O CDS acaba
de inscrever no seu programa eleitoral o alargamento da ADSE a todos os
trabalhadores, sejam funcionários do Estado sejam do setor privado, e igualdade
prerrogativas em sede de IRS, para efeitos de tratamento fiscal, para os vários
seguros de saúde.
É a terceira
medida que os centristas inscrevem no seu programa, que vão elaborando à razão
de uma medida por semana, de acordo com o plano gizado para dar a volta ao mau
resultado que o partido teve nas urnas a 26 de maio, tendo cabido a Adolfo Mesquita
Nunes o pontapé de saída.
Ora, esse
plano tem como orientação fundamental a recentração no essencial, apresentando
propostas concretas que digam respeito aos problemas concretos dos portugueses
concretos e deixando cair o acessório. Nestes termos, à defesa da participação
dos privados no acesso ao sistema de Saúde, concretamente no acesso às primeiras
consultas de especialidade, e à da proibição de penhoras do fisco
desproporcionais e enquanto decorrem os prazos legais para reclamação, o CDS adiciona
o alargamento do que denomina de seguro de saúde do Estado (a ADSE) a todos os portugueses, independentemente de serem
trabalhadores da administração pública ou não. E da letra da proposta centrista
consta:
“Propomos o alargamento da ADSE para todos, reconhecendo o seu papel complementar ao
SNS e a sua mais-valia, que deve estar disponível independentemente
de se ter ou não um vínculo laboral ao Estado”.
E, além de
propor que qualquer português, seja ou não funcionário público, por opção possa
aceder ao seguro de saúde do Estado, o CDS pretende que a dedução à coleta em
sede de IRS seja feita de igual forma, quer na ADSE, quer nos demais seguros
privados de saúde.
A
ideia-força que está por trás da medida é não haver tratamento preferencial ou
discriminação. O discurso centrista confessa “acreditar num país em que os
funcionários públicos e os trabalhadores do setor privado não vivem em sistemas
distintos”, sendo que o atual Governo “desconfia da iniciativa privada”, pelo
que agravou as “distinções” que foram, ao longo dos anos, conduzindo à existência
de dois sistemas num só país: “o sistema dos trabalhadores do Estado e o
sistema dos trabalhadores do privado”.
***
Ora, o atual
Governo só mantém o status quo. Não obstante,
foi sob a sua égide que a ADSE se reestruturou, pois o anterior Governo
dispensou – com troika ou sem troika – a contribuição pública para o subsistema
deixando-o financeiramente entregue e si próprio, mas não sem antes ter
aumentado a contribuição dos trabalhadores e vir, depois, dizer que o
subsistema podia diminuí-las se quisesse. Parece o caso dos salvadores a retirar
a disponibilidade de utilização de barcos salva-vidas a náufragos depois de os
terem reforçado com os coletes de salvamento e a dizer-lhes que podem deita
fora alguns!
Do meu ponto
de vista, os centristas têm razão numa coisa, em termos da não discriminação,
independentemente da bondade, ou não, da medida que propõem: a igualdade de
tratamento em sede de IRS para a ADSE e para os seguros de saúde, levando a que
todas as contribuições e despesas de saúde sejam dedutíveis à coleta. Mas, para
tanto, basta alterar do Código do IRS.
Já não há
discriminação na acessibilidade, ou não, à ADSE que, ao invés do que dizem, não
é um seguro do Estado, porquanto, como reconhecem, ela é paga exclusivamente através
de descontos mensais dos trabalhadores públicos, dos aposentados/reformados da
administração pública e, nalguns casos, dos seus familiares. E, do meu ponto de
vista, é mau, porque o Estado, enquanto empregador público, na linha da sua
preocupação social, deveria continuar a comparticipar no apoio à saúde dos seus
trabalhadores, dando o exemplo aos empregadores privados e sociais para que
também eles, no quadro da função social da propriedade e da empresa,
comparticipassem nas despesas de saúde dos seus trabalhadores.
Sabe o CDS –
e di-lo de forma crítica – que “os funcionários públicos são livres de adquirir
um qualquer seguro privado, para lá do direito de acesso ao SNS”. Era o que
faltava os trabalhadores públicos não terem acesso ao SNS, enquanto bem
público, pago pelos impostos de todos e necessariamente disponíveis para todos,
ou não terem a liberdade de acederem a seguros privados, no âmbito da liberdade
de escolha que o partido defende com unhas e dentes.
Só
compreendo o acesso de todos os trabalhadores à ADSE se o estatuto do
subsistema passar a ser um seguro do Estado, em que, a par das contribuições
dos trabalhadores, o Estado e as entidades patronais privadas contribuam para o
funcionamento do subsistema. De resto, a ficar a ADSE com o estatuto que tem,
crie-se uma organização securitária de saúde sob a tutela da Concertação Social
e gerida em exclusivo pelos representantes dos trabalhadores do setor privado e
social. Só na primeira hipótese é que terá lugar a constituição de uma comissão
técnica para estudar as novas condições de acesso e, depois, uma negociação em
sede de concertação social. A predita alteração ao código do IRS pode ser
promovida desde já.
É certo
que o regime aplicável aos trabalhadores da administração pública deve ser
distinto do aplicável ao setor privado naquilo que for específico da atividade
da Administração Pública, como dizem os centristas, mas também naquilo que
represente um esforço financeiro ou de oportunidade acrescido. Recordo que, a
este respeito, a ADSE tem condições mais gravosas que qualquer seguradora,
porquanto a quotização do beneficiário – o prémio de seguro – não decorre
apenas dos valores das coberturas, mas, dependendo delas por força das tabelas,
depende do vencimento ou pensão que o trabalhador percebe: 3,5% do rendimento
bruto, o que se torna demasiado pesado para muitos trabalhadores. Recordo
também que a maior parte dos trabalhadores do setor público descontavam
automaticamente para a ADSE, sendo que, em fase avançada da idade e tempo de
serviço, apesar de poderem sair do subsistema, sentem-se presos a ele, pois
dificilmente encontram uma seguradora que os acolha. É coisa parecida com o que
sucede com a CGD e outros bancos que têm os clientes presos pelo crédito à
habitação e, ao aumentarem os custos das comissões e cartões, cinicamente lhes
dizem que, se não concordarem com as medidas, podem denunciar o contrato. E
como é que vão conseguir novo contrato de financiamento nas mesmas condições?
Ora, considero que um partido, quando faz o seu programa eleitoral, apesar de
querer votos, é pessoa de bem, tal como a banca o deveria ser!
E, a
talho de foice, devo dizer que, sem discutir se uma Lei de Bases da Saúde deve
ou não incorporar no sistema de saúde os prestadores privados em regime
supletivo ou, mesmo em paridade ou em parceria, sou contra a gestão privada dos
serviços públicos, tal como sou contra a gestão pública de serviços privados ou
do setor social. Não é uma questão de ideologia, mas de curialidade, como se
dizia quando andava a estudar. Um serviço público deve ser administrado,
dirigido e gerido por personalidades públicas, que devem assumir integralmente
todas as responsabilidades decorrentes do exercício do cargo, tal como os
serviços privados devem ser integralmente geridos por privados, que devem
assumir integralmente todas as responsabilidades idênticas – sendo que, além do
controlo interno, todos responderão, se for caso, nos tribunais.
***
Dá-me a
impressão de que se degrada, em nome do igualitarismo, o estatuto do servidor público.
E, se a pretensa equipolência servisse para dignificar o trabalho e os
trabalhadores, ainda era plausível, mas suspeito que seja para nivelar por
baixo. Aliás o ataque aos trabalhadores da administração pública já ganhou
barbas, se bem que alguns também se põem a jeito, o que dá como resultado que pagam
os justos pelos pecadores. Também é certo que alguns empregadores públicos, que
gerem como se fosse deles o dinheiro dos contribuintes, pagam aos sues
trabalhadores a diferença entre o valor da despesa em saúde e a comparticipação
da ADSE. Depois, somos todos iguais, não?!
E a propósito
de servidor público, reparei no que disse o Presidente da Câmara Municipal de Pedrógão
reagindo à notícia de que iria a julgamento integrado no rol de 10 arguidos que
respondem por umas centenas de crimes a propósito dos incêndios de 2017. Ao perguntarem-lhe
o que pensa desse processo judicial, opinou que se forem condenados, será a
maior injustiça cometida contra os servidores de Portugal.
Sendo certo
que é difícil e sobranceiro querer culpar pessoas encarregadas da prevenção e
do combate em casos de incêndios (Como é que se conseguem
provas, a não ser em caso de falência do sistema de comunicação de emergência? Será
justo penalizar erros de comando no terreno?) e sendo abstruso que uma das partes acuse uma personalidade
quando o Ministério Público não vê conteúdo para acusação, detenho-me, antes,
nos conceitos de servidor de Portugal e de servidor público.
Do meu
ponto de vista, servidores de Portugal somos praticamente todos ou quase todos:
os que estão ao leme da condução dos destinos do país (deputados,
membros do Governo, Conselheiros de Estado, Presidente da República), magistrados, polícias, forças armadas,
os dirigentes e trabalhadores da administração pública, os gestores e trabalhadores
das empresas públicas e das participadas por capitais públicos, mas também os
agentes económicos, sociais e culturais e do áudio visual e seus trabalhadores
e os prestadores de serviços. Entre estes. sobressaem os funcionários públicos,
que alguns políticos não querem ser e talvez não sejam. Lembro-me do então Primeiro-Ministro
Passos Coelho dizer que não era funcionário público. Num sentido estrito, funcionários
públicos são apenas os trabalhadores da administração pública, ou seja, quem
tem um vínculo laboral, definitivo ou precário com o Estado. Porém, para os necessários
efeitos, o conceito deveria ser mais abrangente, já que há servidores que gozam
da dupla condição de trabalhadores e de pessoas do leme. É o caso dos juízes,
que são trabalhadores do Estado e titulares dum órgão de soberania; e os magistrados
do Ministério Público e polícias, que são trabalhadores e cooperadores com órgãos
de soberania. São também servidores públicos como os demais trabalhadores da administração
pública, onde se incluem, a tempo inteiro ou parcial, professores, médicos, enfermeiros,
funcionários da segurança social e como equiparados os elementos das forças
armadas e os funcionários das autarquias. Depois, o leque dos servidores
públicos é mais abrangente: são servidores públicos os chamados a definir e/ou
executar ou gerir políticas públicas por eleição direta (Presidente
da República e deputados)
ou indireta (o Governo, os conselhos e os titulares cujos membros
são designados/eleitos pelo Parlamento, pelo Presidente ou pelo Governo, e os gestores
públicos) do povo
eleitor. E temos ainda as associações e sociedades de utilidade pública administrativa
e as sociedades de utilidade pública desportiva. Assim, todos os funcionários
públicos são servidores públicos, mas o inverso não se verifica, como todos os
servidores públicos são servidores de Portugal, mas nem todos estes são servidores
públicos.
***
Voltando
à ADSE, é de recordar que a Assistência na Doença dos Servidores Civis
do Estado (sublinho)
foi criada em 1963, antes de surgir o SNS (Sistema Nacional de
Saúde), para
“colmatar a situação desfavorável em que se encontravam os funcionários
públicos em relação aos trabalhadores das empresas privadas”. E, em 1979, com a
criação do SNS, o Estado optou por manter a ADSE, apesar de muitos considerarem
que não faz sentido e desejarem a sua extinção.
Funciona
como uma espécie (sublinho) de seguro de saúde, mas numa perspetiva
solidária e sem que haja distinção entre os beneficiários, e tem convenções com
uma rede de hospitais e prestadores de cuidados de saúde privados a que os
beneficiários podem recorrer a um custo relativamente baixo (regime convencionado). Os beneficiários podem ainda
escolher médicos ou prestadores fora da rede e, depois, a ADSE comparticipa as
despesas (regime livre). Porém, como qualquer cidadão, os
beneficiários da ADSE podem também recorrer aos hospitais públicos.
A ADSE
destina-se aos funcionários públicos no ativo, aos aposentados do Estado e, em
alguns casos, abrange também os familiares. Em 2017, tinha mais de 1,2 milhões
de beneficiários, dos quais 800 mil eram funcionários públicos e aposentados e
os restantes familiares. O seu número tem vindo a diminuir por várias razões: o
congelamento das entradas na administração pública, o recurso ao contrato
individual de trabalho e a “limpeza” dos ficheiros ao retirar a categoria de
beneficiários a cônjuges por receberem pensões, ainda que muito baixas, da
Segurança Social.
O sistema, neste momento, é
financiado exclusivamente pelos beneficiários (funcionários públicos no ativo e
aposentados) que todos os meses descontam 3,5% do salário ou da pensão para terem
acesso ao sistema. Mas, quando foi criada, a ADSE era alimentada exclusivamente
pelo Orçamento do Estado e só em 1979 foi instituído o desconto dos
beneficiários (que começou por ser de 0,5%). Com o passar do tempo, os
beneficiários foram chamados a contribuir com uma percentagem cada vez mais
elevada e o Estado, através das entidades empregadoras públicas, continuava a
ter um papel importante no financiamento do sistema. Em 2015, as entidades
empregadoras deixaram de contribuir para a ADSE e o subsistema passou a ser
alimentado apenas pelo desconto dos beneficiários. Até 2005, os funcionários eram
automaticamente inscritos na ADSE no momento da admissão. De 2006 em diante,
com o encerramento da CGD (Caixa Geral de Aposentações) a novos
subscritores, a inscrição passou a ser opcional. Desde 2011, os titulares da
ADSE podem abandonar o sistema, o que se torna difícil para os funcionários e aposentados
mais antigos, até porque essa renúncia é irreversível.
A ADSE tem
vindo a acumular saldos positivos, mas está numa encruzilhada, pois o
ritmo de crescimento da despesa com cuidados de saúde é maior do que o ritmo de
crescimento das receitas. Ora, esta situação torna mais premente a tomada de
decisões quanto ao controlo das despesas e à entrada de novos beneficiários,
que permitam rejuvenescer a pirâmide etária do sistema (metade dos beneficiários têm mais de
50 anos). E a ADSE
reconhece que os custos com os cuidados de saúde têm vindo a acelerar e a
intenção, expressa no Plano Plurianual 2018-2020, é a adoção de medidas no curto
prazo levem ao “crescimento dos custos para um patamar de 2% a alcançar em
2020”, bem como o alargamento da ADSE a novos beneficiários, como os
trabalhadores com contrato individual dos hospitais EPE, os beneficiários que
anularam a inscrição e os que não se inscreveram no prazo estabelecido e talvez
os militares e polícias (acoplando
os seus subsistemas) – (alargamento do conceito de funcionário
civil, mas sempre com enquadramento público). Fora disto, só com mudança estatutária, que não sei se é plausível.
2019.06.21 – Louro de
Carvalho
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