sábado, 8 de junho de 2019

Se não vos tornardes como crianças…


Quem pôs esta condição foi Jesus quando os discípulos se aproximaram d’Ele a perguntar “quem é o maior no Reino do Céu”. Chamou então um menino, colocou-o no meio deles e disse: “garanto-vos que, se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino dos Céus, pelo que será o maior no Reino dos Céus quem se fizer humilde como este menino e quem receber em meu nome um menino como este é a mim que recebe” (cf Mt 18,1-5).
Ficou assim proclamada a simplicidade exigida para participar no mistério do Reino. Mas o Mestre adverte contra o escândalo que se cause aos pequeninos:
Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar” (Mt 18,6).
Aqui está uma forte advertência contra os abusadores sexuais de crianças, que, ao invés de lhes apoiarem o olhar puro e simples, os desencaminham e traumatizam; ou contra aqueles ou aquelas que, na função educativa – família ou escola – em vez de os encaminharem pelas rota dos hábitos sadios (em termos morais e sociais), lhes ensinam por palavras e exemplo o que elas não devem saber ou o que devem saber à medida que vão crescendo e se capacitam para incorporar o conhecimento e assumir atitudes cada vez mais maduras e comportamentos mais sustentáveis.  
Jesus de Nazaré contraria a mentalidade coeva ao pôr as crianças no centro do Reino:
Apresentaram-Lhe umas crianças, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, mas os discípulos repreenderam-nos. Jesus disse-lhes: ‘Deixai vir a Mim as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino dos Céus’. E, depois de lhes ter imposto as mãos, prosseguiu o seu caminho.” (Mt 19,13-15).
As crianças eram postergadas como as mulheres, tanto assim que Mateus, ao narrar a multiplicação dos pães e dos peixes, exprime a contagem das pessoas dizendo que “eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças” (Mt 14,21). E era mal, pois já no AT (Antigo Testamento) a criança é alçada a inestimável papel de relevo. Keith White ficou chocado quando ouviu um palestrante numa conferência dizer que “A Bíblia não fala muito sobre as crianças”. Isso levou-o a pegar numa folha de papel e escrever o que se lembrasse de momento. E, inspirado no trabalho de White, Dan Brewster escreveu no livro Child, Church and Mission 10 asserções bíblicas que se referem especificamente ao que o AT diz sobre as crianças.
- Deus ama-as incondicionalmente, pois criou-as à sua imagem, o que lhes confere dignidade e valor intrínsecos. E isto é verdade para todas as crianças, mesmo as nascituras (vd Sl 139,13-16).
- São um dom e um sinal da bênção de Deus (vd Sl 127,3).
- Parecem ter uma perceção inata da melhor forma de servir a Deus. São adoradoras por excelência. O seu louvor não é algo aprendido à medida que crescem, pois faz parte da sua natureza e propósito hoje (vd Sl 8,2). Veja-se o caso de Jacinta Marto e Francisco Marto.
- A sua abertura para aprender sobre os mistérios de Deus modela a relação que Ele quer ter com os adultos (vd Os 11,1).
- Não são apenas seguidoras, mas também agentes enviados por Deus para exercer liderança e participar na sua missão. São personagens importantes na narrativa bíblica: Isaac, Miriam, Moisés, Samuel, David, a empregada da esposa de Naamã, entre outros.
- Eram sempre incluídas no drama e ritual de adoração no AT. Em Êxodo e Levítico vemos as crianças a participar no diálogo sobre o significado da Páscoa (vd Ex 12). 
- Os profetas bíblicos condenaram severa e reiteradamente os abusos praticados contra as crianças. Muitas das coisas que nos chocam hoje eram problema nos tempos bíblicos. Deus não fica alheio ao sofrimento das crianças. Há evidências inconfundíveis na Bíblia do amor e carinho de Deus para com elas. Mais de 30 passagens no AT declaram que Deus é o defensor dos órfãos. (vd Dt 10,18). 
- Os pais têm a responsabilidade primária de cuidar dos filhos e de os educar. Do mesmo modo, é essencial o papel da comunidade. A menos que os corações dos filhos se voltem para os seus pais (e vice-versa), a terra será amaldiçoada. (vd Ex 20,12; Dt 5,9; Ml 3,24).
- As profecias do AT previram que a salvação de Deus não viria por meio de reis e guerreiros, mas inesperadamente, por meio duma criança (vd Is 7,10-14). 
- As crianças sinalizam o futuro reino de Deus. “O lobo viverá com o cordeiro, … e uma criança os guiará.” (Is, 11,6).
