sábado, 16 de fevereiro de 2019

Os rankings das escolas referentes a 2018 – as mesmas virtudes e dúvidas


Falo no plural em rankings porque as classificações das escolas nesta matéria diferem de jornal para jornal, embora tenha sucedido que todos deram à luz as suas tabelas e conclusões a partir da meia-noite passada (do dia 15 para o dia 16). Obviamente que se privilegiaram os exames ou, no caso do 9.º ano, as provas finais, embora também o ME (Ministério da Educação) tenha nos últimos anos levado as escolas a apresentar os percursos diretos de sucesso. Tanto assim é que o Público, destaca uma asserção surgida numa escola pública: “Um aluno desta escola ou se prepara para o exame ou não o vai fazer”.
O Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, volta a obter a melhor média nos exames nacionais. Trata-se duma escola privada e estas, por motivos óbvios – entre os quais se conta a possibilidade de não admitir alguns alunos ou de os desligar da frequência – costumam apanhar os primeiros lugares nos rankings. Apesar de tudo, há escolas públicas que se posicionam em lugares confortáveis e escolas privadas que descem para o fundo da tabela.
Entre as escolas públicas, a primeira é a Escola Secundária Infanta Dona Maria, em Coimbra. Porém, os observadores destacam a Escola Secundária Eça de Queirós, na Póvoa de Varzim. Não só está entre as melhores do ensino secundário, como também do básico e do profissional.
Há duas escolas secundárias em Vila do Conde, mas alguns alunos preferem percorrer todos os dias os curtos quilómetros entre as duas cidades para estudar na Póvoa. A Escola Secundária Eça de Queirós “sempre foi conhecida como uma escola de excelência”, dizem.
Cerca de 20% dos quase 1200 alunos vão de fora do concelho, sobretudo de Vila do Conde, Esposende, Famalicão e Barcelos, pois a “fama” da escola chega longe, o que a beneficia, como reconhece o seu diretor José Eduardo Lemos, que é também presidente do Conselho de Escolas, órgão consultivo do ME, onde estão representados os estabelecimentos de ensino públicos.
Num ranking em que os primeiros lugares continuam ocupados por colégios – o Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, com 15,30 de média nos exames nacionais, tem pela 7.ª vez o melhor resultado do país, vindo logo a seguir o Colégio da Rainha Santa Isabel, em Coimbra –, a primeira escola pública, que aparece apenas na 33.ª posição do jornal Público, é a Escola Secundária Infanta Dona Maria, também em Coimbra. Seguem-se a Escola Secundária Clara de Resende, no Porto, e a Escola Secundária Henrique Sommer, em Maceira (Leiria), que foi uma das surpresas do ano passado e este ano continua a ter das melhores médias nacionais.
A escola da Póvoa de Varzim é a 4.ª melhor de entre as escolas públicas, com a média de 12,32 valores (numa escala de 0 a 20), segundo o ranking do Público, que ordena do melhor para o pior resultado as 585 escolas onde se realizaram em 2018 pelo menos 50 provas na 1.ª fase dos exames. Só são tidas em conta, nesta análise, 8 disciplinas, aquelas em que mais estudantes são avaliados. E estão excluídos destas contas os alunos externos que não frequentaram o estabelecimento de ensino e só lá foram prestar provas. 
Há, entretanto, outros aspetos avaliados neste “​especial rankings” do Público, sendo que esta escola também se distingue a outros níveis. Ali, praticamente todos os alunos querem prosseguir estudos para o ensino superior e muitos pretendem entrar numa licenciatura em Medicina – onde habitualmente as médias de entrada são elevadas –, pelo que procuram esta escola pela garantia de sucesso que esperam ter, a ponto de o diretor dizer que é um ensino pré-universitário”. O discurso de exigência é incutido nos jovens quase desde o primeiro dia de aulas. Nas primeiras semanas de cada ano letivo, José Eduardo Lemos entra na sala de cada uma das turmas a explicar que, a partir do momento em que os alunos estão na Escola Secundária Eça de Queirós, não se representam só a si mesmos, mas são também o rosto da escola, das pessoas que passaram por ela antes e das que vão passar. O diretor reafirma a história em nome da “responsabilidade para com a comunidade”, sendo, por isso, que “um aluno desta escola ou se prepara para o exame ou não o vai fazer, é melhor ficar a dormir”. E clarifica que “aquilo que se exige aos estudantes não são resultados, mas um compromisso”, ou seja, é possível que um aluno desta secundária “possa tirar um 5 (em 20) no exame nacional, o que não é possível “é tirar um 5 sem estudar”.
Com a devida vénia, é preciso dizer que é chocante a aposta na preparação para o exame sob pena de, se esta não estiver garantida, o aluno não é apresentado a exame. Obviamente que o aluno tem de ser avaliado na frequência e pode autopropor-se a exame. Querem enganar quem?
