-06-2013:
“Chamar ‘chibo’ a uma pessoa ou dizer dessa
pessoa a terceiro que é um chibo é ofensivo da honra ou consideração do visado”.
8 - Ac.
TRC de 5-12-2012, CJ, 2012, T5, pg. 51:
“Comete um crime de injúria o arguido que,
barrando a passagem ao assistente, obrigando-o a parar, em seguida lhe escarra
para a cara”.
10 - Ac. TRG (Tribunal da Relação de Guimarães) de 7-10-2013, CJ, 2013, T4, pg.282:
“O SMS enviado pela arguida à assistente (…):
‘vai arranjar quem te monte, vai-te f…’, encerra uma carga valorativa que
ofende a honra e consideração da assistente, na medida em que a coloca no foro
animalesco do trato sexual”.
11 - Ac. TRG de 17-02-2014:
“Não comete o crime de injúria quem profere
a expressão ‘vocês são uns palhaços, não sei como o povo vos escolheu’,
dirigida a um presidente de Junta de Freguesia no âmbito de uma contenda
motivada por questões relacionadas com a atuação dos membros da autarquia, por
a mesma se traduzir num juízo de valor em que se exerce o direito de crítica”.
12 - Ac. TRL de 22-05-2014:
“No caso de a conduta do agente preencher as
previsões de resistência e coação sobre funcionário, do artigo 347.º/1 do
Código Penal, e injúria agravada, (dos artigos
182.º/1, 184.º e 132.º/2-l) do CP),
verifica-se concurso efetivo real de crimes”.
13 - Ac. TRC de 10-07-2014:
“O lexema ‘chavalo’, dirigido a um agente de
autoridade no exercício das suas funções, constituindo linguagem grosseira e
boçal, não reúne aquele mínimo de dignidade ético-penal apto a fazer intervir o
tipo de crime previsto no artigo 181.º do CP”.
14 - Ac. TRG de 10-07-2014:
“I. Existem expressões, comunitariamente
tidas como obscenas ou soezes, que objetivamente atingem o património pessoal
das pessoas a quem são dirigidas, enxovalhando-as e humilhando-as. II.
Provando-se que o arguido, durante uma contenda física, apelidou o seu
adversário de ‘filho da p…’ e ‘cabrão’, ocorre o vício do erro notório na
apreciação da prova (art.º 410 n.º 2 al. c) do CPP), se se considerar que agiu
sem intenção de ofender a honra do visado, apenas ‘pretendendo expressar raiva
e exaltação durante a contenda’.”.
15 - Ac. TRG de 30-06-2014:
“I. No crime de injúria, a análise da
verificação do ilícito não se pode circunscrever ou limitar à valoração isolada
e objetiva das expressões proferidas, exigindo-se que as mesmas sejam
apreciadas em função do circunstancialismo de tempo, de modo e de lugar em que
foram proferidas, tendo ainda em conta as realidades relacionadas com o
contexto sociocultural e a maior ou menor adequação social do comportamento.
II. A expressão ‘tu batias na tua mãe’, proferida pela arguida, no quadro de
uma situação de discussão verbal e de profundo litígio com a assistente, sendo
seguramente uma forma (mal) utilizada de a arguida afirmar os seus pontos de
vista, não atinge o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir
para que a pessoa tenha apreço por si própria e não reveste uma carga ofensiva
de tal forma evidente que a faça alcançar o patamar da tipicidade e justifique
a atribuição de dignidade penal.”.
16 - Ac. TRC de 11-03-2015:
“As expressões ‘covardes e corruptos’ e
‘tenham coragem’, dirigidas a funcionários e vereador, são idóneas a lesar a
honra e consideração do assistente, por serem adequadas a desprestigiar e
diminuir o seu bom nome, quer perante si próprio, quer perante os outros
cidadãos (…).”.
17 - Ac. TRG de 3-11-2014:
“I. A expressão ‘Sois um bando de filhos da
p…’ tem uma carga injuriosa, não podendo ser considerada uma mera manifestação
de falta de civismo, grosseria, falta de educação ou cultura, ainda que
proferida no âmbito de uma discussão familiar. II. Existem expressões,
comunitariamente tidas como obscenas ou soezes, que, objetivamente, atingem a
honra do visado, a não ser que se demonstre que este as emprega usualmente e
aceita sempre receber a carga de ofensividade que é inerente a elas.”.
