O alerta é
veiculado hoje, dia 18 de junho, no JN,
pela pena de Alexandra Inácio e, no blog “Com Regras”, por Alexandre Henriques.
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A legislação em vigor
Antes de
mais, há que revisitar a lei.
O regime
de aplicação da educação sexual em meio escolar é estabelecido pela Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, e pela Portaria n.º 196-A/2010,
de 9 de abril, que a regulamentou.
A lei
aplica-se a todos os estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário
da rede pública, bem como aos da rede privada e cooperativa com contrato de
associação, de todo o território nacional.
A educação
sexual tem por finalidades: a valorização da sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento
individual, respeitando o pluralismo das conceções existentes na nossa
sociedade; o desenvolvimento de competências
nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras neste âmbito; a melhoria
dos relacionamentos afectivo-sexuais
dos jovens; a redução de consequências
negativas dos comportamentos sexuais de risco; a capacidade de proteção face a todas as formas de
exploração e de abuso sexuais; o respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais;
a valorização de uma sexualidade
responsável e informada; a promoção da igualdade
entre os sexos; o reconhecimento da importância
de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos,
professores e técnicos de saúde; a
compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos
reprodutivos; e a eliminação de
comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função
do sexo ou orientação sexual.
No ensino
básico, a educação sexual integra-se no âmbito da educação para a saúde, nas
áreas curriculares não disciplinares. No ensino secundário e no ensino
profissional, integra-se no âmbito da educação para a saúde, nas áreas
curriculares disciplinares e não disciplinares. Não obstante, reitera-se a
transversalidade da educação sexual nas restantes disciplinas dos curricula dos
diversos anos.
A carga
horária dedicada à educação sexual deve ser adaptada a cada nível de ensino e a
cada turma, não devendo ser inferior a 6 horas para o 1.º e 2.º ciclos do
ensino básico, nem inferior a 12 horas para o 3.º ciclo do ensino básico e
secundário, distribuídas de forma equilibrada pelos diversos períodos do ano letivo.
A educação
sexual é incluída obrigatoriamente no projeto educativo do agrupamento de
escolas ou escola não agrupada, nos moldes definidos pelo conselho geral,
ouvidas as associações de estudantes, as associações de pais e os professores.
O diretor de
turma, o professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual,
bem como os demais professores da turma envolvidos na educação sexual no âmbito
da transversalidade, devem elaborar, no início do ano escolar, o projeto de
educação sexual da turma, do qual devem constar os conteúdos e temas que, em
concreto, serão abordados, as iniciativas e visitas a realizar, as entidades,
técnicos e especialistas externos à escola, a convidar.
Cada
agrupamento ou escola não agrupada deve designar um professor-coordenador da
educação para a saúde e educação sexual, criar uma equipa interdisciplinar de
educação para a saúde e educação sexual, com uma dimensão adequada ao número de
turmas existentes, coordenada pelo professor-coordenador, e ter um professor
responsável pela educação para a saúde e educação sexual para cada turma.
São
competências da equipa: gerir o gabinete de informação e apoio ao aluno;
assegurar a aplicação dos conteúdos curriculares; promover o envolvimento da
comunidade educativa; e organizar iniciativas de complemento curricular que
julgar adequadas.
O Ministério
da Educação (ME) garante aos
professores-coordenadores de educação para a saúde e educação sexual, aos
professores responsáveis pela área em cada turma e aos que integrem as equipas
interdisciplinares de educação para a saúde e educação sexual a formação necessária
ao exercício dessas funções. Ademais, a educação para a saúde e a educação
sexual deve ter o acompanhamento dos profissionais de saúde das unidades de
saúde e da respetiva comunidade local, cabendo ao Ministério da Saúde assegurar
as condições de cooperação das unidades de saúde com os agrupamento ou escolas
não agrupadas.
Podem o ME e
os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas estabelecer protocolos de
parceria com organizações não governamentais, devidamente reconhecidas e
especializadas na área, para desenvolvimento de projetos específicos.
O agrupamento
de escolas ou a escola não agrupada dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do
ensino secundário deve disponibilizar aos alunos um gabinete de informação e
apoio no âmbito da educação para a saúde e educação sexual – cujo atendimento e
funcionamento são assegurados por profissionais com formação nas áreas da
educação para a saúde e educação sexual. Este gabinete, que funciona
obrigatoriamente pelo menos uma manhã e uma tarde por semana, está integrado no
projeto educativo, envolvendo especialmente os alunos na definição dos seus
objetivos; articula a sua atividade com as respetivas unidades de saúde da
comunidade local ou outros organismos do Estado, nomeadamente o IPJ (Instituto Português da Juventude); deve garantir um espaço na
Internet com informação que assegure, prontamente, resposta às questões
colocadas pelos alunos; e, em articulação com as unidades de saúde, assegura
aos alunos o acesso aos meios contraceptivos adequados.