Diz o diretor que, no mais, esta é uma escola “normal”: quase um terço (28,6%) dos alunos do 12.º ano eram beneficiários da ação social escolar em 2017 – o apoio do Estado que é atribuído a estudantes oriundos de agregados familiares que têm um rendimento mensal médio igual ou inferior ao salário mínimo nacional. Porém, esquece-se de tocar no ponto da norma da residência dos alunos e de seus encarregados de educação, subjazendo aqui a lógica da livre escolha de escola (sem filtro das declarações de morada) sem que ao ME e aos municípios vizinhos incomode a hipotética falta de qualidade nas escolas da área de proveniência dos alunos.
Uma novidade factual é que, ano após ano, o Público, em colaboração com a Católica Porto Business School, divide as escolas em três grandes grupos, com base nalguns dos dados socioeconómicos que o ME fornece para os agrupamentos escolares públicos do continente: a percentagem de alunos com apoios do Estado e as habilitações escolares dos pais dos alunos. Integram o “contexto 1” as escolas que apresentam indicadores mais desfavoráveis, o “contexto 2”, indicadores intermédios e o “contexto 3”, as escolas cuja envolvente é mais favorecida. A Escola Secundária Eça de Queirós pertence ao “contexto 2”. E, quando se compara com as escolas do mesmo contexto, supera-se. É uma das que mais superam a média de exames que seria de esperar face ao perfil dos alunos. Fica quase dois pontos acima das escolas com as mesmas caraterísticas. Diz o diretor: Se fazemos alguma coisa, temos que fazer bem”.
Além da exigência, verifica-se a presença de outro fator de garantia de bons resultados: a estabilidade, que permite uma cultura de escola. A este respeito, Margarida Almeida, coordenadora de Português, que ali dá aulas desde 1992, refere que o diretor está no cargo há 25 anos e que cerca de metade dos professores trabalha ali há mais de 20, o que permite criar uma “cultura de escola” que passa de uns anos para os outros. Assim, a Escola não só tem estado, nos últimos anos, entre o grupo das escolas públicas do país que melhor se saem, como este ano se destaca nos três níveis de ensino em que assegura oferta: além de ter a 4.ª melhor média de exame no ensino secundário público, tem a segunda melhor nota nos exames do 9.º ano do básico público. E no ensino profissional – onde tem apenas um curso – apresenta os melhores indicadores nacionais, com 100% dos alunos a concluírem o curso no tempo normal (3 anos).
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No ranking dos exames, as escolas públicas dominam os últimos lugares da lista. A única privada é precisamente a que tem pior resultado: o Externato Académico, no Porto, frequentado por “alunos que não tiveram sucesso noutras escolas e chegam, na maioria, para fazer o 12.º ano ou para repetir disciplinas”, como explicou ao Público o diretor pedagógico Rui Alves. Entre as públicas, os resultados mais baixos são os da Escola Secundária da Baixa da Banheira: 7,31 de média. A maior quebra registada desta vez foi no Colégio de Nossa Senhora da Esperança, no Porto, pertencente à Santa Casa da Misericórdia do Porto e que perdeu mais de 400 lugares no ranking dos exames face a 2017 (é agora o 524.º), fruto duma descida de mais de dois valores na média da escola. O diretor Ricardo Rocha mostra-se surpreendido com o que reconhece ser uma “queda acentuada”, dizendo que os resultados têm sido bastante estáveis nos anos anteriores e que não houve mudanças que justifiquem tão radical alteração: a estrutura é a mesma, o corpo docente estável e os mecanismos de monitorização dos resultados semelhantes.
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A par dos rankings baseados nos exames e provas finais, o Expresso dá nota de casos emblemáticos que merecem reflexão, até porque são mostras do outro grande lado da moeda.  
Assim, Isabel Leiria adianta que, se há escolas com fama de seleção de alunos para ficarem com os melhores e mais motivados, a EPA (Escola Profissional de Aveiro) faz o contrário. Com 27 turmas de ensino profissional e 12 de cursos de educação e formação – para quem tem um historial de insucesso e dificuldade em fazer os estudos pelo currículo normal –, a EPA procura e acolhe “todos os alunos que as outras escolas não querem”, como garante Paulo Quina, coordenador técnico-pedagógico de um dos maiores estabelecimentos de ensino profissional do país.
Por seu turno, Raquel Albuquerque salienta a Escola Secundária Miguel Torga em Sabrosa (concelho de Vila Real), zona pobre, escola que passaria despercebida se os rankings se baseassem só nas médias dos exames. Está entre as escolas públicas com as notas mais baixas, fazendo parte dos 31% que têm média negativa. Porém, o indicador criado no ano passado pelo ME que mede o sucesso dos alunos consoante o seu percurso e distingue as escolas que mais melhoraram o percurso dos alunos, a escola surge acima de alguns dos melhores colégios privados do país. Designado pelo ME como ‘percurso direto de sucesso’, mede o nível dos alunos à entrada e saída do ensino secundário, contabilizando os que chegam ao fim sem chumbos no 10.º e 11.º e com positiva nos exames de 12.º e comparando-os com os percursos de alunos de todo o país com perfil semelhante, o que permite uma leitura mais justa e equilibrada, comparando o que pode ser comparável. Este ranking alternativo consegue assim destacar escolas que, mesmo com notas baixas, logram empurrar os alunos para melhores resultados.
