segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Denunciar e combater e tráfico de seres humanos


Depois da recitação do Angelus com os fiéis reunidos na Praça São Pedro, o Santo Padre recordou, no domingo, que, a 8 de fevereiro, na memória litúrgica de Santa Josefina Bakhita, se realizou a 5.ª “Jornada Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas” sob o lema Juntos contra o tráfico e lançou um forte apelo aos governos rumo ao combate a este mal. Muitas religiosas que trabalham com esta realidade estavam na Praça entoando o lema em alta voz e aplaudindo o Pontífice, que fez ecoar o lema, agradeceu e apelou:
O lema deste ano é ‘Juntos contra o tráfico’! Mais uma vez: ‘Juntos contra o tráfico’! Não esqueçais isto. Convido a unir forças para vencer este desafio. Agradeço a todos que lutam nesta frente, em particular tantas religiosas. Eu faço um apelo especialmente aos governos, para que sejam enfrentadas com decisão as causas deste flagelo e as vítimas sejam protegidas. Todos, porém, podemos e devemos colaborar denunciando os casos de exploração e escravização de homens, mulheres e crianças.”.
E o Papa Francisco disse:
Eu faço um apelo especialmente aos governos, para que sejam enfrentadas com decisão as causas deste flagelo e as vítimas sejam protegidas”.
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O Dia Mundial contra o Tráfico de Seres Humanos proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2013, para celebrar a partir de 2014 é o dia 30 de julho. E a data foi celebrada nesse dia pela 5.ª vez no passado mês de julho de 2018. E é um dia especialmente dedicado à atenção dos milhões de pessoas – em 2016, mais de 40 milhões, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a Fundaçõ Walk Free e a OIM (Organização Internacional para as Migrações) – que terão sido forçadas à escravidão em escala global.
Segundo o site “esquerda.net”, António Guterres, em mensagem para a ocasião, avançou:
O tráfico de pessoas é um crime vil que se alimenta de desigualdades, instabilidades e conflitos”.
E, descrevendo as cambiantes desta forma de escravização e urgindo a mudança, escreveu: 
Os traficantes de seres humanos lucram com as esperanças e o desespero das pessoas. Atacam os vulneráveis e privam-nos dos seus direitos fundamentais. As crianças e os jovens, os migrantes e os refugiados são particularmente sensíveis. As mulheres e as meninas são, mais uma vez, as mais visadas. Vemos uma exploração sexual brutal, incluindo a prostituição involuntária, o casamento forçado e a escravidão sexual. Vemos o terrível comércio de órgãos humanos. O tráfico de seres humanos assume muitas formas e não conhece fronteiras. Os traficantes de seres humanos muitas vezes operam com impunidade, com seus crimes que não recebem a atenção adequada. Isso deve mudar.”.
A estimativa de mais de 40 milhões de pessoas vítimas de escravidão à escala global, acima apontada, inclui vítimas do tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual e de mão de obra. O fenómeno afeta todos os países do mundo. E a Itália, assim como o resto da Europa, não está imune. Embora não se saiba quantas dessas pessoas foram objeto de tráfico, estima-se que, atualmente, no mundo, existam milhões de vítimas do tráfico de seres humanos. Destas, cerca de 29 milhões, ou seja, uma maioria de 71%, serão mulheres e meninas, enquanto os restantes 11 milhões, ou 29%, serão homens e meninos.
O foco de 2018 – “responder ao tráfico de crianças e jovens” – sublinhava o facto de quase um terço das vítimas do tráfico ser constituído por crianças, pelo que devem ser tomadas iniciativas relacionadas com a proteção e a justiça para as vítimas menores de idade.
Às vésperas do Dia Mundial contra o Tráfico de Seres Humanos, a Save the Children apresentava o relatório “Pequenos escravos invisíveis” e uma fotografia atualizada do tráfico e exploração de menores na Itália e no mundo. São três, em especial, os fenómenos evidenciados no relatório: a exploração de rua das meninas nigerianas e romenas; a exposição à exploração sexual das menores migrantes que transitam pela fronteira norte da Itália com o objetivo de alcançar os países do norte da Europa; e a exploração laboral.
No respeitante ao combate contra a exploração sexual dos menores, o projeto da Save the ChildrenVie d’uscita”, entre janeiro de 2017 e março de 2018, alcançou, mediante as unidades de rua, 1.904 vítimas de tráfico – número significativamente maior relativamente ao período de maio de 2016 a março de 2017, quando haviam sido contactadas 1.313 vítimas –, em claro predomínio de nigerianas (68,5%), seguidas pelas romenas (28%).
Para a viagem da Nigéria à Itália, as meninas contraem uma dívida de 20.000 a 50.000 euros, que só conseguem pagar submetendo-se à prostituição forçada, mecanismo de que não se libertam facilmente. E, visando eximi-las do sistema de proteção de menores, os exploradores induzem muitas jovens nigerianas a declararem-se maiores de idade no momento das operações de identificação após o desembarque, situação contra a qual urge fortalecer os mecanismos de identificação e os procedimentos de certificação da idade, para que possam ser imediatamente inseridas nos programas de proteção dos menores.
