De 2 para 3 de junho, as parangonas da
comunicação social anunciavam de forma vistosa e clamorosa: “Carreiras longas no Estado vão
ter penalização reduzida no acesso à reforma”.
E, logo a seguir,
vinha um exemplo, como se o público não soubesse fazer as contas:
“Um
funcionário público com 43 anos de descontos terá como idade legal de reforma
os 65 anos e cinco meses e não os 66 anos e cinco meses em vigor uma vez que
‘ganha’ um ano pelo facto de ter mais três de descontos que os 40 exigidos”.
Depois do
exemplo, especificava-se a alegada novidade:
“Os
funcionários públicos vão poder reduzir em quatro meses a idade legal de acesso
à reforma por cada ano de carreira contributiva além dos 40 anos, mas desta
redução não pode resultar o acesso à pensão antes dos 65 anos”.
Ora, já que
alguns são tão esquisitos no rigor dos termos, diga-se que os atuais
funcionários do Estado cuja situação se aproxima do termo da carreira
contributiva estão abrangidos pelo regime de aposentação (nalguns casos, pelo de jubilação, como
alguns professores universitários e muitos magistrados), a não ser os militares cuja
terminologia se pauta pela reserva e subsequente reforma. Só faz sentido falar
em reforma para funcionários que também foram durante algum tempo abrangidos
pelo RGSS (Regime Geral
de Segurança Social). Além
disso, apesar de a medida constar da versão preliminar do DLEO (Decreto-Lei de Execução Orçamental), não é novidade, porque sendo
verdade que a redução da idade normal de acesso à pensão por parte do
funcionário quando “perfizer 65 anos” será reduzida em 4 meses por cada ano
completo que o tempo de serviço exceda 40 anos de carreira”, também é verdade
que não pode “a redução resultar no acesso à pensão antes daquela idade”. Isto
já assim era. O que sucedeu foi que a CGA (Caixa Geral de Aposentações), alegando abusivamente que a lei fora alterada,
deixou de fazer essa redução aos requerentes da aposentação antecipada. E o
Governo, ao ser alertado para o facto, reconheceu não ter havido alteração do
estatuto de aposentação, pois a legislação do ano passado, tanto a respeitante
à da criação da idade pessoal para a reforma como a atinente à dispensa da taxa
de sustentabilidade, aplica-se apenas aos trabalhadores abrangidos pelo Regime
Geral da Segurança Social e não aos do Regime Convergente. A idade pessoal de
acesso à pensão é favorecida pela redução em 4 meses por cada ano completo que
o tempo de serviço exceda 40 anos de carreira contributiva e os perfaça aos 60
anos de idade (vd n.º 2
do art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, na redação que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei n.º 119/2018, de 27 de dezembro) e quem aos 60 anos de idade perfaça
40 anos de carreira contributiva fica liberto da taxa de sustentabilidade a
partir do próximo dia 1 de outubro e quem tivesse 43 anos de carreira
contributiva e 63 de idade ficava liberto dessa taxa a partir de 1 de janeiro
passado (vd n.º 2 do
art.º 110.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro – LOE para 2019).
Mesmo aqui,
o bónus atinge muito poucos trabalhadores, porquanto se fala em 40 ou 43 anos
de carreira contributiva e não em anos de serviço, pois os trabalhadores
abrangidos pelo Regime Geral de Segurança Social não contribuem aquando da
baixa médica apor doença e outras faltas a ela equivalentes. E o Governo, que
prometeu aplicar a legislação atrás referenciada até ao fim do 1.º semestre
deste ano (vd n.º 3 do
art.º 110.º da LOE para 2019), não o fez: o que está a fazer é, sem necessidade, a correção, por
diploma legislativo, de um erro da CGA, pois um erro de administração não
precisa de ser corrigido por lei, mas por despacho.
