Poderá marcar a próxima década que está mesmo à porta a
insuficiência de professores qualificados para as necessidades do sistema
educativo português. Di-lo o CNE (Conselho Nacional de Educação), que se debruçou sobre o tema e avança com várias
recomendações sobre a qualificação e valorização de educadores e professores do
ensino básico e do secundário. E
a OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) vaticina que, na próxima década, 1 em cada 2
professores tem de ser substituído.
Para
o CNE, o cenário poderá complicar-se se não
forem tomadas medidas, se não forem desenvolvidas soluções que atenuem a quebra
de candidatos nos cursos ligados à educação, se não forem dadas respostas aos
desafios num futuro bem próximo. Todos conhecemos os dados: a classe docente está
francamente envelhecida; prevê-se a saída de cerca de 30 mil professores nos
próximos 8 anos, continua a diminuir a procura de cursos de formação – o que
torna a renovação um caso sério. Por isso, aquele órgão consultivo do
Ministério da Educação (ME) sustenta
que é necessário rejuvenescer a classe, aumentar a estabilidade, reforçar a autonomia e valorizar
a profissão docente, o que postula a alteração das condições do seu exercício e
o estímulo à construção de uma imagem positiva dos professores, bem como
melhores condições de trabalho, novas regras de ingresso nos cursos ligados à
educação e mais formação em contexto escolar em contacto com os alunos.
O CNE identifica o “problema de insustentabilidade que
urge antever e solucionar” e frisa que a desvalorização da profissão docente é
“um elemento crítico”. Assim, o relatório do CNE vinca:
“A imagem pública da função de professor é
hoje muito diferente da de outros tempos. A pressão colocada sobre a escola,
exigindo-lhe mais do que alguma vez lhe foi exigido, a massificação do ensino
com o alargamento da escolaridade obrigatória e um acesso à informação que
disputa o tradicional espaço escolar, são exemplos de responsabilidade
acrescida para o desempenho docente, o que cria desafios que as políticas
educativas têm tido dificuldade em acompanhar”.
Considerando a poupa atratividade hodierna da função
docente – pois as escolas superiores de educação têm menos alunos, há cursos
que nada têm a ver com educação, tendo a formação e a qualificação dos
educadores e professores vindo a ser desvalorizadas – o CNE lembra:
“A ação docente não é um simples exercício
técnico ou de saber fazer, mas antes um conhecimento profissional específico,
essencialmente orientado para as situações da prática com que o professor lida”.
E, tomando em linha de conta que a formação envolve
conhecimentos científicos, técnicos e pedagógicos, o CNE sublinha:
“A formação inicial e a contínua representam
duas faces de um propósito que se quer complementar no sentido de capacitar os docentes para os desafios educativos que as
circunstâncias exigem”.
Assim, a forte aposta na revalorização da profissão docente,
que o CNE defende, passa pela maior dignificação da carreira e pela melhoria da
qualidade das condições de trabalho – o que requer profunda reflexão sobre o
sistema educativo do lado dos docentes, que inevitavelmente induzirá o
rejuvenescimento da classe, o aumento da estabilidade, o reforço da autonomia dos
docentes num trabalho cooperativo na escola. Para isso, julga-se necessário um
planeamento prospetivo com a caraterização e provisão das necessidades
sistémicas, nos diferentes grupos de recrutamento, antecipando a implementação
das medidas mais adequadas.
Uma das preditas medidas,
segundo o CNE, terá de ser
a elaboração de novas regras de ingresso para o primeiro ciclo de estudos do
curso de Educação Básica, prevendo um tempo complementar ou integrado de formação
científica em Matemática ou em outras áreas em que os alunos revelem maiores
dificuldades, durante a licenciatura, sendo que as instituições de Ensino
Superior devem assegurar a participação do candidato a professor em contextos
pedagógicos dinâmicos, em ações diretas com os alunos. Por seu turno, os
agrupamentos de escolas devem aprofundar relações, assinar protocolos e deverão
fazer tudo para que o período de formação prática supervisionada se aproxime
mais “do tempo contínuo dos estágios, ou
seja, cerca de um ano letivo, por períodos contínuos de docência, em semanas
inteiras de tempos curriculares, ou em outros períodos escolares completos, de
acordo com as especificidades dos níveis de ensino”. Além disso, impõe-se a
substituição do período probatório por um ano de indução, isto é, um ano letivo
completo de exercício profissional, com apoio da escola e de um docente do
mesmo grupo de recrutamento e com experiência profissional. E deverá contar
para efeitos de avaliação de desempenho docente e de avaliação das escolas a
formação em contexto: com oficinas e projetos de longa duração.
Depois, vem a renovação progressiva do corpo docente
em todas as escolas, que é fundamental. Ora, nesse sentido e no quadro da sua
autonomia, a escola deveria abrir mais vagas “resultantes de uma efetiva e mais
ajustada diminuição do serviço docente aos professores com mais anos de serviço
e da redução do número de alunos por turma”. E o CNE recomenda que seja
incluído um número de horas de formação no horário letivo anual dos professores
– formação ao longo do ano – para lá do tempo de dispensa de serviço docente. Isto
no âmbito dum projeto definido pela escola e pelo docente, que valorize ações
em contexto relevantes para o desenvolvimento profissional e para a melhoria
das práticas pedagógicas.
