quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Sobre o enfoque da OCDE na justiça e na corrupção em Portugal


O PSD quer saber porque é que o Governo exigiu a exclusão de Álvaro Santos Pereira da apresentação do estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) sobre as perspetivas económicas para Portugal. Para tanto, através de requerimento entregue na Assembleia da República (AR) no dia 18, pediu a audição parlamentar do ex-governante a respeito do relatório da OCDE sobre Portugal, no atinente à reforma da justiça e à corrupção”.
O objeto do requerimento vai ser discutido e votado no dia 20, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (a 1.ª Comissão). Estão em causa, na ótica dos deputados socialdemocratas, notícias de que “o Governo exigiu a exclusão de Álvaro Santos Pereira, diretor do Departamento que coordena os relatórios sobre as economias dos países membros da OCDE”, da conferência de imprensa de apresentação do documento da OCDE sobre as perspetivas económicas para Portugal – o Economic Survey – “simplesmente porque este pôs como um dos dois temas centrais desse relatório a reforma da justiça e a corrupção”, embora a justificação dada para a sua ausência se tenha estribado em motivos de agenda.
O Grupo Parlamentar socialdemocrata sustenta que já era conhecido o desconforto do Governo em relação à matéria, sobretudo, no referente à corrupção (no início de janeiro, o Expresso apontava o destaque inédito dado à corrupção no relatório bienal da OCDE), mas que é inédita esta posição de força assumida pelo Governo. Ora, sendo a reforma da justiça e a temática da corrupção “dois temas nucleares”acompanhados no âmbito da 1.ª Comissão, “importa ouvir, de viva voz, o que tem a dizer sobre estas duas matérias” o ex-Ministro de Passos Coelho e atual diretor da OCDE Álvaro Santos Pereira, autor do referido relatório, para explicar as razões concretas que justificam o seu enfoque em duas áreas como a reforma da justiça e a corrupção.
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Foi só na fase de perguntas e respostas da predita conferência de imprensa que o tema da corrupção foi abordado. O secretário-geral da OCDE explicou o processo de elaboração dos relatórios e a ausência de Álvaro Santos Pereira, que Ángel Gurría afastou da conferência após a polémica sobre a corrupção.
Em resposta às questões dos jornalistas sobre o polémico capítulo que aborda a questão da corrupção e a ausência do economista responsável pelos relatórios na cerimónia de apresentação, Ángel Gurría aduziu:
A minha decisão de sugerir a Álvaro que não participasse nesta reunião foi porque não desejava que esta conferência fosse sobre Álvaro em de vez de ser sobre Portugal.
O secretário-geral da OCDE frisou que os seus relatórios têm muito trabalho preliminar e que este relatório apresentado hoje é o final. Alegando que aquele organismo internacional só deseja transmitir as “mensagens substantivas”, disse que, durante a elaboração do relatório, o diálogo com os países pretende dar uma resposta à questão se o país se vê ao espelho. E a partir daí surge o diálogo com as autoridades dos países.
Tendo a notícia do Expresso de que o Governo contestava o subcapítulo do relatório onde era abordada a corrupção colocado o ex-Ministro da Economia debaixo de fogo, o Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, sublinhou o facto de a polémica ter surgido no âmbito do relatório preliminar e Gurría disse que Santos Pereira “continua a trabalhar com os países” de “uma forma normal” e que o processo de elaboração dos relatórios “não é muito sexy”. Na verdade, o relatório final não refere casos específicos e, em matéria de combate, à corrupção adota recomendações para o Governo continuar o trabalho já feito. Em matéria de diagnóstico, porém, fala da ausência de indicadores que permitam medir a corrupção, questionando, por isso, a perceção sobre o fenómeno.
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Além de o Governo se ter sentido importunado em termos de dados que enformavam o relatório preliminar, outra razão acresce para tal importunação. Santos Pereira fazia dos ‘tweets’ o veículo da análise do estado do país e da respetiva receita, o que é lamentável.      
Em janeiro, o Expresso dava conta de que Santos Pereira queria dar prioridade ao tema da corrupção no outlook da OCDE sobre Portugal, o que desagradava ao governo. Com efeito, a OCDE estava a preparar o relatório bienal sobre Portugal, com destaque para a corrupção no âmbito da relação entre o sistema de justiça e a atividade económica, quase uma obsessão do economista, como se vê nas suas ‘intervenções’ no twitter.
O ECO fez uma recolha de ‘tweets’ de Santos Pereira, no ano de 2018, atinentes à corrupção e seus efeitos na economia, a nível internacional, mas sobretudo em Portugal, particularmente às investigações em relação às falências no setor bancário e à ausência de consequências judiciais.
