O Banco de Portugal (BdP)
encontra-se já a proceder ao apuramento das responsabilidades
contraordenacionais eventualmente resultantes do relatório da
auditoria da EY à CGD (Caixa Geral de Depósitos), a qual identificou um conjunto de financiamentos de risco que geraram
imparidades de cerca de 1.200 milhões de euros e outros investimentos em
participações que se revelaram ruinosos – ficando tudo agora nos 1.600 milhões
de euros –, em decisões que ignoraram pareceres de risco sem estarem devidamente
fundamentadas.
Entretanto, Carlos Costa, governador do BdP, de acordo com um comunicado de esclarecimento do próprio banco
central português “tendo em conta que o seu mandato na CGD está incluído
no período que foi objeto de análise na auditoria da EY à CGD” (2000-2015), comunicou ao conselho de
administração “a sua intenção de não participar nas decisões do decorrentes das
conclusões desta auditoria, tendo o conselho de administração aceite
este motivo de escusa”.
Em suma, Carlos Costa, que foi administrado da
CGD no período em referência, pediu para não participar nas decisões do
supervisor bancário sobre a auditoria da EY aos atos de gestão na Caixa entre
2000 e 2015 – pedido de escusa que foi aceite pelo conselho de administração.
O Jornal Económico avançou, esta
sexta-feira, que o supervisor está a avaliar menos de 10 dos 44 gestores que
passaram pelo banco público naquele período e que o próprio Carlos Costa, que
foi administrador da CGD com o pelouro da área internacional entre julho de
2004 e setembro de 2006, vai escapar a esse exame de idoneidade que o
supervisor está a realizar.
E a última edição da revista Sábado
revelou que o atual governador do BdP participou nas decisões de financiamento
do banco estatal aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino, bem como ao projeto de Vale de Lobo, empréstimos que constam da lista dos
grandes créditos em situação de incumprimento identificados pela EY e que
geraram perdas de milhares de milhões para a CGD.
Foi por causa destas duas notícias que o BdP veio, esta sexta-feira, esclarecer
que “durante todo o período em que exerceu funções de administrador na CGD, o governador não teve responsabilidades nas áreas de
crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna”,
como refere o predito comunicado. Não obstante, adiantou que governador “está
totalmente disponível, como sempre esteve, para prestar todos os
esclarecimentos que a Assembleia da República houver por necessários, nomeadamente
sobre os termos da sua participação nos órgãos colegiais que aprovaram as
operações que são objeto da auditoria da EY à CGD”. Nestes termos, Carlos
Costa mostra-se disponível para ir ao Parlamento numa altura em que se prepara
uma terceira CPI (comissão parlamentar de inquérito) ao banco público.
O BdP termina o seu comunicado dizendo que “está a considerar toda a informação contida na auditoria da EY à CGD e
daí retirará as consequências que se imponham”.
***
Mas, além de Carlos Costa ficar dispensado de
participar nesse trabalho de apuramento de responsabilidades no atinente à
auditoria da EY à CGD e à formação de um juízo sobre a idoneidade dos gestores
que passaram pela CGD no período de 2000 a 2015, entre os quais se conta o
próprio governador do BdP, também se ficou a saber que este escapa ao exame do
BdP a ex-gestores da CGD.
Efetivamente, a revista Sábado avançou, com
base na consulta das atas da CGD, que o atual governador do BdP esteve nas
reuniões que aprovaram créditos do banco público que levaram a perdas elevadas.
E o Jornal Económico garante que
Carlos Costa escapará do exame do supervisor, apesar de ter sido administrador
da Caixa com o pelouro da área internacional de julho de 2004 a setembro de
2006, sendo um dos administradores de Carlos Santos Ferreira, que depois transitou
para o BCP.
Segundo a Sábado, Costa esteve em
pelo menos 4 reuniões do conselho alargado de créditos em que foram aprovados
empréstimos a devedores que redundaram em perdas elevadas para a CGD e que foram
auditados pela EY. E não há registo de ter contestado (ou questionado) tais créditos.
Assim,
Manuel Fino recebeu 150 milhões de euros da CGD para comprar ações da Cimpor. O
atual governador esteve presente nessa reunião, assim como na reunião que
baixou o spread desse empréstimo e noutra que analisou a apresentação duma
abertura de crédito à empresa de Manuel Fino de 28 milhões para aquisição de
ações da Soares da Costa. No final de 2015, a Investifino devia 138 milhões dos
180 milhões concedidos, levando a CGD a registar perdas de 133 milhões. Esteve
ainda na reunião que aprovou o financiamento de 47 milhões de euros à
Metalgest, de Joe Berardo, bem como na reunião que, em 2006, votou o crédito de
170 milhões de euros para a compra do empreendimento turístico de Vale do Lobo,
no Algarve, empréstimo que consta da lista dos mais ruinosos para o banco
público e do processo “Operação Marquês”.
