quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Segurança Social pagou cerca de 4 milhões a pensionistas mortos


Segundo uma auditoria do TdC (Tribunal de Contas), divulgada no dia 27 de fevereiro, a Segurança Social pagou indevidamente, em 2016 e 2017, pensões de sobrevivência durante mais de dez anos após a morte dos beneficiários, num total de 3,7 milhões de euros e 0,4 milhões relativos a pensões próprias, tendo recuperado só 16,7% do montante em dívida (1,8 milhões). Por outro lado, leva muito tempo a suspender estas pensões a pessoas que morreram e não consegue recuperar os montantes pagos indevidamente.
A auditoria analisou as prestações por morte (pensões de sobrevivência atribuídas aos viúvos, subsídio por morte e reembolso de despesas de funeral) para perceber se há sistemas de controlo para prevenir o pagamento indevido, avaliar o registo de óbitos e verificar se foram desencadeados processos de recuperação dos montantes pagos indevidamente. E concluiu que os problemas persistem e o ISS (Instituto de Segurança Social) não seguiu as recomendações das auditorias realizadas de 2012 a 2016 à Conta Geral do Estado ou as dos relatórios da IGMTSS (Inspeção-Geral do Ministério do Trabalho e Segurança Social).
O TdC procedeu à auditoria por amostragem selecionando uma amostra de 223 pensões de sobrevivência cessadas em 2016 e em 2017, mais de um ano após a morte dos beneficiários, alertando que o registo dos óbitos na Base de Dados de Pensionistas se faz “em data muito posterior à data da ocorrência do facto, protelando o pagamento de pensões de sobrevivência durante vários anos em prejuízo do erário público”. E lê-se no relatório:
A intempestividade no registo do óbito de beneficiários de pensões de sobrevivência, nalguns casos superiores a dez anos, levou ao protelamento do seu pagamento, resultando num prejuízo para o erário público de 3,7 milhões de euros”.
Nos casos auditados, a suspensão da pensão demorou 6 anos, em média, após a morte do respetivo beneficiário (6 anos em absoluto em 35 casos), mas, em algumas situações, as prestações continuaram a ser pagas por mais de 10 anos (40 casos). E há casos em que os serviços registaram o óbito, deixaram de pagar outras prestações a que a pessoa tinha direito, mas mantiveram a pensão e sobrevivência por vários anos.
À objeção do ISS,  no contraditório, de que as situações mais problemáticas resultam de atrasos na comunicação dos óbitos por parte do MJ (Ministério da Justiça), o TdC anota que que não existe registo na base de dados nem foi demonstrado em contraditório em que datas os ficheiros do MJ chegaram ao ISS, pelo que não acolheu a justificação e alertou para a subsistência de dificuldades e insuficiências na ligação entre as várias bases de dados da Segurança Social, criando limitações na “rigorosa” atribuição e cessação de prestações sociais “com reflexos no montante de prestações indevidamente processadas e pagas”. Por outro lado, não foram desencadeados os procedimentos para recuperar a dívida das pensões pagas indevidamente no valor de 1,9 milhões de euros, pelo que, segundo o TdC, incorrem em “eventual infração financeira, punível com multa” por “omissão da prática de atos devidos” o conselho diretivo do ISS  e o diretor do CNP (Centro Nacional de Pensões).
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Alerta ainda o TdC para a “reduzida eficácia” na recuperação de pagamentos indevidos. Como se disse, dos 1,8 milhões de euros registados como dívida quando as pensões cessaram, apenas foram recuperados cerca de 614 mil euros, o que corresponde a 16,7% do total, sendo que os restantes 1,9 milhões de euros “não foram registados como dívida quando foram cessadas as pensões, nem foram desencadeados quaisquer procedimentos tendentes à sua recuperação”, o que “é suscetível de gerar responsabilidade financeira punível com multa” para os membros do Conselho Diretivo do ISS e para o diretor do CNP, como acima foi indicado. E o TdC chama a atenção para os vários constrangimentos existentes na instrução de processos de dívida, o que levou a que o número de processos remetidos para cobrança coerciva diminuísse de 656 (1,4 milhões de euros) em 2015 para 132 (800 mil euros) em 2017. Ademais, o ISS revela “incapacidade” para identificar o devedor responsável pela restituição dos valores, sucedendo que parte dos processos de dívida “são arquivados, ficando a aguardar o decurso do prazo de prescrição”.
Às alegações do ISS em relação a esta matéria o TdC responde que não contrariam as conclusões do relatório, mas que, ao invés, as complementam, “na medida em que evidenciam que esta área apresenta falhas de controlo”. Por consequência, deixa recomendações ao MTSSS (Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social) para que mande fazer uma auditoria ao sistema de informação de pensões e para que faça chegar ao Tribunal presidido por Vítor Caldeira um relatório com o ponto de situação da implementação das recomendações feitas anteriormente; recomenda ao ISS o levantamento de todas as situações de pagamentos indevidos de pensões e a criação de mecanismos de controlo que permitam a suspensão da pensão de sobrevivência no mês seguinte à morte do beneficiário e a suspensão em simultâneo da pensão de direito próprio (pensão de velhice, por exemplo) e de sobrevivência (paga a viúvo ou viúva após a morte do cônjuge ou a filhos em casos específicos para que não sofram uma redução abrupta de rendimento).
Registe-se que, em 2017, as pensões de sobrevivência representavam cerca de 12% da despesa corrente do sistema previdencial (dois mil milhões de euros) e que não é a primeira vez que a entidade fiscalizadora da Conta Geral do Estado verifica este tipo de situações, sendo que a presente auditoria a leva a concluir que, além destes casos persistirem, o ISS não instituiu os mecanismos de controlo destas situações nem assegurou a recuperação dos valores pagos de forma indevida.
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Além de ter usado do direito ao contraditório em sede de auditoria, o ISS vem, uma vez divulgadas as conclusões do relatório da auditoria do TdC, reagir publicamente dizendo que tomou medidas para evitar pensões a falecidos e alertando que metodologias propostas “não encontram suporte na lei vigente”. Assim, em comunicado sobre o relatório do TdC, que apurou o pagamento de 4 milhões em pensões de sobrevivência a beneficiários já falecidos (nalguns casos há mais de 10 anos), o ISS rejeita a “não atuação e imputação de responsabilidade financeira”.
Como foi dito, a auditoria centrou-se nas prestações por morte cessadas em 2016 e 2017 e, do valor de pagamentos indevidos detetados, 3,7 milhões de euros correspondem a pensões de sobrevivência cessadas naqueles anos, enquanto cerca de 0,4 milhões são relativos a pensões próprias; e nos 223 casos analisados de pensões de sobrevivência cessadas em 2016 e 2017, há 40 em que o óbito tinha ocorrido há mais de 10 anos e 35 em que contava com mais de 6 anos; e a auditoria permitiu verificar que, dos 3,7 milhões de euros, houve uma parcela de 1,8 milhões de euros que foi registada como dívida, tendo sido recuperados 614 mil euros (16,7% do total).
Ora, sobre a recuperação de dívida, o ISS diz que a quebra generalizada e continuada de recursos humanos desde 2010 no CNP, que em 2017 ficou reduzido a pouco mais de metade dos efetivos de que dispunha em 2010, e o aumento dos requerimentos, “são os principais fatores que têm contribuído para o aumento da pressão sobre o CNP, condicionando a sua capacidade de resposta”. E o predito comunicado refere:
Acresce a complexidade técnica das pensões, que exige desenvolvimentos ao nível dos sistemas de informação, os quais têm vindo a decorrer, de forma a diminuir a componente manual na análise e tratamento da maioria dos pedidos de reforma”.
O ISS, adicionalmente, refere que a gestão das pensões “requer um sistema de informação robusto e completo, cujo desenvolvimento está em curso”, prevendo-se o arranque em produção do primeiro módulo deste sistema “em março de 2019”; aponta que o PIAPD (Plano de Intervenção para a Área das Prestações Diferidas), adotado em 2018, “inclui um conjunto de medidas que atuam no reforço de recursos humanos, nos sistemas de informação e na melhoria de procedimentos, encontrando-se a generalidade das medidas já implementadas”; e diz que os efeitos do plano “já são visíveis”, tendo sido complementados no início de 2019, com novas medidas, como o reforço de pessoal neste ano e início de 2020 e a especialização de equipas.
O ISS recorda a necessidade de cruzamento de dados com outras instituições externas para troca de informações sobre óbitos e que, no âmbito do Simplex+, foi introduzida uma medida de “comunicação automática de óbito”, que está teste, e que o pagamento das pensões é suspenso sempre que ocorre a devolução do vale postal. E sustenta que os pagamentos indevidos resultam do desfasamento entre o cruzamento dos dados de óbitos e a data de pagamento de pensões, situação que advém da dimensão do processo e da “necessidade de garantir a articulação com vários parceiros internos e externos ao sistema de segurança social”. E acrescenta:
Esta condicionante só pode ser ultrapassada através de soluções de natureza tecnológica que têm vindo a ser desenvolvidas, cuja entrada em produção está prevista para 2019, conforme transmitido ao Tribunal de Contas”.
