sexta-feira, 29 de março de 2019

Coleta em favor da Terra Santa: comunhão e solidariedade


Como vem sendo habitual em Sexta-feira Santa, realiza-se, também este ano, a 19 de abril próximo, a Coleta em favor da Terra Santa promovida pela Igreja no mundo inteiro. A iniciativa foi instituída, em favor dos Lugares Santos e dos cristãos que vivem no Oriente Médio, pelo Papa São Paulo VI através da Exortação Apostólica “Nobis in animo”, de 25 de março de 1974, já lá vão 45 anos (e nos 10 anos após a sua visita à Terra Santa), que refere: 
A Igreja de Jerusalém ocupa um lugar de eleição na solicitude da Santa Sé e na preocupação de todo o mundo cristão, enquanto o interesse pelos Lugares Santos, e em particular pela cidade de Jerusalém, emerge mesmo nos grandes consensos das Nações e nas maiores Organizações internacionais a fim de proteger sua segurança e garantir o livre exercício da religião e do culto. Esta atenção é hoje mais exigida pelos sérios problemas religiosos, políticos e sociais aí existentes: são os problemas complexos e delicados da coexistência dos povos da região, da sua vivência em paz, e das questões religiosas, civis e humanas relativas à vida das várias comunidades que habitam a Terra Santa.”.
Para a ocasião da coleta, o cardeal Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, e Dom Cyril Vasil, secretário deste organismo, enviaram uma carta às Conferências Episcopais e a cada bispo, intitulada “Comunhão e solidariedade com a Igreja em Jerusalém”, a recomendar vivamente a participação de toda a Igreja na Coleta em favor da Terra Santa.
Ressalta no texto, divulgado hoje, dia 28 de março:
O caminho quaresmal convida cada um de nós a voltar aos lugares e aos acontecimentos que mudaram o curso da história da Humanidade e a existência pessoal de cada um de nós: são os lugares e os acontecimentos que nos transmitem a memória viva de tudo aquilo que o Filho de Deus incarnado disse, cumpriu e sofreu para a nossa Redenção”.
A missiva enviada aos bispos assegura que, “revivendo os mistérios da nossa salvação, podemos pensar, com maior fervor, nos irmãos e irmãs que vivem e testemunham a fé em Cristo morto e ressuscitado na Terra Santa, expressando-lhes a nossa solidariedade na caridade”.
Por outro lado, a carta recorda que “hoje o Oriente Médio assiste a um processo que dilacera as relações entre os povos daquela região, criando uma situação de injustiça tal, que esperar a paz se torna quase temerário”.
E os responsáveis do predito dicastério recordam as palavras do Papa Francisco na sua primeira Audiência Geral, a 27 de março de 2013, em que o Sumo Pontífice lembrou aos peregrinos:
Viver a Semana Santa seguindo Jesus significa aprender a sair de nós mesmos para ir ao encontro dos outros; para ir em direção às periferias da existência; ser os primeiros a ir ao encontro dos nossos irmãos e irmãs”.
E, na cidade de Bari, a 7 de julho do ano passado, no início da oração de Francisco com os chefes das Igrejas Orientais do Oriente Médio, ressoaram estas palavras: 
Sobre esta região esplêndida adensou-se, especialmente nos últimos anos, uma espessa cortina de trevas: guerra, violência e destruição, ocupações e formas de fundamentalismo, migrações forçadas e abandono. Tudo no silêncio de tantos e com a cumplicidade de muitos. O Oriente Médio tornou-se terra de gente que deixa a própria terra e há o risco de ser cancelada a presença dos nossos irmãos e irmãs na fé, deturpando a própria fisionomia da região, porque um Oriente Médio sem cristãos não seria Oriente Médio.”.
