Agora que a ASF (Autoridade
de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) está a proceder à avaliação da idoneidade de
Tomás Correia, reeleito e reempossado presidente da AMMMG (Associação
Mutualista Montepio Geral), vem o Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social
insistir no ponto de que a competência de avaliação da idoneidade de Correia
“nunca esteve no Governo” e que, portanto, a ASF sempre esteve em condições para avançar com o
processo. Ora, se assim é, porque é que o Governo teve de aprovar um
decreto-lei (o Decreto-Lei n.º 37/2019, de
15 de março) a interpretar a alínea f) do n.º 5 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto), que aprovou o novo CAM (Código das Associações Mutualistas)?
Recorde-se que a questão sobre quem deveria fazer a
avaliação da idoneidade de Tomás Correia estivera envolta em polémica nos
últimos tempos, entendendo a ASF não ter competências para o fazer e que
o Governo as tinha, enquanto o Governo sustentava exatamente o contrário. Face
a esta situação, o Executivo aprovou a predita norma clarificadora que atribuiu
definitivamente ao regulador dos seguros essas funções.
Na origem desta disputa esteve a condenação de Tomás Correia pelo BdP (Banco de
Portugal) por irregularidades cometidas no
período em que foi presidente da Caixa Montepio Geral.
Em audição parlamentar requerida pelo PSD e pelo Bloco de Esquerda no
âmbito da COFMA (Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização
Administrativa), Vieira da Silva frisou que a “disputa” com a ASF sobre
quem deveria proceder à avaliação da idoneidade de Tomás Correia face à decisão
do BdP não teve como origem uma questão de o Executivo “querer ou não
querer, estar ou a não a empurrar” esta competência para terceiros, já
que tal função nunca lhe competiu.
Embora não duvide de que a condenação de Correia pelo BdP deva resultar na
avaliação da idoneidade da administração eleita para a AMMG, o Ministro diz que tal competência “nunca esteve no Governo”
e que a ASF sempre “teve todas as condições” para avançar. Entretanto, a
avaliação já foi iniciada, levando, assim, à suspensão do registo dos órgãos
sociais na Segurança Social, adiantou o governante, que garantiu
perentoriamente que ninguém gostaria menos que ele próprio
de que não tivesse existido tal período de disputa, já que “ninguém pode
empurrar para o Governo uma competência que não tem”. Confessando-se “surpreendido” pela posição da ASF de que não tinha
“responsabilidades” nesse processo de avaliação, assegurou não ter sido ele a
iniciar esse processo” de disputa e que tentou encontrar uma solução
legislativa”.
Questionado por Mariana Mortágua (do Bloco de Esquerda) sobre a atuação do Governo aquando da divulgação das
suspeitas que envolviam a gestão de Correia, desde 2015, o governante, remetendo a intervenção dos órgãos públicos
para o momento efetivo de decisão do supervisor bancário, respondeu que o “Governo entendeu que deveria deixar” que “fosse
concluído” o processo que estava a ser conduzido pelo BdP e que toda a atuação
do Governo “foi em defesa da estabilidade, segurança e futuro da Associação
Mutualista”, o que não corresponde a “nenhum processo de
proteção” de Tomás Correia. E, quando António Leitão Amaro (do PSD) enfatizou que, mesmo antes de o atual CAM entrar em
vigor, havia margem para o Executivo pedir a destituição de Correia, o Ministro esclareceu que o processo só podia ser desencadeado
por atos praticados no desempenho do exercício de gestão da AMMG.
***
Por sua vez, Eugénio Rosa, economista e antigo membro do conselho geral da AMMG,
acusa Tomás Correia de mentir, ameaçar e atacar no seguimento da condenação pelo BdP.
Numa publicação no seu blogue, Rosa (um dos candidatos derrotados nas
últimas eleições) defende
que Tomás Correia e o padre Vítor Melícias estão propositadamente a não
informar os associados da assembleia geral que se irá realizar a 28 de março e
que, “após a condenação da administração de Tomás Correia pelo
BdP com pesadas coimas pela gestão ruinosa da Caixa Económica até 2015”, este se
tem multiplicado nos ataques ao supervisor, em ameaças a todos, até prometendo
“recorrer à espada”, e tem multiplicado as mentiras procurando
convencer os associados e a opinião pública de que nada fez do que é acusado.
E, como tem sucedido, “tem o apoio do padre Melícias e dos fiéis”.
O economista afirma que Tomás Correia faz parte “do passado e da fase
ruinosa da história do Montepio” e apela aos associados a que se unam “para
salvar o Montepio” e participem na assembleia geral, onde serão aprovadas as
contas individuais da Associação Mutualista de 2018, se deliberará sobre a
proposta de alteração dos estatutos em vigor para sua harmonização com o
disposto no CAM e elegerá a comissão para elaborar o respetivo projeto.