18 - Ac. TRC de 14-09-2016:
“A expressão ‘Estás cada vez melhor! Comia-te
toda! És toda boa! Pagavas o que me deves!’, dirigida pelo arguido à
assistente, constituindo linguagem grosseira, boçal e ordinária, susceptível de
ferir a sensibilidade subjetiva da visada, não atinge, no seu todo, o patamar
mínimo de dignidade ético-penal apto a fazer intervir o tipo de crime previsto
no art.º 181.º do CP.”.
19 - Ac. TRP (Tribunal da Relação do Porto) de 8-03-2017:
“I- No crime de injúrias praticado por
palavras, o significante utilizado tem de encerrar em si uma potência ofensiva,
ou seja terá de ter um significado associável a significados padronizados ou
padronizáveis com essência ou núcleo ofensivos. II- O significante ‘estúpido’
tem essa potencia natural ofensiva porque relacionada a uma caraterística
própria existencial do visado (tal como a imbecilidade e idiotice) sem
contornos funcionais ou ligação a competências sociais específicas.”.
20 - Ac. TRP de 21-02-2018:
“I- Na apresentação de queixa por crime
particular, é obrigatória, nos termos do art.º 246.º, n.º 4 CPP a declaração do
denunciante de que pretende constituir-se assistente. II- Apresentada denuncia
por escrito subscrita pelo denunciante, pelo crime do art.º 181.º CP, sem
conter a declaração de que pretende constituir-se assistente, a mesma não se
mostra validamente efetuada. III- Tal falta não pode ser suprida decorrido o
prazo para o exercício do direito de queixa.”.
21 - Ac. TRL de 11-01-2018:
“I- Ao dirigir-se aos agentes da PSP., as
palavras ‘Vocês são sempre a mesma m…! Andam a comer na mão do Musta! Andam
sempre à caça dos mesmos! Vocês tenham vergonha nessa cara!’, torna-se por
demais evidente que as expressões em causa são manifestamente ofensivas da
honra e consideração, pessoal e profissional, dos respetivos agentes da PSP.,
que estavam, devidamente uniformizados, a zelar pela manutenção da ordem e
respeito públicos, num momento em que as condições existentes no local mais
faziam prever que os referidos interesses pudessem ser postas em causa. II-
A’baixeza’ de princípios e a indiferença pelos valores jurídicos tutelados
estão fortemente evidenciados no uso das expressões em causa, também por via
destas foram a honra e a consideração dos agentes policiais grave e efetivamente
lesadas e, consequentemente, a autoridade do Estado. III- Esta é uma conduta
perante a qual a sociedade não fica indiferente, reclamando a tutela que a
confiança nos agentes da autoridade sempre haverá de merecer.”.
22 - Ac. TRG de 9-0-2017:
“I) Comete o crime de injúria do art.º 181.º,
do CP, a arguida que, no contexto de uma reunião levada a cabo no escritório do
advogado do assistente, tendo como finalidade o estabelecimento de um acordo,
no âmbito de um processo judicial, em que aquele tinha requerido a insolvência
da empresa do pai da arguida, seu tio, por forma a que lhe fossem pagos
créditos salariais em atraso, encontrando-se presentes em tal reunião, para
além do assistente e da arguida, os mandatários judiciais de ambas as partes em
litígio, dirige ao ofendido a expressão ‘é isso que querias, és um porco’,
tendo tal expressão sido ainda ouvida pelo funcionário do referido escritório.
II) Com efeito, mesmo no circunstancialismo de conflito em que foi proferida,
tal expressão, mais do que um sentido meramente negativo, depreciativo ou
socialmente inadequado, destinada a exprimir um juízo de valor para exercer o
direito de crítica relativamente ao comportamento do assistente, atingiu o
núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha
apreço por si própria e não se sinta desprezado pelos outros, assumindo um
significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões
médios de valoração social, situando-se muito para além da mera violação das
regras de cortesia e da boa educação, atingindo já o âmago daquele mínimo de
respeito indispensável ao relacionamento em sociedade.”.
“Dirigir a outrem a expressão ‘Vou pôr-te na linha, já
te conheço há muitos anos e sei bem que peça és’, no local de trabalho, perante
os demais trabalhadores não revela pendor ofensivo nem da honra nem da
consideração do visado”.
24 - Ac. TRE de 26-04-2018:
“I. A expressão ‘mimada’ comporta o
significado corrente de referir-se àquela que tem muito mimo, definindo-se este
como dádiva, carícia, meiguice, delicadeza ou gesto carinhoso, abarcando
caraterística daquele que seja ridiculamente sensível, o mesmo é dizer, piegas.