A mensagem recorda ainda:
A Igreja, como lembra São Paulo VI na Nobis is animo, há muito tempo não fica só a olhar. Desde a segunda metade do século passado aumentaram consideravelmente as obras pastorais, sociais, caritativas e culturais, em prol das populações locais sem distinção e das comunidades eclesiais na Terra Santa. Para que a presença cristã bimilenária na sua origem e na sua permanência na Palestina possa sobreviver e, mais ainda, consolidar a sua própria presença de maneira ativa a trabalhar no serviço às outras comunidades com as quais deve conviver, é necessário que os cristãos de todo o mundo se mostrem generosos, fazendo afluir à Igreja de Jerusalém a caridade das suas orações, o calor da sua compreensão e o sinal tangível da sua solidariedade.”.
Relevando que, nos últimos tempos, houve uma retomada dos peregrinos que visitam a Terra Santa provenientes da China, Índia, Indonésia, Filipinas e Sri-Lanka, a missiva assegura:  
Tal vitalidade apostólica é um grande sinal para a comunidade local, e interpela as comunidades do Ocidente, que são tentadas ao desencorajamento e à resignação, a viver e a testemunhar a fé quotidianamente”.
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Este ano, por ocasião da Coleta em favor da Terra Santa, unidos ao convite do Papa Francisco queremos também ouvir novamente São Paulo VI, recentemente canonizado, que visitou a Terra Santa, no início de janeiro de 1964, sendo o primeiro Sucessor do Apóstolo Pedro a realizar tal peregrinação. Nesse sentido, se respigam alguns dados da Exortação Apostólica “Nobis in animo”, de Paulo VI “sobre as necessidades acrescidas da Igreja na Terra Santa”, dirigida ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis do mundo inteiro, a sublinhar o dever de fazermos sentir aquelas comunidades cristãs no âmbito da caridade eclesial que nos une a todos.
O Papa Montini olhava com esperança para aquela região marcada pelo estado contínuo de tensão “sem passos conclusivos para a paz” – o que significava “um grave e constante perigo” a ameaçar “a tranquilidade e a segurança dessas populações” e a paz do mundo inteiro, bem como “certos valores extremamente caros, por várias razões, para grande parte da humanidade”, como a convivência alicerçada no direito e na justiça – e pensava “em particular, em Jerusalém, a Cidade Santa e Capital do Monoteísmo”.
Recordava a peregrinação que fez ali em janeiro de 1964 para homenagear pessoalmente os mistérios da nossa salvação nos Lugares Santos, onde Cristo nasceu, morreu, ressuscitou e subiu ao céu, bem como para se encontrar com outros líderes religiosos cristãos (incluindo o Patriarca Grego e o Patriarca Arménio de Jerusalém) e com as multidões de crentes que se reuniram “quase em um abraço exuberante de fé e caridade”.
Frisava que aquela terra abençoada, que Deus escolheu para a encarnação e redenção, se tornou “património espiritual de cristãos em todo o mundo, que anseiam visitá-la”, “para satisfazer a sua devoção e expressar o seu amor por ela. E justificava:
Deus torna-se criança em Belém, o divino Adolescente e Trabalhador em Nazaré, o divino Mestre e Taumaturgo em toda a região, o Crucifixo divino no Calvário, o Redentor Ressuscitado do sepulcro localizado no ‘Templo da Ressurreição’, como os irmãos cristãos de língua grega o chamam com expressão feliz”.
Depois, falava da Igreja que ali vive:
Mas essa também é a terra em que, ao lado dos Santuários e dos Lugares Santos, existe e opera uma Igreja viva, uma comunidade de crentes em Cristo. É uma comunidade que, ao longo da história, passou por inúmeras provações e foi submetida a vicissitudes dolorosas: divisões internas, perseguições de fora e, durante algum tempo, a emigração tornou-a fraca, não mais autossuficiente, e, portanto, em necessidade da nossa compreensão e da nossa ajuda moral e material.”.
