sábado, 15 de junho de 2019

Escolas poderão gerir mais de 25 % das matrizes curriculares-base


Com a publicação da Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho, ficam as escolas (estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, incluindo escolas profissionais) a saber “os termos e as condições” em que podem, no âmbito da autonomia e flexibilidade curricular, “implementar uma gestão superior a 25 % das matrizes curriculares-base das ofertas educativas e formativas dos ensinos básico e secundário”, com vista ao desenvolvimento de planos de inovação – curricular, pedagógica e/ou organizacional (ou de outros domínios) – cuja implementação o requeira, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, agora regulamentado, e atento o previsto no Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho.
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O que estabelece a Portaria?
A predita Portaria estabelece os princípios gerais de desenvolvimento dos referidos planos: o da subordinação do desenvolvimento da autonomia e flexibilidade curricular aos princípios consagrados nos decretos-lei referenciados, bem como aos princípios orientadores ínsitos no RAAG (regime de autonomia, administração e gestão), “designadamente no atinente ao primado dos critérios de natureza pedagógica sobre os critérios de natureza administrativa e à possibilidade de adoção de soluções organizativas diversas no quadro das opções pedagógicas e curriculares de cada escola”; e o do contributo do exercício de autonomia e flexibilidade curricular (enquanto faculdade de gestão do currículo conferida às escolas) com vista à promoção do sucesso de todos os alunos, assente na possibilidade de enriquecimento curricular com os conhecimentos, capacidades e atitudes, “para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, prosseguindo “objetivos de qualidade, eficácia e eficiência”, e “adotando as soluções mais adequadas à prestação do serviço educativo”.
Convenhamos que o n.º 1 do art.º 3.º do diploma em causa poderia ter sido bem mais claro, se o governante tivesse optado por um tipo de redação mais desdobrada dos princípios. Contudo, observando os princípios e regras previstos nos preditos decretos-leis, a escola concebe o plano de inovação curricular, pedagógica, ou de outros domínios, tendo por base: o “alargamento do exercício de autonomia e flexibilidade curricular, concretizado na faculdade de adotarem uma gestão superior a 25 % do total da carga horária das matrizes curriculares-base”; e “a assunção duma cultura de responsabilidade partilhada mobilizando todos os agentes educativos, alicerçada na iniciativa e responsabilização dos órgãos de administração e gestão, através do desenvolvimento de mecanismos sistemáticos de monitorização e avaliação”.
Compete-lhe decidir da adoção dum plano de inovação e definir a percentagem de carga horária das matrizes curriculares-base que pretende gerir. Tal decisão é fundamentada na necessidade de implementar resposta curricular e pedagógica adequada ao contexto da comunidade educativa e visa promover a qualidade das aprendizagens e o sucesso pleno de todos os alunos.
Na concretização do plano de inovação, a escola pode considerar as seguintes possibilidades: redistribuição, ao longo de cada ciclo ou nível de ensino ou ciclo de formação, das disciplinas/módulos/unidades de formação de curta duração (UFCD) e respetivas cargas horárias previstas em cada matriz curricular-base; redistribuição dos tempos/horas fixados entre componentes da matriz curricular-base ao longo do ciclo ou nível de ensino ou ciclo de formação; criação de novas disciplinas, através da reafetação de tempos/horas fixados para as disciplinas constantes da matriz curricular-base; organização diversa de turmas, grupos de alunos ou de aprendizagem, considerando o número total de turmas por ano de escolaridade ou de formação aprovado na rede de ofertas educativas e formativas; e gestão interturmas dos tempos/horas fixados nas matrizes curriculares-base, através de distribuição de cargas horárias ao longo do ciclo ou nível de ensino ou ciclo de formação, sem exceder o total da carga horária semanal, quando aplicável. Pode ainda adotar regras próprias relativas à organização do ano escolar, garantindo: o cumprimento do número de dias fixado no calendário escolar; a realização das provas e exames de acordo com o respetivo calendário nacional; e a existência em cada ano letivo de, pelo menos, três momentos de reporte de avaliação aos alunos e aos pais ou encarregados de educação, sendo o último obrigatoriamente de caráter sumativo, sem prejuízo das especificidades inerentes às disciplinas com organização modular – reportes que devem possibilitar a aferição da qualidade das aprendizagens desenvolvidas no período em referência.
Para efeito de cálculos relativos à definição da percentagem de carga horária a gerir, a escola considera: nas matrizes com organização semanal, o produto resultante da multiplicação da carga horária total relativa ao ciclo ou nível de ensino com o número de semanas letivas do calendário escolar; e, nas matrizes com organização por ciclo de formação, a carga horária total prevista para esse ciclo.
Na conceção dos planos de inovação, desenvolvidos a partir das matrizes curriculares-base previstas no Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, “as opções e medidas cooptadas devem sustentar a promoção de melhores aprendizagens, explicitando a sua intencionalidade na aquisição de conhecimentos e no desenvolvimento de capacidades e atitudes inscritas nas áreas de competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, bem como na aquisição e no desenvolvimento do conjunto de aprendizagens, conhecimentos, aptidões e competências técnicas do Perfil Profissional associado à respetiva qualificação, quando aplicável”. E as opções curriculares e outras medidas, de natureza pedagógica, didática e organizacional, a adotar pela escola, devem, entre outros domínios, incidir em: gestão curricular contextualizada; articulação curricular assente em relações multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares; metodologias integradoras do planeamento do ensino, da aprendizagem e da avaliação; dinâmicas pedagógicas alicerçadas em equipas de trabalho docente; e cooperação de pais ou encarregados de educação e de outros parceiros da comunidade.
Deve prever-se a operacionalização dum plano de formação, privilegiando o acompanhamento do trabalho docente, em articulação com os Centros de Formação de Associação de Escolas ou com outras instituições.
Mais: os planos de inovação podem ser direcionados para apenas um estabelecimento de ensino, uma turma, um ano de escolaridade, um ciclo, nível de ensino ou ciclo de formação, ou uma oferta educativa e formativa, devendo ser estabelecido o seu período de vigência.
O artigo 6.º da Portaria estabelece as condições a observar no desenvolvimento os planos de inovação: observância dos itens conducentes à “operacionalização do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória” e ao “cumprimento das Aprendizagens Essenciais e dos demais documentos curriculares, constituindo-se aquelas, sempre que aplicável, como a orientação curricular de base, para efeitos de planificação, operacionalização e avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem; a garantia da participação dos alunos na conceção e desenvolvimento dos planos, definindo instâncias regulares de auscultação, bem como o envolvimento dos encarregados de educação e, nos cursos de dupla certificação, dos parceiros socioprofissionais; a existência de informações relativas às disciplinas e UFCD inscritas nas matrizes curriculares-base, designadamente no respeitante às classificações atribuídas, para efeitos de acesso a provas de avaliação externa e de certificação; e a observância integral das seguintes condições: a) cumprimento do total da carga horária relativa ao ciclo ou nível de ensino; b) cumprimento do total da carga horária prevista para o ciclo de formação; e c) equilíbrio na distribuição das cargas horárias anuais ao longo do ciclo ou nível de ensino.
No âmbito da autonomia curricular e atentos os princípios que presidem aos planos de inovação, a escola pode conceber percursos curriculares alternativos condicionados à verificação cumulativa dos seguintes requisitos: identificação de um conjunto de alunos do mesmo ano de escolaridade para os quais constitua a resposta adequada uma gestão específica da matriz curricular-base, de caráter temporário; e inadequação de nenhuma das ofertas educativas e formativas existentes. O desenho curricular dos percursos curriculares alternativos tem por referência as matrizes curriculares-base dos 2.º e 3.º ciclos, podendo as condições fixadas no art.º 6.º ser alteradas em circunstâncias excecionais e especialmente fundamentadas. Tudo isto não prejudica a possibilidade de mobilização de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, a decidir pela equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva.
No tocante à autoavaliação do plano e com vista à definição e implementação de ações de melhoria, a escola adota procedimentos para regular a monitorização do desenvolvimento do plano e a autoavaliação do plano aferindo o impacto das opções e medidas adotadas, como estratégia de melhoria da qualidade das aprendizagens e de promoção do sucesso de todos os alunos.
A proposta de plano de inovação da escola, aprovada pelos órgãos de administração e gestão, é submetida, até 30 de março de cada ano, à equipa de coordenação nacional prevista no art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, mas este ano, as escolas submetem as propostas à equipa de coordenação nacional que, após apreciação realizada pelas equipas regionais, emite parecer, cabendo ao Ministro da Educação (ou quem as suas vezes fizer) decidir no prazo de 30 dias úteis após a apresentação da proposta pela escola. E, em situação decorrente de acontecimentos imprevisíveis ou que não pudesse ter sido prevista pela escola com uma atuação diligente, pode a proposta de plano de inovação ser submetida à equipa de coordenação nacional após o prazo estabelecido. A equipa de coordenação nacional, com base na apreciação das propostas realizada pelas equipas regionais, emite parecer (no prazo máximo de 45 dias úteis) tendo em vista a decisão de autorização pelo Ministro, parecer que incide na verificação dos seguintes elementos: adequação dos planos de inovação às necessidades identificadas e aos compromissos a que o plano pretende dar resposta; observação das normas prevista na Portaria; e previsão dos procedimentos de monitorização e de autoavaliação previstos.
A equipa de coordenação nacional deve garantir a realização da audiência prévia, no caso de intenção de emissão de parecer desfavorável. E a decisão deve ser proferida no prazo máximo de 55 dias úteis contados a partir do dia seguinte ao da data de receção da proposta da escola pela equipa de coordenação nacional.
No atinente às obrigações de comunicação e publicidade, fica estabelecido que o coordenador da equipa de coordenação nacional notifica a escola da decisão. Ultrapassado o prazo para decisão, a escola comunica à equipa de coordenação nacional o início de funcionamento do plano de inovação com uma antecedência mínima de 15 dias úteis. Por seu turno, a escola deve promover a publicitação do plano de inovação na Internet, no sítio institucional da escola, sem prejuízo da sua disponibilização à comunidade escolar pelos meios adequados, de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento pelos interessados a todo o tempo.
O acompanhamento e avaliação são realizados de acordo com o previsto no art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, competindo à equipa de coordenação nacional: prestar apoio às escolas, através das equipas regionais, em momento prévio à submissão das propostas tendo em vista a conceção do plano, sempre que solicitado; e garantir o registo das propostas de planos de inovação, com indicação do sentido do parecer emitido ou do decurso do respetivo prazo, bem como da decisão final.
Os PPIP (projetos-piloto de inovação pedagógica), desenvolvidos ao abrigo do Despacho n.º 3721/2017, de 7 de abril, publicado a 3 de maio (ora revogado), são convolados em planos de inovação, por iniciativa da escola e parecer favorável do grupo de acompanhamento previsto no citado despacho a submeter ao membro do Governo responsável pela área da educação.
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O que refere a Comunicação Social sobre a matéria, com base num comunicado do ME?
As novas regras trazem mais autonomia para as escolas. As escolas podem, no próximo ano letivo, optar por semestres em vez de períodos e por turmas com menos alunos. As escolas vão poder alargar a flexibilidade curricular a mais de 25% do currículo, se assim o entenderem, de acordo com uma portaria publicada no dia 11, que entra em vigor a 1 de setembro (confundem entrada em vigor com produção de efeitos) e que traz também mudanças.
Dizem que a portaria “confere às escolas a possibilidade de apresentarem planos de inovação, com gestão reforçada das matrizes curriculares para além dos 25% de flexibilidade prevista para todas as escolas” no diploma da flexibilização curricular publicado em julho do ano passado.
A generalização do alargamento da flexibilidade curricular decorre dos resultados obtidos pelas 7 escolas que integraram o PPIP (Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica), reconhecendo o trabalho desenvolvido e a “capacidade destas escolas na implementação de soluções inovadoras que permitem a eliminação do abandono e do insucesso escolar”.
Numa nota enviada à Lusa, o ME refere que o projeto-piloto “tem sido alvo de um acompanhamento em rede e de proximidade, no âmbito do qual tem sido produzido um conjunto vasto de informação” e que “os dados mostram uma redução das taxas de insucesso e abandono ao longo dos dois primeiros anos”, mas sem precisar valores.
A aprovação dos planos estará condicionada ao cumprimento de requisitos mínimos agora estipulados na lei, desde logo ao respeito pela carga horária definida para cada ciclo de ensino.
Segundo o ME, com este diploma “abrem-se possibilidades para gestão do currículo por ciclos, constituição diferenciada de turmas e calendarização específica das atividades de avaliação sumativa, entre outras respostas específicas, de âmbito curricular e pedagógico, com vista ao sucesso e à inclusão de todos os alunos”. O comunicado salienta que o diploma “constitui ainda enquadramento para a nova geração de contratos de autonomia, dada a necessidade da sua adequação à generalização da autonomia e flexibilidade curricular, consagrada no referido decreto-lei”. Com efeito, os atuais contratos de autonomia, que abrangem mais de 200 escolas e agrupamentos e foram alvo de críticas pelo TdC (Tribunal de Contas), em março, quando o relatório duma auditoria revelou que as escolas com contratos de autonomia cumprem menos de 40% dos objetivos definidos.
A tutela antecipa ainda alterações curriculares nas escolas de intervenção prioritária decorrentes da maior flexibilidade na gestão curricular. E o comunicado refere:
A publicação constitui também o ponto de partida para o trabalho que se tem vindo a desenvolver na preparação da próxima fase das escolas TEIP – Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, que carecem de um maior aprofundamento do trabalho de natureza curricular”.
Diz ainda a Comunicação Social que as escolas que apresentem planos de inovação pedagógica poderão também organizar o ano em semestres, uma antiga aspiração da ANDAEP, associação que representa os diretores de agrupamentos e escolas públicas, sendo que alegadamente a medida se desliga do calendário religioso do Natal e da Páscoa.
Haverá, contudo, regras a respeitar. As escolas não terão liberdade para mexer no calendário escolar, ou seja, o ano começa e acaba no mesmo dia para todas as escolas, as pausas letivas são as mesmas, embora as escolas optem por funcionar em 2 semestres ao invés de em 3 períodos.
A portaria estabelece também “a existência em cada ano letivo de, pelo menos, três momentos de reporte de avaliação aos alunos e aos pais ou encarregados de educação” e que “deve possibilitar a aferição da qualidade das aprendizagens desenvolvidas no período em referência”.
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Concluindo
Ler a Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho, e os textos da Comunicação Social pretensamente baseados em comunicado ou nota do ME leva a concluir que isto não passa da pantanosidade de que fugiu António Guterres em 2001.
A alegada autonomia é rigidamente condicionada e controlada pela administração central. E nada ficou generalizado. Assim, não é generalizado o regime de funcionamento semestral como queria a ANDAEP, desligando a escola do calendário religioso. Diz a Comunicação Social que não se pode mexer no calendário escolar definido a nível central, o que a portaria não proíbe, desde que se respeitem as demais condições, e que as pausas letivas têm de coincidir, o que a portaria não impõe, sendo que as escolas que integraram os PPIP podiam fazer outras pausas, desde que respeitassem os limites do início e fim de ano letivo.
Porém, as grandes questões são, do meu ponto de vista:
Se pode conceber-se um plano de inovação para um estabelecimento, ciclo, ano ou turma, isto não traz problemas organizacionais a nível local (nomeadamente transportes)? Funciona um estabelecimento com uns alunos submetidos a um regime e outros a outro, se as escolas secundárias não conseguiram funcionar em regime de tempos letivos de 50 ou 45 minutos para os cursos científico-humanísticos e de 60 minutos para os cursos profissionais? E, se já foi feita a experiência dos PPIP, porque não se estabelece o regime de funcionamento semestral para todos os estabelecimentos e se deixa a cada território educativo autonomia para a definição das pausas letivas e momentos de avaliação sumativa? Como é que o ME quer generalizar os efeitos dos PPIP criando tantos condicionamentos e controlo à conceção e desenvolvimento dos planos de inovação e mantendo a obrigatoriedade da submissão dos alunos a provas finais e exames nos termos em que são elaborados? Como funciona a flexibilidade no ensino secundário: em função de projetos inovadores ou da preparação para exame? Garante-se mais sucesso real?
Para já as vantagens das disposições da portaria são residuais. E a Educação merece melhor.   
2019.06.15 – Louro de Carvalho

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