Frei Bento
Domingues OP (Basílio de Jesus Gonçalves
Domingues, nome de nascimento), primeiro
diretor da Licenciatura em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, foi
agraciado com o Doutoramento Honoris
Causa pela Universidade do Minho (UM), no dia 15 de fevereiro.
Como refere o
site 7MARGENS, a base desta distinção
é, segundo Moisés Lemos Martins, diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade
da UM: “Frei Bento é, por certo, o maior
teólogo da Igreja Católica em Portugal e é uma voz grande da cultura portuguesa”.
Figura
marcante da nossa sociedade, Bento não desistiu da atitude interventiva,
questionadora e inquietante. Quando em 2012, Julieta Mendes Dias e Paulo Mendes
Pinto levaram a cabo um volume de homenagem a este teólogo, o título foi: “Frei Bento Domingues e o incómodo da
coerência (Paulinas Editora). É, de
facto, incómodo e é coerentemente incómodo.
Seria longo o
historial das suas atitudes e atividades. Na década de década de 90, foi convidado
pelo padre Isidro Alves, então reitor da UCP (Universidade Católica Portuguesa) para professor da Faculdade de Teologia e membro da
equipa da revista teológica Communio.
Mas, porque o reitor disse “não” ao pedido de garantia de que teria plena
liberdade de ensino, não aceitou o convite, pois, se fosse, corria o risco de
perder um amigo, o que não desejava de todo. E, porque a liberdade de
pensamento e de consciência é a ferramenta da sua coerência, diz que teve
sempre relação com universidades, mas as não confessionais.
Assim, quando
a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em 1997, lhe pediu a que
dirigisse o projeto de Ciência das Religiões, fê-lo na plena consciência de
quem tinha à frente. Com uma vida cívica de mais de 40 anos e um caminho
teológico na mesma escala, Frei Bento era uma figura ímpar da cultura
portuguesa, pelo que “a marca a deixar no projeto seria inevitavelmente forte”.
A liberdade de pensamento dele e do Pastor Dimas de Almeida, seu companheiro no
arranque do projeto, perduram até hoje como marca no ADN daquela Universidade.
Por esse projeto, a Lusófona atribuiu-lhe a Medalha de Ouro de Reconhecimento e
Mérito, a 19 de janeiro de 2005. (cfhttps://www.ulusofona.pt/noticias/ciencia-religioes-doutoramento-honoris-causa).
***
Nascido há 84 anos (1934) em Travassos, Terras de Bouro, Frei Bento Domingues entrou para a Ordem
dos Pregadores, em 1953. Estudou Filosofia e Teologia em Fátima, Salamanca (Espanha), Roma (Itália) e Toulouse (França).
Como assistente da Juventude da Igreja de Cristo Rei,
no Porto, coordenou a exposição “O Mundo
Interroga o Concílio”, que o levou à expulsão pela PIDE, em 1963. Regressado
a Portugal, dedicou-se ao ensino e à investigação no Studium Sedes Sapientiae, de Fátima, no Instituto de São Tomás de
Aquino, no Centro de Reflexão Cristã, no Instituto de Psicologia Aplicada e no
Instituto Superior de Estudos Teológicos, onde assumiu cargos de direção.
Durante a ditadura participou na Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, no Comité Português Pró-Amnistia Geral no
Brasil e no Conselho de Imprensa,
bem como no lançamento da publicação clandestina “Direito à Informação” e na organização do primeiro colóquio
ecuménico no país. E, a partir de 1980, lecionou em Angola, Peru, Chile e
Colômbia. Foi ainda diretor do curso de Ciência das Religiões e do Centro de
Teologia e Ciência das Religiões da Universidade Lusófona de Lisboa e membro do
Conselho Geral da Universidade do Porto, da Assembleia do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa e do Conselho de Ética do ISPA – Instituto
Universitário. Foram-lhe atribuídos o grau de Grande-Oficial da Ordem da
Liberdade, pela Presidência da República, o Prémio dos Direitos Humanos, pela
Assembleia da República, o Prémio Ângelo d’Almeida Ribeiro, pela Comissão dos
Direitos Humanos. (cf
https://ominho.pt/uminho-atribui-doutoramento-honoris-causa-a-alvaro-laborinho-lucio-e-a-frei-bento-domingues/)
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Há mais de 25
anos e numa época em que a Igreja ainda andava às voltas com o debate sobre a
evangelização nos meios de comunicação, trouxe a Teologia para os jornais. Voz
incómoda no clero português, defende a ordenação de mulheres, a comunhão de
divorciados e afirma que o ser humano é todo sexual. E, apesar de ser frade
dominicano a viver num convento no Alto dos Moinhos, não se esconde atrás da
clausura. Em outubro de 2014 conversou com o jornal i por ocasião
do sínodo extraordinário sobre “os
desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”. E o monge teólogo e cronista não
receia afirmar que “o sexo não é só procriação” e critica os interesses
instalados na política e no mundo empresarial, dizendo que “isto não é mundo
que se apresente”. Dessa conversa se destacam os conteúdos mais vincados.
