sábado, 23 de fevereiro de 2019

A Arca de Noé em versões da atualidade


O relato bíblico do dilúvio, a forma como Noé terá construído, sob as indicações do Altíssimo, a arca da sobrevivência e o modo o patriarca como se reencontrou com a Terra, inspirou várias iniciativas que respondem a preocupações artísticas que enditam a memória coletiva ou a formas utilitárias de resistência a fenómenos que hoje afligem a humanidade pelo modo como o planeta se comporta ou pela força da natureza ou pela indevida intervenção humana sobre ela.

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O relato bíblico
Com a multiplicação dos homens sobre a Terra e do nascimento de filhas deles, os filhos de Deus encantados pela beleza delas escolheram as que bem quiseram para suas esposas, o que desgostou a Deus, juntamente com a maldade dos homens que era grande na Terra. Assim, todos os seus pensamentos e desejos tendiam sempre e só para o mal, a ponto de Deus quase se ter arrependido de haver criado o homem. Por isso, decidiu eliminar da face da Terra o homem e, juntamente com o homem, os animais domésticos, os répteis e as aves dos céus.
Porém, Noé era agradável aos olhos do Senhor, era um homem justo e perfeito, entre os homens do seu tempo, e andava sempre com Deus. Deus olhou para a Terra e viu que ela estava corrompida, pois toda a humanidade seguia, na Terra, os caminhos da corrupção. Então Deus disse a Noé que ia exterminar a humanidade e a Terra e mandou-lhe construir uma arca de madeiras resinosas, dividi-la em compartimentos e calafetá-la com betume por fora e por dentro. Teria 3 andares; o comprimento seria de 300 côvados, a largura de 50 côvados e a altura de 30; haveria, ao alto, uma janela com a dimensão de um côvado; e a porta da arca ficaria a um lado.
É que Deus ia lançar um dilúvio que, inundando tudo, eliminaria debaixo do céu todos os seres vivos. Mas fazia com Noé uma aliança: este entraria na arca com os filhos – Sem Cam e Jafet –, a mulher de Noé e as mulheres dos seus filhos. Assim, ordenou-lhe:
De tudo o que tem vida, de todos os animais, levarás para a arca dois de cada espécie, um macho e uma fêmea, para os conservares vivos junto de ti. De cada espécie de aves, de cada espécie de quadrúpedes e de cada espécie de animais que rastejam pela terra, um casal virá ter contigo para que lhe conserves a vida. E, tu, recolhe tudo quanto há de comestíveis, armazena-os, a fim de te servirem de alimento, assim como a eles.” (Gn 6,19-21).
Noé começou a trabalhar, executando tudo o que lhe fora ordenado por Deus.
Depois, Deus mandou que Noé entrasse na arca com toda a família e que, de todos os animais puros levasse sete pares, macho e fêmea, dos animais não puros, um par, macho e respetiva fêmea, e, das aves do céu, também sete pares, macho e fêmea – a fim de conservar as suas raças vivas sobre a Terra. Isto, porque Noé era o único justo que Deus encontrou sobre a Terra e porque dentro de 7 dias, por ordem de Deus, viria chuva sobre a Terra, durante 40 dias e 40 noites, exterminando na superfície de toda a Terra todos os seres que Deus criara. E Noé cumpriu tudo quanto o Senhor lhe ordenara.
E, ao cabo de sete dias, as águas do dilúvio submergiram a Terra. Choveu torrencialmente durante 40 dias sobre a terra. As águas cresceram e levantaram a arca, que foi elevada acima da terra. A enchente aumentava cada vez mais, e tanto que cobriu todos os altos montes existentes debaixo dos céus; as águas ultrapassaram quinze côvados por cima das montanhas. Por isso, todas as criaturas que se moviam na terra pereceram: aves, animais domésticos, animais selvagens, tudo o que rastejava pela terra e todos os homens. Foram assim exterminados todos os seres que se encontravam à superfície da terra, desde os homens até aos quadrúpedes, aos répteis e aves dos céus, exceto Noé e os que se encontravam com ele na arca.
As águas cobriram a terra durante 150 dias.
