Quase
5 anos após o colapso do BES (Banco Espírito Santo), o seu ex-presidente Ricardo Salgado assegurou, em entrevista à TSF, que, enquanto esteve no banco, até 13 de julho de 2014, “nunca se tinha falado em resolução
alguma”, que o BdP (Banco de Portugal) recusou três hipóteses de recapitalização do BES,
que “havia outras
soluções” para o salvar, que não houve vontade política para o fazer e que
pensa todos os dias nos lesados, o que lhe causa sofrimento.
A entrevista
à TSF com ressonâncias nos demais órgãos de comunicação
social vem na sequência das últimas notícias sobre a situação do Novo Banco (NB) e constitui mais um peso para o que se pensa hoje do
governador do BdP
O que
leva Salgado a pensar não ter havido vontade política foi a recusa do governador
e do BdP de três hipóteses de recapitalização do banco”, pois, tendo começado as
fugas de depósitos e gerada a “quebra brutal de confiança”, só havia uma forma
de o corrigir: “injetar confiança”, mas “havia uma pressão enorme para uma
solução” que acabasse com o BES.
Questionado
sobre a parte da responsabilidade que cabe à equipa de gestão do BES e do GES (Grupo Espírito Santo), já que aponta sempre
responsabilidade ao BdP, o
ex-banqueiro admitiu que houve erros, mas “de julgamento”,
e declarou:
“Não
sacudi a água do capote e, quando fui à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
disse com certeza que houve erros que foram praticados, 22 anos sem qualquer
erro é impossível. Mas erros que, quanto a mim, considero de julgamento”.
Admitindo
que se refere a Álvaro Sobrinho “e não só”, acrescentou:
“Não
são erros de princípios. Houve escolhas de quadros que
foram ocupar posições importantes, que provavelmente foram erradas. Provavelmente
não, hoje em dia, tenho a certeza de que foram erradas, nomeadamente aqueles
que foram para Angola.”.
Considerou
que foi Bataglia quem propôs Álvaro Sobrinho para ir trabalhar para Angola,
como presidente do banco e que que se passaram mais coisas e que configuram
erros de julgamento”.
Na predita
entrevista, o ex-banqueiro reitera que não foi ele que
causou os lesados do BES, mas a resolução, tendo sido esta quem originou os
lesados, pois no seu tempo de ação no BES não havia resolução em pé e não foi
ele quem a inventou e implementou. Até pensa todos os dias nos
lesados, sofrendo com isso.
Partilha
que está a “trabalhar intensamente” na sua defesa e a
escrever as suas memórias e que foi “sempre tratado impecavelmente e com
respeito” quando esteve em prisão domiciliária.
E, sobre
o impacto de uma parte significativa dos seus bens estar arrestada, frisa que
“começa logo por ter uma influência psicológica brutal”, acrescentando que “até
a pensão foi arrestada”.
Ora,
como sustenta Luís Rosa em artigo de opinião no Observador, não é de crer que Salgado seja um homem “distraído e ingénuo”, a ponto de toda
a gente que o cercava o enganar a todo o momento, como não é de crer que tenha
sido “um gestor muito incompetente” e dos piores que passaram pela
liderança duma sociedade financeira, não sabendo escolher os colaboradores.
***
Em resposta a Salgado por comunicado enviado às
redações, o BdP lembra três processos por
contraordenações muito graves que levaram à imputação de responsabilidades
individuais que
o condenaram, bem como a outros antigos gestores do BES, após as várias investigações
a que procedeu (tendo
sido concluídas três e estando outras ainda em curso) desde
que o banco colapsou, em 2014. E o BdP assinala
que num dos processos contra o ex-presidente do BES o Tribunal da Concorrência
confirmou os factos apurados pelo supervisor, bem como as responsabilidades
individuais imputadas.
Contudo, o
predito comunicado nunca revela os factos apurados, nem as condenações
proferidas contra a antiga gestão do BES no quadro daquelas investigações.
O supervisor
lembra que “já foram prestados esclarecimentos sobre todas as situações
abordadas na entrevista, designadamente no contexto da CPI realizada, cujo
relatório final é público. Nessa entrevista à TSF, Ricardo Salgado admite que houve erros, mas repete algumas das
acusações que tem vindo a fazer no quadro da sua defesa e que visam, em
particular, o BdP. Foi aliás a linha seguida na contestação ao processo de
falência culposa do antigo BES cuja resolução deu origem ao NB.
***
Para apurar as razões do que está
a suceder com o NB e a nebulosa que o envolve, o PS quer chamar Passos Coelho e
Maria Luís Albuquerque ao Parlamento para darem explicações.
Para João
Paulo Correia, vice-presidente da bancada do PS, os prejuízos do NB resultam de
dois problemas: a má resolução do BES, em agosto de 2014, em que o antigo
Governo e o governador do BdP têm responsabilidades; e a tentativa de venda
falhada de 2015.
O deputado desafiou
hoje, dia 4 de março, o ex-Primeiro-Ministro, a ex-Ministra das Finanças e
Sérgio Monteiro, ex-Secretário
de Estado das Infraestruturas,
Transportes e Comunicações (mais conhecido por Secretário de Estado
das Privatizações), que
esteve à frente do processo de venda do NB, a irem ao Parlamento dar
explicações sobre a resolução do BES, em 2014, e sobre a venda falhada do NB em
2015. E, em declarações à RTP3, vincou:
“Sabemos que a separação do BES num
suposto banco bom e banco mau não foi exatamente assim, foi uma história que
foi contada em 2014, quando Portugal, pela mão do anterior Governo PSD/CDS, tentou
a saída limpa. Se soubéssemos, na altura, a verdadeira dimensão da péssima
gestão do BES e deficiente supervisão financeira do Banco de Portugal,
certamente que hoje não teríamos estes problemas, estes ativos tóxicos, estes
créditos que estão a gerar imensas imparidades.”.
João Paulo
Correia voltou a sublinhar o apoio às auditorias, garantindo que “a gestão que
será feita neste ano de 2019 será feita por todos os bancos” e que o NB não
ficará de fora dessa supervisão financeira.
No dia 2 de
março, o NB anunciou que vai pedir uma injeção de capital de 1.149 milhões de
euros ao Fundo de Resolução (FdR), tendo o
Ministério das Finanças anunciado que vai pedir uma auditoria para escrutinar o
processo de capitalização deste banco. E frisou o deputado:
“Do nosso ponto de vista, nenhuma decisão deve ser tomada sem cabal
esclarecimento público que vai ser dado no Parlamento”.
E o
socialista apontou que o banco tem de prosseguir a sua vida e entrar numa rota
de resultados líquidos positivos” e que é necessário “dar esse voto de
confiança à atual administração”, pois
ninguém está a pôr em causa a administração do NB, mas que todos os portugueses
querem saber o que se passou, o que foi feito, o que sucedeu em 2014 na
resolução, porque é que a venda falhou em 2015 e como se explicam os prejuízos obtidos
no ano de 2018.
Recorde-se
que o NB, que ficou com parte da atividade bancária do BES – resgatado no verão
de 2014 –, é desde outubro de 2017 detido em 75% pelo fundo norte-americano Lone Star, sendo os restantes 25% propriedade
do FdR bancário (entidade da esfera pública gerida pelo BdP), em última análise, do Estado. Então, a Lone Star
não pagou qualquer preço, tendo acordado injetar 1.000 milhões de euros no NB,
e negociou um mecanismo que prevê que, durante 8 anos, o FdR injete até 3,89 mil
milhões de euros no NB por perdas que venha a registar num conjunto de ativos
“tóxicos” e alienações de operações não estratégicas (caso ponham
em causa os rácios de capital da instituição).