***
Sobre o sínodo de 2014 dizia que tinha um efeito muito concreto: “dar a palavra”.
Embora considere o modelo coxo, por a reflexão estar centrada nos bispos e
terem sido convidadas poucas famílias, “o
facto de existir recetividade para abrir a discussão já é positivo”, pois “há muitas coisas, sobre a ética sexual e
reprodutiva, que estão entorpecidas e encalhadas desde Paulo VI” e “é preciso que a Igreja faça uma redescoberta
no campo da sexualidade”.
Sobre a comunhão de divorciados, tem o posicionamento de concordância,
justificando:
“Então
podem ir à missa, mas não podem comungar? É como se eu convidasse uma pessoa
para jantar – porque o modelo de eucaristia que Jesus escolheu foi uma ceia, é
essa a simbólica da eucaristia – e não a deixasse comer. Isso não faz qualquer
sentido.”.
Quanto à quebra de compromisso para toda a vida, aduz a existência de situações
irreversíveis e que a fé e a caminhada dessas pessoas necessitam de ser
acompanhadas.
Em relação à passagem de Mateus em que se lê “o que Deus uniu não pode ser separado pelo homem”, refere, em jeito
de pergunta, que a Eucaristia,
desde o começo, é um pedido de perdão e que a própria consagração é pela
remissão dos pecados; que o pai-nosso contém o pedido de perdão e que a palavra
mais importante para Deus, na Bíblia, é “misericórdia”. E avança:
“Jesus
foi criticado, no seu tempo, por atender as pessoas que tinham estragado as
suas vidas e por andar com aqueles que estavam classificados como pecadores. É
com eles que Jesus come.”.
Relativamente aos homossexuais e ao acolhimento na Igreja, diz terem-se
dado alguns passos na
Igreja (e na sociedade) e, recordando que atendeu pessoas,
em confissão, angustiadíssimas, julga que “também neste campo a Igreja deve
dizer o que é autenticamente humano e acolher bem as pessoas”, mas que “não se
faça da homossexualidade um cartão de visita”.
Depois, fala
das uniões de facto, dizendo que os padres que trabalham na preparação do
matrimónio sabem que a maioria dos casais vive em união de facto antes do
casamento. E à questão se essas pessoas
estão em pecado responde:
“O
casamento é uma realidade que vai sendo – o gerúndio é propositado – e há um
momento em que o casal decide fazer a grande festa do grande compromisso. Estas
questões são fenómenos das sociedades. E, às vezes, até há muitos divórcios
porque não houve uma descoberta verdadeira antes do matrimónio e, a seguir ao
casamento, as pessoas percebem que não funciona. Viver juntos não é garantia de
que o relacionamento depois bata certo. Mas a Igreja e os cristãos – porque a
Igreja são os cristãos, servidos e ajudados pela hierarquia – tem de debater
estas novas realidades. Sem tabus.”.
Entende que muitas
pessoas fazem coisas porque dizem que são mandamento de Deus. Ora, Tomás de
Aquino diz que “se faço algo só porque foi
mandado por Deus, talvez corra o risco de estar enganado, pois talvez tenha
sido eu a inventar”. Com efeito, diz Frei Bento, “só sou livre e
verdadeiramente pessoa humana se tiver consciência de que faço uma coisa porque
compreendo que ela é boa e evito outra porque percebo que é má”. Aliás, Jesus
resumiu os mandamentos em dois: amar a
Deus e ao próximo.
***
Sobre a hierarquia das verdades assenta que é preciso compreender o que é
principal e o que é secundário, quando tem acontecido que o secundário tem
ocupado o espaço todo.
E, no
atinente à redescoberta da sexualidade que
Igreja deve fazer, explicita:
“Todos
os homens e mulheres são sexuais e o episcopado também nasceu de famílias. O
problema é descobrir a importância da sexualidade na vida humana. No sexo não
se trata só de procriação.”.
