segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Falar de anjos e arcanjos e outras entidades invisíveis


Os Anjos que integram o mundo invisível, a que se estende também a ação criadora de Deus, vivem totalmente dedicados ao louvor e serviço de Deus. A inteligência humana tem dificuldade em exprimir a natureza dessas criaturas, cuja missão conhecemos pela Bíblia, que, em tantos passos, testemunha a sua existência. Esses Mensageiros de Deus, em momentos decisivos da História da Salvação, estão encarregados da Guarda dos homens (Mt 18,10; At 12,3) e da proteção da Igreja (Ap 12,1-9). A fé cristã leva também a crer que cada nação em particular tem um Anjo encarregado de velar por ela.  Em Portugal a devoção ao Anjo da guarda é muito antiga. Tomou, porém, um incremento especial com as Aparições do Anjo, em Fátima, aos Pastorinhos, pelo que Pio XII mandou inserir esta comemoração no nosso calendário litúrgico.
O imaginário popular e a imaginária artística brindam-nos com muitas modalidades de espíritos celestes e infernais algo estereotipadas. Os anjos bons são representados corporeamente como seres anafados ou esguios, bebés gorduchos, meninas esbeltas e garotinhos meio efeminados e todos com asas brancas ou de outras cores saindo-lhes pelas costas; os anjos maus, que se recusaram a servir a Deus e seu desígnio sãos os demónios representados corporeamente como feios seres humanos predominantemente masculinos ou animais – todos habitualmente com cauda e chifres e cores negra e/ou vermelha. Muitos dos espíritos celestes estão representados corporeamente consoante as funções que deles conhecemos pela Bíblia ou pela tradição e os escritos sobre eles refletem essas mesmas funções ou as mensagens de que são portadores. Todavia, às vezes, vêm deformados por uma certa cultura esotérica pseudomística.
Os anjos de Deus não são “reencarnações”, nem homens ou mulheres alados, nem “lugares” em que se sinta a presença do Criador, muito menos gnomos, duendes uma espécie de “energia” ou algum tipo de fumaça branca – como querem insinuar vários sites da Internet.
Em todo o caso, um dos artigos confiáveis de angelologia que se encontram na Internet é o de P. B. Celestino que, sobre isto, refere:
A humanidade no seu conjunto parece obedecer a uma espécie de ‘lei do bêbado’: depois de uma queda para a direita, procura compensá-la inclinando-se para a esquerda, e acaba por cair nessa direção. Assim, às épocas de racionalismo exacerbado e míope, seguem-se outras em que proliferam as mais tresloucadas fantasias e crendices, e a doutrina sobre os anjos está entre as que mais facilmente se prestam a essas deformações. O nosso tempo inclui-se entre as segundas, a julgar pelo número de ‘caricaturas’ deformadas desses seres não humanos, sob a forma de duendes, gnomos, espíritos ‘desencarnados’, deidades e extraterrestres, que se misturam inextricavelmente nas estantes das livrarias e lojas de bibelôs, bem como nas cabeças de alguns…”.
O Calendário Litúrgico tem duas celebrações angélicas: a 29 de setembro, a Festa dos Arcanjos, São Miguel, São Gabriel e São Rafael; e, a 2 de outubro, a Memória dos Anjos da Guarda. E, como se disse, temos ainda, em Portugal, a 10 de junho, a Memória do Anjo de Portugal.
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O termo ‘anjo’ é tradução do grego angelos, que traduz o hebraico mal’ak, que, de maneira geral, significa “mensageiro”, “legado”. Segundo a Bíblia, em termos gerais, os anjos são filhos de Deus (cf Jb 1,6; 2,1); são protetores dos homens (cf Sl 91,11); vivem nos Céus (cf Mt 28,2); são de natureza espiritual (cf 1 Re 22,19-21; Dn 3,86; Heb 1,14); há anjos bons e anjos maus (cf Zc 3,1). 
Especificamente existem os Serafins (cf Is 6), Querubins (cf Gn 3,24; Ex 25,22; Ez 10,1-20), TronosDominaçõesPotestades e Principados (cf Cl 1,16), Virtudes (cf Ef 1,21), Arcanjos (cf 1Ts 4,15-16; Jd 9) e os anjos que cuidam dos indivíduos (cf Tb 5; Sl 91,11; Dn 3,49s; Mt 18,10). Em relação aos três Arcanjos,  Gabriel, cujo nome significa “Deus é Força”, aparece em Dn 8,16; 9,21; Lc 1,19.26; Miguel, cujo nome significa “Quem (é ou pode ser) como Deus?”, aparece em Dn 10,13.22; 12,1; Jd 9; Ap 12,7 – São Miguel é o Padroeiro de toda a Igreja; e Rafael, cujo nome significa “Deus Cura”, aparece em Tb 3,25. 
Os Evangelhos dizem que os anjos  contemplam a Face de Deus (Mt 22,30; 18,10), que se alegram pela conversão dos homens (Lc 15,10) e que levaram Lázaro ao seio de Abraão (Lc 16,22).
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Em termos da hierarquia angélica e as relações com os seres humanos, São Tomás de Aquino ensina que a Luz Divina é comunicada aos Anjos de maneira hierárquica (“hierarquia” significa Principado Sagrado), graduada e ordenada, da 1.ª hierarquia até à última. A hierarquia ou principado compreende duas realidades: o Príncipe e a multidão ordenada sob ele. O Principado Sagrado, entendido no seu significado pleno e perfeito, designa a multidão das criaturas racionais e chamadas a participar nas coisas santas sob o governo único de Deus, Príncipe supremo e Rei soberano de toda esta multidão.
Não há uma classificação total e uniformemente definida na Igreja sobre os Nove Coros dos Anjos. Por isso, servem de referência a de Dionísio Areopagita e a do Papa São Gregório.
A distinção mais divulgada da hierarquia angélica aparece na obra De Coelesti Hierarquia (Sobre a Hierarquia Celeste), atribuída ao Areopagita e datada entre os séculos IV e V. classifica os anjos em três Ordens, cada uma formada por três Coros, num total de nove Coros Angélicos: fazem parte da 1.ª hierarquia dos anjos os Serafins, os Querubins e os Tronos; formam a 2.ª hierarquia as Dominações, as Virtudes e as Potestades; e formam a 3.ª hierarquia os Principados, os Arcanjos e os Anjos (como os de guarda). Todos esses anjos têm, segundo J. Daniélou, duas funções: louvar a Santíssima Trindade; e guardar e defender tudo o que é de Deus. E o Catecismo da Igreja Católica (CIC) ensina que os anjos são criaturas pessoais, ou seja, dotadas de inteligência e vontade; são imortais, porque puramente espirituais, e superam em perfeição as criaturas visíveis (CIC§330). Porem, a perfeição dos anjos não permite que penetrem as nossas consciências; temos de lhes manifestar as nossas necessidades, bastando falar com eles mentalmente, para nos entenderem. O facto de serem pessoas faz-nos ver que são capazes de relações de amizade e fraternidade com pessoas humanas. Nessas angélicas relações amistosas, o nosso anjo da guarda ocupa o primeiro posto é o anjo mais disponível para nós.
Os coros da 1.ª Hierarquia – Serafins, Querubins e Tronos representam Deus nas suas íntimas perfeições: amor ardente, luz viva, santidade inalterável; os da 2.ª – Dominações, Virtudes e Potestades – representam-no na sua Soberania sobre todas as criaturas: poder sem limites, força irresistível, justiça imutável; e os da 3.ª – Principados, Arcanjos e Anjos – representam-No nas suas ações: sábio governo, sublimes revelações, constantes testemunhos de bondade.   
A Bíblia apresenta as seguintes referências a elementos destas hierarquias: Anjos, Principados, Potestades (Rm 8,38; 1Pe 3,22); Arcanjo (1Ts 4,16); Arcanjo Miguel (Jd 9); Glórias (2Pe 10,11); Exércitos Celestes, Miguel (2 Mac, caps vv); Dominações e Potestades celestes (Ef 3,10); exército incontável de Anjos (Heb 12,22); Miríades Angélicas, Gabriel e Miguel (Dn, caps vv); Principados e Potestades (Ef 6,2; Cl 2,10; 2,15); Principados, Dominações, Potestades (1Cor 15, 24); Principados, Potestades, Virtudes, Senhorias ou Dominações (Ef 1,21); Querubins (Gn 3,24); Querubins e Tronos (Ez 10,3); Rafael (Tb, cps vv); Serafins (Is 5,2); Sete Anjos, Miguel, Vigilantes, etc. (Ap, vv caps vários); Tronos, Dominações, Principados e Potestades (Cl 1,15).
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A devoção aos anjos não contraria a centralidade de Cristo, pois eles estão ao serviço de Cristo, sendo uma honra para eles servir a Jesus e a todos os seres humanos por amor ao Deus Triuno. O CIC (Catecismo da Igreja Católica) frisa o serviço humilde e eficaz a Cristo e à Igreja (CIC 333-335). E os santos foram muito devotos dos anjos. Assim, São Josemaría Escrivá deixava que o seu anjo da guarda lhe contasse as orações e mortificações que ele ia fazendo, tinha-o presente nos trabalhos apostólicos, chamando-o “Relojoeirinho” (por ser muito pontual em despertá-lo e até lhe ter consertado um relógio), dedicava-lhe as terças-feiras a tratá-lo mais intensamente e rezava ao anjo da guarda de alguém com quem queria conversar ou escrever-lhe uma carta.
Os anjos estão presentes na Liturgia da Igreja, muito especialmente aquando da celebração da Santa Missa. Os textos litúrgicos fazem referências a estes celestes adoradores de Deus. O “Glória a Deus nas alturas” foi um hino entoado por eles (cf Lc 2,13-14). As Orações Eucarísticas, na sua 1.ª parte (prefácios), terminam “com os anjos e os arcanjos e com todos os coros celestiais” a cantar o triságio, o hino da glória de Deus que é o “Santo, Santo, Santo”, Hino dos Serafins (cf Is 6). E há o prefácio dos Santos Anjos. Na Oração Eucarística I (o Cânon Romano), a oferenda é levada ao Deus Todo-Poderoso “per manus sancti angeli” (ou seja, pelas mãos do santo anjo). São Beda dizia que “da mesma maneira que vemos como os anjos rodeavam o Corpo do Senhor no sepulcro, devemos crer que estão fazendo a corte a Jesus na consagração”.
Enfim, toda a vida da Igreja do Deus vivo, o novo Povo de Deus, recebe a proteção dos anjos. E nós, membros da Igreja, podemos e devemos intensificar a devoção a estes celestiais guardiões da nossa fé, esperança e caridade, do nosso trabalho pela causa de Deus e do nosso caminho rumo ao Céu.
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Parece que o Concílio da Igreja que mais se dedicou a explicar a doutrina sobre os anjos foi o de Latrão IV, no ano 1215. Nele se afirmou, em contexto de profissão da fé, que os anjos foram criados por Deus desde o início do tempo. E os demónios foram anjos criados bons, mas que se tornaram maus pelo abuso do seu livre arbítrio. Houve, não obstante, pronunciamentos magisteriais sobre os anjos antes desta data, por exemplo, o do Papa Zacarias, no ano 745, que rejeitou os vários nomes dos anjos, ficando só com os de Miguel, Gabriel e Rafael, por serem os mencionados na Sagrada Escritura. E o Concílio de Aix-la-Chapelle, no ano 789, fez o mesmo.
O CIC ensina que “a existência dos seres espirituais, não corporais, que a Bíblia chama habitualmente de anjos, é verdade de fé: os anjos não são uma invenção mitológica. Trata-se de seres reais, que estão sempre diante de Deus, mas agindo no meio dos homens. Por isso, estando na presença dos anjos, os seres humanos nunca estão sozinhos. Deus colocou essas criaturas ao seu lado, não só para os guardarem, mas também para se relacionarem com eles – de facto, são muitas as personagens das Escrituras que recebem a assistência e a visita dos anjos de Deus.
Ao invés do que se pensa hoje, os anjos não são figuras “piegas” de contos românticos, mas criaturas realmente terríveis que, se aparecessem diante de nós, incutiriam não só paz e alegria, mas também grande temor. Como Aslam, a personagem das Crónicas de Nárnia que é uma alegoria de Jesus Cristo, eles são simultaneamente bons e terríveis. E, como Gandalf, da saga “O Senhor dos Anéis”, são “perigosos”, pois, embora o seu poder, ainda que grande, manifesta-se, sobretudo, nas suas inspirações. Em “O Senhor dos Anéis” – Frodo, Merry, Pippin e Sam –, no começo do livro, nem sequer sabiam manusear a espada. Mas, no fim, terminam como heróis, pois foram treinados e capacitados por Gandalf, que é, segundo o próprio Tolkien, uma espécie de anjo.