II. Tal expressão, no contexto em que foi proferida (em ambiente escolar e
conotada com a postura assumida pela assistente na sala de aulas) não atinge o
patamar de dignidade penal.”.
25 - Ac. TRG de 10-09-2018:
“III) Segundo a normalidade da vida e as
regras da experiência comum, a expressão ‘você é um ladrão’, dirigida pelo
arguido ao assistente, tendo como pano de fundo um relacionamento conflituoso
entre ambos, não pode deixar de ser tida como suscetível de ofender a honra e a
consideração do visado, por a generalidade das pessoas lhe atribuir o
significado de pessoa que furta ou rouba, que é um gatuno, que se apodera do
alheio ou que é desonesta”.
***
No atinente à ofensa à integridade física simples,
refere o art.º 143.º:
“1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra
pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2. O
procedimento criminal depende de queixa, salvo quando a ofensa seja cometida
contra agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas
funções ou por causa delas. 3. O tribunal pode dispensar de pena
quando: a) tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos
contendores agrediu primeiro; ou b) o agente tiver unicamente exercido
retorsão sobre o agressor.”.
Entretanto, a jurisprudência é como segue (recolheram-se só alguns casos):
26 - Ac. TRC de 21-01-2009:
“IV. No léxico comum o verbo ‘empurrar’ contém sempre a ação forte,
vigorosa, dirigida à deslocação de uma pessoa ou objecto. Logo, na
representação e valorização colectiva, e quando assume a natureza de exercício
de vis physica contra outrem constitui
uma forma de violência. A aferição da ilicitude do facto deve ser feita em
função da esfera de proteção da norma incriminadora e dos limites da moldura
penal, nos quais o legislador já reflete a natureza e densidade do bem jurídico
protegido, todas as formas de ataque ou violação ao mesmo e ainda as
finalidades preventivas da punição penal.”.
27 - Ac. TRL de 12-04-2011:
“III. Face ao princípio da subsidiariedade, vertido no art.º 18.º, n.º 2,
da C.R.P., sendo o enquadramento penal a ultima
ratio, a ofensa ao corpo ou à saúde prevista na norma do art.º 143.º, n.º 1,
do Código Penal, deve assumir um grau mínimo de gravidade, descortinável
segundo uma interpretação do tipo legal à luz do critério da adequação social;
IV. Não constitui condição de relevância típica a provocação de dor ou
mal-estar corporal, incapacidade da vítima para o trabalho, aleijão ou marca
física. V. O ato de agarrar alguém pelo braço e de lhe desferir várias pancadas
na cabeça e no ombro, com uma mala-mochila, ainda que pequena, exprime de forma
inequívoca, do ponto de vista ético-social, uma agressão no corpo, um ‘ataque’,
um gesto molestador, independentemente do efeito e ainda que o ato seja
cometido por uma mulher e o visado seja um jovem de 18 anos de idade.”.
28 - Ac. TRC de 9-05-2012:
“1. Para o preenchimento do crime de ofensa à integridade física apenas
se exige a existência de uma ofensa no corpo (não cumulativamente a existência
de ofensa à saúde), constituindo ofensa toda a ação que prejudique o bem-estar
físico da vítima, até independentemente de provocar ou não dor. 2. No
caso, uma ação de empurrar, que até foi suficiente para fazer cair a vítima,
tem de considerar-se ter sido atentatória do bem-estar físico da vítima.”.
29 - Ac. TRC de 7-03-2012:
“1. Não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se
atinja o conceito de ofensa corporal. 2. Pratica o crime de ofensa à
integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão
com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe
cause qualquer lesão.”.
30 - Ac. TRC de 17-04-2013, CJ, 2013, T2, pg. 51:
“A retorsão abrange as ofensas à integridade física, bem como as
injúrias seguidas de lesões físicas”.
31- Ac. TRE de 21-05-2013:
“I. O art.º 143.º do Código Penal não prevê um crime de perigo, seja ele
abstrato ou concreto, mas antes um crime de resultado de dano, pois a lei exige
a verificação de um evento separado espácio-temporalmente da conduta do agente
que se traduza na lesão efetiva do bem jurídico protegido (a integridade
física), não se bastando com a mera colocação em perigo daquele mesmo bem
jurídico. II. É tipicamente irrelevante o facto de o menor ser agarrado no
braço pela arguida, pois tal não implica necessariamente que o mesmo seja
prejudicado no seu bem-estar físico e, menos ainda, que a haver afetação do seu
bem-estar a mesma tivesse ocorrido de forma não insignificante.”.