A escola
disponibiliza um espaço condigno para o funcionamento do gabinete, organizado
com a participação dos alunos, que garanta a confidencialidade aos seus
utilizadores.
Os
encarregados de educação, os estudantes e as respetivas estruturas
representativas devem ter um papel ativo na prossecução e concretização das
finalidades da lei.
Os encarregados
de educação e as suas estruturas representativas são informados das atividades
curriculares e não curriculares desenvolvidas no âmbito da educação sexual. E a
comunidade escolar, em especial o conselho pedagógico, pode desenvolver todas
as ações de complemento curricular que considerem adequadas para uma melhor
formação na área da educação sexual.
O ME garante
o acompanhamento, supervisão e coordenação da educação para a saúde e educação
sexual nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, sendo responsável
pela produção de relatórios de avaliação periódicos baseados, nomeadamente, em
questionários realizados nas escolas. E o Governo deve ter enviado à Assembleia
da República um relatório global de avaliação sobre a aplicação da educação
sexual nas escolas, baseado nos relatórios periódicos, após os dois anos letivos
seguintes à entrada em vigor da lei.
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A predita portaria definiu as condições de compensação
pelo trabalho docente desenvolvido em redução da componente letiva e/ou não
letiva, concretizou alguns procedimentos e estabeleceu as condições de acesso a
alguns dos cargos previstos na lei. Por outro lado, definiu os objetivos e conteúdos
para cada ciclo de ensino, que publicou em anexo e que se discriminam:
- 1.º Ciclo (1.º ao 4.º
anos): noção de corpo; o corpo em
harmonia com a Natureza e o seu ambiente social e cultural; noção de família; diferenças
entre rapazes e raparigas; proteção do corpo e noção dos limites, dizendo não
às aproximações abusivas.
- 2.º Ano: além das rubricas incluídas nos programas
de meio físico, o professor esclarece os alunos sobre questões e dúvidas que
surjam naturalmente, respondendo de forma simples e clara.
- 3.º e 4.º Anos: além das rubricas incluídas nos
programas de meio físico, o professor desenvolve temas que levem os alunos a
compreender a necessidade de proteger o próprio corpo, de se defender de
eventuais aproximações abusivas, aconselhando a que, caso se deparem com
dúvidas ou problemas de identidade de género, se sintam no direito de pedir
ajuda às pessoas em quem confiam na família ou na escola.
- 2.º Ciclo (5.º e 6.º
anos): puberdade - aspetos biológicos e
emocionais; o corpo em transformação; carateres sexuais secundários; normalidade,
importância e frequência das suas variantes biopsicológicas; diversidade e
respeito; sexualidade e género; reprodução humana e crescimento; contraceção e
planeamento familiar; compreensão do ciclo menstrual e ovulatório; prevenção
dos maus tratos e das aproximações abusivas; dimensão ética da sexualidade
humana.
- 3.º Ciclo (7.º ao 9.º
anos): Dimensão ética da sexualidade
humana: compreensão da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da
pessoa, no contexto de um projeto de vida que integre valores (por exemplo: afetos, ternura, crescimento e maturidade
emocional, capacidade de lidar com frustrações, compromissos, abstinência
voluntária) e uma
dimensão ética; compreensão da fisiologia geral da reprodução humana; compreensão
do ciclo menstrual e ovulatório; compreensão do uso e acessibilidade dos
métodos contracetivos e, sumariamente, dos seus mecanismos de ação e tolerância
(efeitos secundários); compreensão da epidemiologia das principais IST em
Portugal e no mundo (incluindo
infeção por VIH/vírus da imunodeficiência humana – HPV2/vírus do papiloma
humano – e suas consequências) bem como
os métodos de prevenção. Saber como se protege o seu próprio corpo, prevenindo
a violência e o abuso físico e sexual e comportamentos sexuais de risco,
dizendo não a pressões emocionais e sexuais; conhecimento das taxas e
tendências de maternidade e da paternidade na adolescência e compreensão do
respectivo significado; conhecimento das taxas e tendências das interrupções
voluntárias de gravidez, suas sequelas e respectivo significado; compreensão da
noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e reprodutiva saudável e
responsável; prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas.
- Ensino secundário: compreensão ética da sexualidade
humana.
Sem prejuízo dos conteúdos enunciados no 3.º ciclo,
sempre que necessário, devem retomar-se temas abordados, pois a experiência
demonstra vantagens de abordá-los com alunos que, nesta fase de estudos,
poderão eventualmente já ter iniciado a vida sexual ativa. A abordagem deve ser
acompanhada por uma reflexão sobre atitudes e comportamentos dos adolescentes
na atualidade: compreensão e determinação do ciclo menstrual em geral, com
particular atenção à identificação, quando possível, do período ovulatório, em
função das caraterísticas dos ciclos menstruais.
Informação estatística, por exemplo sobre: idade de
início das relações sexuais, em Portugal e na UE; taxas de gravidez e aborto em
Portugal; métodos contracetivos disponíveis e utilizados; segurança
proporcionada por diferentes métodos; motivos que impedem o uso de métodos
adequados; consequências físicas, psicológicas e sociais da maternidade e da
paternidade de gravidez na adolescência e do aborto; doenças e infeções sexualmente
transmissíveis (como infeção
por VIH e HPV) e suas
consequências; prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; prevenção dos
maus tratos e das aproximações abusivas.
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Sobre a situação atual
A Lei da
Educação Sexual, não é cumprida em todas as escolas.
O movimento
jovem Ecolojovem (do Partido
Ecologista Os Verdes) visitou,
no último ano, cerca de 80 escolas, de norte a sul do país, para inquirir o
cumprimento da lei: apenas num dos estabelecimentos (secundária
Francisco de Holanda, em Guimarães) os alunos
afirmaram ter aulas de educação sexual. Na maioria delas nem sequer sabiam que
há a lei, revelou ao JN Beatriz
Goulart, frisando que “a educação sexual não está a ser aplicada como devia” e explicando:
“O PEV foi para o terreno depois de receber
queixas de estudantes. Disseram-nos que deram a reprodução nas aulas de Ciências,
mas não apontam nenhum tema que associem à educação sexual, como métodos
contracetivos, violência no namoro, doenças sexualmente transmissíveis ou orientação
sexual. O que é chocante.”.
Rita Barros,
da direção executiva da APF (Associação para o Planeamento da Família), que este ano organizou 1100 ações em escolas,
confirma a perceção do PEV. A área está entregue à autonomia das escolas, pelo
que “depende da sensibilidade de cada diretor e da vontade dos professores”.
Além da matéria abordada em Ciências, é uma área entre quase 20 que podem ser
lecionadas na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
Margarida
Gaspar de Matos, que participou na elaboração do diploma, diz que a realidade é
díspar: “há exemplos paradigmáticos do
excelente ao terrível”. Três anos depois da entrada em vigor da lei, os
alunos achavam as aulas “repetitivas e monótonas”.
Para os
alunos, é claramente insuficiente, garante Hugo Barreto, presidente da
Federação Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Básico e Secundário,
que dá o seu próprio exemplo: só abordou temas ligados à sexualidade nas aulas
de Ciências. E vinca:
“Ainda há um grande tabu. Os professores não
se sentem à vontade. Os pais acham que somos novos. Os alunos ainda têm
vergonha e até medo: na maior parte do país um adolescente entra no centro de
saúde e a notícia corre até à família.”.
Os
estudantes querem que a área seja obrigatória em todas as escolas.
Face ao
estudo divulgado em abril que revela que um terço dos jovens inquiridos não usa
preservativo e que 14,5% tiveram relações sexuais associadas ao consumo do
álcool e drogas. Rita Barros considera que a educação sexual podia reverter
estes indicadores. Aliás, a dirigente da APF defende a distribuição obrigatória
de preservativos nas escolas, mas a maior dúvida dos estudantes “é como colocar
um preservativo”. Muitos estão muito preocupados com as doenças sexualmente
transmissíveis, mas não sabem como se prevenir – aponta, garantindo que as
ações de formação para professores são quase inexistentes, sendo este um
obstáculo ao cumprimento da lei, juntamente com a falta de tempo. Muitos
recorrem à linha e material de apoio da APF.
O presidente
da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas) diz:
“As escolas são diariamente inundadas por
educações: financeira, rodoviária, ambiente, media. Todas importantes, mas não
há tempo para tudo.”.
Tanto Filinto
Lima como Manuel Pereira, presidente da ANDE (Associação Nacional de Dirigentes
Escolares) rejeitam que a educação sexual
seja uma disciplina. Francisco Teixeira, coordenador da área na secundária de
Guimarães, apontada pelo PEV, também sustenta que a área não se pode
“disciplinar, é de natureza transversal”. E sublinha:
“O que as escolas precisam é de tempo letivo, de
crédito, para que possam criar projetos e atribuí-los a equipas”.
Na Secundária
Francisco de Holanda, todos os alunos participam em debates, conferências ou
assistem a filmes. Episódios da telenovela “Tieta do Agreste” são recorrentes
para transmitir estereótipos e levantar questões como a da orientação sexual ou
da emancipação.
A Lei n.º 60/2009,
de 6 de agosto, é anterior à revisão curricular que cria a disciplina de Cidadania
e Desenvolvimento e ao programa de flexibilização. O diploma prevê uma carga
horária mínima de 6 horas por ano para os alunos do 1.º e 2.º ciclos e de 12
horas para os restantes, que devem ser “distribuídas de forma equilibrada pelos
diversos períodos do ano letivo”. Os responsáveis pela matéria devem criar no
início do ano letivo o projeto de educação sexual de cada turma, mencionando os
conteúdos, as iniciativas, visitas de estudo e entidades ou especialistas
externos que pretendam convidar.
O Ministério
da Educação promoveu, em 2018, duas ações de formação (uma em
Lisboa outra em Braga) para 60
professores no âmbito do Referencial de Educação para a Saúde. Foi pouco.
Porém, assegura a tutela assegura que, nos últimos anos, “mais de seis mil”
docentes receberam formação. Interpelado pelo JN sobre o cumprimento da lei, o ME sublinha que as escolas podem
candidatar-se a projetos no âmbito do PAPES (Programa de Apoio à Promoção e
Educação para a Saúde) e ao Selo Escola Saudável – sendo que “todos
os anos são disponibilizados mais de cem mil euros” para o desenvolvimento
desses projetos.
Todos os
agrupamentos têm de ter um gabinete de informação e de apoio aos alunos no
âmbito da Educação para a Saúde e Educação Sexual, que deve funcionar de forma
articulada com os centros de saúde, “obrigatoriamente, pelo menos uma manhã ou
uma tarde por semana” e ter um espaço online para “responder prontamente a
todas as questões colocadas pelos alunos”.
Mantêm-se os objetivos e conteúdos plasmados na portaria que regulamenta
a lei.
A educação
sexual é, neste momento, abordada no âmbito da componente curricular de
Cidadania e Desenvolvimento, de caráter obrigatório até ao 3.º Ciclo do Ensino
Básico, em particular nos domínios da saúde, direitos humanos, igualdade de
género, media e sexualidade. E, ao nível do Ensino Secundário, as escolas podem
desenvolver os projetos de turma, de abordagem transdisciplinar, previstos na
Lei da Educação Sexual.
Alexandre
Henriques, já referido, revelava, em março, que já ouviu afirmações como “Faltam 4 horas de Educação Sexual… Quem fica
com elas?”, pelo que não pode afirmar que a Educação Sexual é uma
prioridade para os professores ou que é muito valorizada. De facto, a
prioridade dos professores é o currículo: a quantidade de matéria, as visitas
de estudo e atividades de todo o género deixam pouco tempo para a educação
sexual. Além disso, alguns professores não estão à vontade para uma abordagem
mais “interessante” para os alunos; e outros têm dificuldade em enfrentar o
melindre perante os pais e a comunidade, quando por tudo e por nada os
professores são acusados de ditos e atitudes, tantas vezes à cata da
indemnização.
***
À laia de conclusão
Com Alexandre
Henriques partilho a ideia de que a educação sexual deve estar na escola, mas
sem a obrigatoriedade de “x” horas por ano, todos os anos, pois “cada turma é
uma turma e cada aluno é um aluno”. E penso que, sem desprimor pela disciplina
Cidadania e Desenvolvimento, deve ser incrementada preferencialmente a
frequência do Gabinete de apoio ao aluno.
Por outro
lado, ao mesmo tempo que se exige aos professores e à escola, aos profissionais
de saúde e aos centros de saúde a confidencialidade sobre casos particulares a
que tenham acesso, é de promover a quota de efetivação da responsabilidade por
parte da família na educação sexual dos filhos, progressiva e adequada à idade –
sem invasão da intimidade e sem o culto de eventuais traumas por que tenham passado.
Se calhar, também os pais precisam de formação para a educação sexual dos
filhos. E nunca a educação sexual deve reduzir-se ao preservativo e modo de utilização
nem às estatísticas, mas deve acautelar o desenvolvimento saudável do indivíduo
e prevenir as alastrantes formas de violência sexual, e não só, no namoro e
fora dele.
2019.06.18 –
Louro de Carvalho
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