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A mentalidade em relação às crianças evoluiu, mas com salto de pardal. Com efeito, há muitas que sofrem os horrores da guerra, fome e pestilências; há muitas que não têm acesso à escola, à saúde, à proteção física e psicológica; há-as vítimas de maus tratos, violência doméstica, exploração sexual e laboral; e os educadores que permitem que os educandos estraguem comida, se entretenham supinamente nos meios informáticos e redes sociais, façam gala da indisciplina e irreverência escolares, sejam esmagados pela ditadura dos resultados ou tenham todos os apaparicos não lhes prestam o melhor serviço. Tanto mal causa o laissez-faire, laissez-passer como a penúria. Com a penúria ainda se aprende, mas o hedonismo mata sem nota e sem recuo.            
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Porém, hoje cabe a vez a aspetos interessantemente e positivos da vida das crianças.
Depois da celebração multímoda do Dia da Criança em todo o mundo no dia 1 de junho, o destaque vai para a “Festa das crianças com o Papa no Vaticano” realizada hoje, 8 de junho.
Foi uma oportunidade aberta a crianças de toda a Itália que enfrentaram situações de dificuldade e fragilidade social, com relevo para as que sofreram com as inundações na ilha da Sardenha, em 2013, e com as que foram atingidas com a queda da Ponte Morandi, em 2018, em Génova. O grande grupo encontrou o Papa na Cidade do Vaticano, depois da que é considerada uma viagem de esperança promovida pela estrutura “Pátio dos Gentios”. São crianças que, após os transes de sofrimento que tiveram e a angústia que viram nas famílias e comunidades, acalentavam um desejo: estar com o Papa.
Como refere o Vatican News, a manhã deste sábado teve um grande tempo de festa e descontração com a chegada e permanência de centenas de crianças para o encontro com o Papa, na que é a 7.ª edição da iniciativa “Comboio das Crianças” e, intitulada este ano “Uma ponte de ouro num mar de luz”. A bordo do comboio “Frecciarossa 1000”, proveniente de Génova, e do navio Moby Tommy, da Sardenha, vinham as crianças que foram vítimas da queda da Ponte Morandi, em Génova, e das inundações que flagelaram a ilha italiana em 2013. E foi sobre o desejo, acalentado nos seis coraçõezinhos, de encontrar Francisco que a criançada falou com o Pontífice, mas deixou uma mensagem de esperança e de solidariedade.
O tema da iniciativa – Construir pontes para vencer todo isolamento – representa a necessidade de abater qualquer muro e construir passarelas de amor, pontes resistentes a todas as inundações e desabamentos que ferem o quotidiano das crianças.
Foram cerca de 150 estudantes de três escolas de Génova, que sofreram consequências com a queda da Ponte Morandi, em 14 de agosto de 2018, que tomaram o comboio, que fez uma primeira paragem em Civitavecchia para receber mais crianças. O novo grupo chegou de navio, provindo da Sardenha, com crianças de cidades atingidas pelas inundações de 2013. Noutra paragem, na Estação Termini, no centro de Roma, juntou-se um grupo de estudantes vindos de Nápoles, para oferecer uma ajuda concreta às crianças dos bairros mais pobres e complexos da cidade de Roma, todos com o destino final, o Vaticano. Tratou-se não é só de um evento, mas sobretudo dum percurso pedagógico e educativo que continua durante todo o ano escolar nas escolas através de atividades preparatórias e momentos de encontro e formação.
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Em Portugal, está tudo a postos para a Peregrinação das Crianças a Fátima, que vai falar ao coração dos pequenos peregrinos através do coração do Santuário.
O encontro, que se realiza a 10 de junho, sob a presidência de Dom Armando Esteves Domingues, Bispo Auxiliar do Porto, parte daquele que é o coração do Santuário, a Capelinha das Aparições, para despertar no coração das crianças a gratidão pelo dom da peregrinação em Igreja. Efetivamente, em ano de centenário da edificação da Capelinha das Aparições, a Peregrinação tem como lema o pedido que Nossa Senhora deixou aos Pastorinhos na aparição de outubro de 1917: “Façam aqui uma capela”. A este respeito, pode ler-se no programa:
Queremos ajudar as crianças a descobrir a Capelinha como o coração do Santuário e meta de uma Igreja peregrina, que aqui se reúne para viver e celebrar a sua fé, mas também para aprender, com Maria, a construir-se como povo de Deus, construção espiritual onde Deus habita, nação santa, chamada a proclamar as maravilhas de Deus”.
A peregrinação das crianças acontece há mais de quatro décadas e reúne, todos os anos, milhares de crianças no Santuário de Fátima. Na verdade, o Santuário de Fátima, “empenhado em despertar as crianças para a mensagem de Fátima e dar-lhes a conhecer a vida e a espiritualidade dos Santos Francisco e Jacinta, organiza anualmente a peregrinação das crianças, nos dias 9 e 10 de junho, dirigida particularmente a crianças em grupos de catequese e com um tema distinto em cada ano que serve de mote para a reflexão e a celebração.
Na preparação da Peregrinação, as crianças foram desafiadas a realizar a habitual campanha de maio, que, este ano, propôs a descoberta da identidade peregrina cristã através da montagem de uma mochila e de recortes, em papel, de 4 mantimentos e suportes essenciais à peregrinação: a água, o pão, um mapa e o bordão, símbolos, respetivamente, do Batismo, da Eucaristia, da Palavra de Deus e da disponibilidade de coração.
O programa inicia-se na tarde do dia 9, com uma visita, às 18 horas, aos locais das Aparições do Anjo e de Nossa Senhora, em Aljustrel, Loca do Cabeço e Valinhos. Segue-se, às 21,30 horas, uma celebração, na Capelinha das Aparições, sob o lema “Maria, a Mãe que nos abriga na sua Capelinha”, que integra a recitação do Rosário, procissão das velas e um momento de oferta de flores a Nossa Senhora. E o dia 10 arranca ao tom do anterior, com saudação e oferta de flores a Nossa Senhora, às 9 horas, seguindo-se, às 9,30 horas, a encenação do tema da peregrinação, “Façam aqui uma capela”, na Basílica da Santíssima Trindade, que se repetirá às 15 horas. Os pequenos peregrinos regressarão, depois, à Capelinha das Aparições, onde são convidados a recitar o Rosário, às 10 horas. A Missa da peregrinação, que é celebrada uma hora depois, no Recinto de Oração, será presidida por Dom Armando Esteves Domingues. No final da celebração será distribuída uma lembrança a todas as crianças.
A despedida tem o mote: “Vai com Maria e constrói a casa de Deus”.
As celebrações do dia 10 terão tradução em língua gestual portuguesa, com o 3.º mistério do Rosário da manhã, a recitar em simultâneo por uma criança falante e por uma criança surda. O Rosário da noite, com procissão das velas, e todas as celebrações do dia 10, incluindo a encenação do tema da peregrinação, na Basílica da santíssima Trindade, terão transmissão direta em www.fatima.pt. O secretariado da Peregrinação estará no Posto de Informações 2, situado junto às escadas da entrada norte do Recinto, e a assistência médica decorrerá no posto de socorros, localizado atrás da Azinheira Grande.
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O termo “criança” provém do latim medieval “creantia, ae”, nome que derivado do particípio presente do verbo creare (criar, fazer crescer, fazer brotar), um continuum. Assim falar de criança é falar de ser humano que se está a criar, que a crescer, que se está a desenvolver. É o ser humano no início do seu desenvolvimento. A criança é chamada recém-nascida do nascimento até um mês de idade; bebé, entre o 2.º e o 18.º mês, e criança entre 18 meses até 12 anos.
Antes do século XV, a criança era vista como um adulto em miniatura (homunculus). Não havia uma conceção definida de infância nem uma perspetiva psicológica do crescimento e do desenvolvimento. Considerava-se natural que a criança fosse rapidamente introduzida no mundo adulto, chegando até a ser vestida como o adulto. A falta da ideia sistémica de infância, impossibilitou, por muitos anos, a criação de direitos e deveres próprios para as crianças, tomando em consideração a suas caraterísticas e fases de desenvolvimento.
Os aspetos psicológicos do desenvolvimento da personalidade, com a presença ou não de transtornos do comportamento, de transtornos emocionais e/ou a presença de neurose infantil – incluída toda a ordem de carências, negligências, violências e abusos, que não a deixa funcionar saudavelmente, com a alegria e os interesses que lhes são naturais – recebem a atenção da Psicologia Clínica Infantil, através da psicoterapia lúdica. Os aspetos cognitivos (intelectual e social) são tratados pela Pedagogia nas modalidades da educação pré-escolar e da vida escolar. O ramo da medicina que cuida do desenvolvimento físico e das doenças e/ou traumas físicos nas crianças é a pediatria.
infância é o período de grande desenvolvimento físico, marcado pelo gradual crescimento da altura e peso da criança – especialmente nos primeiros três anos de vida e durante a puberdade. Mais que isso, é o período em que o ser humano se desenvolve psicologicamente, envolvendo graduais mudanças no comportamento da pessoa e na aquisição das bases da personalidade.
As crianças do sexo feminino são meninas enquanto as do sexo masculino são meninos Para lá das diferenças existentes no sistema reprodutor, meninos e meninas não diferem muito fisicamente entre si até ao início da puberdade, tendo crianças de ambos os sexos, com a mesma idade, aproximadamente a mesma altura e o mesmo peso.
Discutível é o tema das diferenças psicológicas no atinente à identidade sexual das crianças. Alguns psicólogos acreditam que as diferenças psicológicas são determinadas primariamente pelo ambiente onde a criança vive e pelos estereótipos impostos à criança pela sociedade; mas especialistas (primariamente geneticistas) consideram que a genética possui maior peso na diferença.
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Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Mt 11,25-27).
2019.06.08 – Louro de Carvalho

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