A Sábado questionou o BdP sobre se Carlos
Costa iria pedir escusa no processo de averiguações à gestão da Caixa, sem que
tenha obtido qualquer resposta. Mas, segundo o Jornal Económico, o supervisor está a avaliar os administradores
que estiveram na Caixa e que ainda estão na banca, mas Carlos Costa vai escapar
ao exame de idoneidade que o BdP está a fazer.
O mesmo
jornal avança que são menos de 10 dos 44 gestores que passaram pela Caixa que
estão a ser avaliados, sendo que alguns estão ainda na banca. Na audição
parlamentar, Paulo Macedo, presidente da CGD, garantiu que desses
administradores só dois estão na Caixa: Maria João Carioca e Rodolfo Lavrador.
Da primeira disse ter havido uma análise interna. Do segundo caso nada mais
disse. Mas assegurou que “não há uma pessoa que tenha estado na
administração da CGD e que hoje desempenhe funções com necessidade de passar pelo
processo de ‘fit and proper’ [avaliação do Banco de Portugal]”. Parece que está
a esquecer-se de si próprio.
Enfim, repetindo, Carlos Costa, líder do banco central
português, foi administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2004 e 2006, altura em que foram aprovados
créditos aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino que resultaram em prejuízos
de 161 milhões de euros. É o
que revela a auditoria pedida pelo Governo à EY, que vem marcando a agenda
política e mediática e que concluiu terem sido acumuladas perdas de 1,6 mil
milhões de euros em 186 operações de crédito ruinosas no banco público –
números mais elevados que os indicados no relatório preliminar. E, na sequência
do estudo da consultora, o BdP decidiu testar a idoneidade dos ex-gestores da
CGD para apurar eventuais responsabilidades nos atos de gestão de que
resultaram perdas avultadas. Mas Carlos Costa não faz parte
dos ex-gestores que vão ser alvo deste escrutínio, como indica o Jornal
Económico, mas sem revelar como obteve a informação.
***
Por quanto fica dito, voltou à
ordem do dia a questão da idoneidade de Carlos Costa, depois de ter sido
divulgada a auditoria à gestão da Caixa, num período em que o governador era
administrador do banco público, a ponto de ser legítimo perguntar se o Governador do Banco de Portugal é “inamovível”. E Carlos Costa volta a estar sob
pressão. Desta vez, o governador do Banco de Portugal viu-se obrigado
a pedir escusa das decisões do supervisor que resultarem da análise
às conclusões da auditoria feita pela EY à gestão da CGD, no período de 2000 a
2015, durante o qual foi administrador do banco público. Isto depois de a
revista Sábado ter revelado que o governador participou
nos conselhos de crédito que deram aval aos empréstimos concedidos a Joe
Berardo, Manuel Fino e ainda ao projeto de Vale de Lobo.
Ao mesmo tempo, o Jornal Económico avança
que o BdP está a avaliar nove gestores que passaram pela Caixa no período
analisado pela auditoria; contudo, o próprio Carlos Costa estará fora
desse exame de idoneidade que o supervisor está a realizar.
É neste contexto que a idoneidade de Carlos Costa volta a estar na ordem do
dia, depois de casos como o do Banco Espírito Santo (BES), em 2014, ou o do Banif, em 2015.
O governador do Banco de Portugal é “inamovível” por princípio, mas pode
ser exonerado do seu cargo. Há duas situações em que isso pode acontecer.
Ora o governador do Banco de Portugal é nomeado por resolução do Conselho
de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição na Assembleia
da República. Nos termos da lei orgânica do supervisor da banca, tanto o
governador como os restantes membros do conselho de administração têm de cumprir
requisitos para a nomeação: comprovada idoneidade,
capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas
bancária e monetária.
Essa lei orgânica determina que “os membros do conselho de
administração são inamovíveis, só podendo ser exonerados dos seus cargos
caso se verifique alguma das circunstâncias previstas” nos Estatutos do Sistema
Europeu de Bancos Centrais (SEBC) / Banco Central Europeu (BCE). E estes
estatutos determinam que “um governador só pode ser demitido das suas
funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das
mesmas ou se tiver cometido falta grave”. E, mesmo verificada uma destas
situações, “o governador em causa ou o conselho do BCE pode interpor recurso da
decisão de demissão para o Tribunal de Justiça com fundamento em violação dos
tratados ou de qualquer normal jurídica relativa à sua aplicação”. Esses
recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses a partir da publicação ou
da tomada de conhecimento da decisão de exoneração do governador.
