sábado, 22 de junho de 2019

ADSE para todos, incluindo trabalhadores do setor privado


O CDS acaba de inscrever no seu programa eleitoral o alargamento da ADSE a todos os trabalhadores, sejam funcionários do Estado sejam do setor privado, e igualdade prerrogativas em sede de IRS, para efeitos de tratamento fiscal, para os vários seguros de saúde.
É a terceira medida que os centristas inscrevem no seu programa, que vão elaborando à razão de uma medida por semana, de acordo com o plano gizado para dar a volta ao mau resultado que o partido teve nas urnas a 26 de maio, tendo cabido a Adolfo Mesquita Nunes o pontapé de saída.
Ora, esse plano tem como orientação fundamental a recentração no essencial, apresentando propostas concretas que digam respeito aos problemas concretos dos portugueses concretos e deixando cair o acessório. Nestes termos, à defesa da participação dos privados no acesso ao sistema de Saúde, concretamente no acesso às primeiras consultas de especialidade, e à da proibição de penhoras do fisco desproporcionais e enquanto decorrem os prazos legais para reclamação, o CDS adiciona o alargamento do que denomina de seguro de saúde do Estado (a ADSE) a todos os portugueses, independentemente de serem trabalhadores da administração pública ou não. E da letra da proposta centrista consta:
 Propomos o alargamento da ADSE para todos, reconhecendo o seu papel complementar ao SNS e a sua mais-valia, que deve estar disponível independentemente de se ter ou não um vínculo laboral ao Estado”.
E, além de propor que qualquer português, seja ou não funcionário público, por opção possa aceder ao seguro de saúde do Estado, o CDS pretende que a dedução à coleta em sede de IRS seja feita de igual forma, quer na ADSE, quer nos demais seguros privados de saúde.
A ideia-força que está por trás da medida é não haver tratamento preferencial ou discriminação. O discurso centrista confessa “acreditar num país em que os funcionários públicos e os trabalhadores do setor privado não vivem em sistemas distintos”, sendo que o atual Governo “desconfia da iniciativa privada”, pelo que agravou as “distinções” que foram, ao longo dos anos, conduzindo à existência de dois sistemas num só país: “o sistema dos trabalhadores do Estado e o sistema dos trabalhadores do privado”.
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Ora, o atual Governo só mantém o status quo. Não obstante, foi sob a sua égide que a ADSE se reestruturou, pois o anterior Governo dispensou – com troika ou sem troika – a contribuição pública para o subsistema deixando-o financeiramente entregue e si próprio, mas não sem antes ter aumentado a contribuição dos trabalhadores e vir, depois, dizer que o subsistema podia diminuí-las se quisesse. Parece o caso dos salvadores a retirar a disponibilidade de utilização de barcos salva-vidas a náufragos depois de os terem reforçado com os coletes de salvamento e a dizer-lhes que podem deita fora alguns!  
Do meu ponto de vista, os centristas têm razão numa coisa, em termos da não discriminação, independentemente da bondade, ou não, da medida que propõem: a igualdade de tratamento em sede de IRS para a ADSE e para os seguros de saúde, levando a que todas as contribuições e despesas de saúde sejam dedutíveis à coleta. Mas, para tanto, basta alterar do Código do IRS.  
Já não há discriminação na acessibilidade, ou não, à ADSE que, ao invés do que dizem, não é um seguro do Estado, porquanto, como reconhecem, ela é paga exclusivamente através de descontos mensais dos trabalhadores públicos, dos aposentados/reformados da administração pública e, nalguns casos, dos seus familiares. E, do meu ponto de vista, é mau, porque o Estado, enquanto empregador público, na linha da sua preocupação social, deveria continuar a comparticipar no apoio à saúde dos seus trabalhadores, dando o exemplo aos empregadores privados e sociais para que também eles, no quadro da função social da propriedade e da empresa, comparticipassem nas despesas de saúde dos seus trabalhadores.         
Sabe o CDS – e di-lo de forma crítica – que “os funcionários públicos são livres de adquirir um qualquer seguro privado, para lá do direito de acesso ao SNS”. Era o que faltava os trabalhadores públicos não terem acesso ao SNS, enquanto bem público, pago pelos impostos de todos e necessariamente disponíveis para todos, ou não terem a liberdade de acederem a seguros privados, no âmbito da liberdade de escolha que o partido defende com unhas e dentes.   
Só compreendo o acesso de todos os trabalhadores à ADSE se o estatuto do subsistema passar a ser um seguro do Estado, em que, a par das contribuições dos trabalhadores, o Estado e as entidades patronais privadas contribuam para o funcionamento do subsistema. De resto, a ficar a ADSE com o estatuto que tem, crie-se uma organização securitária de saúde sob a tutela da Concertação Social e gerida em exclusivo pelos representantes dos trabalhadores do setor privado e social. Só na primeira hipótese é que terá lugar a constituição de uma comissão técnica para estudar as novas condições de acesso e, depois, uma negociação em sede de concertação social. A predita alteração ao código do IRS pode ser promovida desde já.
É certo que o regime aplicável aos trabalhadores da administração pública deve ser distinto do aplicável ao setor privado naquilo que for específico da atividade da Administração Pública, como dizem os centristas, mas também naquilo que represente um esforço financeiro ou de oportunidade acrescido. Recordo que, a este respeito, a ADSE tem condições mais gravosas que qualquer seguradora, porquanto a quotização do beneficiário – o prémio de seguro – não decorre apenas dos valores das coberturas, mas, dependendo delas por força das tabelas, depende do vencimento ou pensão que o trabalhador percebe: 3,5% do rendimento bruto, o que se torna demasiado pesado para muitos trabalhadores. Recordo também que a maior parte dos trabalhadores do setor público descontavam automaticamente para a ADSE, sendo que, em fase avançada da idade e tempo de serviço, apesar de poderem sair do subsistema, sentem-se presos a ele, pois dificilmente encontram uma seguradora que os acolha. É coisa parecida com o que sucede com a CGD e outros bancos que têm os clientes presos pelo crédito à habitação e, ao aumentarem os custos das comissões e cartões, cinicamente lhes dizem que, se não concordarem com as medidas, podem denunciar o contrato. E como é que vão conseguir novo contrato de financiamento nas mesmas condições? Ora, considero que um partido, quando faz o seu programa eleitoral, apesar de querer votos, é pessoa de bem, tal como a banca o deveria ser!   
E, a talho de foice, devo dizer que, sem discutir se uma Lei de Bases da Saúde deve ou não incorporar no sistema de saúde os prestadores privados em regime supletivo ou, mesmo em paridade ou em parceria, sou contra a gestão privada dos serviços públicos, tal como sou contra a gestão pública de serviços privados ou do setor social. Não é uma questão de ideologia, mas de curialidade, como se dizia quando andava a estudar. Um serviço público deve ser administrado, dirigido e gerido por personalidades públicas, que devem assumir integralmente todas as responsabilidades decorrentes do exercício do cargo, tal como os serviços privados devem ser integralmente geridos por privados, que devem assumir integralmente todas as responsabilidades idênticas – sendo que, além do controlo interno, todos responderão, se for caso, nos tribunais.
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Dá-me a impressão de que se degrada, em nome do igualitarismo, o estatuto do servidor público. E, se a pretensa equipolência servisse para dignificar o trabalho e os trabalhadores, ainda era plausível, mas suspeito que seja para nivelar por baixo. Aliás o ataque aos trabalhadores da administração pública já ganhou barbas, se bem que alguns também se põem a jeito, o que dá como resultado que pagam os justos pelos pecadores. Também é certo que alguns empregadores públicos, que gerem como se fosse deles o dinheiro dos contribuintes, pagam aos sues trabalhadores a diferença entre o valor da despesa em saúde e a comparticipação da ADSE. Depois, somos todos iguais, não?!   
E a propósito de servidor público, reparei no que disse o Presidente da Câmara Municipal de Pedrógão reagindo à notícia de que iria a julgamento integrado no rol de 10 arguidos que respondem por umas centenas de crimes a propósito dos incêndios de 2017. Ao perguntarem-lhe o que pensa desse processo judicial, opinou que se forem condenados, será a maior injustiça cometida contra os servidores de Portugal.
Sendo certo que é difícil e sobranceiro querer culpar pessoas encarregadas da prevenção e do combate em casos de incêndios (Como é que se conseguem provas, a não ser em caso de falência do sistema de comunicação de emergência? Será justo penalizar erros de comando no terreno?) e sendo abstruso que uma das partes acuse uma personalidade quando o Ministério Público não vê conteúdo para acusação, detenho-me, antes, nos conceitos de servidor de Portugal e de servidor público.
Do meu ponto de vista, servidores de Portugal somos praticamente todos ou quase todos: os que estão ao leme da condução dos destinos do país (deputados, membros do Governo, Conselheiros de Estado, Presidente da República), magistrados, polícias, forças armadas, os dirigentes e trabalhadores da administração pública, os gestores e trabalhadores das empresas públicas e das participadas por capitais públicos, mas também os agentes económicos, sociais e culturais e do áudio visual e seus trabalhadores e os prestadores de serviços. Entre estes. sobressaem os funcionários públicos, que alguns políticos não querem ser e talvez não sejam. Lembro-me do então Primeiro-Ministro Passos Coelho dizer que não era funcionário público. Num sentido estrito, funcionários públicos são apenas os trabalhadores da administração pública, ou seja, quem tem um vínculo laboral, definitivo ou precário com o Estado. Porém, para os necessários efeitos, o conceito deveria ser mais abrangente, já que há servidores que gozam da dupla condição de trabalhadores e de pessoas do leme. É o caso dos juízes, que são trabalhadores do Estado e titulares dum órgão de soberania; e os magistrados do Ministério Público e polícias, que são trabalhadores e cooperadores com órgãos de soberania. São também servidores públicos como os demais trabalhadores da administração pública, onde se incluem, a tempo inteiro ou parcial, professores, médicos, enfermeiros, funcionários da segurança social e como equiparados os elementos das forças armadas e os funcionários das autarquias. Depois, o leque dos servidores públicos é mais abrangente: são servidores públicos os chamados a definir e/ou executar ou gerir políticas públicas por eleição direta (Presidente da República e deputados) ou indireta (o Governo, os conselhos e os titulares cujos membros são designados/eleitos pelo Parlamento, pelo Presidente ou pelo Governo, e os gestores públicos) do povo eleitor. E temos ainda as associações e sociedades de utilidade pública administrativa e as sociedades de utilidade pública desportiva. Assim, todos os funcionários públicos são servidores públicos, mas o inverso não se verifica, como todos os servidores públicos são servidores de Portugal, mas nem todos estes são servidores públicos.   