32 - Ac. TRC de 17-12-2014:
“I. Considerando que estão suficientemente indiciadas as agressões
físicas entre os três intervenientes e que a única questão que impediu a
pronúncia foi o facto de não haver indícios suficientes de ter sido o arguido
AA a iniciar as agressões, é evidente que os factos que são considerados como
suficientemente indiciados terão que ser analisados à luz disposição legal
prevista no art.º 143.º n.º 3 do CP. II. Não podendo concluir o tribunal ‘que
os indícios recolhidos são insuficientes para se concluir por uma probabilidade
de futura condenação do arguido AA’ e que ‘não estão verificados os elementos
típicos dos crimes que lhes foram imputados» e decidir ‘proferir despacho de
não pronúncia do arguido AA pelos crimes de ofensa à integridade física,
previstos e punidos pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, que lhes tinham
sido imputados pelos assistentes.”.
33 - Ac. TRG de 23-03-2015:
“I. O dolo ou a negligência têm como substrato um fenómeno psicológico,
representado por uma certa posição do agente perante o ilícito capaz de ligar
um ao outro; esses fenómenos psicológicos, eventos do foro interno, da vida
psíquica, sensorial, ou emocional do indivíduo, cabem ainda dentro da vasta categoria
dos factos processualmente relevantes. II. In
casu, tendo-se provado que num contexto de altercação, o arguido ‘empurrou
e pelos braços’ a ofendida, do que ‘resultou uma equimose do braço direito’ que
‘determinou 5 dias para a cura’, mandam a normalidade da vida e o saber da experiência
que se conclua que o arguido quis ofender o corpo da assistente, consciente de
que tal conduta não era permitida por lei. III. Daí que se imponha a alteração
da matéria de facto com a consequente condenação do arguido pela prática de um
crime de ofensa à integridade física do art.º 143.º, n.º 1 do CP.”.
34 - Ac. TRC de 8-02.2017:
“Para haver agravação do crime de ofensa à integridade física simples
não basta fazer uso da arma, enquanto objeto de agressão [pancada com a coronha
na cabeça], o que podia ser feito com qualquer outro objeto de agressão ou objeto
de arremesso. Torna-se necessário que o agente faça uso da arma enquanto arma
de fogo e disparando sobre a vítima lhe [faça] ofensa à integridade física.”.
35 - Ac. TRP de 10-10-2018:
“I- A retorsão a que alude a alínea b) do
art.º 143.º do CP, assenta num princípio de resposta, reconduzindo-se a ‘situações
nas quais o agente se limita a responder a uma conduta ilícita ou repreensível
do ofendido’, tendo, em via de regra, lugar entre as mesmas pessoas, e terá que
visar sempre o primeiro agressor, ‘nunca podendo dirigir-se a um terceiro não
envolvido’. II- A dispensa de pena, à luz do preceito citado, quer à do art.º
74.º do CP, tem presente a ideia de inexistência de razões preventivas que
imponham a punição.”.
***
Só num
caso o doesto dirigido à polícia foi considerado crime de injúria (21). Não se percebe como os doestos
de 2, 11, 13, 15, 18, 23 e 24 não são crime, ao passo que os dos nn. 1, 3, 6,
7, 14 (como
no acórdão que deu origem a esta reflexão, só que não dirigido a polícias), 17 o são, quando a fronteira é
muito diáfana, devendo-se a discriminação ao subjetivismo do julgador, o que é
mau.
Concorda-se
com o explanado em 2, 3, 4, 5 e 6, mas estranha-se que doesto dirigido a
polícia e presidente de junta não seja crime, mas dirigido a funcionários e
vereadores o seja ou que chamar paranoica ou dizer o descrito em 10 seja crime,
mas chamar-lhe mimada ou mandar-lhe os piropos referidos em 18 e 23 o não seja.
No
atinente à ofensa à integridade física, não se vê como, à luz da lei e dos
acórdãos citados o murro no polícia não constitui agressão, pois não tem que
deixar marcas físicas e foi dado como provado. Mas manda quem pode e está imune
ao escrutínio externo; e o povo acata.
2019.06.27 –
Louro de Carvalho
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