sábado, 23 de fevereiro de 2019

Uma luz ao fundo do túnel ou mais um tempo de marcar passo?


No passado dia 18 de fevereiro, o ME (Ministério da Educação) convocou os sindicatos de professores para uma reunião negocial a 25 de fevereiro, como adiantaram as estruturas sindicais, para discutir a recuperação do tempo de serviço congelado, como previsto no Orçamento do Estado (OE 2019).
De acordo com Júlia Azevedo, presidente do SIPE (Sindicato Independente dos Professores e Educadores), a convocatória recebida é para as 16 horas do dia 25 de fevereiro, para uma reunião negocial “ao abrigo” da lei do OE de 2019, esperando que a reunião seja para dar início a “uma negociação séria”. E a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) disse à Lusa que já tinha recebido convocatória do ME para a mesma data e hora.
A este respeito, disse Júlia Azevedo à Lusa:
O que nós esperamos é que, desta vez, haja, de facto, uma negociação séria e que nos deixemos de fingimentos e de andar a brincar às negociações, porque o que temos assistido constantemente é a uma prepotência da parte do Governo e a uma unilateralidade das ideias deles e mais nada. Vamos ver o que nos espera desta vez.”.
Os sindicatos esperam que o Governo leve para a reunião uma proposta que permita negociar “o prazo e o modo” de recuperação dos 9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de serviço congelado e só isso, sem propostas de contagens parciais, como a que o Governo tentou que fosse aplicada e o Presidente da República vetou, pois, como sustenta a presidente do SIPE, “o tempo é nosso e precisamos dele para poder contabilizá-lo para a progressão, para a aposentação”, caso contrário, “estamos 10 anos parados na carreira, o que não faz sentido nenhum”.
***
Ante esta convocatória do ME, os sindicatos de professores suspenderam a concentração marcada para o dia 21, mas mantêm a exigência da recuperação dos mais de 9 anos de serviço, garantindo ter o apoio de mais de 60 mil professores, que subscreveram um abaixo-assinado sobre a matéria, que será entregue na reunião.
A decisão de desmarcar a concentração junto à Presidência do Conselho de Ministros a exigir o início das negociações do tempo de serviço congelado foi anunciada depois de os sindicatos terem sido convocados pelo Governo para dar início ao processo negocial, tal como previsto no OE 2019. A plataforma que reúne as 10 organizações sindicais justificou:
Face a esta convocatória, que dá início às negociações que eram reclamadas pelas organizações sindicais desde o dia 3 de janeiro, fica sem efeito a concentração prevista para 21 de fevereiro, junto à Presidência do Conselho de Ministros, cujo objetivo era, precisamente, exigir o início das negociações”.
Os sindicatos só estão disponíveis para negociar o prazo e o modo de recuperar os 9 anos, 4 meses e 2 dias em que as carreiras estiveram congeladas, pois os professores do Continente querem um modelo de recuperação do tempo de serviço semelhante ao da Região Autónoma da Madeira com a possibilidade de, por opção do docente, poderem usar parte desse tempo para superação da progressão aos 5.º e 7.º escalões. Por outro lado, a proposta dos sindicatos defende que os docentes possam usar o tempo a recuperar para efeitos de aposentação, descontando no tempo que falta para a idade legal para a aposentação.
Recorde-se que os sindicatos anunciaram que, se o Governo não retomasse as negociações no 2.º período, os docentes poderiam avançar para formas de luta que poderiam passar por medidas como greves no 3.º período às aulas dos alunos do 12.º ano e dos outros anos com exame ou greve às avaliações finais.
Agora só depois da predita reunião serão conhecidas eventuais ações e formas de luta.
***
Esta reunião surge na sequência de pressões várias para urgir a retoma das negociações.  
Os sindicatos tinham, como se disse, avisado que os alunos do 12.º ano poderiam ficar sem aulas no 3.º período ou que as escolas podiam ficar com um ano sem avaliações finais, caso o Governo não negociasse a recuperação do tempo de serviço neste período.
A este respeito, Mário Nogueira, o secretário-geral da FENPROF, avisou:
Há uma forma de evitar um final dramático de ano letivo que é o de o Governo negociar esta matéria, como está obrigado por lei, ainda no 2.º período. Se o fizer, penso que o ano pode estar salvo.”.
O sindicalista falou em nome da plataforma que reúne as organizações sindicais representativas dos professores (são 10), no final da reunião, no Parlamento, com a coordenadora nacional do BE (Bloco de Esquerda), Catarina Martins – encontro que serviu para debater a abertura do processo negocial da recuperação do tempo de serviço congelado e, no final da reunião, Nogueira voltou a dizer que os professores irão lutar até ao fim, caso não haja novidades em breve.
Só em março será feita uma consulta junto dos professores “para saber até onde estão dispostos a ir no 3.º período”, mas Nogueira revelou algumas sugestões já feitas por docentes, tais como não haver aulas no 12.º ano ao longo do 3.º período ou durante um largo período do mesmo, não haver avaliações. E, sobre as avaliações no final do ano, admitiu que poderá não ser só “durante um determinado momento”, mas ter um ano letivo sem notas finais, vincando:
Porque o ano letivo termina e a legislatura acaba. Tudo está em cima da mesa. É o que for necessário porque este Governo não se pode ir embora e deixar a casa desarrumada tal como a tem neste momento.”.
