domingo, 24 de fevereiro de 2019

Bento Domingues é Doutor Honoris Causa pela Universidade do Minho


Frei Bento Domingues OP (Basílio de Jesus Gonçalves Domingues, nome de nascimento), primeiro diretor da Licenciatura em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, foi agraciado com o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Minho (UM), no dia 15 de fevereiro.
Como refere o site 7MARGENS, a base desta distinção é, segundo Moisés Lemos Martins, diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da UM: “Frei Bento é, por certo, o maior teólogo da Igreja Católica em Portugal e é uma voz grande da cultura portuguesa”.
Figura marcante da nossa sociedade, Bento não desistiu da atitude interventiva, questionadora e inquietante. Quando em 2012, Julieta Mendes Dias e Paulo Mendes Pinto levaram a cabo um volume de homenagem a este teólogo, o título foi: “Frei Bento Domingues e o incómodo da coerência (Paulinas Editora). É, de facto, incómodo e é coerentemente incómodo.
Seria longo o historial das suas atitudes e atividades. Na década de década de 90, foi convidado pelo padre Isidro Alves, então reitor da UCP (Universidade Católica Portuguesa) para professor da Faculdade de Teologia e membro da equipa da revista teológica Communio. Mas, porque o reitor disse “não” ao pedido de garantia de que teria plena liberdade de ensino, não aceitou o convite, pois, se fosse, corria o risco de perder um amigo, o que não desejava de todo. E, porque a liberdade de pensamento e de consciência é a ferramenta da sua coerência, diz que teve sempre relação com universidades, mas as não confessionais.
Assim, quando a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em 1997, lhe pediu a que dirigisse o projeto de Ciência das Religiões, fê-lo na plena consciência de quem tinha à frente. Com uma vida cívica de mais de 40 anos e um caminho teológico na mesma escala, Frei Bento era uma figura ímpar da cultura portuguesa, pelo que “a marca a deixar no projeto seria inevitavelmente forte”. A liberdade de pensamento dele e do Pastor Dimas de Almeida, seu companheiro no arranque do projeto, perduram até hoje como marca no ADN daquela Universidade. Por esse projeto, a Lusófona atribuiu-lhe a Medalha de Ouro de Reconhecimento e Mérito, a 19 de janeiro de 2005. (cfhttps://www.ulusofona.pt/noticias/ciencia-religioes-doutoramento-honoris-causa).
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Nascido há 84 anos (1934) em Travassos, Terras de Bouro, Frei Bento Domingues entrou para a Ordem dos Pregadores, em 1953. Estudou Filosofia e Teologia em Fátima, Salamanca (Espanha), Roma (Itália) e Toulouse (França).
Como assistente da Juventude da Igreja de Cristo Rei, no Porto, coordenou a exposição “O Mundo Interroga o Concílio”, que o levou à expulsão pela PIDE, em 1963. Regressado a Portugal, dedicou-se ao ensino e à investigação no Studium Sedes Sapientiae, de Fátima, no Instituto de São Tomás de Aquino, no Centro de Reflexão Cristã, no Instituto de Psicologia Aplicada e no Instituto Superior de Estudos Teológicos, onde assumiu cargos de direção.
Durante a ditadura participou na Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, no Comité Português Pró-Amnistia Geral no Brasil e no Conselho de Imprensa, bem como no lançamento da publicação clandestina “Direito à Informação” e na organização do primeiro colóquio ecuménico no país. E, a partir de 1980, lecionou em Angola, Peru, Chile e Colômbia. Foi ainda diretor do curso de Ciência das Religiões e do Centro de Teologia e Ciência das Religiões da Universidade Lusófona de Lisboa e membro do Conselho Geral da Universidade do Porto, da Assembleia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e do Conselho de Ética do ISPA – Instituto Universitário. Foram-lhe atribuídos o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade, pela Presidência da República, o Prémio dos Direitos Humanos, pela Assembleia da República, o Prémio Ângelo d’Almeida Ribeiro, pela Comissão dos Direitos Humanos. (cf https://ominho.pt/uminho-atribui-doutoramento-honoris-causa-a-alvaro-laborinho-lucio-e-a-frei-bento-domingues/)
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Há mais de 25 anos e numa época em que a Igreja ainda andava às voltas com o debate sobre a evangelização nos meios de comunicação, trouxe a Teologia para os jornais. Voz incómoda no clero português, defende a ordenação de mulheres, a comunhão de divorciados e afirma que o ser humano é todo sexual. E, apesar de ser frade dominicano a viver num convento no Alto dos Moinhos, não se esconde atrás da clausura. Em outubro de 2014 conversou com o jornal i  por ocasião do sínodo extraordinário sobre “os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização. E o monge teólogo e cronista não receia afirmar que “o sexo não é só procriação” e critica os interesses instalados na política e no mundo empresarial, dizendo que “isto não é mundo que se apresente”. Dessa conversa se destacam os conteúdos mais vincados.
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Sobre o sínodo de 2014 dizia que tinha um efeito muito concreto: “dar a palavra”. Embora considere o modelo coxo, por a reflexão estar centrada nos bispos e terem sido convidadas poucas famílias, “o facto de existir recetividade para abrir a discussão já é positivo”, pois “há muitas coisas, sobre a ética sexual e reprodutiva, que estão entorpecidas e encalhadas desde Paulo VI” e “é preciso que a Igreja faça uma redescoberta no campo da sexualidade”.
Sobre a comunhão de divorciados, tem o posicionamento de concordância, justificando:
Então podem ir à missa, mas não podem comungar? É como se eu convidasse uma pessoa para jantar – porque o modelo de eucaristia que Jesus escolheu foi uma ceia, é essa a simbólica da eucaristia – e não a deixasse comer. Isso não faz qualquer sentido.”.
Quanto à quebra de compromisso para toda a vida, aduz a existência de situações irreversíveis e que a fé e a caminhada dessas pessoas necessitam de ser acompanhadas.
Em relação à passagem de Mateus em que se lê “o que Deus uniu não pode ser separado pelo homem”, refere, em jeito de pergunta, que a Eucaristia, desde o começo, é um pedido de perdão e que a própria consagração é pela remissão dos pecados; que o pai-nosso contém o pedido de perdão e que a palavra mais importante para Deus, na Bíblia, é “misericórdia”. E avança:
Jesus foi criticado, no seu tempo, por atender as pessoas que tinham estragado as suas vidas e por andar com aqueles que estavam classificados como pecadores. É com eles que Jesus come.”.
Relativamente aos homossexuais e ao acolhimento na Igreja, diz terem-se dado alguns passos na Igreja (e na sociedade) e, recordando que atendeu pessoas, em confissão, angustiadíssimas, julga que “também neste campo a Igreja deve dizer o que é autenticamente humano e acolher bem as pessoas”, mas que “não se faça da homossexualidade um cartão de visita”.
Depois, fala das uniões de facto, dizendo que os padres que trabalham na preparação do matrimónio sabem que a maioria dos casais vive em união de facto antes do casamento. E à questão se essas pessoas estão em pecado responde:
O casamento é uma realidade que vai sendo – o gerúndio é propositado – e há um momento em que o casal decide fazer a grande festa do grande compromisso. Estas questões são fenómenos das sociedades. E, às vezes, até há muitos divórcios porque não houve uma descoberta verdadeira antes do matrimónio e, a seguir ao casamento, as pessoas percebem que não funciona. Viver juntos não é garantia de que o relacionamento depois bata certo. Mas a Igreja e os cristãos – porque a Igreja são os cristãos, servidos e ajudados pela hierarquia – tem de debater estas novas realidades. Sem tabus.”.
Entende que muitas pessoas fazem coisas porque dizem que são mandamento de Deus. Ora, Tomás de Aquino diz que “se faço algo só porque foi mandado por Deus, talvez corra o risco de estar enganado, pois talvez tenha sido eu a inventar”. Com efeito, diz Frei Bento, “só sou livre e verdadeiramente pessoa humana se tiver consciência de que faço uma coisa porque compreendo que ela é boa e evito outra porque percebo que é má”. Aliás, Jesus resumiu os mandamentos em dois: amar a Deus e ao próximo.
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Sobre a hierarquia das verdades assenta que é preciso compreender o que é principal e o que é secundário, quando tem acontecido que o secundário tem ocupado o espaço todo.
E, no atinente à redescoberta da sexualidade que Igreja deve fazer, explicita:
Todos os homens e mulheres são sexuais e o episcopado também nasceu de famílias. O problema é descobrir a importância da sexualidade na vida humana. No sexo não se trata só de procriação.”.