No apelo, acrescenta que pretender evitar situações como a que aconteceu há
um ano, quando a AMMG aprovou uma proposta que coloca o Banco
Montepio a suportar os custos processuais que possam ter atuais ou antigos
administradores do banco, como Tomás Correia, que está a ser investigado pelo MP
(Ministério
Público) e se prepara agora para apresentar recurso
contra uma coima do BdP no valor de 1,25 milhões de euros. E sublinha:
“O medo de Tomás Correia de que os
associados do Montepio conhecessem as consequências da sua gestão ruinosa,
levou-o a aprovar na assembleia geral unipessoal (pois era ele o único
representante do acionista AMMG) da Caixa Económica realizada em 16 de março de
2018, em que destituiu a administração de Félix e os restantes
órgãos sociais, para lá da proposta conhecida de que as despesas com advogados,
tribunais e coimas aplicadas por entidades oficiais à sua administração,
devido a atos de má gestão fossem suportados pelo Banco Montepio”.
Por fim, acrescenta que se recusou a aceitar a imposição “ilegal” de Tomás
Correia de que os membros dos órgãos demitidos só receberiam as remunerações até
ao fim do mandato, não tendo, assim, recebido “as remunerações a que por lei
tinha direito”.
***
Na sequência do que ficou
entredito, recorde-se que a AMMG aprovou há um ano uma proposta que determina
que seja o Banco Montepio a suportar os custos processuais, quer dos atuais,
quer antigos administradores do banco, como Tomás Correia, que está a ser
investigado pelo MP e se prepara para apresentar recurso contra uma coima do
BdP no valor de 1,25 milhões de euros.
Foi Eugénio Rosa, antigo membro
do conselho geral do banco e
um dos maiores críticos da gestão de Tomás Correia, quem revelou no fim de semana
a assembleia geral “sui generis” do
banco, realizada a 16 de março de 2018, e na qual,
numa situação de “conflito de interesses”, Correia aprovou, em nome do único
acionista a AMMG, uma proposta que veio determinar que incumbe ao banco a cobertura
das custas processuais de antigos e atuais administradores em processos
relacionadas com a atividade na então CEMG (Caixa Económica Montepio Geral), hoje Banco Montepio. Relata
Eugénio Rosa:
“Na
assembleia geral da CEMG, em que Tomás Correia era o único representante do
acionista que é a Associação Mutualista (uma assembleia unipessoal ‘sui generis’), realizada em 16 de março de 2018, em que foi destituída a
administração de Félix Morgado e os restantes órgãos, foi aprovado o pagamento pelo banco de todos os custos que podiam
ter os atuais ou antigos administradores (o que inclui Tomás Correia – conflito
de interesses, mas supervisores e governo ainda nada fizeram)
com processos resultantes da sua atividade na CEMG que decorressem de decisões
de entidades oficiais”.
Fonte
do banco confirmou que os custos processuais dos gestores passaram a ser suportados
pelo banco, mas afirmou que não se trata de situação que exclusiva do Montepio,
sendo antes uma prática generalizada noutras instituições, e que decorre de uma
“defesa sobre a normal atividade dos administradores”.
Na altura,
Eugénio Rosa integrava o conselho de supervisão da CEMG, órgão extinto com as
mudanças no modelo de governação no banco. Foi ainda candidato da lista C, liderada
por António Godinho, para presidente do Conselho
Fiscal da AMMG nas últimas eleições, que Tomás Correia venceu no passado mês de
dezembro. E agora salienta:
“Contrariamente
ao que sucede com as resoluções da assembleia geral da CEMG anteriores, que
estão disponíveis no site do Banco
Montepio, esta resolução não foi divulgada e compreende-se agora a razão”.
Recorde-se,
entre parêntesis que Tomás Correia foi, como se disse, condenado pelo BdP (tal como outros administradores e o próprio
banco) ao pagamento de
uma coima de 1,25 milhões de euros (mas recorreu da decisão), devido a irregularidades cometidas entre 2009 e 2014,
quando era presidente da CEMG. Foram identificados sete ilícitos, como por
exemplo falhas no controlo interno do risco de crédito, conflito de interesses
na concessão de crédito, incumprimento na verificação da origem dos fundos ou
concessão de crédito a entidades dominadas pelo Montepio, entre outros. E, para
lá do processo de contraordenação desenvolvido pelo supervisor bancário, Tomás Correia também enfrenta uma investigação do MP
como suspeito de ter recebido 1,5 milhões de euros na sequência de um crédito
ao construtor civil José Guilherme, estando em causa suspeitas de burla
qualificada, abuso de confiança, branqueamento de capitais e fraude fiscal. No
total, incluindo os 2,5 milhões de euros que o Banco Montepio vai ter de pagar
(e cujo recurso ainda se
encontra em análise),
são cerca de cinco milhões de euros de coimas aplicadas a antigos gestores e
banco. E José Almeida Serra, antigo braço-direito de Correia,
também referiu que vai apresentar recurso face à coima de 400 mil euros que lhe
foi aplicada pelo supervisor. Foi a segunda maior entre os antigos gestores do
banco.