Enfatizando que os irmãos “que vivem onde Jesus viveu e que, em torno dos Lugares Santos, são os sucessores da Igreja antiga”, que, enquanto “berço da nossa fé”, “deu origem a todas as Igrejas”, o Pontífice valorizava o facto de eles responderem a Cristo como cristãos “com a manifestação duma fé viva, dum amor sincero e duma pobreza genuína, segundo o espírito do Evangelho”. Referia que, “se a presença deles cessasse, o calor de um testemunho vivo extinguir-se-ia nos santuários e os lugares santos cristãos de Jerusalém e da Terra Santa tornar-se-iam como museus”. E, embora o cristianismo seja uma religião universal, não ligada a um país e seus seguidores adorem “o Pai em espírito e verdade”, o Pontífice sublinhava que ele se baseia numa revelação histórica e que, ao lado da “história da salvação” existe uma “geografia da salvação”. Assim, os Lugares Santos têm o alto mérito de oferecer à fé um apoio irreparável, permitindo ao cristão entrar em contacto direto com o ambiente em que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. E deu vários exemplos do contributo destes lugares para o apuramento da fé:
- As escavações realizadas por importantes institutos culturais (incluindo a Escola Bíblica do Padres Dominicanos e o “Studium” dos frades Franciscanos da Custódia) trouxeram à luz novos vestígios que remontam aos tempos de Cristo e dos Apóstolos.
- Desde o século IV, há documentos que falam de peregrinos que viajam para a Terra Santa, indicando os seus itinerários.
- O código Arezzo descreve os monumentos existentes na Terra Santa e as cerimónias ali celebradas, especialmente em Jerusalém durante a Semana Santa.
- São Jerónimo, com a permanência na Palestina e o ímpeto que deu aos estudos bíblicos, aumentou o interesse do mundo cristão ocidental e das classes culturais pela terra de Jesus, tendo sido construídos dois conventos e um hospício em Belém – sinal claro do percetível influxo de peregrinos.
- Já depois disso, apesar dos perigos da jornada e dos limitados e lentos meios de comunicação, a Terra Santa continuava a atrair numerosos peregrinos com a ajuda de generosos benfeitores, conventos e igrejas, e sendo as cidades e o deserto povoados por monges e penitentes de todas as nações e ritos, que na terra do Senhor redescobriram as fontes da vida cristã.
- Ao longo dos séculos, o influxo de peregrinos foi condicionado por diversos eventos históricos, pelo que se registam momentos de florescimento e momentos menos felizes, porém, desde o século XIX, houve aumento contínuo, facilitado pelos meios modernos de transporte e motivado por um sentido de fé mais consciente.
- Durante o Concílio Vaticano II, numerosos Padres Conciliares foram em peregrinação aos Lugares Santos e muitos sacerdotes e religiosos adoram passar alguns dias de retiro em Jerusalém por ocasião da sagrada ordenação ou de ocasiões especiais, pelo que o Papa gostaria de aumentar essas visitas e permanecer na Terra Santa e queria que o hospital de Notre-Dame, em Jerusalém, fosse reaberto e também destinado a reunir grupos de sacerdotes.
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Salientando que tais peregrinações favorecem o encontro com pessoas de diferentes crenças, dado que não só das comunidades cristãs, incluindo as comunidades não católicas, mas também das que olham, convergem e estão naquela terra abençoada – judeus e muçulmanos –, e em particular em Jerusalém, o Papa esperava que tais contactos – ecuménico e de diálogo inter-religioso – se intensificassem, contribuindo para a compreensão e respeito mútuos, para a aproximação dos irmãos, filhos do mesmo Pai, bem como para uma compreensão mais profunda da necessidade primária de paz entre os povos.
