sábado, 9 de fevereiro de 2019

Carlos Costa pede escusa nas decisões do BdP sobre auditoria à CGD



O Banco de Portugal (BdP) encontra-se já a proceder ao apuramento das responsabilidades contraordenacionais eventualmente resultantes do relatório da auditoria da EY à CGD (Caixa Geral de Depósitos), a qual identificou um conjunto de financiamentos de risco que geraram imparidades de cerca de 1.200 milhões de euros e outros investimentos em participações que se revelaram ruinosos – ficando tudo agora nos 1.600 milhões de euros –, em decisões que ignoraram pareceres de risco sem estarem devidamente fundamentadas.
Entretanto, Carlos Costa, governador do BdP, de acordo com um comunicado de esclarecimento do próprio banco central português “tendo em conta que o seu mandato na CGD está incluído no período que foi objeto de análise na auditoria da EY à CGD” (2000-2015), comunicou ao conselho de administração “a sua intenção de não participar nas decisões do decorrentes das conclusões desta auditoria, tendo o conselho de administração aceite este motivo de escusa”.
Em suma, Carlos Costa, que foi administrado da CGD no período em referência, pediu para não participar nas decisões do supervisor bancário sobre a auditoria da EY aos atos de gestão na Caixa entre 2000 e 2015 – pedido de escusa que foi aceite pelo conselho de administração.
O Jornal Económico avançou, esta sexta-feira, que o supervisor está a avaliar menos de 10 dos 44 gestores que passaram pelo banco público naquele período e que o próprio Carlos Costa, que foi administrador da CGD com o pelouro da área internacional entre julho de 2004 e setembro de 2006, vai escapar a esse exame de idoneidade que o supervisor está a realizar.
E a última edição da revista Sábado revelou que o atual governador do BdP participou nas decisões de financiamento do banco estatal aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino, bem como ao projeto de Vale de Lobo, empréstimos que constam da lista dos grandes créditos em situação de incumprimento identificados pela EY e que geraram perdas de milhares de milhões para a CGD.
Foi por causa destas duas notícias que o BdP veio, esta sexta-feira, esclarecer que “durante todo o período em que exerceu funções de administrador na CGD, o governador não teve responsabilidades nas áreas de crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna”, como refere o predito comunicado. Não obstante, adiantou que governador “está totalmente disponível, como sempre esteve, para prestar todos os esclarecimentos que a Assembleia da República houver por necessários, nomeadamente sobre os termos da sua participação nos órgãos colegiais que aprovaram as operações que são objeto da auditoria da EY à CGD”. Nestes termos, Carlos Costa mostra-se disponível para ir ao Parlamento numa altura em que se prepara uma terceira CPI (comissão parlamentar de inquérito) ao banco público.
O BdP termina o seu comunicado dizendo que “está a considerar toda a informação contida na auditoria da EY à CGD e daí retirará as consequências que se imponham”.
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Mas, além de Carlos Costa ficar dispensado de participar nesse trabalho de apuramento de responsabilidades no atinente à auditoria da EY à CGD e à formação de um juízo sobre a idoneidade dos gestores que passaram pela CGD no período de 2000 a 2015, entre os quais se conta o próprio governador do BdP, também se ficou a saber que este escapa ao exame do BdP a ex-gestores da CGD.
Efetivamente, a revista Sábado avançou, com base na consulta das atas da CGD, que o atual governador do BdP esteve nas reuniões que aprovaram créditos do banco público que levaram a perdas elevadas. E o Jornal Económico garante que Carlos Costa escapará do exame do supervisor, apesar de ter sido administrador da Caixa com o pelouro da área internacional de julho de 2004 a setembro de 2006, sendo um dos administradores de Carlos Santos Ferreira, que depois transitou para o BCP.
Segundo a Sábado, Costa esteve em pelo menos 4 reuniões do conselho alargado de créditos em que foram aprovados empréstimos a devedores que redundaram em perdas elevadas para a CGD e que foram auditados pela EY. E não há registo de ter contestado (ou questionado) tais créditos.
Assim, Manuel Fino recebeu 150 milhões de euros da CGD para comprar ações da Cimpor. O atual governador esteve presente nessa reunião, assim como na reunião que baixou o spread desse empréstimo e noutra que analisou a apresentação duma abertura de crédito à empresa de Manuel Fino de 28 milhões para aquisição de ações da Soares da Costa. No final de 2015, a Investifino devia 138 milhões dos 180 milhões concedidos, levando a CGD a registar perdas de 133 milhões. Esteve ainda na reunião que aprovou o financiamento de 47 milhões de euros à Metalgest, de Joe Berardo, bem como na reunião que, em 2006, votou o crédito de 170 milhões de euros para a compra do empreendimento turístico de Vale do Lobo, no Algarve, empréstimo que consta da lista dos mais ruinosos para o banco público e do processo “Operação Marquês”.
A Sábado questionou o BdP sobre se Carlos Costa iria pedir escusa no processo de averiguações à gestão da Caixa, sem que tenha obtido qualquer resposta. Mas, segundo o Jornal Económico, o supervisor está a avaliar os administradores que estiveram na Caixa e que ainda estão na banca, mas Carlos Costa vai escapar ao exame de idoneidade que o BdP está a fazer. 
O mesmo jornal avança que são menos de 10 dos 44 gestores que passaram pela Caixa que estão a ser avaliados, sendo que alguns estão ainda na banca. Na audição parlamentar, Paulo Macedo, presidente da CGD, garantiu que desses administradores só dois estão na Caixa: Maria João Carioca e Rodolfo Lavrador. Da primeira disse ter havido uma análise interna. Do segundo caso nada mais disse. Mas assegurou que “não há uma pessoa que tenha estado na administração da CGD e que hoje desempenhe funções com necessidade de passar pelo processo de ‘fit and proper’ [avaliação do Banco de Portugal]”. Parece que está a esquecer-se de si próprio.
Enfim, repetindo, Carlos Costa, líder do banco central português, foi administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2004 e 2006, altura em que foram aprovados créditos aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino que resultaram em prejuízos de 161 milhões de euros. É o que revela a auditoria pedida pelo Governo à EY, que vem marcando a agenda política e mediática e que concluiu terem sido acumuladas perdas de 1,6 mil milhões de euros em 186 operações de crédito ruinosas no banco público – números mais elevados que os indicados no relatório preliminar. E, na sequência do estudo da consultora, o BdP decidiu testar a idoneidade dos ex-gestores da CGD para apurar eventuais responsabilidades nos atos de gestão de que resultaram perdas avultadas. Mas Carlos Costa não faz parte dos ex-gestores que vão ser alvo deste escrutínio, como indica o Jornal Económico, mas sem revelar como obteve a informação. 
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Por quanto fica dito, voltou à ordem do dia a questão da idoneidade de Carlos Costa, depois de ter sido divulgada a auditoria à gestão da Caixa, num período em que o governador era administrador do banco público, a ponto de ser legítimo perguntar se o Governador do Banco de Portugal é “inamovível”. E Carlos Costa volta a estar sob pressão. Desta vez, o governador do Banco de Portugal viu-se obrigado a pedir escusa das decisões do supervisor que resultarem da análise às conclusões da auditoria feita pela EY à gestão da CGD, no período de 2000 a 2015, durante o qual foi administrador do banco público. Isto depois de a revista Sábado ter revelado que o governador participou nos conselhos de crédito que deram aval aos empréstimos concedidos a Joe Berardo, Manuel Fino e ainda ao projeto de Vale de Lobo.
Ao mesmo tempo, o Jornal Económico avança que o BdP está a avaliar nove gestores que passaram pela Caixa no período analisado pela auditoria; contudo, o próprio Carlos Costa estará fora desse exame de idoneidade que o supervisor está a realizar.
É neste contexto que a idoneidade de Carlos Costa volta a estar na ordem do dia, depois de casos como o do Banco Espírito Santo (BES), em 2014, ou o do Banif, em 2015.
O governador do Banco de Portugal é “inamovível” por princípio, mas pode ser exonerado do seu cargo. Há duas situações em que isso pode acontecer.
Ora o governador do Banco de Portugal é nomeado por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição na Assembleia da República. Nos termos da lei orgânica do supervisor da banca, tanto o governador como os restantes membros do conselho de administração têm de cumprir requisitos para a nomeação: comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária.
Essa lei orgânica determina que “os membros do conselho de administração são inamovíveis, só podendo ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas” nos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) / Banco Central Europeu (BCE). E estes estatutos determinam que “um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. E, mesmo verificada uma destas situações, “o governador em causa ou o conselho do BCE pode interpor recurso da decisão de demissão para o Tribunal de Justiça com fundamento em violação dos tratados ou de qualquer normal jurídica relativa à sua aplicação”. Esses recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses a partir da publicação ou da tomada de conhecimento da decisão de exoneração do governador.
Porém, o conceito de “falta grave”, embora mencionado, não está definido com clareza nos estatutos do BCE. Em várias opiniões emitidas relativas ao quadro legal de países da Zona Euro, o regulador europeu classifica de faltas graves as decisões ou omissões que violem a lei – um conceito relativamente aberto. No entanto, nalguns casos, é mais específico. Assim, por exemplo, no tocante aos requisitos de reporte relativos às estatísticas de balanço, o BCE define como “falta grave” qualquer uma das seguintes situações: incumprimento sistemático dos padrões mínimos para as revisões; reporte incorreto com intenção fraudulenta; reporte sistemático de dados incorretos; flagrante falta de cooperação com o banco central competente e/ou com o BCE.
Oficialmente, nunca foi apontada uma falta grave ao governador do BdP. Mas a questão foi já levantada por várias vezes, incluindo por parte do atual Ministro das Finanças, Mário Centeno.
A possibilidade de exonerar Carlos Costa foi apresentada, primeiro, pelo Bloco de Esquerda, em março de 2017, através dum projeto de resolução em que apresentava 5 casos concretos, todos relacionados com a atuação do supervisor nos casos do BES e do Banif, que comprovariam as “faltas graves” cometidas. Argumentavam os bloquistas:
O Banco de Portugal não articulou a sua intervenção com as restantes entidades de supervisão, com consequências para a estabilidade do sistema financeiro; o Banco de Portugal não agiu atempadamente, mesmo quando tinha elementos suficientes para isso; o Banco de Portugal foi ineficaz nas suas orientações e determinações, tendo permitido sucessivas violações por parte da entidade supervisionada; o Banco de Portugal não colaborou de forma adequada com a Assembleia da República; o Banco de Portugal não foi um elemento de proteção e clarificação dos clientes afetados por práticas bancárias lesivas, pelo contrário”.
Pouco tempo depois da apresentação deste projeto de resolução, foi o próprio Centeno a admitir falhas na supervisão de Carlos Costa, dizendo, em abril de 2017, em entrevista à RTP: “É uma falha grave que nós reputamos de falha grave de transmissão de informação”.
Referia-se ao facto de o BdP ter omitido que tinha pedido ao BCE a limitação do financiamento ao Banif. Contudo, o Governo nunca retirou consequências destas falhas graves, tendo o Ministro ressalvado que esperava que a comissão de inquérito identificasse “todas as situações envolvidas nesta matéria”, afastando, assim, o espectro da exoneração do governador.
O caso, agora, é outro. Carlos Costa é governador do Banco de Portugal desde 2010, o que significa que já era o responsável pela supervisão do sistema bancário num período que fica abrangido pela auditoria à CGD, pelo que, em último caso, poderá ter falhado nas suas competências de supervisão do maior banco do sistema. Contudo, o que se coloca em causa é a sua atuação como administrador do banco público, entre abril de 2004 e setembro de 2006, período em que foi responsável pelas áreas de marketing e internacional da instituição e garante que “não teve responsabilidades nas áreas de crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna”.
Apesar de não ter responsabilidade nestas áreas e segundo as atas que foram divulgadas pela revista Sábado, participou, como ficou dito, nos conselhos de crédito que aprovaram operações que vieram a resultar em perdas de milhões para a Caixa. Esta atuação volta, por isso, a lançar a questão da idoneidade exigida a um governador do banco central.
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Não é novidade que o governador esteja disponível para prestar declarações à CPI. Estranho seria o contrário. Mas pouco adiantarão as suas declarações, que se pautarão pela negação das acusações ou pelo recurso à falta de memória, já que o bavismo se instalou pacificamente.
Percebe-se-lhe a escusa de avaliar a idoneidade dos ex-gestores, mas não a sujeição a esse exame. De facto, há excesso de gente revestida com a couraça da imunidade em Portugal, praticamente indutora da impunidade.   
Ora, como o Banco de Portugal não vai avaliar o governador porque não pode, o Bloco de Esquerda entende que, se o Banco de Portugal não faz o seu trabalho, deve o Governo fazê-lo em nome do interesse público. Por isso, a ter-se em conta o que se lê no “esquerda.net”, Catarina Martins anunciou que “o Bloco vai apresentar um projeto no Parlamento para que o Governo avalie a intervenção de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, quando era administrador executivo da Caixa nas decisões sobre aqueles que são os créditos ruinosos da Caixa, que avalie e que retire as suas consequências, incluindo exonerá-lo”.
Para grandes males grandes remédios. Reduzam-se drasticamente as imunidades. Acabe-se com as impunidades supinas e crónicas.
2019.02.08 – Louro de Carvalho

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