domingo, 3 de fevereiro de 2019

Entre o martírio de cristãos e o esforço conjunto pela paz


Francisco recebeu, na manhã do dia 1 de fevereiro, no Vaticano, a Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas Orientais, que reúne para tratar de diversos temas anualmente, durante uma semana. Esta é a 16.ª sessão. A sessão do ano passado foi realizada na Sede de Santa Etchmiadzin, a convite da Igreja Apostólica Arménia.
O encontro com o Santo Padre iniciou-se com a intervenção do Bispo Kyrillos, novo copresidente da Comissão. Seguiu-se o discurso de Francisco, em que se destacou a verificação pertinente de que “a semente da unidade continua a ser regada pelo sangue dos mártires”.
À luz do versículo, Como é bom e agradável para irmãos viverem unidos” (v 1), do Salmo 133, o Pontífice começou por saudar os presentes e agradecer-lhes os esforços para caminhar nos caminhos da unidade e a fazê-lo com espírito fraterno”.
Como os trabalhos desta 16.ª sessão refletiram sobre o Sacramento do Matrimónio, Francisco fez referência a Deus enquanto comunhão de amor. E disse:
Rezo e encorajo-vos para que a atual reflexão sobre os Sacramentos possa ajudar-nos a prosseguir o percurso rumo à plena comunhão, rumo à celebração comum da santa Eucaristia. Gosto de pensar no que afirma o Livro do Génesis: ‘Deus criou o homem à sua imagem, criou o homem e a mulher’ (Gn 1,27). O homem é plenamente a imagem de Deus não quando está sozinho, mas quando vive na comunhão estável de amor, porque Deus é comunhão de amor.”.
E acrescentou sobre este trabalho da Comissão em prol a família dos filhos de Deus:
Estou certo de que o vosso trabalho, realizado em um clima de grande concórdia irá em benefício da família dos filhos de Deus, da Esposa de Cristo, que desejamos apresentar ao Senhor sem manchas, nem rugas, sem feridas e sem divisões, mas na beleza da plena comunhão”.
Recordando que muitos dos presentes “pertencem à Igreja no Oriente Médio, terrivelmente provada pela guerra, pela violência e pelas perseguições”, referiu-se ao recente encontro realizado em Bari, onde líderes de diversas Confissões se reuniram para rezar pela paz e refletir sobre a situação no Oriente Médio, “experiência que espera possa ser repetida”. E declarou:
Desejo assegurar a todos os fiéis do Oriente Médio a minha proximidade, o meu pensamento constante e a minha oração, para que aquelas terras, únicas no plano salvífico de Deus, após a longa noite de conflitos, possam vislumbrar um alvorecer de paz. O Oriente Médio deve tornar-se uma terra de paz, não pode continuar a ser um campo de batalha. Que a guerra, filha do poder e da miséria, dê lugar à paz, filha do direito e da justiça, e também os nossos irmãos cristãos sejam reconhecidos como cidadãos a pleno título e com direitos iguais.”.
Na verdade, a semente da comunhão é regada pelo sangue dos mártires. De facto, como disse o Papa, “as vidas dos muitos santos de nossas Igrejas são sementes de paz lançadas naquelas terras e florescidas no céu”, donde “nos sustentam no caminho rumo à plena comunhão, caminho que Deus deseja” e pede para seguir, “não segundo as conveniências do momento”, mas na docilidade à vontade do Senhor: “que todos sejam um” (Jo 17,21). E o Papa concluiu:
Ele nos chama, cada vez mais, ao testemunho coerente da vida e à busca sincera da unidade. A semente desta comunhão, também graças ao vosso precioso trabalho, brotou e continua a ser irrigada pelo sangue das testemunhas da unidade, por tanto sangue derramado pelos mártires do nosso tempo: membros de Igrejas diferentes que, unidos pelo comum sofrimento pelo nome de Jesus, agora compartilham a mesma glória.”.
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Francisco partiu para Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, país formado por sete emirados localizados na entrada do Golfo Pésico, no Oriente Médio. Trata-se da primeira visita dum Sucessor de Pedro à península arábica.
Eram 13,27 horas quando o avião da companhia Alitalia, um B777, descolou do aeroporto de Fiumicino com o Santo Padre a iniciar a 27.ª vigem apostólica internacional, viagem esta aos Emirados Árabes Unidos, onde estará em visita até a próxima terça-feira (3 a 5 de fevereiro). A chegada ao Aeroporto Presidencial de Abu Dhabi está prevista para as 22 horas locais.
Porém, antes de empreender a viagem de 4.298 Km, de aproximadamente 6 horas de voo, o Pontífice satisfez alguns compromissos este domingo.
Assim, antes da recitação da oração dominical do Angelus, ao meio-dia, com milhares de fiéis e peregrinos reunidos na Praça São Pedro, na Casa Santa Marta, o Papa encontrou-se com um grupo de uma dezena de pessoas de vários países do Oriente Médio, cristãos e muçulmanos, acolhidos pela Esmolaria Apostólica e pela Comunidade de Santo Egídio. E, ao chegar ao aeroporto romano de Fiumicino, no início da tarde, antes da partida, visitou uma estrutura voltada para a assistência a pessoas sem-teto, promovida pelos aeroportos da capital italiana – estrutura que faz parte do projeto “Vidas em trânsito, o rosto humano de um aeroporto” e assegura apoio aos sem-teto que se abrigam e encontram repasto no aeroporto de Fiumicino.
E, ainda antes, ou seja, na noite de sábado, o Santo Padre foi à Basílica romana de Santa Maria Maior, detendo-se em oração diante do ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani, em vista da sua iminente viagem aos Emirados Árabes Unidos no seguimento da prática a que nos habituou de confiar a Nossa Senhora a sua viagem apostólica internacional, sendo que esta 7.ª tem como destino os Emirados Árabes Unidos.                                           
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Sobre o sentido e alguns pormenores desta viagem, o diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti, falou ao Vatican News.
No atinente ao sentido da viagem apostólica, elegeu como principais duas dimensões: o diálogo inter-religioso e o encontro com a comunidade católica local, cerca de 900 mil pessoas.
Por outro lado, a viagem tem uma dimensão histórica, por ser “a primeira vez que um Papa vai à Península Arábica, em especial,  nos Emirados Árabes Unidos”, e por ser também a primeira vez que “um Papa celebra missa nessa região”. Além disso, Gisotti também frisou a ligação da visita com São Francisco de Assis.
Como ficou dito, esta viagem histórica pode ser “uma importante oportunidade para promover e reforçar o diálogo inter-religioso, num momento em que se unem esforços conjuntos pela paz e se tem a certeza de que a fé une, e “para promover e reforçar uma comunidade, como a católica, extremamente dinâmica e formada, sobretudo, por imigrantes, em especial, asiáticos e filipinos, que se encontram nos Emirados Árabes por motivos de trabalho”, na linha da missão de Pedro de confirmar os irmãos na fé (cf Lc 22,32).
Nestes termos, é evidente que essas duas dimensões, a do diálogo inter-religioso, em particular com os muçulmanos, e a do encontro com essa comunidade de cristãos, tão especial, darão ênfase às mensagens do Papa Francisco nestes dias.
