terça-feira, 18 de junho de 2019

Estado compra SIRESP, tornando-se o único responsável por ele


O Conselho de Ministros, dando cumprimento ao previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, aprovou, a 13 de junho, o decreto-lei que procede à aquisição, por parte do Estado, das participações sociais dos atuais acionistas privados do SIRESP, SA (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal).
De acordo com o Comunicado do Conselho de Ministros do passado dia 13 de junho, são integralmente transferidas para a esfera pública, nos termos do diploma em referência, todas as funções relacionadas com a gestão, operação, manutenção, modernização e ampliação da rede SIRESP e, por consequência, a estrutura empresarial e o estabelecimento em que assenta atualmente o desenvolvimento dessas funções.
A transmissão das participações sociais será concretizada a 1 de dezembro de 2019, sendo reforçada, desde já, a intervenção do Estado na condução executiva da sociedade SIRESP, SA, estando, deste modo, garantido que não haverá qualquer desligamento do respetivo sinal de emergência. E o Estado irá pagar sete milhões de euros, correspondentes a 33.500 ações, como afirmou, no final da reunião do Conselho de Ministros, o Secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo. Até ao momento da transmissão das participações, o SIRESP é detido em 52,1% pela PT Móveis (Altice Portugal) e 14,9% pela Motorola Solutions e 33% pela Parvalorem (Estado).
Reafirma, assim, o XXI Governo a importância vital de garantir a interoperabilidade das comunicações de emergência e de segurança por meio duma infraestrutura única que sirva de suporte às radiocomunicações das diversas entidades com atribuições nesses domínios. 
Faz hoje sentido, dada a relevância deste sistema, que o Estado tenha o domínio integral efetivo da operação dum sistema que anualmente suporta mais de 35 milhões de chamadas a mais de 40 mil utilizadores e envolve interesses tão essenciais da segurança do Estado e dos cidadãos.
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Como a Presidência da República anunciou através da sua página na Internet, em nota do dia 16, o Presidente da República promulgou o predito decreto-lei, que determina a compra, pelo Estado, de mais 67% do SIRESP, passando o Estado a ficar com a totalidade do capital social.  
Segundo a referida nota, a decisão do Presidente é justificada com a “importância estratégica de um sistema de comunicações de emergência seguro, confiável e eficaz, mesmo nas situações mais adversas, bem como a urgência de uma tomada de decisão e a preocupação de evitar processos alternativos mais longos e aleatórios”. Não obstante, o Chefe de Estado alerta para as “acrescidas responsabilidades do Governo, a partir de agora, na direção e orientação de uma entidade que terá capitais inteiramente públicos”.
Duas horas depois, Marcelo disse concordar com a titularidade, pelo Estado, dos 100% do SIRESP, dado que a decisão da compra tinha de ser tomada agora, “antes da época de incêndios” e estar concluída até final do ano, mas avisou que existem “riscos políticos”, como em tudo na vida, e que são para o Governo.
Em declarações aos jornalistas, que a Lusa cita, Marcelo fez a pergunta sobre os riscos da opção do Governo e deu a resposta: “Tem riscos? Tudo tem riscos na vida”. O principal risco é político. A partir de agora, tudo o que acontecer acaba por ser responsabilidade exclusiva do Estado, leia-se do Governo”, admitiu o Chefe do Estado. Uma “nacionalização com contencioso” ia ser um processo com muitos atritos, acrescentou, concluindo: Penso que a escolha foi sensata”.
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Após o anúncio da compra de todo o capital do SIRESP, os partidos da oposição, PSD e CDS, e os que apoiam no Parlamento o executivo minoritário de Costa, PCP e BE, pediram explicações ao Governo, nomeadamente quanto aos termos do acordo e a necessidade, ou não, de o Estado assumir mais investimentos.
O CDS-PP formulou o pedido no próprio dia 13 solicitando que o Governo vá à Assembleia da República explicar o negócio da compra por 7 milhões, da totalidade do capital do SIRESP. O deputado Telmo Correia – comentando a decisão do Conselho de Ministros de comprar a parte dos operadores privados, Altice e Motorola, passando a controlar a totalidade do capital da sociedade – afirmou que “é importante que [os ministros] venham ao Parlamento”. Disse que os centristas nunca consideraram “fundamental saber se a titularidade” do SIRESP era “pública ou privada”, mas que “o sistema funcione”. E concluiu “ser totalmente da responsabilidade do Governo” a garantiam funcionamento e manutenção” do sistema de comunicações de emergência “pode ser um dado interessante e até clarificador”.
E, como PSD e PCP também já tinham defendido que o executivo deve explicações sobre o facto de o Estado ter feito essa compra, os ministros da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que tem a tutela do SIRESP, e o Ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, são hipóteses para irem à comissão parlamentar de assuntos constitucionais, a breve prazo, explicar “todos os contornos” do negócio.  