O último ‘tweet’ do antigo Ministro foi uma resposta a um outro ‘tweet’, de 9 de dezembro de 2018, a propósito do Dia da Anticorrupção. Nesse dia, fez dois ‘tweets’ sobre o tema, tendo um livro da OCDE, com recomendações sobre integridade, servido de pretexto para puxar o tema da corrupção. Pelo Natal, sugeriu “duas excelentes prendas”: o livro da jornalista Helena Garrido sobre o financiamento na Caixa Geral de Depósitos; e o do jornalista Luís Rosa sobre o ‘saco-azul’ do Grupo Espírito Santo. E, a 4 de janeiro, dizia que é mais do que tempo para tomar medidas efetivas contra a corrupção.
No dia 16 de novembro, Santos Pereira anunciara no Twitter o tema do relatório que esteve a causar tensões com o Governo, revelando estar em Lisboa na preparação do próximo Economic Survey sobre Portugal, destacando o tema “A reforma do sistema de justiça e a corrupção”.
Em julho, com base numa publicação da OCDE trouxe para a discussão nesta rede social o tema das ajudas públicas aos bancos e associou estes apoios a fraudes financeiras questionando a inexistência de consequências (“Porque é que ainda ninguém foi preso?”). A 2 de julho, escreveu um ‘tweet’ sobre a banca e a corrupção; e, a 5, criticou os partidos em Portugal por continuarem a “assobiar” para o tema da corrupção e questionava-os sobre o porquê dessa atitude.
Apontando como causa da chegada do país à bancarrota e ao colapso dos bancos as políticas irresponsáveis, a corrupção e o compadrio entre a política e os privados, concluiu que o combate à corrupção devia ser a prioridade absoluta para os partidos.
Verificando que, entre 2007 e 2017, as ajudas públicas aos bancos totalizaram 24 mil milhões de euros e sabendo que, em parte, este esforço se deveu a fraudes financeiras, interrogava-se como é que podemos aceitar a impunidade vigente, porque ainda ninguém foi preso e quando é que alguém é responsabilizado. E atirava em termos de mera heterocrítica (Que é da autocrítica?):
Já passaram 4 anos desde que se desvendou a maior fraude financeira da nossa História. Quem foi preso? Quem foi responsabilizado? Também já passaram mais de 7 anos após o País (e grande parte dos nossos bancos) ter ido à bancarrota. Quem foi preso? Quem foi responsabilizado?
Mereceu uma referência de Santos Pereira no Twitter, em 2018, o jornalismo de investigação como instrumento-chave na luta contra a corrupção.
Entre parêntesis, recorde-se que ao Expresso, Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, admitia a existência de tensão entre e o Governo e a OCDE ao referir:
Se o relatório fosse transformado numa simples listagem de ideias feitas, perceções, estereótipos, seria muito errado e Portugal teria de protestar”.
Na verdade, Santos Pereira já estava a estereotipar o relatório por antecipação. A publicação do relatório estava prevista para fevereiro ou março e, por isso, já a tensão estava nos bastidores do palco que se abriu a 18 de fevereiro, chegando a montanha a parir um rato.
E o diretor do departamento de economia da OCDE continuava a twitterar e a dar indicações por via não oficial. Assim, a 16 de fevereiro, vaticinava:
Nesta segunda-feira, a OCDE vai lançar o novo relatório sobre Portugal. Principais temas: i) reformas para a sustentabilidade fiscal (segurança social, saúde); ii) exportações; iii) reforma da justiça e a luta anticorrupção. […] Continuar a reformar a Justiça é uma prioridade absoluta. […] As reformas recentes melhoraram o desempenho do sistema judicial, mas é crucial aumentar a eficiência da Justiça e diminuir o tempo de resolução dos processos. Uma Justiça ineficiente penaliza os cidadãos e a economia. […] A ineficiência do sistema judicial diminui a produtividade no setor empresarial. As reformas recentes reduziram o tempo necessário para a resolução dos processos no sistema judicial, que, todavia, continua a ser longo.”.
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E falta saber o que diz, afinal, o capítulo quase ‘censurado’ do relatório bienal da OCDE sobre a corrupção em Portugal, que aponta, sobre corrupção, recomendações razoáveis a Portugal, longe da polémica inicial, sendo uma delas a criação de tribunais especializados em corrupção.
O tópico da corrupção foi polémico, com um “braço de ferro” quase declarado entre Governo e Santos Pereira, que não esteve presente na apresentação deste documento. Mas o que o estudo conclui sobre o fenómeno da corrupção em Portugal não é nada de novo, tendo sido mais as vozes que as nozes.