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Porém, Deus recordou-se de Noé e de todos os animais, tanto domésticos como selvagens, que estavam com ele na arca. Por isso, mandou vento sobre a terra e as águas começaram a descer. As fontes do abismo e as cataratas dos céus foram encerradas, e a chuva parou de cair do céu. As águas retiraram-se gradualmente da terra e começaram a diminuir ao fim de 150 dias. No dia 17 do 7.º mês, a arca poisou sobre os montes de Ararat. As águas foram diminuindo até ao 10.º mês. No 1.º dia do 10.º mês, emergiram os cumes das montanhas.
Decorridos 40 dias, Noé abriu a janela e soltou o corvo, que saiu repetidas vezes, enquanto iam secando as águas sobre a terra. Depois, soltou a pomba, para verificar se as águas diminuíram à superfície da terra. Mas, não tendo encontrado sítio para poisar, a regressou à arca, para junto dele, pois as águas cobriam ainda a superfície da terra. Estendeu a mão, agarrou a pomba e meteu-a na arca. Aguardou mais 7 dias; depois soltou novamente a pomba, que voltou para junto dele, à tarde, trazendo no bico uma folha verde de oliveira. Noé soube, então, que as águas tinham baixado. Aguardou ainda outros 7 dias; depois, tornou a soltar a pomba, que, desta vez, não regressou mais para junto dele. No ano 601, no 1.º dia do 1.º mês, as águas começaram a secar sobre a terra. No 27.º dia do 2.º mês, Noé abriu o teto da arca e viu que a superfície da terra estava seca. E Deus, então, disse a Noé:
Sai da arca com a tua mulher, os teus filhos e as mulheres dos teus filhos. Retira também da arca os animais de toda a espécie que estão contigo, as aves, os quadrúpedes, os répteis todos que rastejam, a fim de se espalharem pela terra; que sejam fecundos e se multipliquem sobre a terra.” (Gn 8,16-17).
Noé assim fez e construiu um altar ao Senhor e, de todos os animais puros e de todas as aves puras, ofereceu holocaustos. O Senhor sentiu o agradável odor e disse no seu coração:
De futuro, não amaldiçoarei mais a terra por causa do homem, pois as tendências do coração humano são más, desde a juventude, e não voltarei a castigar os seres vivos, como fiz. Enquanto subsistir a Terra, haverá sempre a sementeira e a colheita, o frio e o calor, o verão e o inverno, o dia e a noite.” (Gn 8,21-22).
(Condensado dos capítulos 6 – 8 de Génesis, a partir da Bíblia dos Capuchinhos)
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No encadeamento da História da Salvação, a Bíblia recolhe uma lenda comum aos sumérios e aos romanos, com provável origem nalguma grande inundação verificada a partir dos rios Tigre e Eufrates (na Mesopotâmia) ou, para os romanos no Tibre (“qui frequenter exsundabat”). A Bíblia utiliza a crença popular de que o dilúvio fora castigo dos deuses pagãos para dizer que acima de tudo está o Deus único, vivo e verdadeiro, que pode falar diretamente com o homem, pois foi Ele quem o criou. Obviamente que Deus teria todos os motivos para repreender a humanidade que não se cansa de se revoltar contra Deus ou de O ignorar. Por isso, em categoria antropomórfica, Deus parece ter um repente de ação destruidora, mas preservando o setor humano e cósmico da retidão; e, depois, o arrependimento de ter castigado tão severamente o homem e a aposta na misericórdia.
A arca, demasiado grande para o tempo (150 x 25 x 15 metros), vale pelo seu valor simbólico, uma espécie de barco-templo em que a literatura cristã vê a figura da Igreja enquanto barca de salvação, a preservar os crentes do contágio do mundo e a constituir o sinal eficaz da bênção divina e da Aliança de Deus com os homens. Por outro lado, Noé, homem justo, é a figura de Cristo, Aquele que ofereceu ao Pai o sacrifício de Si mesmo que aceitou como oferta de agradável odor, porque selou a nova e eterna aliança, já não no sangue dos animais, com a celebrada com Noé e, depois com Moisés e Aarão, mas no sangue de Cristo. Com Ele começou uma nova humanidade, tal como acontecera com Noé saído da Arca. Com Ele firmou-se a Aliança entre o Céu e a Terra, materializada no divino Crucifixo do Gólgota, içado ao Alto, mas de rosto pendente sobre toda a Terra, como se vê pelos braços abertos a tentar abraçar o mundo, tal como o arco-íris (o arco da velha aliança – vd Gn 9,11-17) abrange Céu e Terra de cima a baixo e de lés-a-lés.   