No dia 14, num hotel de Abidjan, no final da sua visita de Estado à Costa do Marfim, Marcelo Rebelo de Sousa, questionado pelos jornalistas sobre a compra do SIRESP, respondeu que sabia que o diploma “já está na Presidência da República”. E declarou:
É uma matéria que tenho acompanhado, naturalmente, com atenção. Não me vou pronunciar sobre ela aqui fora de território português. Mas conheço do que se trata, sei qual é a solução a que se chegou e, portanto, o diploma está para promulgação nos próximos dias..
No dia 16, em Vila Franca de Xira, o Ministro da Administração Interna afirmou que os portugueses podem confiar no SIRESP destacando o “investimento significativo” feito depois dos incêndios de 2017, em que houve registo de falhas.
Entretanto, alguns jornais noticiaram que a parceria público-privada vai prolongar-se até 2021, quando termina o contrato, continuando a Altice e a Motorola a fornecer o sistema até essa data.
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Joaquim Miranda Sarmento assina um texto no ECO sob o título A última compra do SIRESP.
Segundo ele, tudo no SIRESP tem sido opaco e ruinoso para os contribuintes, faltando saber se, no final, será diferente.
O acordo a que o Estado chegou para a compra do SIRESP (PPP/Parceria Público Privada para o sistema de comunicações das forças de segurança: bombeiros e proteção civil) “é a última compra”, porque em 2018 o Governo comprara uma parte (33%), na sequência de o serviço ter estado envolto em grande polémica no ano de 2017, devido às falhas que teve nos incêndios.
O processo do SIRESP começou (porque alegadamente os privados gerem melhor que o Estado) no Governo de Durão Barroso. Depois, a 3 dias do final do Governo de Santana, foi adjudicado ao consórcio acionista, o único candidato, composto pela SLN (detentora do BPN) com 33%, a PT com 30%, a Motorola com 15%, a ESEGUR – Espírito Santo Segurança com 12% e a Datacomp com 10%.
Entre as várias lacunas do processo, sobressai a inexistência dum calendário e dum objetivo para o SIRESP bem definido, a inexistência duma análise custo-benefício e a da definição das linhas estratégicas do projeto. O reduzido prazo para apresentação de propostas (de 9 julho de 2003 a 15 de setembro de 2003), fez com que apenas uma entidade respondesse.  
O Governo seguinte revogou o concurso, mas, em vez de abrir novo concurso, optou por negociar com o consórcio vencedor, alegando ter poupado dinheiro ao Estado (um flop).
O “Comparador do Setor Público” do projeto (o CSP – explica o articulista – “é quanto custaria o projeto se fosse desenvolvido pelo Estado e não pelo privado, devendo o custo ser comparado com o dos pagamentos ao privado, sendo que só quando o pagamento aos privados é inferior ao CSP é que a PPP gera valor – Value for Money) mostra que o valor inicial, em setembro de 2003, era de 280 M€ e a proposta dos privados de 450 M€. Porém, com a revisão de ambos os valores, o CSP passou, em março de 2006, para 342 M€ e o valor do privado para 305 M€ – tendo o CSP aumentado o seu âmbito e o privado reduzido os seus serviços (e o investimento) em mais de 50 M€). E considerou-se um valor financeiro dos riscos a serem assumidos pelo privado superior em 30% ao do cálculo inicial.
Assim, segundo as contas de Miranda Sarmento, o custo do investimento e operação, se feito pelo público, foi revisto de 228 M€ para 278 M€ (+ 50 M€) e o valor financeiro dos riscos alocados ao privado foi revisto de 51 M€ para 63 M€ (+12 M€), dado origem ao aumento de 280 para 342 M€. Isto é, alterando-se o escopo do projeto, os valores justificaram a PPP. Todavia, não houve qualquer estudo de Value for Money nem o contrato prevê cláusula de partilha de benefícios. O pagamento do privado é por disponibilidade (uma renda pré-fixada para fazer face ao investimento e custos de manutenção e operação) e a remuneração dos acionistas é de 15%. Se em 2006 a taxa de juro a 15 anos (da República) rondava os 4%, temos o prémio real de cerca de 10%/ano.
Além disso, o colunista denuncia na PPP erros de conceção e contrato, a saber:
- Inexistência de cláusula de “fiscalização e acompanhamento da instalação dos equipamentos”.
- “Um anexo de penalizações que faz com que o valor a pagar pelo Estado apenas se reduza em casos em que o sistema falhe durante vários dias”.
- “Uma cláusula standard nas PPP que aqui não faz sentido nenhum: a alocação do risco “acts of God” (ou seja, desastres naturais) ficou do lado do Estado. E explica:
Isso faz sentido numa infraestrutura de transportes ou social, uma vez que o privado constrói a ponte ou a estrada ou outra infraestrutura para ser operada, e não para resistir a um terramoto. Mas no SIRESP essa cláusula mostra negligência na elaboração do contrato, dado que o objetivo do sistema é que ele funcione exatamente em caso de calamidade.”.
