sábado, 16 de fevereiro de 2019

A liturgia é a epifania da comunhão eclesial


É uma feliz asserção do Papa Francisco na Assembleia Plenária da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos que decorreu, na Cúria Geral dos Jesuítas, de 12 a 15 de fevereiro, com o enfoque em “A formação litúrgica do Povo de Deus”.
Nestes dias, reuniram-se, para discutir o tema, os membros do Dicastério Vaticano encarregado da promoção e regulamentação da sagrada liturgia – 22 cardeais, 8 arcebispos e 11 bispos, além de consultores e funcionários –, provenientes dos 5 continentes (cerca 80 participantes).
No primeiro dia, imediatamente a seguir à saudação do prefeito, Cardeal Robert Sarah, e uma introdução geral do arcebispo secretário, Dom Arthur Roche, houve lugar a três conferências a cargo: de Dom Charles Morerod, Bispo de Lausanne, Genebra e Friburgo (Suíça), sobre “Teologia Litúrgica”; do Cardeal Ricardo Blázquez Pérez, arcebispo de Valladolid (Espanha), intitulada “A liturgia forma a Igreja particular”; e de Dom Dominic Jala, Arcebispo de Shillong (Índia), sobre “A formação académica e espiritual dos sacerdotes e dos seminaristas”.
Os dias 13 e 14 foram preenchidos pelos “Círculos Menores” (inglês, francês, espanhol e italiano) em três encontros em que os Padres, liderados por um moderador, refletiram sobre os temas discutidos no primeiro dia. Essas reflexões, recolhidas pelo secretário de cada grupo linguístico, foram apresentadas à Assembleia Plenária na manhã do dia 14.
No dia 14, após a Celebração Eucarística no Altar do Túmulo de São Pedro, sob a presidência do Cardeal Prefeito, todos os membros se dirigiram ao Palácio Apostólico, onde teve lugar a audiência com o Papa Francisco. No mesmo dia, os “Círculos Menores” discutiram as propostas apresentadas e, no período da tarde, a Assembleia Geral chegou a um consenso sobre algumas propostas finais.
O último dia foi marcado pela exposição e votação das propostas finais que serão apresentadas ao Santo Padre. A Assembleia Plenária terminou com o discurso final do Cardeal Prefeito.
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O evento contou com a participação de dois prelados de língua portuguesa, o Cardeal Dom Arlindo Gomes Furtado, de Cabo Verde, e o Bispo de Bragança-Miranda (Portugal), Dom José Manuel Cordeiro, que destacaram ao Vatican News alguns aspetos dos trabalhos destes dias, salientando o desejo do “melhor para a vida da Igreja, no aqui e agora da história”.
Dom Arlindo Gomes Furtado, que participou pela primeira vez numa Assembleia Plenária do dicastério, destacou a escolha do tema, “Formação Litúrgica do Povo de Deus”, como muito oportuna e a necessitar de “uma orientação que seja equilibrada e corresponda às necessidades atuais do povo de Deus”.
Salientou o facto de o Papa ter falado em não nos fixarmos num passado e em não nos projetarmos num futuro que não existe, mas em nos focarmos em acompanhar de facto “o que é essencial na Liturgia, que é ajudar as pessoas a viverem a sua fé, e não só de forma individual, mas sobretudo de forma comunitária”, já que “nós pertencemos a um povo”, pelo que “toda a nossa Igreja deve ser marcada pela nossa relação com Jesus Cristo e a nossa vida deve ser uma oferta permanente a Deus”. E, dando conta do resultado dos trabalhos, disse:
Houve três relatórios que apresentaram temas da reflexão, deram uma contribuição importante para ajudar na reflexão comum. E acho que foi muito positivo, sobretudo para nós que não somos especialistas em liturgia. Com a ajuda dos especialistas, aprofundámos algumas coisas, tomamos a consciência de outras a nível de Igreja, porque estavam representantes da Igreja de todas as partes do mundo, e naturalmente que houve um esforço grande para incentivar o aprofundamento e chegar a um equilíbrio, para o povo, de uma forma estável, alegre, viver a sua fé de acordo com as orientações fundamentais da Igreja e com os discernimentos da Teologia, da Palavra de Deus e dos símbolos próprios da liturgia católica.”.  