***
BdP não quer que Montepio pague multa de Tomás
Correia. Com efeito, o supervisor bancário terá pedido, em carta a que o Público (acesso
condicionado) teve acesso, explicações ao banco sobre a decisão tomada em assembleia geral que induz a
instituição pagar custos com processos judiciais de gestores e ex-gestores, pois os custos com apoio jurídico a
ex-gestores já atingiram um milhão de euros à instituição. Poderá,
assim, ser anulada a decisão de suportar os encargos com multa a Tomás
Correia e outros.
O BdP questiona o potencial conflito de interesses, já que a mesma pessoa
que assina e aprova a proposta poderá ser beneficiário da medida. Além disso,
considera que a deliberação pode não ter respeitado os trâmites legais. Assim,
de acordo com o Público, o banco central quer perceber se existe fundamento jurídico para a
AG colocar o banco, o principal ativo da AMMG, a suportar os encargos
referentes a processos movidos contra com os atuais ou anteriores gestores.
***
O Banco Montepio teve lucros 12,6
milhões de euros em 2018, subindo 96,5% em relação a 2017. Mas resultados
teriam sido o dobro sem alguns fatores não recorrentes, como a coima de 2,5
milhões de euros que o BdP aplicou. Carlos Tavares decidiu provisionar a coima
nas contas do ano passado, apesar de ter anunciado que vai apresentar recurso.
Porém, esta não foi o único fator excecional a influenciar negativamente os resultados. Houve outros, a saber: a alienação do Banco Terra Moçambique que determinou uma redução do lucro de 3,7 milhões; a venda de uma carteira de créditos em incumprimento no montante de 239 milhões (operação Atlas), que determinou a redução do lucro de 8,4 milhões; e o custo com a cobertura cambial de uma participação denominada em reais, realizada como medida de preservação do capital, no montante de 4,1 milhões.
Porém, esta não foi o único fator excecional a influenciar negativamente os resultados. Houve outros, a saber: a alienação do Banco Terra Moçambique que determinou uma redução do lucro de 3,7 milhões; a venda de uma carteira de créditos em incumprimento no montante de 239 milhões (operação Atlas), que determinou a redução do lucro de 8,4 milhões; e o custo com a cobertura cambial de uma participação denominada em reais, realizada como medida de preservação do capital, no montante de 4,1 milhões.
Assim
sendo, “excluindo o efeito dos fatores anteriormente descritos e tudo o mais
constante, o resultado líquido de 2018 situar-se-ia em 30
milhões de euros” – indica o Banco Montepio que apresentou, no
passado dia 25, as contas relativas ao exercício do ano passado.
Carlos
Tavares, chairman do Montepio, assegurou que não será o banco a pagar as
coimas dos antigos gestores, por ser esse “o entendimento que os auditores
tiveram baseado na interpretação linear da proposta que foi aprovada e que é
concordante com a dos nossos serviços jurídicos”.
Quanto
ao impacto, no banco, das notícias sobre a eventual saída de Tomás Correia da AMMG,
Tavares reconhece que “muito ruído não é positivo
para o banco”. Todavia, adiantou não se terem “notado
perturbações no negócio”, o nível de liquidez ser excessivo.
E, apesar
de os fatores não recorrentes terem tido impacto negativo nas contas, o banco
conseguiu duplicar os lucros face a 2017, o que Dulce Mota, CEO interina do Montepio,
disse ter a ver sobretudo com a redução da remuneração
oferecida aos depositantes e com o corte nos custos operacionais.
No
balanço, que Tavares diz estar “hoje mais saudável”, por causa da alienação de
ativos problemáticos como o Atlas,
verifica-se que os depósitos de clientes atingiram
12,6 mil milhões de euros, mantendo-se face a 2017.
Já
o crédito a clientes situou-se em 13 mil
milhões de euros, traduzindo uma diminuição de 7% face a 2017, fenómeno “determinado
pelas reduções das carteiras de crédito à habitação e às empresas, bem como
pelo abate da carteira de crédito em incumprimento.
Em
termos de trabalhadores e agências, houve uma redução, como na
generalidade da banca. Há planos para aumentar a rede comercial, com o
projeto-piloto em curso para a abertura de uma dezena de agências low-cost.
E Carlos
Tavares adiantou que o banco continua à procura de um auditor, dado que a KPMG
vai deixar de exercer esse cargo. Confrontado com o assunto, o chairman disse que o Banco Montepio se
encontra em fase de consulta junto de mercado, tendo ouvido cinco auditoras.
***
Enfim,
polémicas, contradições, que deixam o sistema financeiro mais frágil, abalam a
confiança coletiva, fazem perder tempo, energia e recursos, mas tendem a deixar
impunes os prevaricadores em nome do excessivo garantismo ditado pelo direito dos
arguidos, mas em detrimento da proteção das perdas e dos perdedores. E isto não
abalará a democracia que já pouco passa dos aspetos formais?!
2019.03.27 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário