A posição da Real Academia
Para
a Real Academia Espanhola, “tudo na primeira volta ao mundo foi espanhol”, desde
a partida de Magalhães até ao regresso de Elcano. Para tanto,
alega factos
que, a seu ver, provam que é “incontestável a plena e exclusiva autoria
espanhola” da viagem de circum-navegação iniciada por Fernão de Magalhães e
finalizada por Juan Sebastián Elcano.
A este respeito, o DN de 10 de março refere que é a primeira vez que aquela Academia se pronuncia
sobre o caso e que o fez a instâncias do jornal ABC, cujo suplemento deu, no passado domingo, à polémica honras de
primeira página, depois de ter publicado, em janeiro e fevereiro, artigos
em que desvalorizava a participação portuguesa na viagem sob a superior direção
do navegador português e financiada pela Coroa espanhola.
No seu parecer, os historiadores recordam que
Magalhães, natural de Portugal, serviu a Coroa espanhola em várias viagens ao
Índico. E relembram em comunicado:
“Em 1517, Magalhães, zangado com Dom Manuel de
Portugal por ele não reconhecer os seus méritos, decide abandonar o seu país,
deixar de servir o seu rei e viajar para Espanha, concretamente para Sevilha, onde se instalou,
contraiu matrimónio e desde então esteve ao serviço do rei Dom Carlos I, castelhanizando
o seu nome português, Fernão de Magalhães para Fernando de Magallanes”.
A Academia recorda que Magalhães assinou contrato com
Dom Carlos pelo qual o monarca se comprometeu a apoiar a viagem de serviço à
Coroa espanhola, o que o navegador aceitou e cumpriu “fielmente até à sua morte”, sendo que a expedição foi financiada em 75% pela Coroa espanhola e 25% pelo grupo de
comerciantes espanhóis em que sobressai Cristóbal de Haro.
A primeira viagem à volta do Mundo, a bordo da nau
Victoria, começou a 20 de setembro de 1519, em Sanlúcar de Barrameda, Cádis, no
sul de Espanha, e terminou a 6 de setembro de 1522, no mesmo local. E a
Academia espanhola sustenta em comunicado:
“Os cinco navios da expedição foram
equipados e decorados em Sevilha, apesar dos muitos impedimentos que puseram em
todo o momento tanto o embaixador de Portugal, Álvaro da Costa, como o representante
do rei português Dom Manuel na Andaluzia, Sebastián Álvarez, que tentaram por
todos os meios que a viagem não fosse levada a cabo porque tinha sido entregue
a uma empresa espanhola, razão pela qual qualificavam Magalhães como renegado e
traidor.”.
Entre outros detalhes da viagem, o comunicado explica
que Magalhães morreu após a passagem do estreito, em Mactán, uma ilha do
arquipélago das Filipinas. O regresso pelo Oceano Índico, sob o comando de Juan
Sebastián Elcano de la Victoria e Gonzalo Gómes de Espinosa de la Trinidad
fez-se evitando as águas e os enclaves dos portugueses. Depois de desembarcar
em Sanlúcar de Barrameda (com apenas 18 dos 237
homens que iniciaram a viagem), Elcano escreveu uma carta a Dom Carlos I, “ressaltando
não as dificuldades, nem o caminho percorrido, nem o encontro com as ilhas da
Especiaria, mas o facto de ter conseguido circum-navegar a Terra pela primeira
vez em nome do rei imperador”. E a Academia de História conclui: “
“Com tais factos, absolutamente
documentados, é incontestável a plena e exclusiva autoria espanhola da
empreitada”.
A Real Academia Espanhola visa agora esclarecer alguns
factos depois de os chefes da diplomacia de Portugal e de Espanha terem
anunciado em Madrid, a 23 de janeiro, a apresentação conjunta de uma
candidatura a património da humanidade da primeira viagem de circum-navegação
do globo, tendo, num primeiro momento, o Governo português anunciado uma
candidatura individual em que teria apagado o império espanhol da história ao
quase não fazer qualquer referência ao nome de Sebastião Elcano ou ao papel
preponderante de Espanha na realização da viagem.
***
A reação dum historiador português
O
historiador português José Manuel Garcia reagiu à posição da Real Academia
Espanhola em texto de 11 de março publicado no DN, reiterando que a volta ao mundo ao serviço de Espanha
teve a direção científica portuguesa e homens de países da Europa. Assegura
que, “se não fosse Juan Sebastián Elcano,
não teria sido concluída, de uma única vez, a primeira volta ao mundo, iniciada
por Fernão de Magalhães”. Ou seja, nem tudo “na primeira volta ao mundo foi
espanhol”. E explica como é que tal aconteceu, o que aqui se sintetiza.
A 6
de setembro de 1522, a nau Victoria, com 18 tripulantes sob o
comando do capitão Juan Sebastián Elcano, chegou a Sanlúcar de Barrameda, porto
de que partira quase 3 anos antes. Acabava de dar a 1.ª volta ao mundo em
continuidade, um dos feitos mais notáveis da história da humanidade.
Tudo
começou quando Magalhães, em outubro de 1517, decidiu ir para Espanha agravado
com Dom Manuel I, por não lhe ter aumentado em mais cem réis mensais a sua
moradia (ordenado) e
não o ter autorizado a ir por via oriental às Molucas (na
Indonésia), ilhas ricas em cravinho e onde já havia estado quando
da sua descoberta, em 1512. Foi esta a razão que o levou a oferecer os seus
serviços a Carlos V, propondo-lhe, talvez a 2 de março de 1518, um ambicioso
projeto que gizou em Lisboa entre 1516 e 1517. Pretendia ir a essas ilhas por
uma nova via ocidental, que iria descobrir, provando que pertenciam a Espanha,
de acordo com o Tratado de Tordesilhas, que dividira, em 1494, o mundo em dois
hemisférios, um para Portugal e outro para Espanha. Segundo os seus cálculos,
tais ilhas estariam a oriente dum antimeridiano de Tordesilhas que passava a
leste de Malaca.
Carlos
V acreditou na teoria de Fernão de Magalhães e, vendo que era o único com
capacidade científica e conhecimentos para provar, deu-lhe uma armada de cinco
navios com 237 homens, que, a 20 de setembro, partiu para a que seria a 2.ª
parte da sua volta ao mundo. Com efeito, Magalhães sabia que
navegando para ocidente, pelo hemisfério que só os espanhóis podiam percorrer,
estaria a realizar uma circum-navegação do mundo, que veio a concluir de forma
indireta a 16 de março de 1521, quando então descobriu as Filipinas.
De
facto, a 1.ª etapa dessa epopeia foi por si feita, partindo de Lisboa para a
Índia, em 1505, e chegando, em 1512, às Molucas, sitas a longitude semelhante à
das Filipinas. Mesmo que soubesse estar a dar a volta ao mundo em duas etapas, nunca
pretendeu a circum-navegação, pois a sua missão era provar que as Molucas eram
de Carlos V e permitir que o monarca, os espanhóis e ele enriquecessem com o
lucrativo comércio do cravinho. Com efeito, em 1519, Carlos V proibiu-lhe
reiterada e incisivamente que a expedição passasse pelo hemisfério oriental
dominado pelos portugueses, isto é, pelas águas do oceano Índico.
Porém,
tal volta ao mundo, feita de seguida, concretizou-se sob a direção de Elcano,
por este não ter arriscado regressar a Espanha pelas águas espanholas do
Pacífico, como Gonzalo Gómez de Espinosa na Trinidad tentara
em vão, mas pelas do hemisfério português, já conhecidas, mesmo que soubesse
estar a infringir as ordens de Carlos V, que proibira tal procedimento.
Elcano
embarcara na armada como mestre da nau Concepción sob o
comando de Luis de Quesada e participou a 1 de abril de 1520 no motim de Puerto
de San Julián contra Magalhães, feito para obrigar a armada a regressar a
Espanha. Depois da execução do seu capitão, Elcano foi perdoado e a sua nau
passou para o comando do português Duarte Barbosa.
Após
a morte de Magalhães, nas Filipinas, a 27 de abril de 1521, e da morte de
Duarte Barbosa aí, a 1 de maio de 1521, a sua nau foi incendiada e ele passou
para a Victoria, que ficou sob o comando de Espinosa, enquanto a
expedição passou a ser comandada pelo português João de Carvalho. Só quando
este, a 16 de setembro de 1521, foi demitido em Bornéu, é
que Elcano assumiu o comando da Victoria, tendo Espinosa passado para
a Trinidad.
Após
estes navios chegarem às Molucas a 8 de novembro, a Victoria partiu
a 21 de dezembro para Espanha, continuando a volta agora pelas águas proibidas
do hemisfério português, embora seguindo pela parte sul do Índico até dobrar o
cabo da Boa Esperança, para não ser apanhada pelos portugueses (É de
vincar que os espanhóis não repetiram tal atuação contra as ordens de Carlos V).
Assim
se vê como é a justa glória de Elcano ter concluído a primeira volta ao mundo
feita de seguida, mas que foi o fruto das circunstâncias da vida dum homem que
se viu enredado na que foi a mais longa e difícil viagem marítima de sempre.
Durante
o seu alto comando da armada, Magalhães, pela sua tenacidade, teve o mérito de
descobrir a parte da Terra que ainda não havia sido descoberta, o que foi a
parte mais original da viagem que logrou descobrir
a terra a sul do rio da Prata, o Estreito de Magalhães, toda a extensão do
oceano que passou a chamar-se Pacífico e, finalmente, as Filipinas. Ficou assim
como símbolo dum empreendimento que, organizado e financiado sob a direção de
Espanha, com a oposição de Portugal, expressou a direção científica portuguesa
e a participação de homens de 9 países da Europa no que se tornou um
marco da mundialização crescente que originou o atual processo da globalização.
***
Um projeto arrojado e eloquente
O velejador português Ricardo Diniz, 500 anos depois de
Magalhães, quer seguir o trajeto da primeira circum-navegação ao globo –
uma viagem de três anos, vegana, ecológica, com yoga e convidados a bordo para
homenagear Fernão de Magalhães, “um herói esquecido em Portugal” e a alertar
para a importância de cuidar dos oceanos.
Como escrevia Pedro Sequeira, a 9 de
fevereiro, que é a data de 20 de setembro de 1519, exatamente 500 anos depois do início da
epopeia de Magalhães – partiu, financiado pela coroa espanhola, de Sanlúcar de
Barrameda, em Cádis, para uma viagem que entraria na história e que seria
concluída em 1522 por Elcano, após a morte de Magalhães, em 1521, em Mactan,
Cebu (Visayas Centrais), nas Filipinas, aos 41 anos – que Ricardo Diniz aponta
para iniciar, em Sevilha, ao comando dum moderno catamarã, uma volta ao mundo
com os objetivos de “dar a conhecer a
história de Magalhães, promover Portugal e alertar para a importância de cuidar
do mar”.
O projeto começou a ser idealizado pelo velejador há
muito tempo, pois já em agosto de 2017, mostrava o desejo de assinalar os 500
anos da viagem de Magalhães apontando 2019 como o ano certo para fazer a volta
ao mundo. Mas esta será uma viagem com caraterísticas especiais: ao invés de
outros seus projetos, não navegará em solitário, mas com tripulação
internacional (não só de velejadores) e com convés aberto
à entrada de convidados que poderão cumprir etapas da viagem. E o projeto tem
nos seus alicerces uma mensagem de sustentabilidade ecológica.
Sobre uma hipotética mensagem de Magalhães se partisse
hoje em viagem, discorre:
“Estou convicto de que seria por um futuro
mais sustentável e harmonioso. Por isso, esta viagem vai ser o mais vegana
possível, com pequenas exceções culturais em alguns pontos do globo, mas não se
vão comer animais a bordo. Vamos viajar em harmonia com o ambiente pois
seguimos num barco à vela. Vamos ter uma horta, para servir comida fresca,
dezenas de painéis solares e dois geradores eólicos para que o barco seja o
mais ecológico possível. Vamos fazer mergulho, praticar meditação e yoga todos
os dias, estar sempre em contacto com escolas de todo o mundo para divulgar
boas práticas de sustentabilidade. Queremos que as pessoas se apaixonem pelo
mar e que cuidem dele. Será um barco que representa aquilo que acredito serem
valores essenciais e urgentes para que exista um futuro sustentável.”.
Além disso, o barco será “grande, inovador, capaz de
gerar a sua energia e a sua água, com autonomia para poder navegar três anos
sem vir a terra” e deverá ser preparado num estaleiro espanhol para “que possa
transportar com segurança e conforto cientistas, secretários de Estado,
embaixadores, primeiros-ministros, chefes de Estado, e não só”.
Outra prioridade é dar a conhecer a história de
Magalhães. A este respeito, o velejador confessa:
“Sinto que ele é uma espécie de herói
esquecido em Portugal. O mundo
reconhece-o e aprecia-o muito mais. Magalhães é nome de marcas de roupa, de
fundos de investimentos, de inúmeros barcos, de marcas de GPS e até de crateras
na Lua e programas espaciais da NASA. Nós, em Portugal, vivemos muito obcecados
com Vasco da Gama. […] Claro que o que ele conseguiu foi muito
importante e trouxe imensa riqueza ao país, mas, por outro lado, Magalhães
provou muita coisa, abrindo novos caminhos, e mostrou coragem, liderança, visão
e determinação até ao final da sua vida. Esses são valores essenciais ao mundo
de hoje. E o exemplo de Magalhães ajuda a transmiti-los.”.
