Como vem
sendo habitual em Sexta-feira Santa, realiza-se, também este ano, a 19 de abril
próximo, a Coleta em favor da Terra Santa promovida pela Igreja no mundo
inteiro. A iniciativa foi instituída, em favor dos Lugares Santos e dos
cristãos que vivem no Oriente Médio, pelo Papa São Paulo VI através da Exortação
Apostólica “Nobis in animo”, de 25 de
março de 1974, já lá vão 45 anos (e nos 10 anos após a sua visita à Terra
Santa), que refere:
“A
Igreja de Jerusalém ocupa um lugar de eleição na solicitude da Santa Sé e na
preocupação de todo o mundo cristão, enquanto o interesse pelos Lugares Santos,
e em particular pela cidade de Jerusalém, emerge mesmo nos grandes consensos
das Nações e nas maiores Organizações internacionais a fim de proteger sua segurança e garantir o livre exercício da religião
e do culto. Esta atenção é hoje mais exigida pelos sérios problemas religiosos,
políticos e sociais aí existentes: são os problemas complexos e delicados da
coexistência dos povos da região, da sua vivência em paz, e das questões
religiosas, civis e humanas relativas à vida das várias comunidades que habitam
a Terra Santa.”.
Para a
ocasião da coleta, o cardeal Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as
Igrejas Orientais, e Dom Cyril Vasil, secretário deste organismo, enviaram uma
carta às Conferências Episcopais e a cada bispo, intitulada “Comunhão e solidariedade com a Igreja em
Jerusalém”, a recomendar vivamente a participação de toda a Igreja na Coleta em favor da Terra Santa.
Ressalta no
texto, divulgado hoje, dia 28 de março:
“O caminho quaresmal convida cada um de nós a voltar aos lugares e aos
acontecimentos que mudaram o curso da história da Humanidade e a existência
pessoal de cada um de nós: são os lugares e os acontecimentos que nos
transmitem a memória viva de tudo aquilo que o Filho de Deus incarnado disse,
cumpriu e sofreu para a nossa Redenção”.
A missiva
enviada aos bispos assegura que, “revivendo os mistérios da nossa salvação,
podemos pensar, com maior fervor, nos irmãos e irmãs que vivem e testemunham a
fé em Cristo morto e ressuscitado na Terra Santa, expressando-lhes a nossa
solidariedade na caridade”.
Por outro
lado, a carta recorda que “hoje o Oriente
Médio assiste a um processo que dilacera as relações entre os povos daquela
região, criando uma situação de injustiça tal, que esperar a paz se torna quase
temerário”.
E os
responsáveis do predito dicastério recordam as palavras do Papa Francisco na
sua primeira Audiência Geral, a 27 de março de 2013, em que o Sumo Pontífice
lembrou aos peregrinos:
“Viver a Semana Santa seguindo Jesus significa aprender a sair de nós
mesmos para ir ao encontro dos outros; para ir em direção às periferias da
existência; ser os primeiros a ir ao encontro dos nossos irmãos e irmãs”.
E, na cidade
de Bari, a 7 de julho do ano passado, no início da oração de Francisco com os
chefes das Igrejas Orientais do Oriente Médio, ressoaram estas palavras:
“Sobre
esta região esplêndida adensou-se, especialmente nos últimos anos, uma espessa
cortina de trevas: guerra, violência e destruição, ocupações e formas de
fundamentalismo, migrações forçadas e abandono. Tudo no silêncio de tantos e
com a cumplicidade de muitos. O Oriente Médio tornou-se terra de gente que
deixa a própria terra e há o risco de ser cancelada a presença dos nossos
irmãos e irmãs na fé, deturpando a própria fisionomia da região, porque um
Oriente Médio sem cristãos não seria Oriente Médio.”.
A mensagem
recorda ainda:
“A Igreja, como lembra São Paulo VI na Nobis is animo, há
muito tempo não fica só a olhar. Desde a segunda metade do século passado
aumentaram consideravelmente as obras pastorais, sociais, caritativas e
culturais, em prol das populações locais sem distinção e das comunidades
eclesiais na Terra Santa. Para que a presença cristã bimilenária na sua origem
e na sua permanência na Palestina possa sobreviver e, mais ainda, consolidar a
sua própria presença de maneira ativa a trabalhar no serviço às outras
comunidades com as quais deve conviver, é necessário que os cristãos de todo o mundo se mostrem generosos, fazendo afluir à Igreja de Jerusalém a
caridade das suas orações, o calor da sua compreensão e o sinal tangível da sua
solidariedade.”.
Relevando
que, nos últimos tempos, houve uma retomada dos peregrinos que visitam a Terra
Santa provenientes da China, Índia, Indonésia, Filipinas e Sri-Lanka, a missiva
assegura:
“Tal vitalidade apostólica é um grande sinal para a comunidade local, e
interpela as comunidades do Ocidente, que são tentadas ao desencorajamento e à
resignação, a viver e a testemunhar a fé quotidianamente”.
***
Este ano,
por ocasião da Coleta em favor da Terra Santa, unidos ao convite do Papa
Francisco queremos também ouvir novamente São Paulo VI, recentemente
canonizado, que visitou a Terra Santa, no início de janeiro de 1964, sendo o
primeiro Sucessor do Apóstolo Pedro a realizar tal peregrinação. Nesse sentido,
se respigam alguns dados da Exortação Apostólica “Nobis in animo”, de Paulo VI “sobre as necessidades acrescidas da
Igreja na Terra Santa”, dirigida ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis do mundo
inteiro, a sublinhar o dever de fazermos sentir aquelas comunidades cristãs no âmbito
da caridade eclesial que nos une a todos.
O Papa
Montini olhava com esperança para aquela região marcada pelo estado contínuo de
tensão “sem passos conclusivos para a paz” – o que significava “um grave e
constante perigo” a ameaçar “a tranquilidade e a segurança dessas populações” e
a paz do mundo inteiro, bem como “certos valores extremamente caros, por várias
razões, para grande parte da humanidade”, como a convivência alicerçada no
direito e na justiça – e pensava “em particular, em Jerusalém, a Cidade Santa e
Capital do Monoteísmo”.
Recordava a
peregrinação que fez ali em janeiro de 1964 para homenagear pessoalmente os
mistérios da nossa salvação nos Lugares Santos, onde Cristo nasceu, morreu,
ressuscitou e subiu ao céu, bem como para se encontrar com outros líderes
religiosos cristãos (incluindo
o Patriarca Grego e o Patriarca Arménio de Jerusalém) e com as multidões de crentes que
se reuniram “quase em um abraço exuberante de fé e caridade”.
Frisava que
aquela terra abençoada, que Deus escolheu para a encarnação e redenção, se
tornou “património espiritual de cristãos em todo o mundo, que anseiam
visitá-la”, “para satisfazer a sua devoção e expressar o seu amor por ela. E justificava:
“Deus
torna-se criança em Belém, o divino Adolescente e Trabalhador em Nazaré, o
divino Mestre e Taumaturgo em toda a região, o Crucifixo divino no Calvário, o
Redentor Ressuscitado do sepulcro localizado no ‘Templo da Ressurreição’, como
os irmãos cristãos de língua grega o chamam com expressão feliz”.
Depois,
falava da Igreja que ali vive:
“Mas
essa também é a terra em que, ao lado dos Santuários e dos Lugares Santos,
existe e opera uma Igreja viva, uma comunidade de crentes em Cristo. É uma
comunidade que, ao longo da história, passou por inúmeras provações e foi
submetida a vicissitudes dolorosas: divisões internas, perseguições de fora e,
durante algum tempo, a emigração tornou-a fraca, não mais autossuficiente, e,
portanto, em necessidade da nossa compreensão e da nossa ajuda moral e
material.”.
Enfatizando que
os irmãos “que vivem onde Jesus viveu e que, em torno dos Lugares Santos, são
os sucessores da Igreja antiga”, que, enquanto “berço da nossa fé”, “deu origem
a todas as Igrejas”, o Pontífice valorizava o facto de eles responderem a
Cristo como cristãos “com a manifestação duma fé viva, dum amor sincero e duma
pobreza genuína, segundo o espírito do Evangelho”. Referia que, “se a
presença deles cessasse, o calor de um testemunho vivo extinguir-se-ia nos
santuários e os lugares santos cristãos de Jerusalém e da Terra Santa tornar-se-iam
como museus”. E, embora o cristianismo seja uma religião universal, não ligada
a um país e seus seguidores adorem “o Pai em espírito e verdade”, o Pontífice
sublinhava que ele se baseia numa revelação histórica e que, ao lado da “história
da salvação” existe uma “geografia da salvação”. Assim, os Lugares Santos
têm o alto mérito de oferecer à fé um apoio irreparável, permitindo ao cristão
entrar em contacto direto com o ambiente em que “o Verbo se fez carne e habitou
entre nós”. E deu vários exemplos do contributo destes lugares para o apuramento
da fé:
- As
escavações realizadas por importantes institutos culturais (incluindo a Escola Bíblica do Padres Dominicanos e o “Studium” dos frades Franciscanos da Custódia) trouxeram à luz novos vestígios que
remontam aos tempos de Cristo e dos Apóstolos.
- Desde o
século IV, há documentos que falam de peregrinos que viajam para a Terra Santa,
indicando os seus itinerários.
- O código
Arezzo descreve os monumentos existentes na Terra Santa e as cerimónias ali celebradas,
especialmente em Jerusalém durante a Semana Santa.
- São Jerónimo,
com a permanência na Palestina e o ímpeto que deu aos estudos bíblicos,
aumentou o interesse do mundo cristão ocidental e das classes culturais pela
terra de Jesus, tendo sido construídos dois conventos e um hospício em Belém – sinal
claro do percetível influxo de peregrinos.
- Já depois
disso, apesar dos perigos da jornada e dos limitados e lentos meios de
comunicação, a Terra Santa continuava a atrair numerosos peregrinos com a ajuda
de generosos benfeitores, conventos e igrejas, e sendo as cidades e o deserto
povoados por monges e penitentes de todas as nações e ritos, que na terra do
Senhor redescobriram as fontes da vida cristã.
- Ao longo
dos séculos, o influxo de peregrinos foi condicionado por diversos eventos
históricos, pelo que se registam momentos de florescimento e momentos menos
felizes, porém, desde o século XIX, houve aumento contínuo, facilitado pelos
meios modernos de transporte e motivado por um sentido de fé mais consciente.
- Durante o
Concílio Vaticano II, numerosos Padres Conciliares foram em peregrinação aos
Lugares Santos e muitos sacerdotes e religiosos adoram passar alguns dias de
retiro em Jerusalém por ocasião da sagrada ordenação ou de ocasiões especiais,
pelo que o Papa gostaria de aumentar essas visitas e permanecer na Terra
Santa e queria que o hospital de Notre-Dame, em Jerusalém, fosse reaberto e
também destinado a reunir grupos de sacerdotes.
***
Salientando que
tais peregrinações favorecem o encontro com pessoas de diferentes crenças, dado
que não só das comunidades cristãs, incluindo as comunidades não católicas, mas
também das que olham, convergem e estão naquela terra abençoada – judeus e
muçulmanos –, e em particular em Jerusalém, o Papa esperava que tais contactos –
ecuménico e de diálogo inter-religioso – se intensificassem, contribuindo para
a compreensão e respeito mútuos, para a aproximação dos irmãos, filhos do mesmo
Pai, bem como para uma compreensão mais profunda da necessidade primária de paz
entre os povos.
Como São
Paulo promoveu, nas Igrejas da Macedónia e Acaia, uma coleta em favor da Igreja
pobre de Jerusalém (vendo
na coleta um vínculo de unidade entre as novas comunidades de crentes e a
Igreja originária em Jerusalém), também os Frades Menores, movidos por um desígnio providencial
perscrutado nos eventos históricos do século XIII, se assumiram como guardiões
espirituais da Terra Santa. E nessa condição ali permaneceram a servir a Igreja
local e para guardar, restaurar e proteger os Lugares Santos Cristãos,
dirigindo-se diretamente aos grandes e humildes para arrecadar esmolas, sendo
que os religiosos destinados a realizar este trabalho tinham o título oficial
de “Procuradores” ou “Comissários da Terra Santa”. Todavia, como verificava
o Santo Padre, o tempo e a expansão das necessidades revelaram a insuficiência do
seu trabalho. Por isso, os Sumos Pontífices tiveram de intervir várias vezes,
com solicitude paterna, ordenando a “collecta
pro locis Sanctis”, com a indicação dos objetivos, tempos e caminhos para
as ofertas chegarem ao seu destino.
Assim, partir
da segunda metade do século XIX, houve um importante aumento de obras
pastorais, sociais, caritativas e culturais em benefício da população local sem
distinções e das comunidades eclesiais da Terra Santa. Infelizmente, a Igreja
local é desprovida de meios materiais, pois sofre as consequências contínuas e
graves das guerras e não é possível pedir uma contribuição suficiente dos
fiéis locais, porque que, na maior parte, mal têm o suficiente para se manterem
vivos.
Nestes termos,
São Paulo VI, convicto de que “o futuro está nas mãos daqueles que são capazes
de transmitir às gerações de amanhã razões de viver e de esperar”, exortava a
um “esforço sincero e voluntário por uma paz justa e imediata, no justo
reconhecimento dos direitos e aspirações legítimas de todos os povos
interessados”, uma vez que “a ninguém escapa que as várias civilizações
nascidas ao longo dos séculos na Terra Santa devem convergir para que os grupos
de homens, pertencentes a eles, embora diferentes por muitas razões,
estabeleçam cooperação e permaneçam ali como num “σùv-οδός”, dando à expressão
grega o profundo significado de “caminhar juntos”. Com efeito, neste processo
de convergência, a presença cristã na Terra Santa, juntamente com a religiosa
judaica e muçulmana – dizia o Pontífice – pode ser um coeficiente de harmonia e
paz: e isso tem uma importância particular especialmente para nós, católicos.
***
Eram então
estes os fundamentos que inspiraram a renovação e o reforço do apelo à coleta –
e que hoje mantêm toda a sua pertinência –, na linha do que fora determinado
pelos Pontífices que antecederam Paulo VI, designadamente o Servo de Deus Pio
XII e São João XXIII, a que Monitini acrescentou a sua experiência e desejo pessoal
de ecumenismo e de diálogo inter-religioso e a sua visão atualizada da realidade,
que se vê hoje mais gravosa, não obstante os esforços envidados no sentido da
melhoria.
Nas orientações
organizativas, o Papa recordava a necessidade da oração e de que a coleta se
destinava, não apenas à manutenção dos Lugares Santos, mas acima de tudo, às
obras pastorais, assistenciais, educacionais e sociais que a Igreja apoia na
Terra Santa para benefício dos irmãos cristãos das populações locais.
Ao fazer este
apelo à coleta, augurava que os fiéis de todo o mundo, aumentando as suas
contribuições em prol dos Lugares Santos, não faltariam com o seu contributo e o
seu cordial apoio a todas as obras da Igreja na terra do Senhor, para que se
mantenha vivo o testemunho do Evangelho e se torne mais sólida em torno dos
santuários a presença de seguidores de Cristo.
Por fim,
manifestava o encorajamento e o apoio a todas as organizações de caridade e a
todos os homens de boa vontade, que contribuem para o alívio dos sofrimentos
das populações sobre as quais impende o medo de um futuro incerto e doloroso. E
augurava que a ação benéfica de todos fosse coroada com a recuperação da paz,
como todos esperavam, e preparasse dias melhores para os habitantes da Terra
Santa.
***
Mais do que
turismo religioso, são votos, objetivos e estratégia a subscrever reforçadamente
por todos hoje, não?
2019.03.28 – Louro de Carvalho
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