Porém, o
conceito de “falta grave”, embora mencionado, não está definido com clareza nos estatutos do BCE. Em
várias opiniões emitidas relativas ao quadro legal de países da Zona Euro, o regulador
europeu classifica de faltas graves as decisões ou omissões que violem
a lei – um conceito relativamente aberto. No entanto, nalguns casos, é
mais específico. Assim, por exemplo, no tocante aos requisitos de reporte
relativos às estatísticas de balanço, o BCE define como “falta grave” qualquer
uma das seguintes situações: incumprimento sistemático dos padrões mínimos para
as revisões; reporte incorreto com intenção fraudulenta; reporte sistemático de
dados incorretos; flagrante falta de cooperação com o banco central competente
e/ou com o BCE.
Oficialmente, nunca foi apontada uma falta grave ao
governador do BdP. Mas a
questão foi já levantada por várias vezes, incluindo por parte do atual Ministro
das Finanças, Mário Centeno.
A possibilidade de exonerar Carlos Costa foi apresentada, primeiro, pelo
Bloco de Esquerda, em março de 2017, através dum projeto de resolução em
que apresentava 5 casos concretos, todos relacionados com a atuação do
supervisor nos casos do BES e do Banif, que comprovariam as “faltas graves”
cometidas. Argumentavam os bloquistas:
“O Banco de Portugal não articulou a sua
intervenção com as restantes entidades de supervisão, com consequências para a
estabilidade do sistema financeiro; o Banco de Portugal não agiu atempadamente,
mesmo quando tinha elementos suficientes para isso; o Banco de Portugal foi
ineficaz nas suas orientações e determinações, tendo permitido sucessivas
violações por parte da entidade supervisionada; o Banco de Portugal não
colaborou de forma adequada com a Assembleia da República; o Banco de Portugal
não foi um elemento de proteção e clarificação dos clientes afetados por
práticas bancárias lesivas, pelo contrário”.
Pouco tempo depois da apresentação deste projeto de resolução, foi o
próprio Centeno a admitir falhas na supervisão de Carlos Costa, dizendo, em
abril de 2017, em entrevista à RTP: “É uma falha grave que nós
reputamos de falha grave de transmissão de informação”.
Referia-se ao facto de o BdP ter omitido que tinha pedido ao BCE a
limitação do financiamento ao Banif. Contudo, o Governo nunca retirou
consequências destas falhas graves, tendo o Ministro ressalvado que esperava
que a comissão de inquérito identificasse “todas as situações envolvidas nesta
matéria”, afastando, assim, o espectro da exoneração do governador.
O caso, agora, é outro. Carlos Costa é governador do
Banco de Portugal desde 2010, o que significa que já era o responsável
pela supervisão do sistema bancário num período que fica abrangido pela
auditoria à CGD, pelo que, em último caso, poderá ter falhado nas suas
competências de supervisão do maior banco do sistema. Contudo, o que se coloca
em causa é a sua atuação como administrador do banco público, entre abril de
2004 e setembro de 2006, período em que foi responsável pelas áreas de marketing e internacional da instituição e garante
que “não teve responsabilidades nas áreas de crédito, risco, acompanhamento de
clientes ou de controlo e auditoria interna”.
Apesar de não ter responsabilidade nestas áreas e segundo as atas que foram
divulgadas pela revista Sábado, participou,
como ficou dito, nos conselhos de crédito que aprovaram operações que vieram a
resultar em perdas de milhões para a Caixa. Esta atuação volta, por isso, a
lançar a questão da idoneidade exigida a um governador do banco central.
***
Não é
novidade que o governador esteja disponível para prestar declarações à CPI. Estranho
seria o contrário. Mas pouco adiantarão as suas declarações, que se pautarão
pela negação das acusações ou pelo recurso à falta de memória, já que o bavismo
se instalou pacificamente.
Percebe-se-lhe
a escusa de avaliar a idoneidade dos ex-gestores, mas não a sujeição a esse
exame. De facto, há excesso de gente revestida com a couraça da imunidade em Portugal,
praticamente indutora da impunidade.
Ora, como o
Banco de Portugal não vai avaliar o governador porque não pode, o Bloco de Esquerda
entende que, se o Banco de Portugal não faz o seu trabalho, deve o Governo fazê-lo
em nome do interesse público. Por isso, a ter-se em conta o que se lê no “esquerda.net”,
Catarina Martins anunciou que “o Bloco vai apresentar um projeto no Parlamento
para que o Governo avalie a intervenção de Carlos Costa, governador do Banco de
Portugal, quando era administrador executivo da Caixa nas decisões sobre aqueles
que são os créditos ruinosos da Caixa, que avalie e que retire as suas
consequências, incluindo exonerá-lo”.
Para grandes males grandes remédios. Reduzam-se drasticamente as imunidades.
Acabe-se com as impunidades supinas e crónicas.
2019.02.08 –
Louro de Carvalho
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