O ISS insiste que “existem procedimentos instituídos, que os mecanismos foram efetivamente implementados e que foi promovida a contratação de recursos humanos para colmatar os défices de pessoal do CNP”, referindo:
Estas iniciativas foram extensamente explicadas à equipa de auditoria do Tribunal de Contas, que optou por não as valorizar, recomendando metodologias alternativas que não encontram suporte na lei vigente”.
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Em suma, o TdC conclui que os procedimentos de registo e confirmação de óbitos usados “não previnem o pagamento indevido de prestações”, exemplificando com as situações em que a morte é causa da cessação da pensão por direito próprio, mas não a sobrevivência, apesar de o beneficiário ser o mesmo.
O ISS referiu, no contraditório, que as pensões de sobrevivência e as próprias não se encontravam aglutinadas, pelo que não era possível fazer o “arrasto” do óbito.
Em 2017, estavam em pagamento 740.631 pensões de sobrevivência, havendo 9.047 que estavam a ser pagas a pessoas sem número de identificação fiscal associado, incluindo beneficiários nascidos depois da obrigatoriedade de obtenção do Cartão do Cidadão. Em resposta, o Instituto de Informática precisou que o NIF passou a ser campo obrigatório a partir de 2002, aquando da introdução da nova aplicação de cálculo, mas que persiste um universo de pensionistas sem o NIF associado, que tem vindo a ser reduzido. Perante este cenário, o TdC recomenda maior articulação entre os ministérios do Trabalho e da Justiça para se garantir que a informação relevante sobre os beneficiários é integrada atempadamente no Sistema de Informação de Pensões. No contraditório, o gabinete do MTSSS refere que o Orçamento do Estado para 2019 inclui uma norma que visa “habilitar a interconexão de dados” necessários para o registo do óbito no Sistema de Informação da Segurança Social. E relativamente aos casos que envolvem residentes no estrangeiro (onde a obtenção de informação em tempo útil se torna mais difícil) o TdC recomenda a adoção de medidas, sugerindo a introdução de prova de vida.
Em 2017, a despesa com prestações por morte (incluindo subsídio por morte e reembolso das despesas de funeral), no âmbito do sistema previdencial, totalizou cerca de 2.004 milhões de euros, com a despesa das pensões de sobrevivência a representar 1.903 milhões de euros. O diploma que regula as pensões de sobrevivência prevê que estas são atribuídas a cônjuges, ex-cônjuges e membros sobrevivos das uniões de facto, sendo pagas por um período de 5 anos se o beneficiário tiver menos de 35 anos à data do óbito do outro elemento do casal.
E o TdC sublinha que nas uniões de facto “o atual modelo de atribuição” destas pensões tem elementos “que dificilmente são passíveis de controlo”, visto que a união de facto, embora deva ser provada por declaração da junta de freguesia, não tem de ser registada, pelo que recomenda melhorias na verificação das uniões de facto, até porque a informação disponível à data de setembro de 2018 revelou que, nos casos examinados, as pensões de sobrevivência mantinham-se ativas apesar de já não cumprirem requisitos para tal, resultando num pagamento indevido médio ao longo de 32 meses. 
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Não se entende que a Segurança Social falhe tanto como aquilo que o relatório da auditoria do TdC denuncia. Tolerar-se-ia que, antes da informatização dos serviços, houvesse o lapso de um ou dois meses entre o óbito dum cidadão e o corte da sua pensão, pois era normal que, entre o conhecimento do óbito pela Conservatória do Registo Civil e o conhecimento da Segurança Social, mediasse algum tempo, mas agora com as possibilidades de comunicação entre departamentos do Estado, o domínio das situações é possível quase na hora. Imagine-se que o cidadão falha um prazo na conservatória, nos serviços de finanças ou na delegação saúde. Cairá o Carmo e a Trindade. O Estado falha – e a Segurança Social é useira e vezeira em falhas – e os cidadãos têm que aturar. Nada pior em mais funesto que a falta de comunicação entre serviços como em empresas.
É chocante atrasarem-se os serviços na entrega das prestações, sejam abonos de família, sejam subsídios de desemprego, de doença ou de parentalidade, sejam pensões, como é chocante serem indivíduos falecidos chamados a consultas médicas, exames ou juntas. É inaceitável que o histórico duma pessoa na Segurança Social não contenha todos os seus dados devidamente atualizados ou que os contribuintes (cidadãos e empresas) paguem as prestações que devem e o registo do pagamento tarde com eventual prejuízo para os utentes.
Enfim, a Segurança Social que nos deixa inseguros e que desperdiça dinheiros e energias por incompetência supina! Haja quem ponha cobro a esta incompetência maior que a dos governos, de que não deveríamos precisar, a não ser para a superior definição de políticas públicas!
2019.02.28 – Louro de Carvalho  

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