Mais diz que, sendo essencial à vida humana o
prazer, há que obstar à anarquia dos sentidos. De facto, quando se faz algo
porque apetece, mesmo implique uma desgraça para outrem, isso não é prazer, é
egoísmo. E isso pode existir na sexualidade sob a forma de dominação. E o
prazer é a comunhão de toda a sensibilidade, que é humana, mesmo intelectual, e
não afeto desligado, pois o ser humano é todo ele sexual. Essa redescoberta do
valor da sexualidade tem de ser feita, pois não podemos olhar para a relação
sexual como um pecado. Com efeito, a sexualidade é uma questão de antropologia,
que leva a descobrir o ser humano nas suas múltiplas facetas.
Não dá lições aos jovens católicos que lhe confessam que são sexualmente ativos
apesar de não serem casados, porque “o problema não é esse”.
E explicita:
“O
problema é perceber se o jovem ou a jovem têm uma vida sexual desorganizada, se
andam a magoar outras pessoas, a fazer promessas que depois não cumprem. Aí,
sim, está o pecado. O pecado na sexualidade, em jovens ou em adultos, é muitas
vezes as pessoas servirem-se da sedução para enganar o outro e ter apenas umas
horas de prazer.”
Sustenta que “se fez da virgindade, que é uma questão
biológica, um problema ético”, quando “a
moral não é um tratado de fisiologia ou biologia”. Assim, uma das coisas
que a Igreja tem de fazer “é ajudar os casais, os jovens e os grupos a
compreender” que a pessoa tem de ser responsável pela sua vida sexual, sem se
querer aproveitar do outro ou da outra e sem magoar.
É certo que a questão da virgindade é importante para a Igreja. Porém,
segundo Frei Bento, o Evangelho não fala claramente da conceção e parto virginais
de Jesus. Para isto,
aduz:
“O
que os evangelhos da infância pretenderam transmitir é a ideia de que, se este
homem foi tão excecional na sua vida adulta, essa excecionalidade era de
nascença. E construíram-se narrativas. Mesmo as genealogias são teológicas, são
interpretações. Para no final se concluir que Jesus é fora de série.”.
Também se descobriu que Maria é fora de série. E o pior foi transformar os
evangelhos da infância numa
questão biológica, “quando o que queriam dizer”, em linguagem simbólica, “é que
Jesus não era mais um na série humana”,
que “era tão de Deus que foi logo um
fruto do Espírito Santo”. O teólogo não se preocupa se Maria e José tiveram
sexo ou não. E confessa:
“Maria
aparece como uma mulher totalmente dedicada a Jesus e que não o entende. Teve
de fazer muitas transformações na sua vida, de entrar na loucura do seu filho e
aparece, também ela, no meio dos discípulos à espera do Pentecostes. Maria tem
de se tornar cristã, discípula do seu filho. […] As mulheres nos evangelhos
nunca pedem nada e acompanharam os discípulos, [sobretudo] quando começaram a
andar junto da cruz, e foram ao sepulcro fazer as celebrações que se faziam aos
mortos e é a elas que Jesus aparece.”.
Critica a negação
da ordenação presbiteral e episcopal às mulheres, quando “a luta das mulheres
conseguiu muitas transformações na sociedade, mas na Igreja isso não aconteceu
porque se disse que era contrário ao mandamento de Deus”, o que não é verdade.
E o teólogo vinca:
“A
mudança de mentalidades é difícil. A vida humana é uma vida longa. A nossa
vida, individualmente, é que é muito curta. O que eu acho é que cada geração
deve abrir novas possibilidades às seguintes e não fechá-las. Há pessoas que
querem sempre fechar o caminho: isto é irreformável, isto é dogmático, isto não
se pode mexer. Ao fim e ao cabo, isto é cortar a liberdade a Deus e dizer-lhe:
ou passas por aqui ou não passas.”.
***
Nunca teve
qualquer problema com o episcopado português, a não ser com Cerejeira, que não
o deixava pregar. Mas, depois do 25 de Abril, não teve mais problemas. Nunca lhe
passou pela cabeça ocupar um cargo importante na hierarquia, não gosta da ideia
de ser ou parecer superior e detesta o carreirismo. Diz nada ter “contra os
bispos ou os cardeais” e que só quer “que os seus cargos sejam para servir”. Não
tem problema nenhum em não quererem que pregue neste ou naquele lugar por causa
das suas ideias peculiares, como não sabe lidar com homenagens, pois acha que “a pessoa que gosta de ser lisonjeada está
estragada”.
Não gosta de
escrever, gosta é de ler e de debater. E diz que “as crónicas foram uma grande
aventura”, que muitas pessoas interpretavam “como uma espécie de homilia de
domingo”.
Começou-as,
porque não havia muita coisa. O padre Rego tinha algo no DN e o padre Rui Osório, que era jornalista, escrevia no JN. Havia muitas iniciativas em França, na
Alemanha e noutros países que revelavam “uma certa descoberta dos meios de
comunicação enquanto veículos de fé”. Porém, ligada à pregação vem a ideia do
sermão sempre a insistir no que é proibido e no que se deve fazer e no que não
se deve fazer (arte “moraleja”
– diz). E “a pregação
não é isso, nem é propaganda”. Para o frade dominicano, pregar
“É
dar voz aos anseios das pessoas e àquilo que, na tradição cristã, interpretamos
como o projeto de Jesus, dando sentido à vida através dele; é assumir, em cada
época, segundo os povos e as culturas, esse projeto que, “no fundo, é fazer do
mundo uma fraternidade”.
Sabe que, se Jesus vivesse no nosso tempo, “pregaria em todo o lado”, mas
não sabe se escreveria nos jornais, pois “não temos nada escrito por Jesus”. Todavia, “temos escritos
de representantes de comunidades”. E observa Frei Bento:
“É
uma escrita plural. São Paulo tinha mais essa vocação de jornalista, de
comunicação, estava sempre em ligação com as comunidades. Escrevendo,
escrevendo... Jesus foi o projeto de dizer: é preciso mudar. Este mundo não é
mundo que se apresente. Começou a pregar, anunciando que até então reinava a
opressão das pessoas e que era preciso o reinado da libertação das pessoas. É
este o projeto.”.
***
Assegura que
temos hoje imensos profetas e que a profecia de que precisamos é a da dignidade
humana. E explica, na ótica da crise de valores e de juízo:
“Vivemos
num país em que faltam crianças, em que os mais velhos, que sustentavam as
famílias, viram os seus rendimentos cortados... O primado que existe no mundo
contemporâneo, e não é só em Portugal, é o primado da finança e não o do
bem-estar das pessoas. […] Todos os dias ouvimos falar de como as coisas
funcionam ao nível da banca e no mundo dos negócios, os milhões que se ganham e
com que se mexe. Não se ouve falar dos milhões de pessoas que estão na miséria.
Dignidade humana é perceber que o ser humano tem o direito e o dever de poder
viver, sob o ponto de vista do ensino, da saúde, da solidariedade, da
constituição da família. E quem tem os meios tem também o dever de ajudar os
outros e de construir um país em que o bem de todos venha antes do bem só de
alguns magnatas.”.
À política de hoje, que só olha ao poder, contrapõe que “o
verdadeiro poder é as pessoas terem saúde, poderem estudar, investigar, terem
recursos para levar uma vida digna”, que “a democracia é para dar poder a todos” e que “é necessário discernimento político”, ou seja, “saber discernir prioridades e perceber onde
podemos encontrar meios”.
É certo que há decisões que não competem só aos agentes políticos
nacionais. Por isso, “é
preciso trabalhar no diálogo político” e dar voz aos profetas. E sustenta:
“Profeta
é, no sentido bíblico, o Homem clarividente. Estamos perante uma situação em
que, em vez de as pessoas se calarem e fecharem os olhos, é preciso parar e
dizer: quais são as causas da atual situação? E como poderemos inverter este
caminho? Diz-se que não existem alternativas. Como é que se sabe que não há? Já
se experimentou? O profeta é alguém que interpreta os sinais dos tempos. Há um
problema de falta de clarividência, com os interesses de grupos, de empresas a
serem mais importantes no lucro que alguns vão ter. Mas a prazo não vão ter
lucros, vai ser um desastre.”.
Acusa o facto de as Igrejas se retraírem muito “para
que não se diga que se estão a meter no que é da política”, o que redunda
em carência de profecia, “quando a
Igreja, hoje, para ser profética, não pode desvalorizar a política, a economia,
a finança”. E o teólogo explicita:
“Tem
de servir de mediação, dar direção, ajudar a perceber que há caminhos que levam
ao desastre e outros que ajudam a tornar a vida mais feliz. Mas, ainda assim,
vai havendo essas vozes proféticas. Há um profetismo enorme nos bairros... as
pessoas que se ocupam daqueles que não têm nada para viver, os que se organizam
civilmente, os voluntários que servem refeições a quem não tem o que comer. Há
vozes, pessoas que compreendem que se pode fazer de outra maneira e que se
substituem ao Estado, que tinha essa obrigação. Isto é um profetismo de bases,
por assim dizer. Mas há vozes. O Papa Francisco apareceu como uma voz mundial.”.
