Trata-se de Tomás Correia, recentemente
reempossado como presidente
da AMMG (Associação
Mutualista Montepio Geral) para o que
foi reeleito à cabeça da lista A, mas que foi, durante vários anos, presidente do
banco de que a mutualista é dona, a CEMG (Caixa Económica Montepio Geral), hoje denominada de Banco Montepio.
O Banco de Portugal (BdP) condenou Tomás
Correia e outros sete administradores do Montepio, que estiveram em funções entre
2008 e 2015, por, entre outros motivos, a quebra das regras de controlo
interno na gestão da instituição financeira, a falta ou insuficiência de garantias
para o crédito e a não observância dos pareceres negativos ou dúbios. Tomás
Correia recebeu a coima mais elevada, de 1,25 milhões de euros, de acordo com
o Expresso, embora o Público tenha avançado
com um valor superior, 1,5 milhões de euros. Os restantes administradores
receberam coimas de dezenas e centenas de milhares de euros. E o próprio Banco Montepio foi condenado
a multas no valor de 2,5 milhões
de euros por
irregularidades relacionadas com concessão de créditos. Tudo isto no âmbito de
um processo de contraordenação que teve origem na auditoria especial feita em
2014, a pedido do banco central. Adicionalmente, segundo o Expresso, o então presidente do Montepio pode ser alvo
de inibição de exercício de funções no setor financeiro.
Em
janeiro passado, quando tomou posse para um novo mandato como presidente da
mutualista, Tomás Correia disse aos jornalistas que não acreditava numa
condenação do BdP (“Não
estou preocupado, não estamos preocupados com isso. Não há nenhum [‘feedback’
do regulador dos seguros sobre essa matéria] e temos a certeza de que não
teremos”), no âmbito do
processo agora acabado de concluir e, sobre a avaliação da sua idoneidade,
afirmou que essa cabe à assembleia-geral da mutualista e não ao regulador dos
seguros, apesar das alterações feitas ao CAM no ano passado.
Face à condenação do BdP, António Godinho e Fernando Ribeiro Mendes, que
concorreram às últimas eleições à AMMG, reiteraram o que afirmavam em campanha
eleitoral, que Tomás Correia deve afastar-se imediatamente para proteger a
instituição dos riscos reputacionais que podem advir da condenação por parte do
BdP.
Porém, o líder da AMMG rejeita que existam coimas ou quaisquer penas
acessórias, pois, em seu entendimento, não se trata duma condenação, mas
antes de “uma decisão” do supervisor, a qual não implica “qualquer
condenação, sanção acessória ou inibição ao exercício da profissão”, sendo
afastada toda e qualquer hipótese de vir a abandonar o cargo para o qual foi
eleito em dezembro de 2018.
Por isso, conforme revelou ao ECO,
vai recorrer da decisão, afastando quaisquer razões para
deixar a liderança da AMMG e salienta que “o recurso é um direito a
exercer”.
***
O Governo diz que incumbe ao
regulador dos seguros, a ASF (Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões) abrir um procedimento de avaliação
de idoneidade a Tomás Correia, atual
presidente da AMMG, que foi condenado pelo BdP ao pagamento de uma coima de
1,25 milhões de euros por irregularidades cometidas quando estava no banco do
Montepio.
O
esclarecimento surge depois de José Almaça ter dito que a ASF não tem competências
ara fazer essa avaliação, uma vez que decorre um período de transição do novo
regime de supervisão de 12 anos.
É entendimento do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança
Social (MTSSS) e do Ministério das Finanças (MF) que o regulador dos seguros já dispõe desses poderes de
avaliar se determinado gestor preenche os requisitos para exercer funções numa
associação mutualista. E ancora-se na alínea f) do n.º 5 do art.º 6.º do novo
CAM (Código das
Associações Mutualistas),
aprovado pelo Decreto-lei n.º 59/2018, de 2 de agosto, que entrou em vigor em
setembro:
“Analisar o sistema de
governação e os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a
estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às
disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor
segurador”.
Para
os dois ministérios, que assinam um comunicado conjunto a esclarecer a questão,
e consequentemente para o Governo, “estas
disposições incluem, no entendimento do Governo, a análise sobre matéria da
idoneidade dos membros dos órgãos de administração das associações mutualistas
abrangidas pelo regime transitório de supervisão previsto no CAM”.
Este comunicado
do Governo surgiu em reação às declarações de José Almaça, presidente da ASF, ao
Jornal de Negócios a explicar que “só
depois de convergirem [associação mutualista] com o setor segurador é que passarão
para a nossa supervisão”, pois, segundo este dirigente, o novo CAM impõe que
este só terá de ser igual ao das seguradoras em 2030, havendo até lá um período
transitório, que pode ir até 12 anos.
Em suma,
para a ASF, não lhe cabe pronunciar-se
sobre a idoneidade de Tomás Correia, uma vez que ainda não tem efetivamente
a supervisão da AMMG em virtude de ainda se observar o período transitório
estabelecido no CAM, sendo que agora o trabalho da ASF é verificar se a AMMG e instituições
similares convergem para o regime segurador e, só depois da efetiva convergência,
passarão para a supervisão deste órgão regulador e supervisor.
***
Face à
posição da ASF, recentemente reforçada, de que não tem competência para avaliar
a idoneidade de Tomás Correia, o Governo mantém o que fez saber anteriormente. Com
efeito, fonte oficial do Governo, questionada pelo Jornal de Negócios se o Executivo mantém a posição de que incumbe à
ASF o papel da avaliação, respondeu:
“O entendimento dos Ministérios das Finanças
e do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social é o que está explicado no
comunicado enviado no dia 22 de fevereiro”.
A
mesma fonte acrescentou que o MTSSS “não
tem mais nada a acrescentar” aos esclarecimentos prestados pelo Ministro.
Vieira da
Silva afirmara, no Parlamento, que a “legislação sobre o setor das mutualidades
durante muito tempo não tinha uma previsão sobre quem devia cumprir uma função
de supervisão”. A seguir, vincou:
“Essa lacuna, que de facto existiu durante
muitos anos, foi superada pela aprovação do decreto-lei que veio criar o novo
código das mutualidades e fê-lo de forma muito clara criando dois subgrupos
dentro das mutualidades com um montante de atividade económica definidor, sendo
que as mutualidades que se situam acima desta linha a sua supervisão são da
responsabilidade da ASF. Isto é claro, está na lei.”.
E
acrescentou que o período transitório não impede que a ASF assuma desde já
essas funções.
Por seu
turno, José Almaça faz uma interpretação diferente da
mencionada alínea b) do n.º 5 do art.º 6.º do CAM, referindo que nela se diz
“analisar” e não “decidir” sobre o que quer que seja, isto é, analisar para
fazer recomendações às associações mutualistas para façam as necessárias correções
e convirjam para aquilo que é exigido às seguradoras. E acrescenta:
“Não
está dentro das nossas competências. O nosso papel é de acompanhar como se
portaram as mutualistas para que daqui por 12 anos, que é o período máximo que
está na lei e que pode ser antecipado, a partir daí podermos atuar. Até lá não.”.
Com o predito comunicado do Governo e
as posições do regulador dos seguros, abriu-se uma frente de batalha em pleno
espaço público e em relação a um tema já de si particularmente sensível: a AMMG que
conta com mais de 620 mil associados com poupanças aplicadas numa instituição
que não tem tido supervisão financeira adequada da tutela.
Numa nota de hoje, dia 1 de março, enviada
às redações, o regulador reitera:
“No decurso do período de transitório, não
há qualquer disposição legal que habilite a ASF a aferir a idoneidade ou a qualificação
de titulares de órgãos associativos das associações mutualistas com vista a
autorizar ou a fazer cessar o exercício de funções, cabendo-lhe, nos termos da
lei, analisar o sistema de governação no contexto da monitorização da
convergência com o regime de supervisão financeira do setor segurador”.
E reafirma o
seu papel no atinente à matéria:
“[no período de transitório de 12 anos, apenas compete
à ASF] a monitorização e verificação da convergência das associações
mutualistas com o regime da atividade seguradora, exigindo a elaboração de um
plano de convergência e recolhendo informação sobre a entidade, a atividade, os
produtos e outra que seja necessária para aferir da adequação do plano de
convergência e do respetivo cumprimento”.
Assim, porque
o MTSSS reafirmou também a sua posição, continuam o Governo e o regulador dos
seguros sem se entender quanto a quem cabe a responsabilidade de avaliar a
idoneidade do presidente da associação mutualista.
Resta que a assembleia
geral da AMMG assuma esse papel de avaliação da idoneidade de Tomás Correia, o
que, a acontecer, não deixa de levantar suspeitas, dado que a linha vencedora nas
eleições tem a maioria na assembleia geral, sendo de equacionar a questão da imparcialidade
daquele órgão social, bem como a sua capacidade técnica.
***
Depois de
tudo o que se passou em termos das lideranças ruinosas na banca e nalgumas empresas
e associações, é de estranhar que legislação que era de supor meticulosamente
preparada deixe no ar a dúvida de quem pode ou não pode fazer o quê, quando e
como, a não ser que o sistema pretenda que haja individualidades com altas responsabilidades
sobre dinheiros públicos e/ou alheios que passem impunes e imputáveis em relação
a quaisquer atos que hajam praticado ou venham a praticar.
O Montepio não
era um banco, quando Tomás Correia era seu presidente? Como fica nisto o BdP? É
certo que a atual liderança do banco central pouco tem de recomendável nesta matéria,
mas até a lei dar efetiva competência ao novo regulador e supervisor, a tarefa
devia ficar com o anterior regulador, não podendo haver vazio legislativo. Mas isso
é o que eu penso, o que não parece que venha a ser dirimido em sede extrajudicial.
E sub iudice que solução é de esperar
se houver, de facto, omissão na lei?
2019.03.01 –
Louro de Carvalho
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