O que terá desagradado ao Governo foram justamente as vozes não oficiais, mas envenenantes que o ex-Ministro do Governo Passisto-pauloportista foi lançando persistentemente sobre o tema da corrupção explorado, este ano, num capítulo do estudo dedicado à relação entre o sistema de justiça e a atividade económica e que, na altura, o Governo considerava forçado.
O relatório foi preparado pela equipa de Álvaro Santos Pereira, diretor do departamento de Economia da OCDE e ex-ministro da Economia no governo de Passos Coelho, que já tinha assumido antes na sua conta pessoal de Twitter posições críticas ao relacionar a corrupção, as políticas irresponsáveis e o compadrio com a ajuda externa e o resgate a bancos.
De acordo com o Expresso, houve pressão inicial por parte do Executivo junto da OCDE para o relatório não abordar o tema da corrupção, mas o Governo agora admite que a versão final do relatório seja agora globalmente positiva para Portugal.
Oficialmente a OCDE sempre deu a entender que não existiriam sinais de “discriminação negativa” no respeitante a Portugal, pois, havendo um capítulo dedicado ao sistema judicial, seria fulcral abordar o fenómeno da corrupção e referiu que o mesmo procedimento tinha sido adotado em relatórios de outros países.
No dia 18, na apresentação do relatório, o Governo esteve representado pelo Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e pelo Secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix. Do lado da OCDE, marcou presença Angel Gurria, secretário-geral da organização. Estava previsto que Santos Pereira comparecesse numa intervenção sobre o relatório hoje, dia 19, na Ordem dos Economistas, mas o ex-Ministro desmarcou a sua presença do evento a semana passada, alegando motivos de agenda, um possível indicador do ambiente tenso com o Governo.
O que o estudo acaba por apontar agora são algumas recomendações a Portugal no âmbito do combate à corrupção, nomeadamente aos meios do MP (Ministério Público) e à formação de magistrados deste órgão. Aliás, não há qualquer menção aos níveis de corrupção no país, admitindo até que a sua análise é difícil de obter, visto que “os indicadores que existem baseiam-se, sobretudo, em perceções”, argumento que tira força à posição do Governo de o relatório poder vir a ter “perceções” ou “estereótipos”. A este respeito pode ler-se no texto:
Várias medidas apontam diferentes níveis de perceção de corrupção. A corrupção deturpa a atividade económica, reduz a eficiência e reforça a desigualdade por favorecer os mais bem posicionados.”.
E, focando-se essencialmente na ação do MP e do papel da acusação o documento vinca:
Um fator importante de combate à corrupção passa por uma acusação mais efetiva. Há margem para continuar a fortalecer o mecanismo de acusação em Portugal.”.
O relatório menciona ainda um pacote de 88 medidas antes propostas por juízes, advogados e outros profissionais portugueses em janeiro de 2018, no âmbito do propalado pacto da justiça, com o qual parece concordar e de que se destaca o seguinte:
Entre as medidas que recomendam estão a criação de uma equipa técnica específica em todas as comarcas, com equipas de especialistas multidisciplinares, desenvolvimento da cooperação judicial internacional, e aumento da transparência nos processos de execução através da prova de titularidade das contas bancárias”.
Por fim, as conclusões do relatório convergem com medidas já previstas pelo Governo para reformar o sistema judicial, tendo a OCDE apontado várias recomendações, que passam por:
- Criar um Tribunal especializado em corrupção como opção que deve ser considerada, pois Tribunais desse género já existem em alguns países da OCDE, como a Eslováquia;
- Estabelecer um registo eletrónico da declaração de interesses para todos os membros do Governo e funcionários públicos, regularmente atualizados;
- Reforçar a capacidade do MP no tratamento dos crimes económico-financeiros, em especial ligados à corrupção, devendo o MP e a Polícia Judiciária ser dotados de recursos adequados para maior deteção de casos de corrupção, para que o seu combate seja eficiente logo de raiz;
- Organizar, para os procuradores a continuidade de formação especializada nesta área, que deve passar a ser obrigatória, dada a complexidade da natureza destes crimes económico-financeiros, em especial os ligados à corrupção.
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Em suma, pode o Governo ficar tranquilo, que nada de mal lhe acontecerá da parte da OCDE, mesmo que o ex-Ministro da Economia dum Governo marcadamente austeritário se esqueça das políticas em que participou, sem as denunciar a tempo, e das soluções à pastel de nata e de renúncia de títulos académicos e políticos que defendeu.
Da nossa parte, como cidadãos esperamos, sentados e estoicos, que a justiça acabe por, na sua lentidão e ineficácia, funcionar a preceito, quer absolva os arguidos e réus, quer os condene; quer faça justiça aos queixosos e autores, quer não a faça. O povo é sereno e esperançoso.
2019.02.19 – Louro de Carvalho

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