Por seu turno, Dom José Manuel Cordeiro, que destacou que “a liturgia é o lugar decisivo do encontro com Jesus Cristo – não é exclusivo, mas é decisivo” – e falou dos esforços dos participantes, que buscam “o melhor para a vida da Igreja, no aqui e agora da história”, referiu:  
Uma experiência muito positiva, num ambiente sinodal, de grande diálogo e encontro, que convergiu nessa oportunidade de aprofundamento na revitalização litúrgica do Povo santo de Deus. Passados mais de 50 anos depois da promulgação da Sacrosanctum Concilium e com todo o espírito do Concílio Vaticano II, entendemos que é muito oportuno e necessário este aprofundamento da formação litúrgica, porque a liturgia não é apenas algo a realizar, não é um conjunto de cerimónias, mas é o próprio Jesus Cristo vivido por meio de palavras, ações, gestos e orações, porque a liturgia é o lugar decisivo do encontro com Jesus Cristo. Não é exclusivo, mas é decisivo.”.
Sobre “este alinhamento desta Plenária da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos”, confessou:
Pensamos nós que foi muito frutuoso, todos aqueles que são membros desta Congregação, e de modo especial com o encanto e a motivação do discurso e a audiência com o Papa Francisco, creio que não há dúvidas. […] O ambiente que nós vivemos aqui na Plenária, provenientes de tantos lugares do mundo, de todos os continentes, de todas as culturas, expressa bem a catolicidade da Igreja. Vimos que é difícil sempre encontrar convergência, dada a diversidade, mas consegue-se com o esforço de todos, com humildade, com paciência, porque queremos também nós, evidentemente, o melhor para a vida da Igreja, no aqui e agora da história.”.  
E, no concernente à irreversibilidade da reforma liturgia e ao papel da liturgia na vida da Igreja, o prelado português, do Nordeste Transmontano, vincou:
O Papa disse também, há pouco tempo, que a reforma litúrgica é irreversível, e nós temos que ser fiéis à história, fiéis à realidade. Não é possível voltar atrás. O caminho é para frente, mas faz-se faz caminhando, e queremos que todos vivam este caminho. E evitar todos os extremos, e criar harmonia, criar a beleza. O próprio Papa Francisco falava da liturgia como uma espécie de percurso do coração. E desta vocação orante da Igreja. E a liturgia, como dizia também o Papa, é como que a via mestra de toda a vida do cristão, porque fundamentalmente a liturgia é a Bíblia rezada, é a fé celebrada e é fonte da espiritualidade cristã.”.
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Ganhou relevo, nesta Assembleia Plenária, o discurso do Papa, em que aflorou a ideia de que “não basta mudar os livros litúrgicos para melhorar a qualidade da liturgia” e de que, “nas orações e nos gestos, ressoa o ‘nós’ e não o ‘eu’, a comunidade real, não o sujeito ideal”. Com efeito, advertiu o Bispo de Roma, “quando se recordam nostalgicamente tendências passadas ou se querem impor novas, corre-se o risco de antepor a parte ao todo, o ‘eu’ ao Povo de Deus, o abstrato ao concreto, a ideologia à comunhão e, na raiz, o mundano ao espiritual”.