Sobre isto, o presidente da CONFAP (Confederação
Nacional das Associações de Pais) concorda,
no geral, com as recomendações do CNE. Todavia, na sua declaração de voto, faz
observações e sublinha algumas questões, realçando:
“Ingressar na profissão docente implica
gostar de ensinar, mas sobretudo gostar do que se ensina, pelo que não se pode
deixar de observar a Matemática como fundamental para o exercício da profissão
docente e particularmente no 1.º Ciclo, onde se inicia todo o gosto pela
aprendizagem”.
Neste sentido, o líder da CONFAP adverte:
“A vontade ou a necessidade de se atraírem
jovens para a docência não pode descuidar a valorização de saberes essenciais.
Por outro lado, é preciso garantir que quem assume a responsabilidade de
orientar e apoiar as crianças no início das suas vidas académicas o faz com
verdadeiro gosto pelo que ensina em todas as áreas.”.
E garante que a CONFAP “continuará a bater-se pelo
reconhecimento do mérito de todos os professores, pela importância que têm na
complementaridade com as famílias na educação das nossas crianças e no
desenvolvimento dos nossos jovens”.
***
Por sua
vez, a OCDE deu a conhecer, a 19 de junho, um relatório sobre a situação dos
professores no universo dos países que a integram, resultante do TALIS (Teaching and Learning International
Survey), o
inquérito feito aos professores, de cinco em cinco anos.
Nos
termos do documento, sobressai um facto inquestionável: os professores
portugueses estão cada vez mais velhos. Com efeito, Portugal é um dos países da
OCDE onde a classe está mais envelhecida, sendo a sua média de idade de 49 anos.
Além disso, verifica-se que cerca de metade dos professores tem mais de 50 anos
e que a faixa etária acima dos 60 já representa 20% da classe. Estão piores que
Portugal apenas a Bulgária, a Estónia, a Lituânia e a Geórgia.
Em todo
o caso, é de anotar que o envelhecimento da profissão não é exclusivo do
sistema educativo português e que, nos últimos 5 a 10 anos, a esmagadora
maioria dos países viu a idade da classe docente aumentar.
Agora, aquele
organismo internacional desenhou uma linha muito concreta no horizonte e
garante que, durante a próxima década, Portugal vai ter de substituir, à conta
das aposentações (na
idade legal, na idade pessoal ou por antecipação), 1 em cada 2 professores no ativo.
Defendem os
relatores do TALIS, sobre os países que acusam maior envelhecimento docente:
“Estes
países vão ver-se a braços com o desafio de atrair e preparar um
número elevado de professores nos próximos anos, a não ser que assistam
também a um decréscimo do número de estudantes”.
A
idade média dos professores portugueses de 49 anos contrasta com os 44 anos de média da
OCDE. Por outro lado, 47% (quase metade) tem
mais de 50 anos e a faixa etária acima dos 60 já representa 20% da classe
docente portuguesa, como já foi dito. Os números ficam em patamar superior
quando se olha para a idade dos diretores de escola ou de agrupamento de escolas:
a média fica nos 54 anos, com 23% a ter mais de 60 anos. Do universo dos
diretores escolares, só 43% é que são mulheres, quando a sua presença no ensino
não superior ronda os 77%.
Feitas as
contas e sem contar com aposentações antecipadas ou por invalidez, nos próximos
15 anos, 67% dos professores portugueses (dois terços) terão idade suficiente para se
aposentarem.
Como se
disse, Portugal, com a média nos 49 anos, é um dos países da OCDE onde os professores
são mais velhos; só a Bulgária, a Estónia, a Lituânia e a Geórgia têm uma classe
docente mais envelhecida que a portuguesa, com a idade média a chegar aos 50
anos neste último país. Do outro lado da tabela, entre os 38 países analisados
no TALIS, está a Turquia, onde a idade média é de 36 anos.
Ora, como a
idade média de aposentação na OCDE é de 64,3 anos para os homens e de 63,7 anos
para as mulheres, os sistemas educativos vão ter de renovar pelo menos um terço
da sua força de trabalho nos próximos 15 anos, se o número de estudantes se
mantiver estável. Mas, no caso português, a perspetiva piora, pois é previsível
que mais de metade dos professores ativos se aposente nos próximos 10 anos. Por
isso é que tem de substituir um em cada dois.
