Segundo uma
auditoria do TdC (Tribunal de Contas), divulgada no dia 27 de fevereiro, a Segurança Social pagou
indevidamente, em 2016 e 2017, pensões de sobrevivência durante mais de dez
anos após a morte dos beneficiários, num total de 3,7 milhões de euros e 0,4 milhões
relativos a pensões próprias, tendo recuperado só
16,7% do montante em dívida (1,8 milhões). Por outro
lado, leva muito tempo a suspender estas pensões a pessoas que morreram e não
consegue recuperar os montantes pagos indevidamente.
A auditoria
analisou as prestações por morte (pensões de sobrevivência atribuídas
aos viúvos, subsídio por morte e reembolso de despesas de funeral) para perceber se há sistemas de controlo para
prevenir o pagamento indevido, avaliar o registo de óbitos e verificar se foram
desencadeados processos de recuperação dos montantes pagos indevidamente. E
concluiu que os problemas persistem e o ISS (Instituto de Segurança Social) não seguiu as recomendações das auditorias
realizadas de 2012 a 2016 à Conta Geral do Estado ou as dos relatórios da IGMTSS
(Inspeção-Geral
do Ministério do Trabalho e Segurança Social).
O TdC
procedeu à auditoria por amostragem selecionando uma amostra de 223 pensões de
sobrevivência cessadas em 2016 e em 2017, mais de um ano após a morte dos
beneficiários, alertando que o registo dos óbitos na Base de Dados de
Pensionistas se faz “em data muito posterior à data da ocorrência do facto, protelando
o pagamento de pensões de sobrevivência durante vários anos em prejuízo do
erário público”. E lê-se no relatório:
“A intempestividade no registo do óbito de
beneficiários de pensões de sobrevivência, nalguns casos superiores a dez anos,
levou ao protelamento do seu pagamento, resultando num prejuízo para o erário
público de 3,7 milhões de euros”.
Nos casos
auditados, a suspensão da pensão demorou 6 anos, em média, após a morte do respetivo
beneficiário (6 anos em absoluto em 35 casos), mas, em
algumas situações, as prestações continuaram a ser pagas por mais de 10 anos (40 casos). E há casos em que os serviços registaram o óbito,
deixaram de pagar outras prestações a que a pessoa tinha direito, mas
mantiveram a pensão e sobrevivência por vários anos.
À objeção do
ISS, no contraditório, de que as situações mais problemáticas resultam de
atrasos na comunicação dos óbitos por parte do MJ (Ministério
da Justiça), o TdC anota que que não existe
registo na base de dados nem foi demonstrado em contraditório em que datas os
ficheiros do MJ chegaram ao ISS, pelo que não acolheu a justificação e alertou
para a subsistência de dificuldades e insuficiências na ligação entre as várias
bases de dados da Segurança Social, criando limitações na “rigorosa” atribuição
e cessação de prestações sociais “com reflexos no montante de prestações
indevidamente processadas e pagas”. Por outro lado, não foram desencadeados os
procedimentos para recuperar a dívida das pensões pagas indevidamente no valor
de 1,9 milhões de euros, pelo que, segundo o TdC, incorrem em “eventual infração
financeira, punível com multa” por “omissão da prática de atos devidos” o
conselho diretivo do ISS e o diretor do CNP (Centro
Nacional de Pensões).
***
Alerta ainda
o TdC para a “reduzida eficácia” na recuperação de pagamentos indevidos. Como
se disse, dos 1,8 milhões de euros registados como dívida quando as pensões
cessaram, apenas foram recuperados cerca de 614 mil euros, o que corresponde a 16,7%
do total, sendo que os restantes 1,9 milhões de euros “não foram registados como
dívida quando foram cessadas as pensões, nem foram desencadeados quaisquer
procedimentos tendentes à sua recuperação”, o que “é suscetível de gerar
responsabilidade financeira punível com multa” para os membros do Conselho
Diretivo do ISS e para o diretor do CNP, como acima foi indicado. E o TdC chama a atenção para os vários constrangimentos
existentes na instrução de processos de dívida, o que levou a que o número de
processos remetidos para cobrança coerciva diminuísse de 656 (1,4 milhões
de euros) em 2015 para 132 (800 mil
euros) em 2017. Ademais, o ISS revela
“incapacidade” para identificar o devedor responsável pela restituição dos
valores, sucedendo que parte dos processos de dívida “são arquivados, ficando a
aguardar o decurso do prazo de prescrição”.