Os anjos são assim: protegem-nos e querem capacitar-nos. São nossos companheiros, mas são muito maiores do que nós, e o seu serviço, mais do que um simples “fazer a nossa vontade”, é instigar-nos e incomodar-nos, a fim de que façamos a vontade de Deus. Muitas vezes, achamos que os anjos foram colocados ao nosso lado apenas para resolver os nossos problemas materiais ou dar-nos segurança neste mundo. Eles podem agir como “ministros dos milagres de Deus”, mas o seu trabalho principal é inspirar-nos para o serviço de Cristo, com a sua presença ativa e poderosa – “presença virtual” – junto de nós.
São Jerónimo ensina que “grande é a dignidade das almas, pois ao nascer cada uma tem um anjo delegado a sua guarda”. No combate desta vida, em que Céu e Inferno disputam entre si para ganhar as almas, seria desproporcional estas não terem perto de si protetores. Se é inconcebível manter um carro forte sem segurança, quanto mais as almas dos homens, que custaram o sangue de Jesus Assim se expressa Santo Tomás, na questão 113 da prima pars da Suma Teológica:
O homem, na vida presente, encontra-se em uma espécie de caminho que deve tender para a pátria. Nesse caminho, são muitos os perigos que o ameaçam, dentro e fora (...). Por isso, aos homens que andam por caminhos não seguros são dados guardas. Assim também a cada homem em sua peregrinação terrestre é delegado um anjo para sua guarda.”.
Deus, porque é omnipotente, poderia muito bem agir de modo direto para proteger os homens. Mas a pedagogia divina escolhe sempre colaboradores para exercer o seu plano de salvação. É preciso que os católicos se libertem da visão arrogante que despreza a ação de intermediários na redenção humana, quando o próprio Senhor escolheu fazer-se um de nós, submeter-se a Maria e a José e criar a Igreja visível para dispensar as Suas graças no meio dos homens. “A cada homem”, portanto, “é atribuído um anjo para sua guarda”, como ensina Santo Tomás, que, respaldando a opinião de São Jerónimo, o Aquinate afirma que o anjo da guarda é dado ao homem desde o seu nascimento, ao invés da opinião de que “o anjo é delegado à guarda do homem desde o batismo”. E vinca:
Os benefícios que o homem recebe de Deus pelo facto de ser cristão começam com o batismo; por exemplo, a receção da Eucaristia e outros semelhantes. Todavia, os benefícios que Deus dispõe para o homem pelo facto de ele ter uma natureza racional são-lhe concedidos desde o momento em que, pelo nascimento, adquire tal natureza. Ora, esse benefício é a guarda dos anjos (...). Portanto, tão logo nasce, o homem tem um anjo delegado para sua guarda.”.
O Doutor Angélico diz que, ainda que o homem peque, isso não o afasta do seu anjo da guarda, que nunca o abandona totalmente, e que os pecados dos homens, embora ofendam os anjos, não os fazem sofrer, pois eles, sendo perfeitamente bem-aventurados”, “nada sofrem”. A doutrina católica tem como sólida a fé nos anjos da guarda, mas não se sabe se há um “demónio específico” para tentar cada pessoa e levá-la para o inferno. E o certo é que os anjos da guarda, embora pertençam aos graus inferiores da hierarquia, lutam contra os anjos maus, pela nossa salvação.
Santo Tomás dedica outra questão inteira da Suma Teológica ao modo como os anjos agem em nossa vida: é a questão 111 da prima pars. Aí, ele explica que, dentre as várias potências do homem, os anjos agem mais nas faculdades sensitivas – no sentido interno da imaginação e nas paixões, principalmente. Atuam, por exemplo, quando uma pessoa está a trabalhar e tem uma ideia criativa, ou quando está a rezar e vem à sua mente alguma cena ou inspiração. Só que têm poder de atuação tanto os anjos bons como os demónios. Mas, enquanto estes são intrusivos, os anjos da guarda agem quanto maiores forem a docilidade e a abertura a eles.
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Frei Bento Domingues apela, na crónica do dia 10, no Público, a que “não nos preocupemos com os anjos”. E o seu texto, bem como uma formação havida em Arouca, de que fizeram parte intervenções do Professor Luís Alberto Esteves Casimiro sobre angelologia, instam a que nos tornemos anjos (ou mensageiros) de Deus e do seu Cristo junto dos irmãos e, com os espíritos celestes e à semelhança deles, nos honremos no compromisso de adorar e servir a Deus (também nos irmãos).
2019.02.11 – Louro de Carvalho

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