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Uma ideia maluca ou uma obra de arte?
Em 1993, Johan Huibers, um carpinteiro holandês, teve uma ideia “maluca”: construir uma Arca de Noé (Ark Of Noah) em tamanho real e repleta de detalhes. Da ideia à prática passaram uns “instantes”. Huibers decidiu mesmo pôr mãos à obra, terminando a primeira versão do navio bíblico em 2006. Custou quase 1,6 milhões de dólares, cerca de 1,4 milhões de euros.
A “obra-prima” ficou finalmente concluída em 2012, altura em que foi aberta ao público. A altura da embarcação é semelhante à de um prédio de cinco andares e pesa cerca de 2.500 toneladas, com capacidade para albergar 5.000 pessoas. A réplica do navio bíblico tem uma estrutura de aço e foi construída madeira de cedro e pinheiro.
Esta Arca de Noé contemporânea inclui várias esculturas de animais de madeira, incluindo gorilas, elefantes e rinocerontes – como na Bíblia. Originalmente, Huiber planeava levar o navio até ao Brasil, mas devido a preocupações com a segurança, o plano caiu por terra. Agora, o carpinteiro holandês quer navegar a embarcação até Israel. E disse, citado pelo Bored Panda:
Faz sentido levá-la até à terra de Deus”.
 (cf https://www.idealista.pt/news/imobiliario/internacional/2018/11/29/38073-carpinteiro-holandes-constroi-uma-replica-incrivel-da-arca-de-noe)
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Para alertar os países membros do G8 a respeito das mudanças climáticas
Foi inaugurada oficialmente, no dia 31 de maio de 2007, na Turquia, uma réplica moderna da Arca de Noé construída por voluntários turcos e alemães da ONG Greenpeace.
A construção fica no monte Ararat, próximo de Dogubayazit, com o objetivo de alertar os países membros do G8 a respeito das mudanças climáticas, nomeadamente o aquecimento global.
Segundo o relato da Bíblia, foi exatamente no local onde a embarcação da Greenpeace foi montada que pousou a embarcação de Noé quando as águas do dilúvio secaram. Para construir os suportes, a quilha e a estrutura, uma caravana com 40 cavalos levou ao Ararat 12 m³ de madeira pré-fabricada.
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Cápsula para se proteger do fim do mundo
Soube-se, a 15 de dezembro de 2012, que o agricultor chinês Liu Qiyan já está mais do que preparado para encarar o fim do mundo. Com efeito, criou uma cápsula de sobrevivência, a ‘Arca de Noé’, que promete proteger as pessoas de terramotos e até mesmo tsunamis.
Segundo informações da agência de notícias AFP, o agricultor desenvolveu o projeto do seu ‘abrigo’ no próprio quintal da casa. Utilizou casca de fibra de vidro e uma armação de aço para dar formato à cápsula e mantê-la estável dentro da água e em situações mais críticas.
Esta ‘Arca de Noé’ é equipada com cintos de segurança, tanques de oxigénio e algumas das suas versões (Liu já fabricou sete modelos) possuem até mesmo um sistema de propulsão próprio. Cada uma das cápsulas é capaz de abrigar até 14 pessoas ao mesmo tempo.
O chinês pretende oferecer os seus abrigos ao Governo da China e aos dos demais países que podem sofrer com desastres naturais e precisam de proteger sua população. A inspiração para o projeto de Liu surgiu dos filmes catastróficos que relatam o fim do planeta Terra e também o tsunami que atingiu a Ásia em 2004.
(cf https://canaltech.com.br/curiosidades/Arca-de-Noe-moderna-Agricultor-criou-capsula-para-se-proteger-do-fim-do-mundo/)
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Contra apocalipse ambiental: o Ark Hotel”
Diversos lugares do mundo – inclusive o Brasil – têm sofrido com as chuvas, que para alguns estão dando uma prévia do grande dilúvio que podemos enfrentar caso continuemos tratando o planeta com “desrespeito”. Na dúvida, arquitetos russos da Remistudio criaram o Ark Hotel, uma espécie de hotel-barco ou hotel flutuante que pretende abrigar pares de espécies de animais, em caso de tragédias naturais. A ideia inicial era resistir a inundações causadas pela elevação dos níveis do mar, mas no desenvolvimento do projeto deu-se conta de mais possibilidades.