***
No aludido
artigo de opinião, Luís Rosa insurge-se, com razão, contra “a cassete rançosa
do ex-líder do BES”, referindo que, “se Sócrates não se cala com o PEC IV,
Salgado imita-o para omitir toda e qualquer responsabilidade sua no descalabro
do GES e do BES”. Na verdade sempre que lhe é dada uma oportunidade, repete à
saciedade a mensagem a que nos habituou: a “culpa
é do Banco de Portugal e do Governo Passos Coelho”. Os erros do ex-banqueiro
e da sua equipa são mínimos e compreensíveis ou reduzem-se, como se disse, a
erros de julgamento.
Segundo o
colunista, a cassete de Salgado “consegue ser tão rançosa quanto a cassete do
PEC IV de José Sócrates”, pois, se este aduz que “o PSD de Passos Coelho
provocou o pedido de assistência financeira à troika com o chumbo do PEC IV”, o
ex-banqueiro “continua a não ter vergonha na cara por omitir toda e qualquer
responsabilidade da sua parte” no descalabro financeiro resultante da má gestão
do GES, que induziu a queda do BES e a resolução determinada pelo BdP. E, se há
coisa que Salgado deveria fazer, “era ficar calado publicamente e concentrar-se
na sua defesa em todos os processos criminais e de contraordenação” levantados
à sua gestão e do GES pela Justiça e por diversas entidades regulatórias de
Portugal, Suíça, Luxemburgo, Estados Unidos e Dubai, entre outros países, até “por
respeito aos lesados do BES e do GES”, os que diz agora que não o deixam dormir
“totalmente descansado”.
Tenha-se em
conta que o ex-líder do BES está acusado de 21 crimes no quadro da Operação
Marquês, em que aflora o crime de corrupção ativa de um primeiro-ministro e
de dois líderes da administração da PT, e a Espírito Santo Enterprises, uma
sociedade offshore secreta, “por si dirigida através dum
operacional suíço transferiu cerca de 50 milhões de euros para Zeinal Bava
e Henrique Granadeiro”; a mesma empresa, que não integrava o organograma do GES
por vontade de Salgado “pagou durante mais de 30 anos remunerações e
prémios por ‘debaixo da mesa’ a membros da família Espírito Santo e a centenas
de administradores e de altos quadros do BES e do GES através de transferências
para contas no banco suíço dos Espírito Santo”; e o próprio Salgado “recebeu 16
milhões de dólares de um empreiteiro seu cliente no BES que só declarou ao
fisco português depois de o MP (Ministério Público)
ter descoberto as transferências de Angola para uma conta na Suíça aberta em
nome duma sociedade offshore de Ricardo Salgado” (vd Luís Rosa). E o ex-banqueiro não cometeu erros
de princípio graves! Que seria os tivesse cometido?! Porém, parece claro que a
contabilidade de várias holdings do GES foi falsificada por não terem sido
devidamente registados os prejuízos e passivos financeiros; a contabilidade do
BES tinha ativos sobrevalorizados e passivos subavaliados; o BES teve
de reconhecer nas contas de 2014 (ano de saída de Salgado do BES) prejuízos de cerca de 4.000 milhões de
euros, 980,6 milhões de euros negativos de 2015 e os prejuízos de 362,6 milhões
de euros anunciados no fim de semana passado, referentes ao período entre
janeiro e junho de 2016; e, entre junho de 2016 e o final de 2018, os ativos do
NB herdados do BES geraram 2,6 mil milhões de prejuízos (Só a carteira de crédito ruinosa do
BES é responsável por 1,6 mil milhões desses 2,6 mil milhões).
Não se sabe
se o ex-banqueiro é culpado (nem, em caso positivo, qual o seu grau de culpabilidade) dos crimes corrupção ativa de
políticos (J. Sócrates e
M. Pinho) e de
funcionários do BES, dos crimes de fraude fiscal organizada e de branqueamento
de capitais ou dos ilícitos de abuso de confiança, burla qualificada e de
outros crimes (que não a
administração danosa porque a lei só permite a imputação deste ilícito a
entidades públicas)
relacionados com a gestão do banco. Porém, não é de crer na sua distração,
ingenuidade ou suposta incompetência. O mesmo se diga dos colaboradores.