Como São Paulo promoveu, nas Igrejas da Macedónia e Acaia, uma coleta em favor da Igreja pobre de Jerusalém (vendo na coleta um vínculo de unidade entre as novas comunidades de crentes e a Igreja originária em Jerusalém), também os Frades Menores, movidos por um desígnio providencial perscrutado nos eventos históricos do século XIII, se assumiram como guardiões espirituais da Terra Santa. E nessa condição ali permaneceram a servir a Igreja local e para guardar, restaurar e proteger os Lugares Santos Cristãos, dirigindo-se diretamente aos grandes e humildes para arrecadar esmolas, sendo que os religiosos destinados a realizar este trabalho tinham o título oficial de “Procuradores” ou “Comissários da Terra Santa”. Todavia, como verificava o Santo Padre, o tempo e a expansão das necessidades revelaram a insuficiência do seu trabalho. Por isso, os Sumos Pontífices tiveram de intervir várias vezes, com solicitude paterna, ordenando a “collecta pro locis Sanctis”, com a indicação dos objetivos, tempos e caminhos para as ofertas chegarem ao seu destino.
Assim, partir da segunda metade do século XIX, houve um importante aumento de obras pastorais, sociais, caritativas e culturais em benefício da população local sem distinções e das comunidades eclesiais da Terra Santa. Infelizmente, a Igreja local é desprovida de meios materiais, pois sofre as consequências contínuas e graves das guerras e não  é possível pedir uma contribuição suficiente dos fiéis locais, porque que, na maior parte, mal têm o suficiente para se manterem vivos. 
Nestes termos, São Paulo VI, convicto de que “o futuro está nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações de amanhã razões de viver e de esperar”, exortava a um “esforço sincero e voluntário por uma paz justa e imediata, no justo reconhecimento dos direitos e aspirações legítimas de todos os povos interessados”, uma vez que  “a ninguém escapa que as várias civilizações nascidas ao longo dos séculos na Terra Santa devem convergir para que os grupos de homens, pertencentes a eles, embora diferentes por muitas razões, estabeleçam cooperação e permaneçam ali como num “σùv-οδός”, dando à expressão grega o profundo significado de “caminhar juntos”. Com efeito, neste processo de convergência, a presença cristã na Terra Santa, juntamente com a religiosa judaica e muçulmana – dizia o Pontífice – pode ser um coeficiente de harmonia e paz: e isso tem uma importância particular especialmente para nós, católicos.
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Eram então estes os fundamentos que inspiraram a renovação e o reforço do apelo à coleta – e que hoje mantêm toda a sua pertinência –, na linha do que fora determinado pelos Pontífices que antecederam Paulo VI, designadamente o Servo de Deus Pio XII e São João XXIII, a que Monitini acrescentou a sua experiência e desejo pessoal de ecumenismo e de diálogo inter-religioso e a sua visão atualizada da realidade, que se vê hoje mais gravosa, não obstante os esforços envidados no sentido da melhoria.
Nas orientações organizativas, o Papa recordava a necessidade da oração e de que a coleta se destinava, não apenas à manutenção dos Lugares Santos, mas acima de tudo, às obras pastorais, assistenciais, educacionais e sociais que a Igreja apoia na Terra Santa para benefício dos irmãos cristãos das populações locais.
Ao fazer este apelo à coleta, augurava que os fiéis de todo o mundo, aumentando as suas contribuições em prol dos Lugares Santos, não faltariam com o seu contributo e o seu cordial apoio a todas as obras da Igreja na terra do Senhor, para que se mantenha vivo o testemunho do Evangelho e se torne mais sólida em torno dos santuários a presença de seguidores de Cristo.
Por fim, manifestava o encorajamento e o apoio a todas as organizações de caridade e a todos os homens de boa vontade, que contribuem para o alívio dos sofrimentos das populações sobre as quais impende o medo de um futuro incerto e doloroso. E augurava que a ação benéfica de todos fosse coroada com a recuperação da paz, como todos esperavam, e preparasse dias melhores para os habitantes da Terra Santa. 
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Mais do que turismo religioso, são votos, objetivos e estratégia a subscrever reforçadamente por todos hoje, não?
2019.03.28 – Louro de Carvalho

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