A seguir às meninas nigerianas na Itália, as romenas (sobretudo adolescentes provindas das áreas mais desfavorecidas do país) constituem o 2.º grupo mais numeroso na prostituição forçada de rua.
O relatório mostra um outro fenómeno que diz respeito à Itália: o survival sex, ou seja, menores em trânsito provenientes principalmente do Corno de África e dos países da África subsariana induzidas a prostituírem-se para pagar os passeurs para atravessar a fronteira ou para conseguir comida ou um lugar para dormir. Privadas da possibilidade de percorrer rotas legais e seguras e invisíveis ao sistema de acolhimento, essas meninas, sozinhas, estão expostas a gravíssimos riscos de abuso e de exploração. A este respeito, Raffaela Milano, diretora dos programas Itália-Europa da Save the Children, afirmou:
É inaceitável que, na Itália, meninas e adolescentes acabem na rede de exploradores sem escrúpulos, vítimas quotidianas, nas ruas das nossas cidades, dos abusos perpetrados por aqueles que convidamos a não chamar mais de ‘clientes’, alinhados com o que indica a Comissão Europeia, justamente a fim de não obscurecer o porte do sofrimento experimentado. […] É ainda mais crucial e urgente que as instituições se comprometam a fundo a pôr fim a esse flagelo inaceitável e a proteger essas mulheres muito jovens.”.
O relatório aponta ainda os casos de trabalho infantil surgidos na Itália em 2017, referentes tanto a menores italianos como a estrangeiros, totalizando 220, mas isto é apenas a ponta do iceberg dum fenómeno maioritariamente submerso. Entre os menores estrangeiros vítimas de exploração laboral na Itália, destacam-se os egípcios, que entram na espiral da exploração para pagar a dívida da viagem e para sustentar as famílias. Explorados em condições muito pesadas, trabalham todos os dias da semana durante 12 horas por dia, por dois ou três euros por hora.
Por seu turno, Portugal, em conjunto com a comunidade internacional, tem vindo a envidar esforços no sentido de adoptar medidas de prevenção, investigação e penalização do crime de Tráfico de Pessoas, que atenta tão gravemente contra os direitos humanos, bem como de intervenção e apoio às suas vítimas – o que constitui um enorme desafio que suscita o envolvimento de todas as pessoas.
A APAV continua a desenvolver trabalho na área da intervenção com as vítimas deste crime através do Centro de Acolhimento e Proteção Sul (unidade de acolhimento para mulheres vítimas de Tráfico de Seres Humanos), do trabalho de atendimento realizado pela Rede UAVMD (Unidade de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação) e do desenvolvimento de projetos e ações de informação e sensibilização da comunidade – chamando reiteradamente a atenção para a necessidade da continuação da adoção de medidas e desenvolvimento de estratégias para melhor apoiar as vítimas deste crime.
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Entretanto, o Papa reitera esta preocupação aquando da memória litúrgica de Santa Sabina, que foi, em criança, vendida como escrava, para salientar a componente da oração e reflexão com a Jornada Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas”.
Assim, no passado domingo, Francisco elegeu a oração como “a força que sustenta o nosso esforço comum” e convidou os presentes a rezarem juntos com ele a oração a Santa Josefina Bakhita, que havia sido distribuída previamente aos presentes na Praça São Pedro:
Santa Josefina Bakhita, que quando criança foste vendida como escrava e tiveste que enfrentar dificuldades e sofrimentos indescritíveis. Uma vez libertada da escravidão física, encontraste a verdadeira redenção no encontro com Cristo e sua Igreja. Santa Josefina Bakhita, ajuda todos aqueles que estão presos na escravidão. Em nome deles, intercede junto do Deus da misericórdia, de modo que as cadeias de seu cativeiro possam ser quebradas.
Que Deus mesmo possa libertar todos aqueles que foram ameaçados, feridos ou maltratados pelo tráfico de seres humanos. Leva alívio àqueles que sobrevivem a esta escravidão e ensina-lhes a ver Jesus como modelo de fé e esperança, de forma que possam curar suas feridas. Suplicamos-Te que rezes e intercedas por todos nós: para que não caiamos na indiferença, para que abramos os olhos e possamos olhar as misérias e as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da sua dignidade e da sua liberdade e ouçamos o seu clamor de ajuda. Amém.”.
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No dia 7 de fevereiro, em conferência de imprensa realizada no Vaticano, foi apresentada a edição deste ano da “Jornada Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas”, celebrada anualmente a 8 de fevereiro, data promovida pela União Internacional dos Superiores Gerais (que criou a rede mundial “Talitha Kum”) e dia de Santa Josefina Bakhita. O tema deste ano é “Juntos contra o tráfico de pessoas”.

O Padre Michael Czerny Subsecretário da secção migrantes e refugiados do Pontifício Conselho para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, declarou aos jornalistas que as orientações pastorais do Vaticano nesse âmbito ajudam a ver mais claramente as causas da persistência do tráfico humano em pleno século XXI e a entender como funciona esse “comércio maligno”. As vítimas, que são portadoras da dignidade inviolável e sagrada da pessoa humana, sentem uma inimaginável deceção, forte ou subtil coerção e doloroso sofrimento; e mostram realmente o que pode ser roubado de uma vida humana para o prazer e o lucro de outras pessoas.
O Padre Michael frisou que no coração da libertação de cada sobrevivente está a solidariedade dos outros, sendo que as primeiras ações de oferta de solidariedade foram e são das Irmãs, que trabalham em silêncio e de forma conjunta, e da sua rede mundial “Talitha Kum”.
A coordenadora internacional da rede contra o tráfico Talitha Kum, irmã Gabriela Bottani, também presente na conferência de imprensa, apresentou aos jornalistas um pouco do trabalho da rede, lembrando que, neste ano, se celebram os 10 anos de atividade da rede “Talitha Kum” na luta contra o tráfico de pessoas nos cinco continentes.
Hoje, a rede desenvolve atividades de prevenção, sensibilização, proteção, parceria e oração em 77 países nos cinco continentes: 13 na África, 13 na Ásia, 17 na América, 31 na Europa e 2 na Oceânia. Nos 34 países onde não há redes nacionais, as coordenações regionais ou continentais têm grupos ou pessoas de contacto.
Há um total de 34 cursos criados para o estabelecimento de redes, num total de 136 dias de treinamento, além de um curso piloto para a formação de 22 líderes da Talitha Kum para ações colaborativas contra o tráfico. Existem mais de 1.000 religiosas treinadas em 65 países, e mais de 2.000 participantes em redes lideradas por freiras estão envolvidas na luta contra o tráfico em diferentes níveis.
E, sobre a escolha do tema para a data neste ano, “juntos contra o tráfico”, a Irmã comentou:
Somente através de um trabalho conjunto, de facto, é possível responder ao desafio do tráfico, promover e reforçar o diálogo e a cooperação entre as partes interessadas e lutar contra quem explora o ‘sonho’ de milhares de pessoas que buscam melhorar as próprias condições de vida”.
A Irmã Gabriela anunciou ainda a primeira Assembleia Geral da Rede, que será de 22 a 28 de setembro próximo e reunirá mais de 90 irmãs, em todo o mundo, empenhadas na luta contra o tráfico de pessoas. Um grande compromisso do Escritório Internacional Talitha Kum em Roma é o trabalho de lobby e defesa em colaboração com outras entidades, como os Dicastérios do Vaticano e organizações religiosas nas Nações Unidas.
Também presente na aludida conferência de imprensa, o diretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa,  Padre Frederic Fornos, falou aos jornalistas sobre o Vídeo do Papa neste mês de fevereiro, em que o Pontífice pede oração justamente pelas vítimas do tráfico humano. Enfatizou o empenho de Francisco na luta contra este flagelo, recordando as diversas ocasiões em que o Pontífice se pronunciou a seu respeito e teve iniciativas de oração pelas vítimas:
Para Francisco, não são números, são nomes, rostos, histórias concretas, são nossos irmãos e irmãs na humanidade (…). Escutem as palavras fortes do Papa neste vídeo: ‘diante dessa realidade trágica, ninguém pode lavar as mãos se não quer ser, de certo modo, cúmplice deste crime contra a humanidade.”.
O sacerdote acentuou ainda a importância de trabalhar em campanhas de difusão, a nível nacional e internacional, com relação ao tema, trabalho da Rede Mundial de Oração do Papa com o vídeo desse mês de fevereiro. E disse:
Esta tragédia não pode ser ignorada, peçamos, por favor, para torná-la notável a todos. Todavia, denunciar a nossa cumplicidade não basta, por esse motivo é também uma intenção de oração do Papa: ‘Rezemos pelo acolhimento generoso das vítimas do tráfico de pessoas, da prostituição forçada e da violência.”.

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A intenção orante do Santo Padre para o mês de fevereiro é rezar “pelo acolhimento generoso das vítimas do tráfico de pessoas, da prostituição forçada e da violência”.
A este respeito, foi divulgado, na predita conferência de imprensa do dia 7 de fevereiro, a mensagem de vídeo do Papa Francisco com as intenções de oração para o mês de fevereiro.
O Santo Padre convidou os fiéis a rezarem, neste mês, pelo “acolhimento generoso das vítimas do tráfico de pessoas, da prostituição forçada e da violência”. Afirmou que não dá para ignorar que hoje há escravidão no mundo, tanto ou mais que antigamente. E vincou:
Mesmo que tentemos ignorá-la, a escravidão não é algo de outros tempos. Perante esta trágica realidade, não podemos lavar as mãos se não quisermos ser, de certa forma, cúmplices destes crimes contra a humanidade.”.
São milhões de pessoas obrigadas a fugir diariamente de suas terras, devido à guerra, fome, perseguições políticas, religiosas ou situações de pobreza extrema, enfrentando abusos de todo o tipo. O que, por outro lado, não vemos são as organizações criminosas que lucram com isso, escravizando homens, mulheres e crianças, no trabalho ou sexualmente, para o comércio de órgãos, para fazê-los mendigar ou entrar na delinquência.
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É todo um mundo que é preciso mudar!
2019.02.10 – Louro de Carvalho

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