terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Exonerar ou não o Governador do Banco de Portugal


Quer o BE (Bloco de Esquerda) que o Governo exonere Carlos Costa das funções de governador do BdP (Banco de Portugal), depois de se saber do seu envolvimento em empréstimos ruinosos da CGD (Caixa Geral de Depósitos) aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino e ao projeto do Vale do Lobo. Para tanto, apresentou, no dia 11, um projeto de resolução em que a Assembleia da República recomende ao Executivo a exoneração de Carlos Costa do cargo de governador do Banco de Portugal. Refere o projeto de resolução que seguiu para o Parlamento:
Depois de tudo o que aconteceu ao sistema bancário nacional, o país não pode compreender ou tolerar que um ex-administrador da CGD, com responsabilidades em processos de decisão de crédito aparentemente ruinosos, utilize o seu lugar como responsável máximo do Banco de Portugal para garantir que não é incluído em futuros processos de avaliação”.
E o documento que foi apresentado por Mariana Mortágua acrescenta:
O Banco de Portugal não pode ser um refúgio de ex-banqueiros, sob pena de ver a sua credibilidade ainda mais degradada aos olhos da opinião pública”.
Segundo a dirigente bloquista em declarações na sede do BE, em Lisboa, está em causa saber “se o Governador pode avaliar a idoneidade dos ex-gestores” e se Costa é idóneo “para ser governador do Banco de Portugal”. E a deputada, questionando-se sobre “quem neste país pode garantir que Carlos Costa tem idoneidade para ser governador do Banco de Portugal”, adiantou que ninguém pode, nem o próprio BdP, que não o vai avaliar, pois,um governador que está sob suspeita de idoneidade por princípio não reúne as condições para se manter no cargo”.
De acordo com a lei orgânica do BdP, Costa só pode ser demitido através de resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças ou recomendação da Assembleia da República, sendo que a exoneração do governador do banco central só ocorrerá se ele “deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. Mas, como o conceito de “falta grave” não aparece definido com clareza nos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais, há lugar a várias interpretações.
Já, em março de 2017, o Bloco de Esquerda tinha apresentado um projeto de resolução em que admitia a exoneração de Carlos Costa por ter identificado “faltas graves” do governador na atuação nos casos do BES e do Banif. Agora, Carlos Costa volta a estar sob pressão política por causa das conclusões da auditoria da EY à gestão do banco público.
Presentemente, o supervisor encontra-se a avaliar 9 dos 44 gestores que passaram pelo banco público entre 2000 e 2015 a fim de apurar responsabilidades contraordenacionais que possam resultar da auditoria. Porém, Costa, que foi administrador da CGD entre 2004 e 2006 com o pelouro do marketing e internacionalização, escapará a essa avaliação, de acordo com o Jornal Económico. Com efeito, a Sábado revelou o teor das atas que mostram que Carlos Costa participou nas decisões financiamentos do banco estatal aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino e ao projeto de Vale de Lobo. Estes empréstimos constam da lista dos grandes créditos em situação de incumprimento e que geraram perdas de largos milhões para a CGD.
De resto, o governador do BdP pediu, em novembro passado, escusa para não participar nas decisões do banco central sobre a auditoria à CGD por ter sido seu administrador no período analisado pela EY – pedido de escusa que, segundo Mariana Mortágua, prova que há conflitos de interesse do governador neste processo.
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Sobre o caso, o Governo promete que “serão tiradas todas as consequências sem olhar a quem”.
Na verdade, Ricardo Mourinho Félix, Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, não compromete o Governo em exonerar o governador do BdP, mas sustenta que estão a ser apuradas responsabilidades “criminais”, “contraordenacionais” e “civis”.
De facto, o cerco aperta-se para Carlos Costa. Além do BE, que já veio exigir ao Governo que demita o governador do BdP, tendo apresentado um projeto de resolução em que propõe que a Assembleia da República recomende ao Executivo a exoneração, também o CDS e o PCP não descartaram a hipótese de avançarem com pedidos de exoneração do governador. E, Pelo PS, o deputado João Paulo Correia afirma a existência de “suspeitas” quanto à conduta de Carlos Costa quando foi administrador da CGD entre 2004 e 2006. No entanto, sustenta que é “precipitado” pedir a sua exoneração de governador do Banco de Portugal.

Assim, o deputado socialista e vice-presidente da sua bancada parlamentar declarou à TSF:

Temos obviamente suspeitas sobre a sua conduta, mas temos de aguardar que os inquéritos sejam concluídos e que apontem responsáveis e responsabilidades. […] Seria muito precipitado avançar já com uma conclusão antes de iniciarmos o próprio inquérito parlamentar. A proposta de exoneração surge aqui como uma desvalorização.”.
Para João Paulo Correia, a audição a Carlos Costa surge assim como “fundamental para dissipar dúvidas ou confirmar suspeitas que foram expostas pela auditoria”. E o deputado adiantou que “só a partir daí é que estaremos em condições de ir mais longe na nossa apreciação”.
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Porém, a conflitualidade com o governador do BdP não se circunscreve à CGD ou à resolução do BES e do Banif. Agora surge no ponto de divergência entre o Banco Central e o poder político. Com efeito, a entidade liderada por Costa dispõe de um prazo de 100 dias para divulgar os grandes devedores dos bancos que recorreram a ajuda estatal, prazo que a instituição já disse não ser “exequível”. Efetivamente a lei que obriga à divulgação dos grandes devedores dos bancos que beneficiem de apoio estatal foi publicada em Diário da República hoje, dia 12 de fevereiro. A lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, amanhã, dia 13, e estabelece que o BdP entregue até ao dia 23 de maio um relatório sobre as ajudas públicas dadas aos bancos nos últimos 12 anos, prazo considerado inexequível pela instituição.
Na verdade, o artigo 6.º da Lei n.º 15/2019, de 12 de fevereiro, sobre transparência da informação relativa à concessão de créditos de valor elevado e reforço do controlo parlamentar no acesso a informação bancária e de supervisão, estabelece:
“No prazo de 100 dias corridos da publicação da presente a lei, o Banco de Portugal entrega à Assembleia da República um relatório extraordinário com a informação relevante relativa às instituições de crédito abrangidas em que, nos 12 anos anteriores à publicação da presente lei, se tenha verificado qualquer das situações de aplicação ou disponibilização de fundos públicos, previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º”.
A norma para que remete este art.º 6.º define, para efeitos desta lei, como ‘instituição de crédito abrangida’:
Qualquer instituição de crédito, independentemente da natureza pública ou privada dos titulares do seu capital, que tenha sido objeto ou resultado de medida de resolução, de nacionalização, de liquidação, ou de operação de apoio à sua capitalização, com recurso a fundos públicos disponibilizados pelo Estado, ou pelo Fundo de Resolução com recurso a financiamento ou garantia prestados pelo Estado, incluindo através da aquisição ou subscrição de capital social, aquisição de ativos (operações de carve out), subscrição de instrumentos de capital contingente ou capitalização de instituições de transição”.
A obrigação legal de que estamos a falar configura um relatório extraordinário do BdP em que estão em causa a CGD (Caixa Geral de Depósitos), o BES/Novo Banco, o Banif, o BPN, mas também o BCP e o BPI, que recorreram a instrumentos de capital do Estado para atingir rácios de capital mínimos na altura da intervenção da troika, sendo que arranca também, com a entrada em vigor desta lei, a contagem dos 100 dias, cujo termo ocorrera a 23 de maio (vd art.º 6.º). 
Para além deste relatório extraordinário, ao abrigo da nova lei, o BdP é obrigado a recolher e enviar para o Parlamento informação relevante sempre que um banco seja ajudado com fundos públicos, informação que tem de ser enviada em 120 dias depois da decisão de ajuda ao banco e atualizada no prazo de um ano (cf art.º 5.º).
A informação relevante, prevista na alínea c) do art.º 3.º e que o BdP tem de revelar aos deputados sobre os devedores, abrange: o valor do crédito, financiamento ou garantia concedido originariamente ou da participação societária adquirida; a data da concessão e de eventuais reestruturações do crédito, financiamento ou garantia, ou da aquisição da participação societária; o valor do capital que foi reembolsado à instituição de crédito abrangida; o valor das perdas de capital e juros verificadas após eventual execução ou reestruturação; o valor das perdas de capital e juros estimadas; a existência e tipo de garantia ou qualquer forma de colateral; a identificação do devedor da grande posição financeira, assim como, no caso de pessoas coletivas, dos respetivos sócios (que se carateriza por ter montante superior a 5 milhões de euros, que se encontre registo no balanço do banco ou que tenha sido eliminado do balanço nos últimos 5 anos por perdão e quando haja um incumprimento de mais de três prestações); a identificação dos membros da administração e dirigentes da instituição de crédito abrangida que participaram na decisão de concessão da grande posição financeira ou na decisão da sua eventual renovação ou reestruturação, bem como na avaliação das garantias prestadas; e a identificação das ações e medidas para recuperação da grande posição financeira realizadas ou em curso, pela instituição de crédito abrangida.
Também quanto a este reporte de informação, o BdP também apresentou reservas, aduzindo que “atualmente as instituições não reportam ao Banco de Portugal a totalidade da informação relevante prevista no projeto”, pelo que para cumprir essa obrigação com os detalhes pedidos teria de ser criado “um novo reporte para as instituições”, sendo que o normativo ora publicado não confere ao regulador habilitação regulamentar para tal.
E a entidade liderada por Costa alertou a para outro problema, o de não ter competências para pedir esse reporte de informação aos maiores bancos que operam em Portugal, pois a sua supervisão é feita pelo BCE (Banco Central Europeu), sendo é essa a entidade que pode criar novos reportes para instituições significativas. Na verdade, os bancos designados como instituições significativas são aqueles que, por serem de grande dimensão, são supervisionados diretamente pelo BCE e não pelos bancos centrais nacionais. Em Portugal, CGD, BCP e Novo Banco estão sob supervisão direta de Frankfurt.
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Não é, pois sem razão que o colunista do ECO, António Costa, dá o título Um governador que deixou de o ser” a seu artigo de opinião e sustenta estar Carlos Costa no limite do insustentável, pois “já deixou de ser governador e passou a estar governador”.
Referindo que ironicamente Costa se mantém no cargo de governador do BdP “depois de tudo o que não fez no BES”, estando agora em risco o seu lugar “pelo que fez como administrador da CGD (Caixa Geral de Depósitos) entre 2004 e 2006”. E, segundo o colunista, neste caso, “o maior problema não é jurídico e formal, é mesmo político e até pessoal”, britando-lhe “a legitimidade” de supervisor “perante os supervisionados”, visto que “ele próprio, como gestor bancário, participou direta ou indiretamente na concessão de créditos ruinosos”.
Assim, ainda segundo o colunista, Costa, “neste momento um alvo fácil”, está completamente nas mãos do Ministro das Finanças e do Primeiro-Ministro. Até é provável que se mantenha como como governador até ao final do mandato, “mas estará governador, não será governador” e ficará “sem autoridade, sem consistência, como se vê na forma esdrúxula como foi ‘resolvida’ a gestão do Banco Montepio”.
Para António Costa, o problema não será propriamente ter cometido uma “falha grave”, que possa levar à exoneração, como previsto na Lei Orgânica do Banco de Portugal, “que remete para a própria lei europeia do sistema de bancos centrais”. A alegação de “falha grave” levaria a “uma discussão jurídica que não terminaria antes de maio do próximo ano, termo do atual mandato. E, como “o processo é político, e até pessoal”, será “nesse domínio, que tudo se vai resolver, no âmbito da nova CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) à gestão da CGD de 2000 a 2015 e que vai transformar-se também numa avaliação do governador”.
Por outro lado, como “os membros do Conselho de Administração [do Banco de Portugal] são inamovíveis”, só podendo “ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE [Sistema Europeu de Bancos Centrais/Banco Central Europeu]”, o governador “só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. E, como a exoneração só se tornaria efetiva após a resposta a eventuais recursos quer do BdP quer do BCE, dificilmente a medida de exoneração resultaria eficaz.  
Neste aspeto, o BCE, que não quer abrir precedentes noutros países, dificilmente dará guarida a qualquer pressão política, o que não melhora a posição e autoridade de Carlos Costa, que está no limite do insustentável. Com efeito, como é que pode avaliar colegas seus na CGD se não assume também as consequências para si mesmo? – pergunta António Costa.
Portanto, o problema será encarado pelo lado mais grave, o problema da falta de autoridade e de legitimidade, que o próprio governador já topou e que o levou ao pedido de escusa de participar em decisões do BdP sobre a CGD relacionadas com a auditoria e respetivas consequências.
E Carlos Costa poderia muito bem ajudar no desenlace, já que é de todo questionável como é que o governador pode manter-se em funções se não passaria nos critérios de idoneidade usados para vetar candidatos à administração de bancos comerciais, sendo os mesmos ou ainda mais exigentes os que presidem à nomeação do líder da instituição reguladora e supervisora. Apresentaria ele próprio o pedido de demissão para facilitar a imparcialidade e a eficácia no apuramento de responsabilidades. Que diabo! Quem não deve não teme…  
Não vá acontecer que outros como Ricardo Salgado e Morais Pires, porque este caso da CGD dá azo a “cavalgarem a tese de que tudo o que se passou no grupo BES/GES se deveu a Carlos Costa”. Obviamente que “não foi”, mas “convém separar as águas”.
E, não é mudando o regime de nomeação do Governador que as coisas ficarão melhor, como quer o CDS (promete apresentar em breve um projeto de lei) e como chegou a quer o PS (apresentou um projeto de lei para alterar o regime de nomeação, que deixou cair). Concordo que o Governador seja nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo e após audição no Parlamento, como quer o CDS. Mas é apenas uma questão de transparência, que, por si, não elimina falhas idoneidade. Mas o PS e o Governo, que apenas conseguiram ganhar a audição parlamentar, não falam alto ao BCE e à Comissão Europeia. Isso de falar alto fica para professores e enfermeiros!
Para já Carlos Costa mantém-se de pedra e cal, a menos que entenda dever sair pelo seu pé…
2019.02.12 – Louro de Carvalho       

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