O velejador-empresário tem estado empenhado em
reunir apoios para organizar a Missão
Magalhães, que julga ser o seu “maior desafio até agora”. A viagem terá a
duração de três anos e, como a expedição de 1519, terminará em Espanha. Já
definido 70% do itinerário, “o mais fiel possível” ao roteiro original (embora com pequenos desvios até destinos por onde
Magalhães não passou), Ricardo Diniz procura agora que Portugal se associe
ao projeto. E refere:
“Já nos reunimos com o Governo português,
por uma questão de respeito e oportunidade, para serem os primeiros a conhecer
as nossas intenções, mas também estamos a reunir-nos com o mundo. O meu cenário
ideal seria que esta missão fosse uma enorme expedição para promover Portugal,
os nossos produtos, as nossas marcas, e ser, ao contrário de há 500 anos, um
projeto muito português. Gostava muito de que a história não se repetisse e
poder encontrar apoio suficiente no meu país, pois esta será uma oportunidade
para Portugal se comunicar ainda mais e criar novas oportunidades.”.
De facto, há 500 anos, com Magalhães revoltado com o
rei português, foi a coroa espanhola (Carlos
I, Rei de Espanha e depois também Imperador Romano-Germânico como Carlos V) que aceitou financiar a expedição. O objetivo era
encontrar uma nova rota até às Molucas (situadas
na atual Indonésia) por ocidente e provar que essas cobiçadas ilhas,
ricas em especiarias, se encontravam do lado espanhol do mundo. O plano obrigava a rumar para sul do
continente americano, onde o navegador português acabou por encontrar passagem
para o oceano que batizou como Pacífico
através dum estreito que também viria a ser batizado com o seu nome. E a
missão, iniciada por um português e concluída por um espanhol (continuou a navegar para ocidente até atingir Espanha,
completando a circum-navegação, mas desobedecendo a Carlos V e atravessando
domínios portugueses pela rota do cabo da Boa Esperança), acabaria por ficar
historicamente ligada a Espanha, mesmo que, mais tarde, se tenha provado que as
Molucas estavam no lado português.
Ricardo Diniz quer agora que Portugal seja o foco de
atenção. Porém, embora deseje que o projeto seja o mais português
possível, isso não significa que o financiamento tenha de ser apenas português. O barco vai ser uma embaixada
flutuante e o velejador “adorava ter um
cunho diplomático português para que quem olhe diga: isto é Portugal”. Nesse sentido, tem-se reunido com
vários empresários e estará com o líder da Tesla, Ellon Musk, para explicar o
projeto e como ele faz sentido para uma empresa que aposta na energia elétrica,
mais amiga do ambiente.
Para reforçar a ligação ao país, o velejador-comunicador
garante que todos os cabos e velas serão construídos em Portugal e que um dos
principais materiais a utilizar no barco é cortiça, “um produto premium português”,
que ajuda a tornar o barco mais leve ou a controlar a temperatura a bordo, assim
como a sua insonorização. Há a ideia de transportar produtos portugueses e
divulgá-los em vários portos e junto das pessoas que possam seguir a bordo em
algumas etapas, bem como uma mistura de idiomas que, de resto, já acontecia nos
navios comandados por Magalhães, que, ao partir de Espanha ia “acompanhado de
236 homens de 9 nacionalidades, em que 10% eram portugueses”, como
explicou o historiador José Manuel Garcia (alguns
apontam cerca de 40 portugueses em 240 tripulantes), acrescentando que
o navegador, mesmo tendo morrido antes do final da expedição, foi o primeiro a
completar uma volta ao mundo, embora em duas partes: “já tinha ido com os portugueses
de Lisboa até às Molucas”.
As expedições (ou
“missões”, como diz) de Ricardo Diniz têm como pano de fundo a divulgação
de Portugal e sua cultura além-fronteiras, como sucedeu, em 2012, com a Mare
Nostrum, em que circum-navegou a ZEE (Zona
Económica Exclusiva) portuguesa para mostrar que a sua dimensão é 20
vezes superior à da superfície terrestre (foram
distribuídos pelas escolas mapas com os limites da ZEE), ou na Fé Paz Amor em que levou de Peniche ao
Brasil uma imagem de Nossa Senhora de Fátima para assinalar, em simultâneo, o
centenário das aparições em Fátima e os 300 anos de Nossa Senhora Aparecida. Contudo,
não hesita em afirmar que a Missão
Magalhães “será a maior de sempre” e que chegou no momento ideal da sua
vida. A este respeito, diz:
“Lanço o projeto com 41 anos, a mesma idade que
Magalhães tinha quando morreu. É um alinhamento que me faz sentir a responsabilidade
de abraçar esta aventura. Podia ter nascido em qualquer outro ano, mas fui
nascer num timing que me permite
estar pronto, ter a experiência e os contactos certos para saber que,
precisamente no ano dos 500 anos de Magalhães, sou mesmo capaz de fazer uma
coisa destas.”.