Esta é a moldura desta viagem aos Emirados Árabes Unidos, tal como será a viagem apostólica que o Papa fará em menos de dois meses a Marrocos. Estamos no VIII centenário do encontro entre São Francisco e o sultão do Egito, Malik al-Kamil. Há uma história muito conhecida na Legenda Maior com referência ao episódio desse encontro ocorrido em 1219, durante a V Cruzada. Há este elemento de diálogo, de encontro, de convivência dentro do qual se colocam essas duas viagens. E Francisco o recordou no discurso ao Corpo Diplomático, a 7 de janeiro deste ano, quando juntou as duas dimensões desta viagem: a importância da presença dos cristãos na região – e assim também o convite às autoridades dos Estados onde estão estes cristãos, para poder garantir a presença e a segurança – e, ao mesmo tempo, o reforço do diálogo com os muçulmanos. E este é um pouco o valor do Pontificado de Francisco para obstruir a estrada dos chamados “profissionais do ódio”, de quem sopra sobre divisões, fanatismo e ideologias que instrumentalizam o  nome de Deus para justificar a violência.
Registar-se-á também o quinto encontro de Francisco com Grão Imame de Al-Azhar, um outro elemento fundamental da viagem. E a razão por que o encontro tem os Emirados Árabes como lugar propício é que nesse Estado está a sede do Conselho dos Sábios Muçulmanos (Muslim Council of Elders), presidido pelo Grão Imame de Al-Azhar, xeique Ahmed al-Tayeb. É um instituto fundado em 2014 com vista à promoção do diálogo e da paz através de personalidades eminentes do mundo muçulmano do qual, evidentemente, al-Tayeb representa a síntese e a maior importância.
Sabemos como Francisco iniciou, com o Grão Imame, um caminho de encontro, de diálogo. E esta será a quinta vez que eles se encontram. O primeiro encontro foi em 2016 e o último em outubro de 2018. E, depois, importa destacar o grande evento ligado a esse encontro inter-religioso em Abu Dhabi sobre a fraternidade humana, que foi a Conferência Internacional de Paz e de Diálogo Inter-religioso, no Cairo, no final de abril de 2017, em que “o Papa e o Grão Imame enalteceram a importância de uma convivência pacífica, de um diálogo e de um caminho junto das grandes fés e das grandes religiões para a paz e contra cada forma de violência”.
No último dia da viagem, o Papa vai celebrar a santa missa com 135 mil fiéis. Certamente é o momento culminante para a comunidade de fiéis que está nos Emirados Árabes Unidos e que ficou realmente surpreendida por essa possibilidade. A viagem foi anunciada em 6 de dezembro do ano passado e tudo foi organizado em pouquíssimo tempo. Mas Dom Hinder, vigário apostólico na Península Arábica compartilhava com diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé a grande alegria desse povo de cristãos migrantes. Eis um outro elemento que tocará certamente o coração de Francisco: sabe-se da sua atenção aos migrantes.
E é grandíssimo também o número de pessoas que irá participar da missa no estádio Zayed, de Abu Dhabi. O estádio pode receber cerca de 45 mil pessoas, mas são tantos os fiéis que querem participar que foram distribuídos cerca de 135 mil bilhetes. Assim, é de imaginar que fora do estádio haverá uma grande presença de fiéis que vão esperar o Papa, que irá passar no papamóvel. E lá estará essa multidão de fiéis – migrantes, indianos, filipinos e de outros lugares, sobretudo, da Ásia – que vão acolher Francisco, o que certamente dará coragem à comunidade dos cristãos: também aqui a periferia, a qual Francisco é tão apegado, se torna presente, graças à sua visita”.
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A população de Abu Dhabi, capital do país e sede do Vicariato sul da Arábia espera ansiosa pela visita do Papa Francisco, como afirma o Padre Olmes Milani, sacerdote scalabriano brasileiro que esteve em missão nos Emirados Árabes Unidos durante 4 anos, até dezembro de 2018.
No país, o Pontífice é visto como um “campeão da paz e um lutador pela ecologia”. E há “a esperança de que esta visita inédita contribua para abater o distanciamento inter-religioso e ir além da tolerância, constituindo um momento para pensar num encontro entre irmãos, de diferentes religiões, mas que marcham todos na presença de Deus, nosso Criador” – diz Olmes.
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Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus (Mt 5,9).
Como são formosos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz (Is 52,7).
2019.02.03 – Louro de Carvalho

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