No alegado
benefício para os funcionários públicos, ficam por dizer duas coisas: para ter
acesso à pensão aos 65 anos, o funcionário tem de trabalhar 5 anos para lá dos
40 (pois a redução de
cada 4 meses é por anos completos); e quem solicitar antecipadamente a pensão e tiver o pedido
despachado favoravelmente está sujeito à taxa de sustentabilidade pelos meses
que restarem. Posto isto, que vantagem nova traz o DLEO? Neste aspeto, não
passa de um veículo de repetição da matéria dada, não cumprindo minimamente o
estipulado no n.º 3 do art.º 110.º da LOE para 2019, pois aplicar com
adaptações não é deixar tudo na mesma ou fazer de conta que se inova.
Dizem os
jornais, como falsa novidade que o projeto do DLEO (que ainda não foi aprovado em Conselho
de Ministros) também prevê
que a aposentação se pode verificar, “independente
de qualquer outro requisito, quando o subscritor contar 15 anos de serviço e a
idade normal de acesso à pensão de velhice que sucessivamente estiver
estabelecida no regime geral da segurança social”. Que novidade!
Aliás,
segundo o que revelou à Lusa o
Ministério das Finanças, o projeto de Decreto-Lei da Execução Orçamental para
2019, que ainda não foi aprovado pelo Governo, “não deverá trazer alterações
significativas face a 2018”.
Vá lá que
se mantêm, por enquanto, sem alterações as condições de acesso à pensão
antecipada no caso dos funcionários públicos, que é possível a partir dos 55
anos de idade e 30 de carreira contributiva, estando sujeita às penalizações
previstas, ou seja, ao fator de sustentabilidade (14,7%) e ao corte de 0,5% por cada mês de antecipação face à idade legal da reforma.
O documento
prevê também que a aposentação voluntária (quando não dependa da verificação de incapacidade) se fixa “com base na lei em vigor à
data em que seja recebido o pedido de aposentação pela Caixa Geral de
aposentações” e na situação “existente à data em que o mesmo seja despachado”.
Desta forma são relevantes para o cálculo da pensão as regras existentes à data
do pedido e a situação do requerente (idade e tempo de serviço) à data do despacho. Porém, esta disposição não é resultado da vontade do Governo, mas apenas
representa uma postura de obediência ao Tribunal Constitucional, que se
pronunciou, em fevereiro passado, pela inconstitucionalidade duma norma introduzida
pelo anterior Governo, em 2013, que determinava que as pensões eram calculadas
com base nas regras em vigor à data do deferimento do pedido e não no momento
da sua entrada. Esta alteração ao Estatuto da Aposentação fora, na altura, justificada
pela necessidade de travar as “corridas às reformas” de cada vez que eram
conhecidas intenções de alterar as regras de acesso à aposentação. Recorde-se
que a Lei do Orçamento para 2013 antecipava o termo do período de transição da
idade legal da aposentação, segundo o qual a idade legal seria naquele ano de
64 anos, em 2015, de 64 anos e meio e, em 2015, de 65 anos – alinhada com a então
do Regime Geral de segurança Social.
Na versão
preliminar do DLEO prevê-se também que, para efeitos do apuramento da pensão
mínima, esta “apenas é elevada para o montante mínimo legalmente previsto
quando o aposentado ou reformado não receba pensão ou pensões de valor global
igual ou superior à pensão mínima que seria devida com base exclusivamente no
tempo de serviço da CGA”.
E, como
prevê o Decreto Regulamentar n.º 2/2019, de 5 de fevereiro (que, visando
regulamentar o n.º 4 do artigo 286.º da Lei Geral do Trabalho em Funções
Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação
atual, “estabelece as regras para a fixação da prestação a atribuir na situação
de pré-reforma que corresponda à suspensão da prestação de trabalho em funções
públicas”), esta versão
preliminar do DLEO estabelece que o tempo em que os subscritores da CGA se
encontrem na situação de suspensão ou redução do contrato de trabalho por terem
celebrado um acordo de pré-reforma “releva para a apresentação nos termos em
que tal relevância é estabelecida no regime da segurança social”. Isto
pressupõe que, na situação de pré-reforma, o trabalhador e a entidade
empregadora mantenham o pagamento das contribuições para a CGA, calculadas
à taxa normal sobre o valor atualizado da remuneração relevante para
aposentação que serviu de base ao cálculo da prestação de pré-reforma”.
Enfim, se
desse para fazer maus juízos do Governo, até poderia pensar-se que estavam os
ministros à espera dos resultados das eleições europeias para espetar umas
farpadas anestesiadas na musculatura dos trabalhadores da administração
pública. Mas como seria feio dizê-lo, não o digo. Até porque basta o capítulo
das cativações!
***
Nos 4 anos
de mandato deste Governo, o ano de 2019 fica como aquele em que o Governo
aprovará mais tarde o DLEO, que estabelece, além do susodito, as normas de
plena execução do Orçamento do Estado, nomeadamente em termos de cativações e
que entrará em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, produzindo efeitos
desde a data de entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2019 até à entrada
em vigor do DLEO para 2020.
Como foi entredito, o Decreto de Execução
Orçamental para 2019 mantém a linha de cativações de 2018. Com efeito, repetindo o
que vem sendo feito há vários anos, o Governo acrescentou mais despesas à lista
de cativações face ao previsto no Orçamento do Estado. As cativações previstas na versão
preliminar do DLEO de 2019 seguem de perto o modelo do ano passado, reforçando
algumas face ao previsto no Orçamento do Estado para 2019.
Assim, ficam
sujeitos a cativação nos orçamentos totais das entidades da administração
central do Estado os valores que, face à execução orçamental de 2018, “excedam
em 2% o valor global de cada um dos agrupamentos respeitantes a despesas com
pessoal”. Estão incluídas neste mecanismo-travão outras despesas correntes e as
transferências para fora das administrações públicas. E o diploma determina
também que ficam sujeitos a cativação nos orçamentos totais das entidades da
administração central do Estado os valores que, face aos da execução de 2018, “correspondam
a um aumento do valor global das despesas com pessoal, abonos variáveis e
eventuais”. Porém, as cativações referentes a despesas com pessoal não se
aplicam a Forças Nacionais destacadas, às instituições de ensino superior, às atividades
cofinanciadas por fundos europeus e internacionais de natureza não
reembolsável, às transferências associadas a encargos com pensões e outros
abonos suportados pela CGA no âmbito das políticas ativas de emprego.
Já as
despesas relacionadas com papel, consumíveis de impressão, impressoras,
fotocopiadoras, scanner e contratos
de impressão, exceto os contratos já em vigor e os gastos com a produção de
manuais escolares em braille, ficam sujeitas a uma cativação de 40%. Não
obstante, o documento admite que deve ser concedida uma descativação de 20%
daquelas despesas quando estejam associadas a programa de desmaterialização ou
a outras iniciativas que visem a redução do consumo de papel e de consumíveis
para impressão.
Tal como
sucedeu no ano passado, também estas cativações que constam do projeto de DLEO
não estavam previstas na lei do Orçamento do Estado para 2019 (OE2019). O
OE2019 prevê que “ficam sujeitos a cativação nos orçamentos das entidades da
administração central, os valores que (...) excedam em 2% a execução da
aquisição de bens e serviços em 2017”.
***
Em suma,
funcionários do Estado enrolados na propaganda governamental replicada e
ampliada pela comunicação social e um povo inteiro cativo das cativações! Só um
Estado diminuto e exíguo não trata com consideração os seus trabalhadores e dá
azo a que a opinião pública os apouque! E, se trata assim os seus, como há de prover, até pela via laboral, ao
bem-estar geral?
2019.06.04 –
Louro de Carvalho
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