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Voltando à ADSE, é de recordar que a Assistência na Doença dos Servidores Civis do Estado (sublinho) foi criada em 1963, antes de surgir o SNS (Sistema Nacional de Saúde), para “colmatar a situação desfavorável em que se encontravam os funcionários públicos em relação aos trabalhadores das empresas privadas”. E, em 1979, com a criação do SNS, o Estado optou por manter a ADSE, apesar de muitos considerarem que não faz sentido e desejarem a sua extinção.
Funciona como uma espécie (sublinho) de seguro de saúde, mas numa perspetiva solidária e sem que haja distinção entre os beneficiários, e tem convenções com uma rede de hospitais e prestadores de cuidados de saúde privados a que os beneficiários podem recorrer a um custo relativamente baixo (regime convencionado). Os beneficiários podem ainda escolher médicos ou prestadores fora da rede e, depois, a ADSE comparticipa as despesas (regime livre). Porém, como qualquer cidadão, os beneficiários da ADSE podem também recorrer aos hospitais públicos.
A ADSE destina-se aos funcionários públicos no ativo, aos aposentados do Estado e, em alguns casos, abrange também os familiares. Em 2017, tinha mais de 1,2 milhões de beneficiários, dos quais 800 mil eram funcionários públicos e aposentados e os restantes familiares. O seu número tem vindo a diminuir por várias razões: o congelamento das entradas na administração pública, o recurso ao contrato individual de trabalho e a “limpeza” dos ficheiros ao retirar a categoria de beneficiários a cônjuges por receberem pensões, ainda que muito baixas, da Segurança Social.
O sistema, neste momento, é financiado exclusivamente pelos beneficiários (funcionários públicos no ativo e aposentados) que todos os meses descontam 3,5% do salário ou da pensão para terem acesso ao sistema. Mas, quando foi criada, a ADSE era alimentada exclusivamente pelo Orçamento do Estado e só em 1979 foi instituído o desconto dos beneficiários (que começou por ser de 0,5%). Com o passar do tempo, os beneficiários foram chamados a contribuir com uma percentagem cada vez mais elevada e o Estado, através das entidades empregadoras públicas, continuava a ter um papel importante no financiamento do sistema. Em 2015, as entidades empregadoras deixaram de contribuir para a ADSE e o subsistema passou a ser alimentado apenas pelo desconto dos beneficiários. Até 2005, os funcionários eram automaticamente inscritos na ADSE no momento da admissão. De 2006 em diante, com o encerramento da CGD (Caixa Geral de Aposentações) a novos subscritores, a inscrição passou a ser opcional. Desde 2011, os titulares da ADSE podem abandonar o sistema, o que se torna difícil para os funcionários e aposentados mais antigos, até porque essa renúncia é irreversível.
A ADSE tem vindo a acumular saldos positivos, mas está numa encruzilhada, pois o ritmo de crescimento da despesa com cuidados de saúde é maior do que o ritmo de crescimento das receitas. Ora, esta situação torna mais premente a tomada de decisões quanto ao controlo das despesas e à entrada de novos beneficiários, que permitam rejuvenescer a pirâmide etária do sistema (metade dos beneficiários têm mais de 50 anos). E a ADSE reconhece que os custos com os cuidados de saúde têm vindo a acelerar e a intenção, expressa no Plano Plurianual 2018-2020, é a adoção de medidas no curto prazo levem ao “crescimento dos custos para um patamar de 2% a alcançar em 2020”, bem como o alargamento da ADSE a novos beneficiários, como os trabalhadores com contrato individual dos hospitais EPE, os beneficiários que anularam a inscrição e os que não se inscreveram no prazo estabelecido e talvez os militares e polícias (acoplando os seus subsistemas) – (alargamento do conceito de funcionário civil, mas sempre com enquadramento público). Fora disto, só com mudança estatutária, que não sei se é plausível.
2019.06.21 – Louro de Carvalho

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