Falando na antessala da Sala Paulo VI aos participantes no encontro, o Pontífice enfatizou que a liturgia é a epifania da comunhão eclesial e que, para melhorar a sua qualidade, é preciso mudar o coração, evitar cair em estéreis polarizações ideológicas e cultivar a formação permanente do clero e dos leigos. Por outro lado, salientou que “a mistagogia é um caminho idóneo para entrar no mistério da liturgia”. E, referindo-se à missão deste dicastério, acentuou que “trabalhar para que o Povo de Deus redescubra a beleza de encontrar o Senhor na celebração de seus mistérios e, encontrando-o, tenha vida em seu nome” é “o grande e belo” trabalho que os participantes têm pela frente”.
Evocando os primeiros passos de um caminho, o Papa começou por recordar a instituição da Congregação para o Culto Divino por Paulo VI, em 8 de maio de 1969, com o objetivo “de dar forma à renovação desejada pelo Vaticano II”, pois a tradição orante da Igreja, de facto, “tinha necessidade de expressões renovadas, sem perder nada da sua riqueza milenar, antes pelo contrário, redescobrindo os tesouros das origens”.
Francisco recordou, depois, os primeiros passos do caminho “sobre o qual é necessário prosseguir com sábia constância”, mencionando a promulgação do ‘Moto Proprio’ Mysterii paschalis sobre o  Calendário Romano e o Ano Litúrgico, a Constituição Apostólica Missale Romanum,  com a qual o Santo Papa promulgou o Missal Romano, “o Ordo Missae e vários outros Ordo, entre os quais, o do Batismo das crianças, o do Matrimónio e o das Exéquias”. 
Todavia, advertiu que “não basta mudar os livros litúrgicos para melhorar a qualidade da liturgia”, o que seria um engano, já que, para a vida ser verdadeiramente “um louvor agradável a Deus, é preciso de facto mudar o coração”, e para esta conversão “é orientada a celebração cristã,  que é um encontro da vida com o Deus dos vivos”.
No âmbito da colaboração entre a Sé Apostólica e as Conferências Episcopais, objetivo do trabalho exercido pela Congregação do Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, voltado a “ajudar o Papa a exercer o seu ministério em benefício da Igreja em oração espalhada por toda a terra”, Francisco frisou que, na “comunhão eclesial, atuam tanto a Sé Apostólica como as Conferências Episcopais, em espírito de cooperação, diálogo e sinodalidade”, e observou:
A Santa Sé, de facto, não substitui os bispos, mas colabora com eles para servir, na riqueza das várias línguas e culturas, a vocação orante da Igreja no mundo. Nesta linha colocou-se o Motu proprio Magnum principium (3 de setembro de 2017), com o qual eu quis favorecer, entre outras coisas, a necessidade de uma constante cooperação, plena de confiança recíproca, vigilante e criativa, entre as Conferências Episcopais e o Dicastério da Sé Apostólica que exerce a missão de promover a sagrada liturgia”.
O voto do Papa é “prosseguir no caminho da mútua colaboração, conscientes das responsabilidades envolvidas pela comunhão eclesial, na qual a unidade e a variedade encontram harmonia. É um problema de harmonia”. E o Santo Padre, para afastar as estéreis polarizações, desfia o desafio da formação observando que “a liturgia é vida que forma, não uma ideia a ser aprendida”. E, depois de acrescentar, a este propósito, que  é útil recordar que “a realidade é mais importante do que a ideia”, vincou:
E é bom, por isso, na liturgia como em outros âmbitos da vida eclesial, não acabar em estéreis polarizações ideológicas que nascem muitas vezes quando, considerando as próprias ideias válidas para todos os contextos, se chega a assumir uma atitude de perene dialética em relação a quem não as compartilha. Assim, começando quem sabe pelo desejo de reagir a algumas inseguranças do contexto atual, corre-se o risco de se voltar a um passado que não existe mais ou de fugir para um  futuro presumido como tal. O ponto de partida, pelo contrário, é  reconhecer a realidade da sagrada liturgia, tesouro vivo que não pode ser reduzido a gostos, receitas e correntes, mas deve ser acolhido com docilidade e promovido com amor, enquanto alimento insubstituível para o crescimento orgânico do Povo de Deus.”.
Alertando para o facto de a liturgia não ser “o campo do faz-tu-mesmo”, “ mas a epifania da comunhão eclesial”, o Pontífice rejeita o passadismo e o egocentrismo na liturgia dizendo:
Portanto, nas orações e nos gestos ressoa o ‘nós’ e não o ‘eu’; a comunidade real, não o sujeito ideal. Quando se recordam nostalgicamente tendências passadas ou se querem impor novas, corre-se o risco de antepor a parte ao todo, o eu ao Povo de Deus, o abstrato ao concreto, a ideologia à comunhão  e, na raiz, o mundano ao espiritual”.
Sobre o tema desta Assembleia Plenária, “A formação litúrgica do Povo de Deus”, Francisco diz que “a tarefa que nos espera é essencialmente difundir entre o povo de Deus, o esplendor do mistério vivo do Senhor, que se manifesta na liturgia”. E explica:
Falar da formação litúrgica do Povo de Deus significa, antes de tudo, tomar consciência do papel insubstituível que a liturgia desempenha na Igreja e para a Igreja. E pode ajudar concretamente o povo de Deus a interiorizar melhor a oração da Igreja, a amá-la como experiência de encontro com o Senhor e com os irmãos e, diante disso, redescobrir nela o conteúdo e observar seus ritos.”.
E, porque a liturgia constitui “uma experiência voltada à conversão da vida pela assimilação do modo de pensar e de comportar-se do Senhor”, diz o Papa que “a formação litúrgica não pode limitar-se simplesmente a oferecer conhecimentos (mesmo necessários) sobre os livros litúrgicos, e tão pouco tutelar o cumprimento das disciplinas rituais”, mas que, para a liturgia, na verdade, poder cumprir a sua função formativa e transformadora, “é necessário que os pastores e leigos sejam introduzidos em compreender dela o significado e a linguagem simbólica, incluindo a arte, o canto e a música a serviço do mistério celebrado”.
No respeitante à mistagogia, Francisco considera-a caminho idóneo para entrar no mistério da liturgia, a ilustrar e valorizar. Neste sentido, evocando o Catecismo da Igreja Católica, que adota o caminho mistagógico para ilustrar a liturgia, valorizando nela a oração e os sinais”, vincou: 
A mistagogia: eis um caminho idóneo para entrar no mistério da liturgia, no encontro vivo com o Senhor crucificado e ressuscitado. Mistagogia significa descobrir a vida nova que no Povo de Deus recebemos mediante os Sacramentos e redescobrir continuamente a beleza de a renovar.”.
Não deixou de apontar a necessidade da formação permanente do clero e dos leigos, especialmente dos envolvidos nos ministérios ao serviço da liturgia, indicando:
As responsabilidades educativas são compartilhadas, mesmo que cada diocese esteja mais envolvida na fase operativa. A vossa reflexão vai ajudar o Dicastério a amadurecer linhas e diretrizes para oferecer, no espírito de serviço, a quem – Conferências Episcopais, dioceses, institutos de formação, revistas – tem a responsabilidade de cuidar e acompanhar a formação litúrgica do Povo de Deus.”.
Por fim, exortou:
Queridos irmãos e irmãs, “todos somos chamados a aprofundar e reavivar a nossa formação litúrgica  e diante de vós está esta grande e bela tarefa: ‘trabalhar para que o povo de Deus redescubra a beleza de encontrar o Senhor na celebração de seus mistérios, e encontrando-o, tenha vida em seu nome’. […] E peço-vos que reserveis para mim sempre um lugar – amplo – em vossas orações.”.
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Por certo, importa que a liturgia mostre e crie harmonia e beleza, iluminando um caminho a percorrer e a viver por todos e que seja sempre epifania da comunhão eclesial, mesmo que celebrada por e com um reduzido número de participantes.

2019.02.16 – Louro de Carvalho


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