Para os representantes dos sindicatos, este é um “momento muito complicado na relação institucional e negocial do Governo com os sindicatos de professores”, pois o Executivo já disse que só pretendia reunir-se com os sindicatos quando existissem novidades para negociar.
Mário Nogueira lembrou que “o não negociar pode criar uma situação de grande complexidade nomeadamente no 3.º período” e é isso que agora começaram a dizer aos líderes partidários: “Que intervenham na pressão sobre o Governo para que negoceie”. E reafirmou:
Se a negociação não acontecer, vamos fazer no início de março uma grande consulta aos professores para saber até onde estão dispostos a ir no 3.º período para obrigar o Governo a ceder e os professores até onde estiverem disponíveis, seja o que for: durante o terceiro período, nos anos de final de ciclo, no 12.º ano, nos exames, nas avaliações”.
Para Nogueira há uma forma de evitar que isto resvale para o 3.º período que é fazer a negociação no 2.º período”. E, lembrando que “o caos está lançado pelo Governo”, que acusa de se recusar a negociar, deixa o alerta:
Isto é um sério aviso ao Governo, que não pense que fazer greve aos professores dá votos. A experiência de um tempo anterior, do tempo de José Sócrates, não vai nesse sentido e deveriam aprender.”.
O BE apela a que as negociações sejam retomadas “quanto antes”. Neste sentido, Catarina Martins acusou o Governo de não estar a cumprir a lei do OE relativamente ao descongelamento das carreiras dos professores, apelando a que as negociações sejam retomadas. E revelou:
Estivemos reunidos com os representantes dos sindicatos dos professores. Estamos muito preocupados porque o Governo não está a negociar com os sindicatos as condições do descongelamento da carreira dos professores.”.
A coordenadora do BE, referindo que “o Parlamento já fez tudo, o Governo é que não está a cumprir a lei”, criticou:
Isto é muito complicado. Um Governo que não está a cumprir a lei da Assembleia da República e a criar uma situação de instabilidade nas escolas.”.
Catarina Martins defendeu que as negociações com os sindicatos “sejam retomadas quanto antes e que se proceda à contagem do tempo de serviço”, comentou:
A primeira opção do Bloco de Esquerda é fazer este apelo para que a lei seja cumprida, para que haja negociação e que para, de uma forma faseada, ponderada, que respeite toda a gente, se consiga encontrar para os professores do Continente o que já se encontrou para os professores dos Açores e da Madeira”.
Observando que a situação “é particularmente grave porque foi aprovada uma lei da Assembleia da República”, o OE 2019, que “prevê expressamente a negociação, entre o Governo e os sindicatos, sobre a forma de descongelamento das carreiras”, recordou:
O senhor Presidente da República já apelou para que essa negociação exista, os sindicatos dão-nos conta da sua disponibilidade para a negociação, não exigem retroativos dos anos que foram congelados, não exigem que o descongelamento seja feito num só ano, estão, portanto, absolutamente disponíveis a formas faseadas do cumprimento da lei da Assembleia da República”.
E apontou:
O que quer dizer que nós temos neste país, neste momento, uma situação de enorme desigualdade entre professores dos Açores, professores da Madeira e professores do Continente, que é absolutamente inexplicável e é intolerável, não pode continuar”.
***
A reunião do dia 25 será decisiva, pois o ano letivo está em suspenso. Há muitas expectativas da parte dos sindicatos. A recuperação do tempo de serviço volta a estar no centro das atenções da comunidade educativa, depois de tempos conturbados e dum entendimento nunca alcançado. As organizações sindicais não desistem da recuperação dos 9 anos, 4 meses e 2 dias. A última proposta governamental diminuía esse tempo e apontava para os 2 anos, 9 meses e 18 dias. 
Ninguém sabe o que vai suceder no dia 25, mas os sindicatos esperam que o encontro seja para acertar o prazo e o modo de recuperação dos mais de 9 anos e não para discutir o tempo a contabilizar. A reunião acontece conforme o que está estipulado no artigo 17.º da Lei do OE 2019 e as estruturas sindicais entregarão mais de 60 mil assinaturas de apoio às suas propostas. 
Com o anúncio da reunião, foi desmarcada a concentração prevista para o passado dia 21, junto à presidência do Conselho de Ministros, que tinha o de objetivo exigir precisamente o início das negociações. Antes da marcação da data, falava-se em medidas drásticas no 3.º período do ano letivo, sem aulas e sem notas – designadamente não haver aulas no 12.º ano e não haver avaliações no final do ano. A FENPROF deixava claro que se faria o que fosse necessário.
As reivindicações são conhecidas: um modelo de recuperação do tempo de serviço semelhante ao adotado na Madeira com a possibilidade de, por opção do docente, usar parte desse tempo para superação do constrangimento que existe na progressão aos 5.º e 7.º escalões ou para efeitos de aposentação. No dia seguinte à reunião com o ME, os sindicatos de professores reunir-se-ão, pelas 9,30 horas, para analisarem o encontro do dia anterior e, às 12,30 horas, num hotel de Lisboa, darão uma conferência de imprensa para tornarem pública a avaliação dessa reunião e das ações e formas de luta que, eventualmente, serão promovidas pelos professores.
O secretário-geral da FENPROF espera que a reunião sirva precisamente para definir o prazo e o modo de contabilização dos 9 anos, 4 meses e 2 dias. Se assim não for, os professores de todo o país serão consultados para agendarem formas de luta. E sublinha:
Se o Governo mantiver a posição que tem tido, de apagar tempo de serviço, será uma afronta aos professores e à própria Assembleia da República. […] O Governo tem de alterar a sua posição sob pena de apresentar uma situação à margem da lei e que desrespeita tudo e todos.”. 
João Dias da Silva, secretário-geral da FNE (Federação Nacional da Educação), também espera que a reunião sirva para se estabelecer o prazo de recuperação dos 9 anos, 4 meses e 2 dias do tempo congelado. A FNE defende que a recuperação deve ser feita ao longo da próxima legislatura, a começar em novembro deste ano, depois das eleições legislativas. No entanto, Dias da Silva não sabe o que irá acontecer e é como se tivesse um diabinho num ombro e um anjinho no outro. O diabinho diz-lhe “que o Governo vai falhar o compromisso, que vai impor o tempo que tem vindo a defender, e que não vai ligar ao que acontece na Madeira e nos Açores”; o anjinho diz que o ME perceberá que “vale a pena apostar na mudança de atitude”, pois, lembra, “o Governo tem estado isolado ao não querer considerar como referencial os 9 anos, 4 meses e 2 dias”, contrariamente aos restantes partidos, mesmo os que fazem parte do modelo governativo do PS. 
Para Dias da Silva, há vários pontos a considerar na reunião para este ano letivo não ficar conturbado, para haver paz nas escolas e a tranquilidade de que os professores precisam “para estarem inteiramente dedicados ao trabalho com os alunos”. E conclui:
Se o Governo quiser finalizar com uma proposta inaceitável, ficará bem visível a sua posição de cegueira relativamente ao que são as suas respostas para a recuperação do tempo congelado”.     
Filinto Lima, professor, diretor de agrupamento escolar e presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), recorda a preparação do atual ano letivo, feita com empenho e afinco pelas direções escolares que, lembra, “tiveram em agosto um dos meses mais árduos dos últimos anos”, com: a conclusão tardia das avaliações finais do ano letivo; as exigências de preenchimento das inúmeras plataformas disponibilizadas pela tutela e o aparecimento duma nova (a MEGA para os manuais gratuitos); as mudanças no corpo docente resultantes do concurso que a Assembleia da República obrigou a realizar “quebrando, uma vez mais, a continuidade pedagógica”; os imensos pedidos dos serviços do ME às escolas; a formação das turmas; a elaboração dos horários; e a requisição de professores. Repetir todos esses cenários seria muito complicado. Assim, disse ao “educare.pt”:
Uma nuvem negra paira no horizonte educativo: a ausência de acordo entre o ME e os sindicatos torna imprevisível o decurso de um ano que se pretende de paz. Estou seguro de que as desavenças entre estas duas entidades não se refletirão no trabalho quotidiano dos professores, que corresponderão em pleno aos seus alunos. […] O paradigma sindical na Educação alterou-se e ninguém previa um desfecho de ano letivo como o que sucedeu no ano findo.”. 
Não se sabe se haverá surpresas, mas Filinto Lima comenta:
É um bom princípio as partes sentarem-se e terem vontade de negociar, e faço votos que saia fumo branco, pois não quero nem pensar num final de ano letivo idêntico ao do ano passado, que quase chegou a ser catastrófico”.
E pede bom senso aos negociadores e que não se esqueçam de que “os professores trabalharam efetivamente 9 anos, 4 meses e 2 dias.
Manuel Pereira, presidente da ANDE (Associação Nacional de Dirigentes Escolares), repete o que tem dito quando se aborda o assunto do tempo congelado à classe docente. “A luta é uma luta justa. O tempo de serviço que os professores reclamam foi efetivamente exercido”. Também espera este professor e diretor de um agrupamento escolar que a negociação permita encontrar soluções “nem que sejam diluídas e dilatadas” no tempo, nos anos que se seguem, “que haja bom senso, no sentido de se encontrarem pontes em vez de se construírem muros”, porque “já chega de intranquilidade, de insegurança, de desmotivação” nas escolas.
***
Anda mal o Governo se pensa vencer os grupos profissionais pelo cansaço ou se deixa instalar o caos nas escolas, nos hospitais nos tribunais e na sociedade em geral. Tem de escutar os apelos da sociedade, do Parlamento e do Chefe de Estado. Parece que as eleições só se ganham com anúncios de obras e de programas sociais, mesmo que nada ou pouco se concretize…
Será desta feita que teremos negociações conclusivas e aceitáveis? O Governo precisa de senso, os professores de respeito e de justiça e o país de tranquilidade e progresso!  
2019.02.23 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário