Habitualmente os órgãos de comunicação social e os
editores expõem nas pantalhas da praça os seus objetivos, produtos e
estratégias, pagando muitas vezes a publicidade em órgãos de comunicação social
e nas redes sociais, e assim logram atrair o público leitor. Porém, uma editora
católica não se limita a esta postura editorial e, na linha evangélica do “Ide e anunciai…” (Mt 29,19), coloca-se em saída, à procura de público – uma
dinâmica assumida pelo Padre José Carlos Nunes, diretor-geral da Paulus, uma das principais editoras
católicas, como declarou à Ecclesia e
à Renascença em entrevista postada hoje,
dia 7 de junho, no site da Ecclesia, “tendo como pano de fundo a Feira do Livro de Lisboa, que está a decorrer
até 16 de junho. E o entrevistado fala sobre livros, dificuldades da edição,
desafios, apostas de quem trabalha na área, na linha do carisma que enforma a
Congregação a que pertence.
***
Começa
por relevar como fundamental a participação numa Feira do Livro por parte duma
editora que está ao serviço do Evangelho e da cultura cristã, pois cada vez
mais esta feira se torna “um
evento cultural, ligado aos livros, do maior relevo”. Não se cingindo à “perspetiva
de vendas, comercial”, salienta “a perspetiva de presença” e de “imagem” ou
seja, mostrar que, “no meio da cultura portuguesa”, há “uma cultura religiosa”.
Por isso, a editora já participou, pelo menos, em 65 edições desta feira, no
conjunto das suas 89 edições. E, reconhecendo que é relevante a editora, “em termos de
exposição pública, dar-se a conhecer a mais gente”, explicita:
“A nossa presença é uma presença no meio da
cultura, no meio da cidade, no meio de tantas outras editoras e no meio de
tantos outros temas. É bom que esteja presente a temática religiosa, e não só,
porque a Paulus Editora tem vindo
cada vez mais a apostar numa outra linha editorial, que tem a ver com o
diálogo, com os não-crentes, sobretudo um diálogo de uma espiritualidade um
pouco mais alargada.”.
Reforça a justificação do facto de, ao longo do
ano, a editora promover vários lançamentos e apresentações de livros, iniciativas
próprias do mundo editorial, com a matriz fundacional da Sociedade de São
Paulo, a que pertence e de que já foi Provincial:
“Nós nascemos precisamente desta intuição do
nosso fundador, isto é, devemos combater o mal, usando as mesmas armas, mas
para o bem. Combater, obviamente, em sentido figurado, no sentido de que se a
mensagem é boa, todos os meios utilizados devem ser excelentes, para poder
ajudar a veicular esta mesma mensagem, que é uma mensagem de salvação, que traz
felicidade às pessoas, que ajuda as pessoas a encontrar a sua realização, na
própria vida. Neste sentido, procuramos adequar-nos aos vários públicos, a
partir da necessidade de os conhecer.”.
Admite que haja preconceito “da parte de outras editoras
em relação às editoras assumidamente católicas”, já que, por vezes, as
associam “a um tipo de literatura mais devocional, a um nicho de mercado, coisas
mais ligadas à Igreja, que não lhes interessam”. Ora, este preconceito tem sido
contrariado “através de coleções novas, de novas apostas, não só numa
perspetiva de conteúdos, mas também numa perspetiva de divulgação”. Assim, nos
últimos anos, a aposta tem sido “em não publicar apenas as obras, mas associar
eventos a essas obras”, tendo tido um crescimento muito grande” o “departamento
de feiras e eventos” no atinente à participação noutras feiras e em eventos
associados ao próprio livro. E justifica:
“Hoje não basta editar um livro, colocá-lo
numa prateleira ou em exposição numa livraria. Não é suficiente, porque saem
tantos livros por dia, tantos livros por mês, por ano, que não há público para
ler todos estes livros. Então, sentimos necessidade de criar eventos à volta
das obras: workshops, conferências,
debates de ideias, diálogos com o autor, com os mais variados meios.”.
Questionado se, em plena crise do livro, editoras
católicas (Paulus, Principia,
Lucerna, Apostolado da Oração) têm um ritmo de edições considerável por haver público para temas da
fé, considera:
“Esse é o nosso desafio, procurar o público,
porque ele existe. Cada vez mais, o público não vem até nós, nós é que temos de
ir ao seu encontro. Esta é a nossa estratégia principal, aliás, passa pela
nossa forma pastoral de estar e de existir, na Igreja e na sociedade: não
ficamos à espera que venham ao nosso encontro, apesar de termos livrarias
próprias. (…) Vamos ter com o público, com as mais variadas linguagens, os mais
variados meios, que ajudam nesta ótica pastoral.”.
Acentuando que há público para os mais variados
livros, mesmo para os ligados à espiritualidade, sublinha que “a
espiritualidade não se restringe a uma proposta de vida de fé”, mas “tem um sentido mais alargado, tem a ver
também com o bem-estar, a forma de nos relacionarmos com os outros e com Deus”;
e, num sentido lato, abrange “toda a
existência humana, com toda a experiência humana enquanto tal”.
Julga fundamental que as editoras católicas “promovam e alarguem o debate,
a reflexão teológica” no país, se “queremos uma Igreja cada vez mais
consciente da sua identidade, que mude a realidade à sua volta para melhor –
porque, para pior, é a coisa mais fácil –, a qualidade da nossa fé ajuda à
qualidade da nossa vida”. E observa que “a
qualidade da nossa vida depende da qualidade da nossa fé, porque uma coisa e a
outra estão interligadas”, pelo que as propostas de leitura que a Paulus faz “são propostas alargadas,
tendo em conta vários públicos”.
Considerando
que as publicações da Paulus abrangem temas muito variados, “dos textos
mais eruditos, investigações, até autores de literatura infantil…”, os
entrevistadores perguntam se a editora privilegia os temas relacionados com a
fé e a religião, ou se procura diversificar as áreas e os autores, ao que o
entrevistado responde, primeiro laconicamente, “uma coisa e
outras”, mas depois, evocando uma imagem
paulina, expande-se:
“Há uma imagem muito bela de São
Paulo, nas suas cartas, que nos acompanha muito nos nossos projetos editoriais:
a certo momento, diz ‘Não vos dei outro alimento mais sólido, porque vós sois
ainda crianças e tive de dar-vos leite materno’. Portanto, nós procuramos dar
leite materno para aqueles que são mais jovens na fé e procuramos dar alimento
mais sólido aos que são mais adultos e conseguem digerir outro tipo de
alimento.”.
Ou seja, a Paulus
vai “ao encontro das diversas necessidades que cada um tem, para poder crescer
na fé”, porque acredita “numa fé madura”, mas que “tem de ser cultivada, dia
após dia, tem de ser alimentada, tem de ser cuidada”. Na verdade, a partir do
Jubileu da Misericórdia, tendo o Papa insistido muito nas Obras de Misericórdia
Espirituais, a editora percebeu que o seu caminho passa muito por aí: “ajudar os ignorantes a conhecer melhor as
realidades da fé e da vida humana; corrigir os que erram” – o que passa a
configurar a sua missão editorial.
Entende
que a perspetiva católica sobre o ser humano, o mundo, a vida, tem chegado a um
público não-católico e exemplifica com “a coleção ‘Na primeira pessoa’, que tem sido um teste muito interessante”, na linha
editorial, a pretender “dar voz a
personalidades públicas e, através da sua vida, a um conjunto de valores que
podem servir de estímulo aos outros”.
E, rejeitando que o livro ‘O presidente dos afetos’, integrado nessa coleção, “a propósito dos
70 anos do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa”, tenha sido “um piscar de
olhos à área política”, como insinuavam os entrevistadores, assegura:
“Foi sobretudo uma leitura, a partir da solidariedade,
da sensibilidade do Presidente da República para com os mais desfavorecidos. O
objetivo era ajudar a perceber como, efetivamente, a política também é feita de
afetos, mas não são os afetos que fazem a política, enquanto tal; é algo que já
existia, antes, e foi isso que se pretendeu com essa obra.”.
Interessava “perceber se o Presidente sempre foi
assim, afetuoso, ou se isso só aconteceu depois de entrar na política”. Por
isso, a jornalista investigou e concluiu que sempre foi afetuoso, sendo que o
afeto como caraterística humana e religiosa está presente na vida de Marcelo.
Destaca, a seguir, o livro da Aura Miguel, ‘Aura Miguel – Convida’, “a partir de um
programa na Rádio Renascença, com
personalidades tão diferentes”, mas todas com um cunho tão humano, uma mensagem
humana, com valores que nos unem, pois os Dez Mandamentos estão inscritos no
coração humano, não são só questão moral, são questão ética, da sociedade.
***
Todavia,
a editora pauta-se pelos parâmetros do profissionalismo, de modo que “as obras
são projetadas com uma noção da procura que podem ter”. E o diretor-geral explana:
“Temos análises de mercado, a partir de
outras empresas, e também fazemos as nossas próprias análises, partindo do
nosso público: quem frequenta as nossas livrarias, quem são os assinantes das
nossas revistas e, ao mesmo tempo, os nossos parceiros na divulgação das obras.
Aliás, a parte comercial é um fator muito importante, na Paulus Editora: não falamos apenas de conteúdos, mas também de
parcerias, com livrarias generalistas.”.
E frisa que, apesar de as livrarias terem hoje um
espaço limitado “os livros da Paulus
encontram-se em qualquer livraria” (sem que a editora pague por isso), o que significa o reconhecimento da qualidade e interesse
para o próprio público, visto que “livros que não se vendem não têm espaço nas
livrarias”; e os da Paulus “até chegam ao Top10, pela qualidade do conteúdo e,
sobretudo, pelo interesse do público, enquanto tal”.
Sobre
a grande procura de livros de autoajuda, a sede de espiritualidade e a confusão
da meditação crista com autoajuda, o Padre José
Carlos Nunes responde ironicamente e a sério:
“As pessoas deixaram de se confessar e
passaram a ir ao psicólogo. (…) É claro que um não substitui o outro, a
interdisciplinaridade nestas áreas é fundamental. (…) Está cada vez mais na
moda a questão do yoga, do reiki, todas estas filosofias orientais. (…) Questionam-nos
(…) para saber se isto não está em contradição com a fé cristã, se é legítimo (…).
Já temos tudo isso, na fé cristã: há a meditação, a lectio divina, música gregoriana que ajuda a acalmar o espírito, um
exame de consciência que a Igreja recomenda, a frequência dos sacramentos,
sobretudo da Reconciliação… Há outros fatores, na sociedade, que muitas vezes
acabam por tomar a dianteira, porque aparecem mais vezes, suscitando um maior
desejo na vida das pessoas.”.
Em
relação ao YOUCAT, sobretudo no atinente ao catecismo para os jovens, discorre:
“Esta coleção foi publicada por nós, em
Portugal, precisamente para preencher uma lacuna, que existia a nível
editorial, no espaço juvenil. Havia muita literatura devocional, havia alguma
literatura teológica, mas para os jovens havia muito pouco. Por isso, apostamos
muito nesta coleção, precisamente para responder a desafios pastorais. A
experiência que temos tido é muitíssimo boa, prova disso são as várias
reedições que temos feito de qualquer um destes volumes, aliás, o último saiu
precisamente neste mês, o YOUCAT para
crianças e para pais.”.
Diz que o YOUCAT
para crianças e para pais é para um público mais infantil, para “ajudar as
crianças a preparar a sua Primeira Comunhão, mas também os pais”, porque “eles
precisam, cada vez mais, de uma catequese familiar, como muitas dioceses e paróquias
vão oferecendo”.
Quanto à reação dos jovens, refere que estes
consideram o YOUCAT “um dom de Deus
para eles”, pois “não o trabalham só na catequese, como um complemento aos
catecismos que existem”, havendo “grupos de jovens, grupos de oração, que pegam
muitas vezes na coleção YOUCAT para abordar os mais variados temas”, já que “não
trata só do Catecismo, há um volume sobre a Doutrina Social da Igreja, com
temas fundamentais dos dias de hoje e que muitas vezes não se abordam na
catequese: o dinheiro, a política, a ecologia, a moral sexual”. Com efeito, “os
jovens, à medida que vão tendo um amadurecimento e se vão interrogando sobre
eles próprios, sobre o mundo, sobre a relação com Deus, precisam de conteúdos”;
e aqui “encontram, numa linguagem mais juvenil, os conteúdos dos magistérios da
Igreja”.
Relativamente
ao contributo desta coleção para as JMJ e na perspetiva da Jornada Mundial de
Lisboa, vinca o facto de “todos os
últimos volumes”, virem prefaciados pelo Papa (agora, Francisco e, antes, Bento XVI), o que leva a dizer que o sucessor de Pedro
considera válido o “projeto”. Anota que, “nas últimas Jornadas Mundiais da
Juventude, o Papa tem oferecido estes volumes, gratuitamente, através da
Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, a nível internacional, como um subsídio
pastoral”, para os jovens, regressados às suas casas, “depois de uma
experiência de fé vivida e celebrada”, não perderem “as indicações que
receberam nessas Jornadas” e poderem, depois, “aprofundar essa mesma fé,
individualmente ou em grupo”. E diz que a YOUCAT, que passou de editora a fundação
com estrutura própria, “tem dito que, depois da JMJ, os jovens não deitam o
livro fora”, mas, chegados aos seus países, “contactam a fundação, através da
internet, a solicitar mais material de apoio, até mesmo perguntando quando é
que o livro é publicado em determinada língua”.