A mesma jornalista releva a escola básica do Alto do Lumiar, em Lisboa, de que muitos alunos nunca viram o rio nem creem que haja um castelo no centro da cidade, pois chegam de manhã às aulas sem terem comido, sem ninguém os ter ido acordar e já depois de terem deixado os irmãos mais novos na creche, pois as mães acumulam trabalhos e trabalham desde madrugada. Esta é uma das escolas que aparecem reiteradamente nos últimos lugares dos rankings. Entalada entre bairros sociais, a escola que tem o maior número de alunos de etnia cigana em Lisboa e que se orgulha de não recusar nenhuma matrícula não foi além da média de 37% e está na 6.ª pior posição da tabela que ordena as quase mil escolas básicas públicas e privadas de todo o país com base nas notas dos exames. E, nos últimos 5 anos, esteve quatro vezes entre as 20 médias mais baixas. Maria Caldeira, diretora do agrupamento, fala da situação plangente:
Quando estão dois graus cá fora e as salas de aulas têm janelas partidas e não têm aquecimento, que motivação podem ter estes alunos num sítio onde nem sequer estão confortáveis? Eles sentem que já foram abandonados, às vezes até pela família, que a vida desinvestiu neles, que não prestam e que são sempre os últimos. E depois veem o estado da escola. Não têm um único local confortável onde estar.”.
Muitos dos alunos vivem no bairro das Galinheiras, na Ameixoeira, onde foram realojadas famílias de etnia cigana e colocados clãs contrários nos mesmos lugares, o que se reflete na escola e cria constrangimentos, pela violência ou pela necessidade de mudança de alunos de turma. Se houve rixa no bairro no fim de semana, na segunda-feira os miúdos pegam-se na escola. Em 2009, havia 60 meninas ciganas no bairro totalmente analfabetas. Foram precisos 10 anos para conseguir levar estes alunos para a escola. E a maior conquista é conseguir tê-los na escola, mesmo que seja eventualmente fora das aulas.
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Por sua vez, João Costa, Secretário de Estado da Educação, em artigo de opinião no semanário Sol, escrevia, em 17 de dezembro de 2016, que “é interessante para a comunidade saber qual o alinhamento da sua escola com um perfil nacional ou regional de desempenho”, mas que é nulo “o interesse de uma lista ordenada de escolas”. Com efeito, “conhecer a qualidade de uma escola implica um olhar muito mais abrangente, pelo que são precisos mais indicadores e é necessário um olhar sistémico”. Para tanto, o ME disponibiliza mais indicadores, como: os percursos diretos de sucesso (medem quanto a escola contribuiu para a progressão dos alunos); o indicador de desigualdades (mede a dispersão de notas na mesma escola); e os indicadores por disciplina (permitem a análise comparada entre as disciplinas da mesma escola, estabilizando variáveis sociodemográficas, que a comparação entre escolas não permite controlar). Mas – dizia João Costa – “há muito mais no trabalho das escolas que não tem sido valorizado e que os rankings não mostram”. 
E, neste âmbito, destacava: a inclusão, em escolas que primam pelo notável trabalho com alunos com deficiência, valorizando-os e incluindo-os; a mobilidade social, em escolas que tentam garantir que “a correlação entre nível socioeconómico das famílias e resultados escolares não é tão forte”; a educação humanista, em que se tenta que a melhores resultados esteja associado o desenvolvimento de “um perfil que leva os alunos a colocar os seus conhecimentos ao serviço da construção de uma melhor sociedade”, através da “promoção de projetos de cidadania, serviço social e trabalho cooperativo” (“Um 17 a biologia de quem não considera os outros vale menos do que um 15 de um aluno respeitador e solidário” – escrevia); e a formação artística e desportiva, em que as escolas “deixam florescer talentos artísticos” e “promovem um trabalho notável na promoção da saúde e do desporto”. Não deviam ser observados estes dados no acesso ao ensino superior?
E dizia o governante que estas são áreas fundamentais na estruturação dos indivíduos e para as quais não há ainda indicadores. Por isso, esperava – e parece concretizar-se a partir de agora – que a reflexão havida no ME sobre a avaliação externa das escolas ponderasse como alargar o leque de dimensões a valorizar, já que “uma educação integral envolve atingir metas em muitas dimensões”, não se expressando todas numa nota. Mas, sendo necessário obter dados sobre todas as dimensões e valorizar o que de melhor se faz, “precisamos de vários olhares sobre a escola, para que, aos poucos, seja possível tornar visível o que leituras apressadas ocultaram”.
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Vamos ver se os interesses instalados permitirão sobrepor a valorização da escola – pública e privada – à competitividade de modo a termos cidadãos de corpo inteiro e travarmos a mercantilização da educação e da vida. Para tanto, seria bom parar com estes rankings e o ME elaborar o seu observando o que se entende pelos melhores parâmetros da missão da escola, bem como avaliar segundo os mesmos o acesso a uma profissão e ao ensino superior. Só números, não, por favor! Estão sempre em causa pessoas e a vida.
2019.02.16 – Louro de Carvalho 

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