terça-feira, 18 de junho de 2019

Lei da educação sexual não está a ser cumprida em todas as escolas


O alerta é veiculado hoje, dia 18 de junho, no JN, pela pena de Alexandra Inácio e, no blog “Com Regras”, por Alexandre Henriques.
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A legislação em vigor
Antes de mais, há que revisitar a lei.

O regime de aplicação da educação sexual em meio escolar é estabelecido pela Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, e pela Portaria n.º 196-A/2010, de 9 de abril, que a regulamentou.

A lei aplica-se a todos os estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário da rede pública, bem como aos da rede privada e cooperativa com contrato de associação, de todo o território nacional.
A educação sexual tem por finalidades: a valorização da sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das conceções existentes na nossa sociedade; o desenvolvimento de competências nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras neste âmbito; a melhoria dos relacionamentos afectivo-sexuais dos jovens; a redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais de risco; a capacidade de proteção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais; o respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais; a valorização de uma sexualidade responsável e informada; a promoção da igualdade entre os sexos; o reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde; a compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos; e a eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual.
No ensino básico, a educação sexual integra-se no âmbito da educação para a saúde, nas áreas curriculares não disciplinares. No ensino secundário e no ensino profissional, integra-se no âmbito da educação para a saúde, nas áreas curriculares disciplinares e não disciplinares. Não obstante, reitera-se a transversalidade da educação sexual nas restantes disciplinas dos curricula dos diversos anos.
A carga horária dedicada à educação sexual deve ser adaptada a cada nível de ensino e a cada turma, não devendo ser inferior a 6 horas para o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, nem inferior a 12 horas para o 3.º ciclo do ensino básico e secundário, distribuídas de forma equilibrada pelos diversos períodos do ano letivo.
A educação sexual é incluída obrigatoriamente no projeto educativo do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, nos moldes definidos pelo conselho geral, ouvidas as associações de estudantes, as associações de pais e os professores.
O diretor de turma, o professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual, bem como os demais professores da turma envolvidos na educação sexual no âmbito da transversalidade, devem elaborar, no início do ano escolar, o projeto de educação sexual da turma, do qual devem constar os conteúdos e temas que, em concreto, serão abordados, as iniciativas e visitas a realizar, as entidades, técnicos e especialistas externos à escola, a convidar.
Cada agrupamento ou escola não agrupada deve designar um professor-coordenador da educação para a saúde e educação sexual, criar uma equipa interdisciplinar de educação para a saúde e educação sexual, com uma dimensão adequada ao número de turmas existentes, coordenada pelo professor-coordenador, e ter um professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual para cada turma.
São competências da equipa: gerir o gabinete de informação e apoio ao aluno; assegurar a aplicação dos conteúdos curriculares; promover o envolvimento da comunidade educativa; e organizar iniciativas de complemento curricular que julgar adequadas.
O Ministério da Educação (ME) garante aos professores-coordenadores de educação para a saúde e educação sexual, aos professores responsáveis pela área em cada turma e aos que integrem as equipas interdisciplinares de educação para a saúde e educação sexual a formação necessária ao exercício dessas funções. Ademais, a educação para a saúde e a educação sexual deve ter o acompanhamento dos profissionais de saúde das unidades de saúde e da respetiva comunidade local, cabendo ao Ministério da Saúde assegurar as condições de cooperação das unidades de saúde com os agrupamento ou escolas não agrupadas.
Podem o ME e os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas estabelecer protocolos de parceria com organizações não governamentais, devidamente reconhecidas e especializadas na área, para desenvolvimento de projetos específicos.
O agrupamento de escolas ou a escola não agrupada dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário deve disponibilizar aos alunos um gabinete de informação e apoio no âmbito da educação para a saúde e educação sexual – cujo atendimento e funcionamento são assegurados por profissionais com formação nas áreas da educação para a saúde e educação sexual. Este gabinete, que funciona obrigatoriamente pelo menos uma manhã e uma tarde por semana, está integrado no projeto educativo, envolvendo especialmente os alunos na definição dos seus objetivos; articula a sua atividade com as respetivas unidades de saúde da comunidade local ou outros organismos do Estado, nomeadamente o IPJ (Instituto Português da Juventude); deve garantir um espaço na Internet com informação que assegure, prontamente, resposta às questões colocadas pelos alunos; e, em articulação com as unidades de saúde, assegura aos alunos o acesso aos meios contraceptivos adequados.
A escola disponibiliza um espaço condigno para o funcionamento do gabinete, organizado com a participação dos alunos, que garanta a confidencialidade aos seus utilizadores.
Os encarregados de educação, os estudantes e as respetivas estruturas representativas devem ter um papel ativo na prossecução e concretização das finalidades da lei.
Os encarregados de educação e as suas estruturas representativas são informados das atividades curriculares e não curriculares desenvolvidas no âmbito da educação sexual. E a comunidade escolar, em especial o conselho pedagógico, pode desenvolver todas as ações de complemento curricular que considerem adequadas para uma melhor formação na área da educação sexual.
O ME garante o acompanhamento, supervisão e coordenação da educação para a saúde e educação sexual nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, sendo responsável pela produção de relatórios de avaliação periódicos baseados, nomeadamente, em questionários realizados nas escolas. E o Governo deve ter enviado à Assembleia da República um relatório global de avaliação sobre a aplicação da educação sexual nas escolas, baseado nos relatórios periódicos, após os dois anos letivos seguintes à entrada em vigor da lei.
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A predita portaria definiu as condições de compensação pelo trabalho docente desenvolvido em redução da componente letiva e/ou não letiva, concretizou alguns procedimentos e estabeleceu as condições de acesso a alguns dos cargos previstos na lei. Por outro lado, definiu os objetivos e conteúdos para cada ciclo de ensino, que publicou em anexo e que se discriminam:
- 1.º Ciclo (1.º ao 4.º anos): noção de corpo; o corpo em harmonia com a Natureza e o seu ambiente social e cultural; noção de família; diferenças entre rapazes e raparigas; proteção do corpo e noção dos limites, dizendo não às aproximações abusivas.
- 2.º Ano: além das rubricas incluídas nos programas de meio físico, o professor esclarece os alunos sobre questões e dúvidas que surjam naturalmente, respondendo de forma simples e clara.
- 3.º e 4.º Anos: além das rubricas incluídas nos programas de meio físico, o professor desenvolve temas que levem os alunos a compreender a necessidade de proteger o próprio corpo, de se defender de eventuais aproximações abusivas, aconselhando a que, caso se deparem com dúvidas ou problemas de identidade de género, se sintam no direito de pedir ajuda às pessoas em quem confiam na família ou na escola.
- 2.º Ciclo (5.º e 6.º anos): puberdade - aspetos biológicos e emocionais; o corpo em transformação; carateres sexuais secundários; normalidade, importância e frequência das suas variantes biopsicológicas; diversidade e respeito; sexualidade e género; reprodução humana e crescimento; contraceção e planeamento familiar; compreensão do ciclo menstrual e ovulatório; prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas; dimensão ética da sexualidade humana.
- 3.º Ciclo (7.º ao 9.º anos): Dimensão ética da sexualidade humana: compreensão da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa, no contexto de um projeto de vida que integre valores (por exemplo: afetos, ternura, crescimento e maturidade emocional, capacidade de lidar com frustrações, compromissos, abstinência voluntária) e uma dimensão ética; compreensão da fisiologia geral da reprodução humana; compreensão do ciclo menstrual e ovulatório; compreensão do uso e acessibilidade dos métodos contracetivos e, sumariamente, dos seus mecanismos de ação e tolerância (efeitos secundários); compreensão da epidemiologia das principais IST em Portugal e no mundo (incluindo infeção por VIH/vírus da imunodeficiência humana – HPV2/vírus do papiloma humano – e suas consequências) bem como os métodos de prevenção. Saber como se protege o seu próprio corpo, prevenindo a violência e o abuso físico e sexual e comportamentos sexuais de risco, dizendo não a pressões emocionais e sexuais; conhecimento das taxas e tendências de maternidade e da paternidade na adolescência e compreensão do respectivo significado; conhecimento das taxas e tendências das interrupções voluntárias de gravidez, suas sequelas e respectivo significado; compreensão da noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e reprodutiva saudável e responsável; prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas.
- Ensino secundário: compreensão ética da sexualidade humana.
Sem prejuízo dos conteúdos enunciados no 3.º ciclo, sempre que necessário, devem retomar-se temas abordados, pois a experiência demonstra vantagens de abordá-los com alunos que, nesta fase de estudos, poderão eventualmente já ter iniciado a vida sexual ativa. A abordagem deve ser acompanhada por uma reflexão sobre atitudes e comportamentos dos adolescentes na atualidade: compreensão e determinação do ciclo menstrual em geral, com particular atenção à identificação, quando possível, do período ovulatório, em função das caraterísticas dos ciclos menstruais.
Informação estatística, por exemplo sobre: idade de início das relações sexuais, em Portugal e na UE; taxas de gravidez e aborto em Portugal; métodos contracetivos disponíveis e utilizados; segurança proporcionada por diferentes métodos; motivos que impedem o uso de métodos adequados; consequências físicas, psicológicas e sociais da maternidade e da paternidade de gravidez na adolescência e do aborto; doenças e infeções sexualmente transmissíveis (como infeção por VIH e HPV) e suas consequências; prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas.
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Sobre a situação atual
A Lei da Educação Sexual, não é cumprida em todas as escolas.
O movimento jovem Ecolojovem (do Partido Ecologista Os Verdes) visitou, no último ano, cerca de 80 escolas, de norte a sul do país, para inquirir o cumprimento da lei: apenas num dos estabelecimentos (secundária Francisco de Holanda, em Guimarães) os alunos afirmaram ter aulas de educação sexual. Na maioria delas nem sequer sabiam que há a lei, revelou ao JN Beatriz Goulart, frisando que “a educação sexual não está a ser aplicada como devia” e explicando:
O PEV foi para o terreno depois de receber queixas de estudantes. Disseram-nos que deram a reprodução nas aulas de Ciências, mas não apontam nenhum tema que associem à educação sexual, como métodos contracetivos, violência no namoro, doenças sexualmente transmissíveis ou orientação sexual. O que é chocante.”.
Rita Barros, da direção executiva da APF (Associação para o Planeamento da Família), que este ano organizou 1100 ações em escolas, confirma a perceção do PEV. A área está entregue à autonomia das escolas, pelo que “depende da sensibilidade de cada diretor e da vontade dos professores”. Além da matéria abordada em Ciências, é uma área entre quase 20 que podem ser lecionadas na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
Margarida Gaspar de Matos, que participou na elaboração do diploma, diz que a realidade é díspar: “há exemplos paradigmáticos do excelente ao terrível”. Três anos depois da entrada em vigor da lei, os alunos achavam as aulas “repetitivas e monótonas”.
Para os alunos, é claramente insuficiente, garante Hugo Barreto, presidente da Federação Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Básico e Secundário, que dá o seu próprio exemplo: só abordou temas ligados à sexualidade nas aulas de Ciências. E vinca:
Ainda há um grande tabu. Os professores não se sentem à vontade. Os pais acham que somos novos. Os alunos ainda têm vergonha e até medo: na maior parte do país um adolescente entra no centro de saúde e a notícia corre até à família.”.
Os estudantes querem que a área seja obrigatória em todas as escolas.
Face ao estudo divulgado em abril que revela que um terço dos jovens inquiridos não usa preservativo e que 14,5% tiveram relações sexuais associadas ao consumo do álcool e drogas. Rita Barros considera que a educação sexual podia reverter estes indicadores. Aliás, a dirigente da APF defende a distribuição obrigatória de preservativos nas escolas, mas a maior dúvida dos estudantes “é como colocar um preservativo”. Muitos estão muito preocupados com as doenças sexualmente transmissíveis, mas não sabem como se prevenir – aponta, garantindo que as ações de formação para professores são quase inexistentes, sendo este um obstáculo ao cumprimento da lei, juntamente com a falta de tempo. Muitos recorrem à linha e material de apoio da APF.
O presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas) diz:
As escolas são diariamente inundadas por educações: financeira, rodoviária, ambiente, media. Todas importantes, mas não há tempo para tudo.”.
Tanto Filinto Lima como Manuel Pereira, presidente da ANDE (Associação Nacional de Dirigentes Escolares) rejeitam que a educação sexual seja uma disciplina. Francisco Teixeira, coordenador da área na secundária de Guimarães, apontada pelo PEV, também sustenta que a área não se pode “disciplinar, é de natureza transversal”. E sublinha:
“O que as escolas precisam é de tempo letivo, de crédito, para que possam criar projetos e atribuí-los a equipas”.
Na Secundária Francisco de Holanda, todos os alunos participam em debates, conferências ou assistem a filmes. Episódios da telenovela “Tieta do Agreste” são recorrentes para transmitir estereótipos e levantar questões como a da orientação sexual ou da emancipação.
A Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, é anterior à revisão curricular que cria a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e ao programa de flexibilização. O diploma prevê uma carga horária mínima de 6 horas por ano para os alunos do 1.º e 2.º ciclos e de 12 horas para os restantes, que devem ser “distribuídas de forma equilibrada pelos diversos períodos do ano letivo”. Os responsáveis pela matéria devem criar no início do ano letivo o projeto de educação sexual de cada turma, mencionando os conteúdos, as iniciativas, visitas de estudo e entidades ou especialistas externos que pretendam convidar.
O Ministério da Educação promoveu, em 2018, duas ações de formação (uma em Lisboa outra em Braga) para 60 professores no âmbito do Referencial de Educação para a Saúde. Foi pouco. Porém, assegura a tutela assegura que, nos últimos anos, “mais de seis mil” docentes receberam formação. Interpelado pelo JN sobre o cumprimento da lei, o ME sublinha que as escolas podem candidatar-se a projetos no âmbito do PAPES (Programa de Apoio à Promoção e Educação para a Saúde) e ao Selo Escola Saudável – sendo que “todos os anos são disponibilizados mais de cem mil euros” para o desenvolvimento desses projetos.
Todos os agrupamentos têm de ter um gabinete de informação e de apoio aos alunos no âmbito da Educação para a Saúde e Educação Sexual, que deve funcionar de forma articulada com os centros de saúde, “obrigatoriamente, pelo menos uma manhã ou uma tarde por semana” e ter um espaço online para “responder prontamente a todas as questões colocadas pelos alunos”.
Mantêm-se os objetivos e conteúdos plasmados na portaria que regulamenta a lei.
A educação sexual é, neste momento, abordada no âmbito da componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento, de caráter obrigatório até ao 3.º Ciclo do Ensino Básico, em particular nos domínios da saúde, direitos humanos, igualdade de género, media e sexualidade. E, ao nível do Ensino Secundário, as escolas podem desenvolver os projetos de turma, de abordagem transdisciplinar, previstos na Lei da Educação Sexual.
Alexandre Henriques, já referido, revelava, em março, que já ouviu afirmações como “Faltam 4 horas de Educação Sexual… Quem fica com elas?”, pelo que não pode afirmar que a Educação Sexual é uma prioridade para os professores ou que é muito valorizada. De facto, a prioridade dos professores é o currículo: a quantidade de matéria, as visitas de estudo e atividades de todo o género deixam pouco tempo para a educação sexual. Além disso, alguns professores não estão à vontade para uma abordagem mais “interessante” para os alunos; e outros têm dificuldade em enfrentar o melindre perante os pais e a comunidade, quando por tudo e por nada os professores são acusados de ditos e atitudes, tantas vezes à cata da indemnização. 
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À laia de conclusão
Com Alexandre Henriques partilho a ideia de que a educação sexual deve estar na escola, mas sem a obrigatoriedade de “x” horas por ano, todos os anos, pois “cada turma é uma turma e cada aluno é um aluno”. E penso que, sem desprimor pela disciplina Cidadania e Desenvolvimento, deve ser incrementada preferencialmente a frequência do Gabinete de apoio ao aluno.
Por outro lado, ao mesmo tempo que se exige aos professores e à escola, aos profissionais de saúde e aos centros de saúde a confidencialidade sobre casos particulares a que tenham acesso, é de promover a quota de efetivação da responsabilidade por parte da família na educação sexual dos filhos, progressiva e adequada à idade – sem invasão da intimidade e sem o culto de eventuais traumas por que tenham passado. Se calhar, também os pais precisam de formação para a educação sexual dos filhos. E nunca a educação sexual deve reduzir-se ao preservativo e modo de utilização nem às estatísticas, mas deve acautelar o desenvolvimento saudável do indivíduo e prevenir as alastrantes formas de violência sexual, e não só, no namoro e fora dele.   
2019.06.18 – Louro de Carvalho

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