Agora, a notícia da compra, como é comum no país e preocupante, é parca em informação. Com efeito, mal o Governo anunciou a compra, devia ter publicado os documentos relativos a essa operação, em nome da transparência para com os cidadãos. Ora, diz-se que o Estado dá 7 milhões para ficar com 100% do capital do consórcio. Porém, são 7 milhões por 67% do capital, pois, em julho de 2018, o Estado ficara com 33% do capital do SIRESP, que pertencia à Galilei (nova face da SLN), tendo a Altice reforçado a sua posição para 52% com a compra da participação da ESEGUR. Assim, o valor total é de 10,5 milhões de euros. E sucede que o contrato do SIRESP se extingue em 2021, o que leva alguns a dizer que a Altice e a Motorola ainda continuam a mandar no SIRESP.
Avaliando o SIRESP em 10.5 milhões de euros, o Estado pensa que os dividendos dos 2 anos de operação em falta e o valor residual dos equipamentos valem esse montante. Entretanto, resta saber se o investimento em 2017 e 2018 foi realizado pelos privados ou se constitui encargo adicional do Estado (nesse caso, o SIRESP é avaliado em 20 milhões) e quanto valem os dividendos dos últimos 2 anos e o valor residual da empresa.
Mais: fica por saber se, a haver diferença significativa entre o valor contabilístico dos ativos e o seu valor comercial, fará sentido avaliar o negócio pelo valor líquido do balanço da empresa, como referiu o Secretário de Estado do Tesouro; qual é a qualidade dos equipamentos neste momento; e qual é a sua capacidade tecnológica. E é de questionar o Governo sobre o que fará o Estado doravante: Integrará o sistema de comunicações nas próprias estruturas de segurança? Manterá um sistema autónomo? E “como vai financiar os investimentos necessários, sobretudo nos próximos anos, para garantir a fiabilidade e segurança do sistema”?
Ora, em vez da explicação a posteriori, o executivo deveria tê-la fornecido antes de assinar o contrato. Mas, como diz Miranda Sarmento, “tudo no SIRESP é opaco e pouco sério”, o que António Costa sabe, pois ele foi um dos principais responsáveis pelo negócio do SIRESP, “quando em 2006 (enquanto Ministro da Administração Interna) aceitou negociar novamente com o consórcio” depois de “ter deitado abaixo, com justificação legal”, o concurso anterior.
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O Primeiro-Ministro esteve em Castanheira de Pera no 2.º aniversário do incêndio que deflagrou em Pedrógão e alastrou a concelhos vizinhos causando de 66 mortos e 253 feridos, sete dos quais graves, e destruindo cerca de meio milhar de casas e 50 empresas. Fez o ponto da situação em termos legislativos e organizacionais, apercebeu-se do estado do território (mais degradado que recuperado e com novas ameaças de risco) e das populações (desiludidas) e tentou ser mobilizador.
Disse que as causas profundas dos incêndios “nunca serão resolvidas” a partir dos meios de combate, apesar de este ser sempre necessário, mas a partir da prevenção e, sobretudo, pela mudança do território. Assim, “o combate aos fogos não é suficiente para prevenir tragédias”.
E a coordenadora do BE deu-lhe “razão” nessa ordem de ideias. Catarina Martins, que foi a Alfundão, no concelho de Ferreira do Alentejo (Beja) para abordar questões relacionadas com as culturas agrícolas intensivas e superintensivas, admitiu, perante os jornalistas, que “não é fácil mudar o território”, aduzindo, que, “ainda assim, podia ter sido feito mais” em relação ao que aconteceu em Pedrógão, há dois anos, mas referiu:
Julgo que o Primeiro-Ministro tem razão quando diz que o combate aos fogos não é suficiente para prevenir tragédias como aquela que o país já viveu”.
Para Catarina Martins, “boa parte do problema está no território” (nas “manchas contínuas de eucalipto e de pinheiro” e na “cultura intensiva de eucalipto”), mas a mudança requer apoios. E, congratulando-se com o aumento das equipas de sapadores florestais, sustentou que é necessária “mais velocidade nesta prevenção” e mais “apoio às populações para que o território não esteja abandonado”. Com efeito, a falta de apoio nas regiões de micropropriedade faz que “o território fique condenado ou à cultura intensiva do eucalipto ou ao abandono” e, para não ficarmos nisto, é preciso apoio público à comunidade para a sua floresta ser diversificada e segura. E frisou:
Os apoios para as unidades de gestão florestal propostos pelo BE, ou seja, unidades em que as pessoas com várias propriedades pequenas se podem juntar para terem uma oura floresta, ainda não apareceram e são fundamentais, porque não vamos conseguir proteger o território sem as pessoas que lá vivem”.
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Com o domínio do SIRESP, os normativos sobre território, floresta e proteção civil e os meios operacionais e os mecanismos procedimentais, cabe ao Estado demonstrar que gere melhor que os privados e que não esfuma recursos (ao invés do que é alegado para as privatizações). E, como uma faixa considerável da floresta é pública, dê o exemplo por ai! E, por favor, nunca deixe ir ao charco os sistemas de comunicações e emergência e os serviços urgentes! Não descure o seu papel essencial de provedor da população e do território e de legislador, regulador e supervisor.
2019.06.17 – Louro de Carvalho

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