Também não vale
a pena o ex-banqueiro invocar o direito de propriedade e o das famílias de
deixarem o seu património aos seus descendentes sem que o Estado o onere em
excesso, ou vir carpir-se de que famílias poderosas perderam os seus bens
durante o PREC.
Se muitos
defendem o direito da propriedade como essencial para o sucesso do capitalismo,
por alegadamente ser o sistema económico que trouxe mais progresso económico e
social à humanidade por via da produção e circulação da riqueza, esquecem,
todavia, que também abortou na tão propalada equitativa distribuição da riqueza,
cavando o fosso cada vez maior entre os muitíssimo ricos, um número cada vez
mais pequeno, e os muitíssimo pobres, um número infinitamente maior, e
olvidando o destino universal dos bens, bem como e a função social da
propriedade, sendo que tantos empresários se transformam em Mecenas para mascarar
a fuga aos impostos. E estes dados do capitalismo vêm agravando a situação à
medida que se torna fatalista o império, já não da economia, mas do sistema
financeiro cada vez mais de rosto encoberto, destruindo a classe média, sob a
égide da ideia programática do empobrecimento e da proletarização
económico-social como solução para o progresso.
Por outro
lado, assentando que “não há dúvida de que o capitalismo e os mercados precisam
de regras básicas para atingirem tais objetivos”, Luís Rosa faz a seguinte
asserção bem dura:
“O
problema é que Ricardo Salgado violou muitas das regras do bom capitalismo com
a opacidade, a ganância e o lado predador do GES de outras empresas muito
relevantes para o nosso mercado, como a Portugal Telecom. Salgado bem tenta
fazer com que as pessoas acreditem que não só não era responsável por
muitas das coisas que aconteceram no BES e no GES, como também nunca teve uma
gestão centralizada na sua pessoa.”.
Em todo o
caso, como assegura o colunista, Salgado tem alguma razão nas críticas que faz
ao BdP e ao Ministério das Finanças, mas não pelas razões que invoca. Com
efeito, a resolução aplicada pelo BdP foi determinada pelo BCE (Banco Central Europeu), tendo o BdP seguido “uma
metodologia seguidista e acrítica”, alegadamente proposta por Vítor Constâncio,
ao tempo vice-presidente do BCE, que nunca tinha sido aplicada e que “nunca
mais foi aplicada pela UE”. Por seu turno o Ministério das Finanças, de
Centeno, que fechou o acordo para a venda do NB à Lone Star, tem gerido o
dossiê como amador; e Centeno foi vendendo a verdade aos bochechos, como
as contingências de cerca de 4 mil milhões assegurados pelo Estado vão em cada
ano sendo acumuladas e a que o FdR vai dando a conveniente resposta suportado
pelo Estado.
Neste último
caso, a auditoria pedida pelo Ministério das Finanças aos créditos concedidos
pelo BES de Salgado não deixa de ser um redemoinho para larvar as
responsabilidades do Governo atual na gestão do dossiê do NB, em que não se
pode dizer que tenha sido menos infeliz que os Governos de Passos Coelho.
Não obstante,
a auditoria a fazer aos créditos do NB voltará a demonstrar a responsabilidade
da gestão de Salgado na falência do BES. Só falta é o MP atuar. Será este ano
que o procurador José Ranito, coordenador das investigações ao universo
Espírito Santo, terminará a fase de inquérito? É que já lá vão quase 5 anos!
E, por fim, a
dúvida: serão mesmo tiradas todas as consequências das responsabilidades
apuradas ou morrerá solteira a culpa? O país tremia quando se prometia um rigoroso
inquérito. Agora já ninguém treme. Tal é a falta de autoridade do Estado e a ineficácia
dos processos!
2019.03.04 – Louro de
Carvalho
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