Às alegações
do ISS em relação a esta matéria o TdC responde que não contrariam as
conclusões do relatório, mas que, ao invés, as complementam, “na medida em que
evidenciam que esta área apresenta falhas de controlo”. Por consequência, deixa
recomendações ao MTSSS (Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança
Social) para que mande fazer uma auditoria
ao sistema de informação de pensões e para que faça chegar ao Tribunal presidido por
Vítor Caldeira um
relatório com o ponto de situação da implementação das recomendações feitas
anteriormente; recomenda ao ISS o levantamento de todas as situações de
pagamentos indevidos de pensões e a criação de mecanismos de controlo que
permitam a suspensão da pensão de sobrevivência no mês seguinte à morte do
beneficiário e a suspensão em simultâneo da pensão de direito próprio (pensão de
velhice, por exemplo) e de
sobrevivência (paga a viúvo ou viúva após a morte do cônjuge ou a filhos em casos
específicos para que não sofram uma redução abrupta de rendimento).
Registe-se
que, em 2017, as pensões de sobrevivência representavam cerca de 12% da despesa
corrente do sistema previdencial (dois mil milhões de euros) e que não é a primeira vez que a entidade fiscalizadora da Conta Geral
do Estado verifica este tipo de situações, sendo que a presente auditoria a
leva a concluir que, além destes casos persistirem, o ISS não instituiu os
mecanismos de controlo destas situações nem assegurou a recuperação dos valores
pagos de forma indevida.
***
Além de ter
usado do direito ao contraditório em sede de auditoria, o ISS vem, uma vez
divulgadas as conclusões do relatório da auditoria do TdC, reagir publicamente
dizendo que tomou
medidas para evitar pensões a falecidos e alertando que metodologias propostas “não encontram suporte na lei
vigente”. Assim, em comunicado sobre o relatório do TdC, que apurou
o pagamento de 4 milhões em pensões de sobrevivência a beneficiários já
falecidos (nalguns casos há mais de 10 anos), o ISS
rejeita a “não atuação e imputação de responsabilidade financeira”.
Como foi
dito, a auditoria centrou-se nas prestações por morte cessadas em 2016 e 2017
e, do valor de pagamentos indevidos detetados, 3,7 milhões de euros
correspondem a pensões de sobrevivência cessadas naqueles anos, enquanto cerca
de 0,4 milhões são relativos a pensões próprias; e nos 223 casos analisados de
pensões de sobrevivência cessadas em 2016 e 2017, há 40 em que o óbito tinha
ocorrido há mais de 10 anos e 35 em que contava com mais de 6 anos; e a
auditoria permitiu verificar que, dos 3,7 milhões de euros, houve uma parcela
de 1,8 milhões de euros que foi registada como dívida, tendo sido recuperados
614 mil euros (16,7% do total).
Ora, sobre a
recuperação de dívida, o ISS diz que a quebra generalizada e continuada de
recursos humanos desde 2010 no CNP, que em 2017 ficou reduzido a pouco mais de
metade dos efetivos de que dispunha em 2010, e o aumento dos requerimentos, “são
os principais fatores que têm contribuído para o aumento da pressão sobre o
CNP, condicionando a sua capacidade de resposta”. E o predito comunicado
refere:
“Acresce a complexidade técnica das pensões,
que exige desenvolvimentos ao nível dos sistemas de informação, os quais têm
vindo a decorrer, de forma a diminuir a componente manual na análise e
tratamento da maioria dos pedidos de reforma”.
O ISS,
adicionalmente, refere que a gestão das pensões “requer um sistema de
informação robusto e completo, cujo desenvolvimento está em curso”, prevendo-se
o arranque em produção do primeiro módulo deste sistema “em março de 2019”;
aponta que o PIAPD (Plano de Intervenção para a Área das Prestações
Diferidas), adotado em 2018, “inclui um
conjunto de medidas que atuam no reforço de recursos humanos, nos sistemas de
informação e na melhoria de procedimentos, encontrando-se a generalidade das
medidas já implementadas”; e diz que os efeitos do plano “já são visíveis”,
tendo sido complementados no início de 2019, com novas medidas, como o reforço
de pessoal neste ano e início de 2020 e a especialização de equipas.
O ISS
recorda a necessidade de cruzamento de dados com outras instituições externas
para troca de informações sobre óbitos e que, no âmbito do Simplex+, foi
introduzida uma medida de “comunicação automática de óbito”, que está teste, e
que o pagamento das pensões é suspenso sempre que ocorre a devolução do vale
postal. E sustenta que os pagamentos indevidos resultam do desfasamento entre o
cruzamento dos dados de óbitos e a data de pagamento de pensões, situação que advém
da dimensão do processo e da “necessidade de garantir a articulação com vários
parceiros internos e externos ao sistema de segurança social”. E acrescenta:
“Esta condicionante só pode ser ultrapassada
através de soluções de natureza tecnológica que têm vindo a ser desenvolvidas,
cuja entrada em produção está prevista para 2019, conforme transmitido ao
Tribunal de Contas”.
O ISS
insiste que “existem procedimentos instituídos, que os mecanismos foram efetivamente
implementados e que foi promovida a contratação de recursos humanos para colmatar
os défices de pessoal do CNP”, referindo:
“Estas iniciativas foram extensamente
explicadas à equipa de auditoria do Tribunal de Contas, que optou por não as
valorizar, recomendando metodologias alternativas que não encontram suporte na
lei vigente”.
***
Em suma, o TdC conclui que os procedimentos de registo e
confirmação de óbitos usados “não previnem o pagamento indevido de prestações”,
exemplificando com as situações em que a morte é causa da cessação da pensão
por direito próprio, mas não a sobrevivência, apesar de o beneficiário ser o
mesmo.
O ISS referiu, no contraditório, que as pensões de
sobrevivência e as próprias não se encontravam aglutinadas, pelo que não era
possível fazer o “arrasto” do óbito.
Em 2017, estavam em pagamento 740.631 pensões de
sobrevivência, havendo 9.047 que estavam a ser pagas a pessoas sem número de
identificação fiscal associado, incluindo beneficiários nascidos depois da obrigatoriedade
de obtenção do Cartão do Cidadão. Em resposta, o Instituto de Informática
precisou que o NIF passou a ser campo obrigatório a partir de 2002, aquando da
introdução da nova aplicação de cálculo, mas que persiste um universo de
pensionistas sem o NIF associado, que tem vindo a ser reduzido. Perante este
cenário, o TdC recomenda maior articulação entre os ministérios do Trabalho e
da Justiça para se garantir que a informação relevante sobre os beneficiários é
integrada atempadamente no Sistema de Informação de Pensões. No contraditório,
o gabinete do MTSSS refere que o Orçamento do Estado para 2019 inclui uma norma
que visa “habilitar a interconexão de dados” necessários para o registo do
óbito no Sistema de Informação da Segurança Social. E relativamente aos casos
que envolvem residentes no estrangeiro (onde a
obtenção de informação em tempo útil se torna mais difícil) o TdC
recomenda a adoção de medidas, sugerindo a introdução de prova de vida.
Em 2017, a despesa com prestações por morte (incluindo subsídio por morte e reembolso das despesas de
funeral), no âmbito do sistema previdencial, totalizou cerca de 2.004 milhões
de euros, com a despesa das pensões de sobrevivência a representar 1.903
milhões de euros. O diploma que regula as pensões de sobrevivência prevê que
estas são atribuídas a cônjuges, ex-cônjuges e membros sobrevivos das uniões de
facto, sendo pagas por um período de 5 anos se o beneficiário tiver menos de 35
anos à data do óbito do outro elemento do casal.
E o TdC sublinha que nas uniões de facto “o atual modelo de
atribuição” destas pensões tem elementos “que dificilmente são passíveis de
controlo”, visto que a união de facto, embora deva ser provada por declaração
da junta de freguesia, não tem de ser registada, pelo que recomenda melhorias
na verificação das uniões de facto, até porque a informação disponível à data
de setembro de 2018 revelou que, nos casos examinados, as pensões de
sobrevivência mantinham-se ativas apesar de já não cumprirem requisitos para
tal, resultando num pagamento indevido médio ao longo de 32 meses.
***
Não se
entende que a Segurança Social falhe tanto como aquilo que o relatório da
auditoria do TdC denuncia. Tolerar-se-ia que, antes da informatização dos
serviços, houvesse o lapso de um ou dois meses entre o óbito dum cidadão e o
corte da sua pensão, pois era normal que, entre o conhecimento do óbito pela
Conservatória do Registo Civil e o conhecimento da Segurança Social, mediasse
algum tempo, mas agora com as possibilidades de comunicação entre departamentos
do Estado, o domínio das situações é possível quase na hora. Imagine-se que o
cidadão falha um prazo na conservatória, nos serviços de finanças ou na delegação
saúde. Cairá o Carmo e a Trindade. O Estado falha – e a Segurança Social é
useira e vezeira em falhas – e os cidadãos têm que aturar. Nada pior em mais funesto
que a falta de comunicação entre serviços como em empresas.
É chocante
atrasarem-se os serviços na entrega das prestações, sejam abonos de família, sejam
subsídios de desemprego, de doença ou de parentalidade, sejam pensões, como é
chocante serem indivíduos falecidos chamados a consultas médicas, exames ou
juntas. É inaceitável que o histórico duma pessoa na Segurança Social não
contenha todos os seus dados devidamente atualizados ou que os contribuintes (cidadãos
e empresas) paguem
as prestações que devem e o registo do pagamento tarde com eventual prejuízo para
os utentes.
Enfim, a
Segurança Social que nos deixa inseguros e que desperdiça dinheiros e energias
por incompetência supina! Haja quem ponha cobro a esta incompetência maior que
a dos governos, de que não deveríamos precisar, a não ser para a superior definição
de políticas públicas!
2019.02.28 –
Louro de Carvalho
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