Mais diz que, sendo essencial à vida humana o prazer, há que obstar à anarquia dos sentidos. De facto, quando se faz algo porque apetece, mesmo implique uma desgraça para outrem, isso não é prazer, é egoísmo. E isso pode existir na sexualidade sob a forma de dominação. E o prazer é a comunhão de toda a sensibilidade, que é humana, mesmo intelectual, e não afeto desligado, pois o ser humano é todo ele sexual. Essa redescoberta do valor da sexualidade tem de ser feita, pois não podemos olhar para a relação sexual como um pecado. Com efeito, a sexualidade é uma questão de antropologia, que leva a descobrir o ser humano nas suas múltiplas facetas.
Não dá lições aos jovens católicos que lhe confessam que são sexualmente ativos apesar de não serem casados, porque “o problema não é esse”. E explicita:
O problema é perceber se o jovem ou a jovem têm uma vida sexual desorganizada, se andam a magoar outras pessoas, a fazer promessas que depois não cumprem. Aí, sim, está o pecado. O pecado na sexualidade, em jovens ou em adultos, é muitas vezes as pessoas servirem-se da sedução para enganar o outro e ter apenas umas horas de prazer.
Sustenta que “se fez da virgindade, que é uma questão biológica, um problema ético”, quando “a moral não é um tratado de fisiologia ou biologia”. Assim, uma das coisas que a Igreja tem de fazer “é ajudar os casais, os jovens e os grupos a compreender” que a pessoa tem de ser responsável pela sua vida sexual, sem se querer aproveitar do outro ou da outra e sem magoar.
É certo que a questão da virgindade é importante para a Igreja. Porém, segundo Frei Bento, o Evangelho não fala claramente da conceção e parto virginais de Jesus. Para isto, aduz:
O que os evangelhos da infância pretenderam transmitir é a ideia de que, se este homem foi tão excecional na sua vida adulta, essa excecionalidade era de nascença. E construíram-se narrativas. Mesmo as genealogias são teológicas, são interpretações. Para no final se concluir que Jesus é fora de série.”.
Também se descobriu que Maria é fora de série. E o pior foi transformar os evangelhos da infância numa questão biológica, “quando o que queriam dizer”, em linguagem simbólica, “é que Jesus não era mais um na série humana”, que “era tão de Deus que foi logo um fruto do Espírito Santo”. O teólogo não se preocupa se Maria e José tiveram sexo ou não. E confessa:
Maria aparece como uma mulher totalmente dedicada a Jesus e que não o entende. Teve de fazer muitas transformações na sua vida, de entrar na loucura do seu filho e aparece, também ela, no meio dos discípulos à espera do Pentecostes. Maria tem de se tornar cristã, discípula do seu filho. […] As mulheres nos evangelhos nunca pedem nada e acompanharam os discípulos, [sobretudo] quando começaram a andar junto da cruz, e foram ao sepulcro fazer as celebrações que se faziam aos mortos e é a elas que Jesus aparece.”.
Critica a negação da ordenação presbiteral e episcopal às mulheres, quando “a luta das mulheres conseguiu muitas transformações na sociedade, mas na Igreja isso não aconteceu porque se disse que era contrário ao mandamento de Deus”, o que não é verdade. E o teólogo vinca:
A mudança de mentalidades é difícil. A vida humana é uma vida longa. A nossa vida, individualmente, é que é muito curta. O que eu acho é que cada geração deve abrir novas possibilidades às seguintes e não fechá-las. Há pessoas que querem sempre fechar o caminho: isto é irreformável, isto é dogmático, isto não se pode mexer. Ao fim e ao cabo, isto é cortar a liberdade a Deus e dizer-lhe: ou passas por aqui ou não passas.”.
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Nunca teve qualquer problema com o episcopado português, a não ser com Cerejeira, que não o deixava pregar. Mas, depois do 25 de Abril, não teve mais problemas. Nunca lhe passou pela cabeça ocupar um cargo importante na hierarquia, não gosta da ideia de ser ou parecer superior e detesta o carreirismo. Diz nada ter “contra os bispos ou os cardeais” e que só quer “que os seus cargos sejam para servir”. Não tem problema nenhum em não quererem que pregue neste ou naquele lugar por causa das suas ideias peculiares, como não sabe lidar com homenagens, pois acha que “a pessoa que gosta de ser lisonjeada está estragada”.
Não gosta de escrever, gosta é de ler e de debater. E diz que “as crónicas foram uma grande aventura”, que muitas pessoas interpretavam “como uma espécie de homilia de domingo”.
Começou-as, porque não havia muita coisa. O padre Rego tinha algo no DN e o padre Rui Osório, que era jornalista, escrevia no JN. Havia muitas iniciativas em França, na Alemanha e noutros países que revelavam “uma certa descoberta dos meios de comunicação enquanto veículos de fé”. Porém, ligada à pregação vem a ideia do sermão sempre a insistir no que é proibido e no que se deve fazer e no que não se deve fazer (arte “moraleja” – diz). E “a pregação não é isso, nem é propaganda”. Para o frade dominicano, pregar
É dar voz aos anseios das pessoas e àquilo que, na tradição cristã, interpretamos como o projeto de Jesus, dando sentido à vida através dele; é assumir, em cada época, segundo os povos e as culturas, esse projeto que, “no fundo, é fazer do mundo uma fraternidade”.
Sabe que, se Jesus vivesse no nosso tempo, “pregaria em todo o lado”, mas não sabe se escreveria nos jornais, pois “não temos nada escrito por Jesus”. Todavia, “temos escritos de representantes de comunidades”. E observa Frei Bento:
É uma escrita plural. São Paulo tinha mais essa vocação de jornalista, de comunicação, estava sempre em ligação com as comunidades. Escrevendo, escrevendo... Jesus foi o projeto de dizer: é preciso mudar. Este mundo não é mundo que se apresente. Começou a pregar, anunciando que até então reinava a opressão das pessoas e que era preciso o reinado da libertação das pessoas. É este o projeto.”.
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Assegura que temos hoje imensos profetas e que a profecia de que precisamos é a da dignidade humana. E explica, na ótica da crise de valores e de juízo:
Vivemos num país em que faltam crianças, em que os mais velhos, que sustentavam as famílias, viram os seus rendimentos cortados... O primado que existe no mundo contemporâneo, e não é só em Portugal, é o primado da finança e não o do bem-estar das pessoas. […] Todos os dias ouvimos falar de como as coisas funcionam ao nível da banca e no mundo dos negócios, os milhões que se ganham e com que se mexe. Não se ouve falar dos milhões de pessoas que estão na miséria. Dignidade humana é perceber que o ser humano tem o direito e o dever de poder viver, sob o ponto de vista do ensino, da saúde, da solidariedade, da constituição da família. E quem tem os meios tem também o dever de ajudar os outros e de construir um país em que o bem de todos venha antes do bem só de alguns magnatas.”.
À política de hoje, que só olha ao poder, contrapõe que o verdadeiro poder é as pessoas terem saúde, poderem estudar, investigar, terem recursos para levar uma vida digna”, que “a democracia é para dar poder a todos” e que “é necessário discernimento político”, ou seja, “saber discernir prioridades e perceber onde podemos encontrar meios”.
É certo que há decisões que não competem só aos agentes políticos nacionais. Por isso, “é preciso trabalhar no diálogo político” e dar voz aos profetas. E sustenta:
Profeta é, no sentido bíblico, o Homem clarividente. Estamos perante uma situação em que, em vez de as pessoas se calarem e fecharem os olhos, é preciso parar e dizer: quais são as causas da atual situação? E como poderemos inverter este caminho? Diz-se que não existem alternativas. Como é que se sabe que não há? Já se experimentou? O profeta é alguém que interpreta os sinais dos tempos. Há um problema de falta de clarividência, com os interesses de grupos, de empresas a serem mais importantes no lucro que alguns vão ter. Mas a prazo não vão ter lucros, vai ser um desastre.”.
Acusa o facto de as Igrejas se retraírem muito para que não se diga que se estão a meter no que é da política”, o que redunda em carência de profecia, “quando a Igreja, hoje, para ser profética, não pode desvalorizar a política, a economia, a finança”. E o teólogo explicita:
Tem de servir de mediação, dar direção, ajudar a perceber que há caminhos que levam ao desastre e outros que ajudam a tornar a vida mais feliz. Mas, ainda assim, vai havendo essas vozes proféticas. Há um profetismo enorme nos bairros... as pessoas que se ocupam daqueles que não têm nada para viver, os que se organizam civilmente, os voluntários que servem refeições a quem não tem o que comer. Há vozes, pessoas que compreendem que se pode fazer de outra maneira e que se substituem ao Estado, que tinha essa obrigação. Isto é um profetismo de bases, por assim dizer. Mas há vozes. O Papa Francisco apareceu como uma voz mundial.”.
Sobre os casos de corrupção que vão sendo descobertos, situa-os no problema dos valores, que não é abstrato. E, citando Kant, assegura que o ser humano não tem preço: só tem valor. Não pode ser um meio para ser algo melhor do que ele. As coisas têm é de estar ao seu serviço. E verifica:
As pessoas corrompem-se porque têm apetites desgarrados. Pensam que, fazendo este ou aquele golpe, vão ser ricos e ser rico, hoje, significa tudo. É esta ideia louca de que sendo rico tenho todas as hipóteses.”.
Considerando que dificilmente se pensa no que se deve fazer para desenvolver as próprias capacidades intelectuais, afetivas e relacionais, comenta:
Se desde a escola, desde a família, se incutisse nas crianças a honestidade, o sentido do dever, da solidariedade, a importância do desenvolvimento das capacidades individuais para criar um ambiente bom para todos... Mas o pensamento, hoje, é outro: como é que eu posso ser melhor do que o outro? Como posso ir à frente de toda a gente? Estamos a criar uma cultura tecnológica em que as crianças são desde logo habituadas a lidar com ipads, mas que não sabem olhar para a natureza, para o mundo e para os outros. E esta é a maior corrupção: a corrupção das relações humanas. Os pais com os filhos, o marido com a mulher, violência em casa. É-se corrupto porque se tem a inteligência e os desejos e gostos distorcidos.”.
Porém, conclui que não é mau ter desejos, desde que se deseje o que vale a pena: antes de mais, o nosso desenvolvimento com o desenvolvimento dos outros. O mundo como está não é mundo que se apresente e, como dizia Paulo, não nos devemos conformar com o mundo como ele está.
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Enfim, Frei Bento Domingues sublinhou em Tomás de Aquino, que ainda o lê só no latim: Se faço uma coisa porque está mandado, mesmo que seja por Deus, não sou livre, só sou livre quando faço, ou deixo de fazer, porque é mal ou é bem”. Quis ser um homem livre. Tinha pó a Salazar. Deu-se bem com Sá Carneiro e Salgado Zenha. Acolheu membros das Brigadas Revolucionárias na clandestinidade. Vive num convento em Benfica. Nasceu em 1934 numa terra onde se “plantam carvalhadas (palavrões), se trocam os “v” por “b”,
Este é Frei Bento mesmo no tempo em que ainda não era Frei Bento, mas Basílio, o que nasceu nas Terras de Bouro, creu em bodes e bruxas no cruzamento de caminhos, leu às ovelhas orações em latim. É o que fez discursos ditos subversivos, que foi apontado como persona non grata nos anos 60, que andou por África e pela América Latina. É este o Frei Bento com quem muitos se enfureceram porque defendeu a ordenação de mulheres e que esteve de costas para um baile porque um padre não podia assistir a um baile. Um heterodoxo. Colunista do Público. Conversador fascinante. Parece mais novo do que é. Fala com sofreguidão. Espírito livre. 
Confessou as mazelas físicas próprias da vida sedentária. Tudo coisas normais. Tudo coisas que fazem parte da vida, tal como faz parte da vida deste frade-padre São Tomás de Aquino.
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Apesar de não gostar de escrever, como diz, publicou, além das crónicas:
A Religião dos Portugueses, Porto: Figueirinhas, 1988; A Humanidade de Deus, Porto: Figueirinhas, 1995; A Igreja e a Liberdade, Porto: Figueirinhas, 1997; A Religião e a Política face aos Desafios do Fim de Século (com Jean-Marc Ferry), Actas dos Encontros de Abrantes, 20-22 de Novembro de 1997, Abrantes: Palha de Abrantes, 1998; As Religiões e a Cultura da Paz, com prefácio de Jorge Sampaio, Porto: Figueirinhas, 2002; As Religiões e a Cultura da Paz, 2.º Volume, com prefácio de Lídia Jorge, Porto: Figueirinhas, 2004; Um Mundo que Falta Fazer, Lisboa: Temas e Debates, 2014; A Insurreição de Jesus, Lisboa: Temas e Debates, 2014; e O Bom Humor de Deus e Outras Histórias, Lisboa: Temas e Debates, 2015.
 2019.02.24 – Louro de Carvalho

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