sexta-feira, 1 de março de 2019

Mais uma individualidade que poderá não ser avaliada


Trata-se de Tomás Correia, recentemente reempossado como presidente da AMMG (Associação Mutualista Montepio Geral) para o que foi reeleito à cabeça da lista A, mas que foi, durante vários anos, presidente do banco de que a mutualista é dona, a CEMG (Caixa Económica Montepio Geral), hoje denominada de Banco Montepio.
O Banco de Portugal (BdP) condenou Tomás Correia e outros sete administradores do Montepio, que estiveram em funções entre 2008 e 2015, por, entre outros motivos, a quebra das regras de controlo interno na gestão da instituição financeira, a falta ou insuficiência de garantias para o crédito e a não observância dos pareceres negativos ou dúbios. Tomás Correia recebeu a coima mais elevada, de 1,25 milhões de euros, de acordo com o Expresso, embora o Público tenha avançado com um valor superior, 1,5 milhões de euros. Os restantes administradores receberam coimas de dezenas e centenas de milhares de euros. E o próprio Banco Montepio foi condenado a multas no valor de 2,5 milhões de euros por irregularidades relacionadas com concessão de créditos. Tudo isto no âmbito de um processo de contraordenação que teve origem na auditoria especial feita em 2014, a pedido do banco central. Adicionalmente, segundo o Expresso, o então presidente do Montepio pode ser alvo de inibição de exercício de funções no setor financeiro.
Em janeiro passado, quando tomou posse para um novo mandato como presidente da mutualista, Tomás Correia disse aos jornalistas que não acreditava numa condenação do BdP (“Não estou preocupado, não estamos preocupados com isso. Não há nenhum [‘feedback’ do regulador dos seguros sobre essa matéria] e temos a certeza de que não teremos”), no âmbito do processo agora acabado de concluir e, sobre a avaliação da sua idoneidade, afirmou que essa cabe à assembleia-geral da mutualista e não ao regulador dos seguros, apesar das alterações feitas ao CAM no ano passado.
Face à condenação do BdP, António Godinho e Fernando Ribeiro Mendes, que concorreram às últimas eleições à AMMG, reiteraram o que afirmavam em campanha eleitoral, que Tomás Correia deve afastar-se imediatamente para proteger a instituição dos riscos reputacionais que podem advir da condenação por parte do BdP.
Porém, o líder da AMMG rejeita que existam coimas ou quaisquer penas acessórias, pois, em seu entendimento, não se trata duma condenação, mas antes de “uma decisão” do supervisor, a qual não implica “qualquer condenação, sanção acessória ou inibição ao exercício da profissão”, sendo afastada toda e qualquer hipótese de vir a abandonar o cargo para o qual foi eleito em dezembro de 2018.
Por isso, conforme revelou ao ECO, vai recorrer da decisão, afastando quaisquer razões para deixar a liderança da AMMG e salienta que “o recurso é um direito a exercer”.
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O Governo diz que incumbe ao regulador dos seguros, a ASF (Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões) abrir um procedimento de avaliação de idoneidade a Tomás Correia, atual presidente da AMMG, que foi condenado pelo BdP ao pagamento de uma coima de 1,25 milhões de euros por irregularidades cometidas quando estava no banco do Montepio.
O esclarecimento surge depois de José Almaça ter dito que a ASF não tem competências ara fazer essa avaliação, uma vez que decorre um período de transição do novo regime de supervisão de 12 anos.
É entendimento do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS) e do Ministério das Finanças (MF) que o regulador dos seguros já dispõe desses poderes de avaliar se determinado gestor preenche os requisitos para exercer funções numa associação mutualista. E ancora-se na alínea f) do n.º 5 do art.º 6.º do novo CAM (Código das Associações Mutualistas), aprovado pelo Decreto-lei n.º 59/2018, de 2 de agosto, que entrou em vigor em setembro:
Analisar o sistema de governação e os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador”.
Para os dois ministérios, que assinam um comunicado conjunto a esclarecer a questão, e consequentemente para o Governo, “estas disposições incluem, no entendimento do Governo, a análise sobre matéria da idoneidade dos membros dos órgãos de administração das associações mutualistas abrangidas pelo regime transitório de supervisão previsto no CAM”.
Este comunicado do Governo surgiu em reação às declarações de José Almaça, presidente da ASF, ao Jornal de Negócios a explicar que “só depois de convergirem [associação mutualista] com o setor segurador é que passarão para a nossa supervisão”, pois, segundo este dirigente, o novo CAM impõe que este só terá de ser igual ao das seguradoras em 2030, havendo até lá um período transitório, que pode ir até 12 anos. 
Em suma, para a ASF, não lhe cabe pronunciar-se sobre a idoneidade de Tomás Correia, uma vez que ainda não tem efetivamente a supervisão da AMMG em virtude de ainda se observar o período transitório estabelecido no CAM, sendo que agora o trabalho da ASF é verificar se a AMMG e instituições similares convergem para o regime segurador e, só depois da efetiva convergência, passarão para a supervisão deste órgão regulador e supervisor.