E a este
problema Portugal soma outro: os cursos superiores de educação estão a atrair
cada vez menos alunos, o
que poderá criar um problema de oferta em alguns grupos de recrutamento no
curto prazo. Aliás, foi este um dos problemas levantados pela Fenprof no
13.º congresso, que decorreu em Lisboa, a 14 e 15 de junho. Diz o Programa de Ação desta federação sindical,
aprovado no encontro, que “dos 21 cursos de formação inicial de docentes
lançados este ano letivo pelas instituições de ensino superior, em 12 houve
menos de 10 candidatos”, sendo apontada como uma das culpadas deste cenário a
falta de atratividade da profissão. Por outro lado, a Fenprof exige, para
combater o envelhecimento da profissão, um regime específico de aposentação
para os professores, problema há muito levantado pelos seus sindicatos.
***
Pela 1.ª vez,
o TALIS analisa os motivos que levam os professores a enveredar por esta
carreira. Os resultados portugueses alinham pela média da OCDE: 93% dos
inquiridos enveredaram pelo ensino para influenciar o
desenvolvimento das crianças ou contribuir para a sociedade; mas,
contra uma média de 67% na OCDE, 84% dos professores portugueses escolheram a
carreira como primeira opção. Ora, esta ideia de serviço público (os motivos financeiros só influenciaram
a decisão de 60% a 70%)
leva a OCDE a sustentar a existência de um alto nível de profissionalismo entre
os professores e a da margem para atrair as novas gerações para a profissão,
inferindo que, se há vontade de ser professor, cabe aos governos dos diferentes
Estados criar políticas que tornem a carreira mais atrativa. Ou seja, a OCDE
defende que,
para ter professores e diretores de qualidade, urge criar uma
classe motivada através de condições de trabalho gratificantes.
Entre as
preditas condições (dizem-no
os próprios professores convidados pela OCDE a definir as áreas prioritárias de
investimento na educação),
conta-se o recrutamento de mais professores, o que levará à redução do número
de alunos por turma, e o de mais pessoal auxiliar. Depois, vem o aumento de
salários como outra condição para melhorar a atratividade da carreira. Com efeito,
como é possível um professor contratado ou em início de carreira, com salário
tão magro, suportar as excessivas despesas de deslocação ou aceder a renda de
casa a preços proibitivos e sem um suplemento salarial para residência ou deslocação
como têm outros trabalhadores?
No entanto, a
OCDE, considerando que os orçamentos de educação “normalmente competem com uma
variedade de outras políticas públicas prioritárias”, admite como pouco
provável que aumentem num curto espaço de tempo na maioria dos países”. Por isso,
aconselha “diálogos construtivos” com os representantes dos professores sobre a
“forma de melhor alocar recursos limitados
para melhorar as condições financeiras e de trabalho da profissão ao longo do
tempo, em linha com o progresso no profissionalismo e com uma maior
produtividade”. Lindo!
Também considera
o TALIS que “aumentar o status e o
prestígio da profissão” é um objetivo primordial para
atrair candidatos e garantir a renovação contínua” fazendo face às
aposentações. Assim, sustenta a importância de os próximos 10 a 15 anos serem
planeados, “tendo em conta as alterações demográficas, quer na força de
trabalho, quer na população estudantil”. E deixa um recado sobre ações de
recrutamento:
“Devem
retratar os professores e diretores como peças chaves da sociedade e do
desenvolvimento de futuras gerações. Essas campanhas não devem ficar em
silêncio sobre as condições financeiras e de trabalho e devem exaltar os seus
aspetos gratificantes.”.
***
Também o ME assume que os professores, em Portugal,
estão cada vez mais envelhecidos – assunção badalada à boleia do relatório da
OCDE revela que os docentes têm em média 49 anos.
É uma idade
superior, em 5 anos, à média dos restantes países-membros. Por isso, a OCDE
recomenda ao Governo a renovação de metade do número de professores, na próxima
década.
O Secretário
de Estado da Educação João Costa garantiu à Antena 1 estarem em marcha medidas
para inverter esta realidade, mas sem as especificar, tal como disse pretender que
os professores portugueses possam dedicar mais tempo à atividade letiva, e
menos a burocracias (que
ocupam muito do tempo dos docentes), sem dizer como.
Ao invés,
Mário Nogueira, da Fenprof, pede urgência na renovação dos docentes e fala numa
rutura iminente devido à falta de oportunidade para os professores em início de
carreira. Pelo que sugere medidas concretas, como ficou referido supra, aliás
em linha com o recomendado pela OCDE e pelo CNE.
***
Por fim,
há que motivar os jovens para o estudo. Com efeito, um em cada 6 jovens da UE
não estudava nem trabalhava em 2018 (cerca de 15 milhões de
pessoas), mas
Portugal ficou abaixo desta média, sendo o 9.º país com menos jovens “nem nem”.
Segundo o Eurostat, cerca de 16,5% dos jovens europeus entre os 20 e os 34 anos
não estudava, trabalhava ou estava em estágio. Em Portugal, a percentagem era
de 11,9% (ocupando o 9.º lugar dos países com menos jovens
nessa situação). Havia,
ainda assim, mais mulheres portuguesas (12,8%) do que homens (10,9%) nessa condição.
Há,
pois, ainda muito por fazer!
2019.06.27 –
Louro de Carvalho
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