***
Em suma
Uma das maiores aventuras do século XVI teve início em
1519, quando Magalhães (1480-1521), com patrocínio da
monarquia espanhola (obtido pelos bons ofícios
do bispo de Burgos), comandou a 1.ª expedição que deu a volta ao mundo.
Porém, não terminou a viagem, pois morreu no caminho.
Contudo, a expedição teve sequência e o objetivo foi
atingido após mortes de marinheiros e perdas de embarcações. Segundo relato do
italiano Antonio de Pigafetta (1480 ou 1491-1534), um dos
sobreviventes, a aventura teve mais momentos de adversidade e milagre que de
marcha vitoriosa. De facto, partiram 5 naus – San Antonio, Victoria, Concepción, Santiago e Trinidad (nau capitânia) –, com cerca de 240 homens (outros dizem 237 e outros 256), que zarparam de
Sevilha.
A viagem começou sem grande dificuldade, com a
passagem por Cabo Verde. Contudo, no Atlântico, enfrentaram uma terrível
tempestade. Em março de 1520, Magalhães e os seus homens chegavam à baía de San
Julián, na atual Argentina.
Além das adversidades dos mares, houve revoltas
internas, em que comandantes das outras naus planeavam a traição contra o
capitão-geral. Magalhães mandou decapitar Gaspar de Quesada, capitão da
Concepción, depois abandonou Juan de Cartagena, ex-capitão da San Antonio. Fora
isso, houve perda de navios. Santiago naufragou enquanto explorava a costa da Patagónia.
Os restantes seguiram pelo Pacífico e chegaram ao arquipélago de Saint-Lazare –
atual Filipinas – em 27 de março de 1521. Ali morreu Magalhães morreu atingido,
a 27 de abril, por uma lança envenenada, atirada por um dos habitantes locais. Depois,
a Concepción foi incendiada em maio e, em 18 de dezembro, a Trinidad afundou e
a fome e doenças (como o escorbuto) começaram a atingir
a expedição. Escreveu Pigafetta:
“Nós só comíamos velhos biscoitos
transformados em poeira e cheios de vermes, fedendo urina de rato”.
Ao final da expedição, restava a nau Victoria. Parte
da carga de especiarias foi abandonada para que embarcação poder seguir viagem.
Em maio de 1522, a nau ultrapassaria o cabo da Boa Esperança e 18 dos seus
homens retornaram a Sevilha, depois de terem sido aprisionados em Cabo Verde.
***
Para assinalar os 500 anos da 1.ª viagem de
circum-navegação, foi apresentado, em janeiro, o programa de comemorações até
2022. A partir de setembro, no site www.magalhaes500.pt, será
possível acompanhar a viagem iniciada em Espanha a 20 de setembro de
1519. A 17 de abril, será o
lançamento duma moeda de coleção com o valor facial de 7,5 euros, seguindo-se,
a 8 de maio, a moeda corrente de dois euros. E o Ministro dos Negócios
Estrangeiros, Augusto Santos Silva, anunciou que até final de março será
apresentado “em Espanha, com a presença dos portugueses, e em Portugal, com a
presença dos espanhóis”, o programa de atividades conjuntas luso-espanholas
para celebrar a circum-navegação, que foi concluída por Sebastián Elcano.
***
Se no século XVI fazia algum sentido disputar a soberania
de Portugal ou de Espanha nas Molucas ou a propriedade dos reis dos dois países
sobre elas, hoje isso não faz qualquer sentido, como não o faz tentar em vão eclipsar
Espanha ou Portugal do feito magalhânico, embora se compreenda que os dois países
puxem cada um a brasa pra a sua sardinha. Obviamente, Portugal não tem a
paternidade da expedição, mas a Espanha só por si não lhe dava cumprimento. Por
isso, é bom que Espanha celebre o feito. Mas Portugal tem o dever e o direito
de celebrar os seus, mesmo que os tenha rejeitado em tempos idos. E, se
condecora gestores que estão ao serviço de outros países e gente que perde a
memória quando convém, porque não há de homenagear Magalhães?
2019.03.12
– Louro de Carvalho
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