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Face à posição da ASF, recentemente reforçada, de que não tem competência para avaliar a idoneidade de Tomás Correia, o Governo mantém o que fez saber anteriormente. Com efeito, fonte oficial do Governo, questionada pelo Jornal de Negócios se o Executivo mantém a posição de que incumbe à ASF o papel da avaliação, respondeu:
O entendimento dos Ministérios das Finanças e do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social é o que está explicado no comunicado enviado no dia 22 de fevereiro”.
 A mesma fonte acrescentou que o MTSSS “não tem mais nada a acrescentar” aos esclarecimentos prestados pelo Ministro. 
Vieira da Silva afirmara, no Parlamento, que a “legislação sobre o setor das mutualidades durante muito tempo não tinha uma previsão sobre quem devia cumprir uma função de supervisão”. A seguir, vincou:
Essa lacuna, que de facto existiu durante muitos anos, foi superada pela aprovação do decreto-lei que veio criar o novo código das mutualidades e fê-lo de forma muito clara criando dois subgrupos dentro das mutualidades com um montante de atividade económica definidor, sendo que as mutualidades que se situam acima desta linha a sua supervisão são da responsabilidade da ASF. Isto é claro, está na lei.”.
E acrescentou que o período transitório não impede que a ASF assuma desde já essas funções.
Por seu turno, José Almaça faz uma interpretação diferente da mencionada alínea b) do n.º 5 do art.º 6.º do CAM, referindo que nela se diz “analisar” e não “decidir” sobre o que quer que seja, isto é, analisar para fazer recomendações às associações mutualistas para façam as necessárias correções e convirjam para aquilo que é exigido às seguradoras. E acrescenta:
Não está dentro das nossas competências. O nosso papel é de acompanhar como se portaram as mutualistas para que daqui por 12 anos, que é o período máximo que está na lei e que pode ser antecipado, a partir daí podermos atuar. Até lá não.”.
Com o predito comunicado do Governo e as posições do regulador dos seguros, abriu-se uma frente de batalha em pleno espaço público e em relação a um tema já de si particularmente sensível: a AMMG que conta com mais de 620 mil associados com poupanças aplicadas numa instituição que não tem tido supervisão financeira adequada da tutela.
Numa nota de hoje, dia 1 de março, enviada às redações, o regulador reitera:
No decurso do período de transitório, não há qualquer disposição legal que habilite a ASF a aferir a idoneidade ou a qualificação de titulares de órgãos associativos das associações mutualistas com vista a autorizar ou a fazer cessar o exercício de funções, cabendo-lhe, nos termos da lei, analisar o sistema de governação no contexto da monitorização da convergência com o regime de supervisão financeira do setor segurador”.
E reafirma o seu papel no atinente à matéria:  
“[no período de transitório de 12 anos, apenas compete à ASF] a monitorização e verificação da convergência das associações mutualistas com o regime da atividade seguradora, exigindo a elaboração de um plano de convergência e recolhendo informação sobre a entidade, a atividade, os produtos e outra que seja necessária para aferir da adequação do plano de convergência e do respetivo cumprimento”.
Assim, porque o MTSSS reafirmou também a sua posição, continuam o Governo e o regulador dos seguros sem se entender quanto a quem cabe a responsabilidade de avaliar a idoneidade do presidente da associação mutualista.
Resta que a assembleia geral da AMMG assuma esse papel de avaliação da idoneidade de Tomás Correia, o que, a acontecer, não deixa de levantar suspeitas, dado que a linha vencedora nas eleições tem a maioria na assembleia geral, sendo de equacionar a questão da imparcialidade daquele órgão social, bem como a sua capacidade técnica.
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Depois de tudo o que se passou em termos das lideranças ruinosas na banca e nalgumas empresas e associações, é de estranhar que legislação que era de supor meticulosamente preparada deixe no ar a dúvida de quem pode ou não pode fazer o quê, quando e como, a não ser que o sistema pretenda que haja individualidades com altas responsabilidades sobre dinheiros públicos e/ou alheios que passem impunes e imputáveis em relação a quaisquer atos que hajam praticado ou venham a praticar.
O Montepio não era um banco, quando Tomás Correia era seu presidente? Como fica nisto o BdP? É certo que a atual liderança do banco central pouco tem de recomendável nesta matéria, mas até a lei dar efetiva competência ao novo regulador e supervisor, a tarefa devia ficar com o anterior regulador, não podendo haver vazio legislativo. Mas isso é o que eu penso, o que não parece que venha a ser dirimido em sede extrajudicial. E sub iudice que solução é de esperar se houver, de facto, omissão na lei?
2019.03.01 – Louro de Carvalho

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