Quanto
à Paulus Editora – ligada à Sociedade de São Paulo, congregação
religiosa de vida apostólica fundada pelo beato Tiago Alberione, em Itália, em
1914, e que celebra já 75 anos de presença em Portugal – sublinha que tem a
vocação de comunicar, evangelizar através da comunicação, com publicações periódicas,
uma rede de livrarias e “um programa de
rádio semanal, ‘O Caminho de Emaús’,
que é distribuído, regra geral, à disposição de rádios regionais e locais, um
pouco por todo o território nacional e não só”. E acrescenta:
“Temos uma presença nas redes sociais e,
recentemente, tivemos uma experiência televisiva com o programa ‘Livros com Fé’, na Angelus, que agora encerrou a emissão. Foi uma experiência
interessante, porque percebemos como tudo isto se vai complementando, naquela
que é a nossa missão.”.
Agora, a
Paulus é sobretudo uma “editora multimédia”, pois, o caminho
passa inevitavelmente pelo digital, pelas novas tecnologias, sendo por aí que a
sociedade caminha cada vez mais, de modo que, “a nossa vida, sem
tecnologia, torna-se muito mais complicada”.
Em
resposta à questão se a aposta no digital “vai, de alguma forma, tirar espaço à
edição em papel”, responde com toda a clareza:
“Vai, com certeza. Aliás, nós já notamos
isso, até mesmo pelas nossas revistas, com exceção da Liturgia Diária. As
revistas de conteúdos, como a Família Cristã ou a Síntese, de informação paga,
vão tendo um decréscimo de leitores e de assinantes, também. Portanto, nós percebemos
essa tendência, porque muitas coisas concorrem com o papel, hoje em dia. Daí a
necessidade de se começar a fazer uma transição para o digital: a Família
Cristã já tem uma edição digital, há poucos meses, que se vai aperfeiçoando,
além de potenciarmos o próprio site.”.
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O
Padre José Carlos Nunes, que já foi provincial
da Sociedade de São Paulo, vai deixar de ser o responsável pela Paulus
Editora para se dedicar novamente aos estudos, desta vez na área do digital,
por indicação do superior geral, para fazer uma especialização, um
doutoramento na área da comunicação digital. Com efeito, a Congregação precisa
de pensar a sua missão, “não no futuro, mas no presente, já, imediato, na
comunicação digital”. E o ainda diretor-geral da Paulus, recordando que sempre lhe deu muito gosto trabalhar na área
da comunicação, assegura que vive “como paulista” sentindo que o ministério da
Congregação na Igreja “passa efetivamente pela comunicação”, pois “temos de conhecer a realidade humana para
podermos ter a mensagem divina adequada à compreensão e à vivência das pessoas,
nos dias de hoje, com os seus desafios”.
***
Embora esta entrevista, conduzida
por Ângela Roque (Renascença) e Octávio
Carmo (Ecclesia), seja um pouco dispersa, tenha o cunho marcadamente
pessoal do entrevistado e se prenda inevitavelmente com o profissionalismo e a
comercialização (que são coisas
boas se não se desvirtuarem), parece-me elucidativa sobre o modus faciendi cristão
e apostólico. O cristão, enquanto seguidor de Jesus está, como Ele, incarnado
no mundo, que tem de conhecer a fundo, sem se prender com ele, com as suas seduções,
caprichos, modas, efemeridades e vícios. E o cristão apóstolo só consegue transformar
o mundo amando-o segundo o desígnio do Pai e ao jeito do coração de Cristo, se
conhecer a realidade do mundo e utilizar os métodos do mundo sob a moção do Espírito,
na fidelidade ao Evangelho e no trabalho em prol do homem concreto.
Contudo,
será bom que a Paulus não abandone a versão em papel, que, graças à não conexão
com o imediatismo, proporciona melhor releitura e melhor reflexão e aprofundamento
interior.
2019.06.07 – Louro
de Carvalho
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