Sobre os casos de corrupção que vão sendo descobertos, situa-os no
problema dos valores, que não é abstrato. E, citando Kant, assegura que o ser humano não tem preço: só
tem valor. Não pode ser um meio para ser algo melhor do que ele. As coisas têm é
de estar ao seu serviço. E verifica:
“As
pessoas corrompem-se porque têm apetites desgarrados. Pensam que, fazendo este
ou aquele golpe, vão ser ricos e ser rico, hoje, significa tudo. É esta ideia
louca de que sendo rico tenho todas as hipóteses.”.
Considerando que
dificilmente se pensa no que se deve fazer para desenvolver as próprias
capacidades intelectuais, afetivas e relacionais, comenta:
“Se
desde a escola, desde a família, se incutisse nas crianças a honestidade, o
sentido do dever, da solidariedade, a importância do desenvolvimento das
capacidades individuais para criar um ambiente bom para todos... Mas o
pensamento, hoje, é outro: como é que eu posso ser melhor do que o outro? Como
posso ir à frente de toda a gente? Estamos a criar uma cultura tecnológica em
que as crianças são desde logo habituadas a lidar com ipads, mas que não sabem
olhar para a natureza, para o mundo e para os outros. E esta é a maior
corrupção: a corrupção das relações humanas. Os pais com os filhos, o marido
com a mulher, violência em casa. É-se corrupto porque se tem a inteligência e
os desejos e gostos distorcidos.”.
Porém, conclui
que não é mau ter desejos, desde que se deseje o que vale a pena: antes de
mais, o nosso desenvolvimento com o desenvolvimento dos outros. O mundo como
está não é mundo que se apresente e, como dizia Paulo, não nos devemos
conformar com o mundo como ele está.
***
Enfim, Frei Bento Domingues sublinhou em
Tomás de Aquino, que ainda o lê
só no latim: “Se faço uma coisa porque está
mandado, mesmo que seja por Deus, não sou livre, só sou livre quando faço, ou
deixo de fazer, porque é mal ou é bem”. Quis ser um homem livre. Tinha pó a
Salazar. Deu-se bem com Sá Carneiro e Salgado Zenha. Acolheu membros das Brigadas Revolucionárias
na clandestinidade. Vive num convento em Benfica. Nasceu em 1934 numa terra
onde se “plantam carvalhadas” (palavrões), se trocam os “v”
por “b”,
Este
é Frei Bento mesmo no tempo em que ainda não era Frei
Bento, mas Basílio, o que nasceu nas Terras de Bouro, creu
em bodes e bruxas no cruzamento de caminhos, leu às ovelhas orações em latim. É o que fez
discursos ditos subversivos, que foi apontado
como persona non grata nos anos 60, que andou por África e
pela América Latina. É este
o Frei Bento com quem muitos se enfureceram
porque defendeu a ordenação de mulheres e que esteve de costas para um baile
porque um padre não podia assistir a um baile. Um heterodoxo. Colunista do Público. Conversador fascinante. Parece
mais novo do que é. Fala com sofreguidão. Espírito
livre.
Confessou
as mazelas físicas próprias da vida sedentária. Tudo coisas normais. Tudo
coisas que fazem parte da vida, tal como
faz
parte da vida deste frade-padre São Tomás de Aquino.
***
Apesar de não gostar de escrever,
como diz, publicou, além das crónicas:
A Religião dos Portugueses, Porto: Figueirinhas,
1988; A Humanidade de Deus, Porto: Figueirinhas, 1995; A Igreja e a
Liberdade, Porto: Figueirinhas, 1997; A Religião e a Política face aos
Desafios do Fim de Século (com Jean-Marc Ferry), Actas dos Encontros de
Abrantes, 20-22 de Novembro de 1997, Abrantes: Palha de Abrantes, 1998; As
Religiões e a Cultura da Paz, com prefácio de Jorge Sampaio, Porto:
Figueirinhas, 2002; As Religiões e a Cultura da Paz, 2.º Volume, com
prefácio de Lídia Jorge, Porto: Figueirinhas, 2004; Um Mundo que Falta Fazer,
Lisboa: Temas e Debates, 2014; A Insurreição de Jesus, Lisboa: Temas e
Debates, 2014; e O Bom Humor de Deus e Outras Histórias, Lisboa: Temas e
Debates, 2015.
2019.02.24 –
Louro de Carvalho
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