O Ark Hotel, cuja construção foi divulgada a 4 de fevereiro de 2011, é uma versão da Arca de Noé, mas muito mais moderna e sustentável. A estrutura promete resistir não só a dilúvios, mas também a outras catástrofes naturais, que – levando em conta nosso atual cenário ambiental – estão mais prováveis de acontecer a cada dia. Entre elas: terramotos, maremotos e inundações causadas pela elevação do nível do mar.
O barco – que foi desenvolvido com a ajuda do Programa de Arquitetura de Catástrofes, da União Internacional dos Arquitetos – ainda foi construído para ser totalmente autossuficiente e sustentável: ele é equipado com painéis solares, possui coletores de água da chuva e é feito de vidro, para que a luz do sol possa ser aproveitada ao máximo. Além disso, a vegetação conservada no espaço é variada e capaz de oferecer até alimentos aos ocupantes.
(cf veja.abril.com.br/ciencia/russos-criam-uma-arca-de-noe-moderna/; https://super.abril.com.br/blog/planeta/contra-apocalipse-ambiental-russia-cria-arca-de-noe-moderna-e-sustentavel/)
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Uma preocupação científica: cientistas britânicos constroem “Arca de Noé ” moderna
Foi divulgada a informação, a 18 de outubro de 2012, de que um grupo de cientistas britânicos planeava a preservação, num laboratório, do ADN de milhares de especiais animais e vegetais que possam desaparecer nos próximos 30 anos. O projeto ‘Frozen Ark’ (Arca Congelada) foi desenvolvido por cientistas da Universidade de Nottingham, do Instituto Zoológico e do Museu de Historia Natural de Londres.
Trata-se dum banco biológico que conservará em 80 graus abaixo de zero, células tronco de 1.130 classes de mamíferos e 1.183 de aves, além de sementes de plantas e árvores, que os cientistas acreditam estarem extintos nos próximos 30 anos. Dizem, a este respeito, os responsáveis pelo projeto inovador:
Apesar dos esforços para preservar o meio ambiente, o crescimento da população humana tem levado à destruição do habitat, devido à necessidade de terras agrícolas, pesca predatória e a poluição dos oceanos, e como resposta a esta crise esta sendo criado a ‘Frozen Ark”.
Notando que, uma vez congeladas, as células podem ser armazenadas de forma segura durante centenas de anos, num espaço pequeno, definiram o objetivo: manter amostras de células congeladas contendo ADN de animais em extinção antes que eles desapareçam.
Os criadores desta versão moderna da Arca de Noé, dizem ter já contactado com 22 zoológicos e vários aquários, museus e centros de investigação em 8 países, os quais colaboraram durante vários anos doando amostras de ADN que são congeladas e que, num futuro próximo, poderão ajudar a reproduzir artificialmente espécies em extinção. E os pesquisadores dizem que podem estudar o desenvolvimento, comportamento e evolução das espécies.
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Preservar a vida e mesmo começar do zero uma nova humanidade: a Noah’s Ark
Por notícia de 9 de dezembro de 2013, ficou a saber-se que existia uma versão moderna da Arca de Noé que pode salvar o mundo do apocalipse, pois arquitetos criaram uma estrutura flutuante com objetivo de preservar a vida e, se necessário, começar do zero uma nova humanidade.
Inspirados por Noé, que salvou todas as espécies de plantas e animais de um dilúvio global, os arquitetos sérvios Aleksandar Joksimovic e Jelena Nikolic criaram uma arca moderna e sustentável. E, como a da Bíblia, será capaz de proteger toda a vida da Terra em caso de um desastre natural.
Segundo a dupla, a arca inovadora é capaz de manter a vida terrestre em seus terraços, além de cultivar alimentos, acolher água da chuva e gerar sua própria energia. A estrutura flutuante, chamada de Noah’s Ark, ainda é projetada para resistir a todas as formas de desastres aquáticos.
(cf https://catracalivre.com.br/cidadania/a-versao-moderna-da-arca-de-noe-ja-existe-e-pode-salvar-o-mundo-do-apocalipse/)
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Enfim, a Bíblia não é um livro de arte, de ciência ou de utilidade, mas parece que é inspiradora de arte – o que já sabíamos –, de ciência e de prática utilitária.
“De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa” (2Tm 3,16-17). Porém, os artistas, os cientistas e os pragmáticos não têm pejo em se inspirar nela. E ainda bem!
2019.02.22 – Louro de Carvalho

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