terça-feira, 5 de março de 2019

Visita presidencial de Marcelo a Angola: um ato político


O Presidente da República, que viajou desde Lisboa num Falcon da Força Aérea Portuguesa, aterrou, na tarde deste dia 5 de março, às 16,50 horas locais (15,50 horas em Portugal continental), em Luanda, após escalas em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe, para uma visita de Estado de quatro dias, que se divide entre a capital, Luanda, e as províncias de Benguela e Huíla.
À chegada, o Chefe de Estado português foi recebido na pista do aeroporto pelo Ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Domingos Augusto, e pelo governador da província de Luanda, Sérgio Luther Rescova, com alas militares de cortesia.
As primeiras palavras de Marcelo (tratado pelos populares angolanos como Tio Celito) foram de grande otimismo relativamente a esta visita, que terá início oficial amanhã, mas tendo feito questão de chegar hoje para participar na celebração do aniversário do Presidente angolano, João Lourenço, que faz 65 anos. A respeito desta visita, afirmou o Chefe de Estado português em conferência de imprensa, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, na capital angolana:
Regresso a uma casa que sinto como minha”.
E, respondendo a perguntas dos jornalistas sobre o “caso Jamaica” – o incidente entre moradores angolanos daquele bairro, no concelho do Seixal, e a polícia, ocorrido em janeiro e que deu origem depois a uma manifestação realizada em Lisboa, em que se registaram incidentes entre manifestantes e polícias –, disse:
“O que é significativo não são os irritantes do passado, nem os insignificantes do presente, são os importantes do futuro”.
Desvalorizou, assim, as divergências entre o Ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, e o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, quanto aos incidentes no bairro da Jamaica.
Manuel Augusto assegurou ontem, dia 4, que Portugal pediu desculpa pelo “Caso Jamaica”, o que deixou a polícia portuguesa em alvoroço, alegando que as autoridades angolanas deviam era pedir desculpa à nossa polícia e que o Vetado Português não tem de pedir desculpa pela atuação da polícia. No entanto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não confirma o alegado pedido de desculpas e diz apenas que Santos Silva e o seu homólogo angolano “falaram por telefone”.
Porém, Manuel Augusto afirmou em conferência de imprensa, antes da visita de Marcelo:
Teve [Augusto Santos Silva] a hombridade de me ligar, não só para apresentar desculpas, mas também para sublinhar a forma, com sentido de Estado, como as autoridades angolanas reagiram”.
Além disso, segundo a Lusa, o Ministro das Relações Exteriores de Angola garantiu que as autoridades angolanas acompanharam, conjuntamente com as autoridades de Portugal, os incidentes entre os moradores angolanos do bairro da Jamaica, no Seixal, e a polícia, ocorridos em janeiro. E explicitou:
O que talvez seja aqui de sublinhar é que as autoridades angolanas não se fizeram acompanhar da imprensa, nem a chamaram para se fazer acompanhar. A nossa embaixada e o nosso consulado, sob nossa orientação, acompanharam a família afetada até ao tribunal que julgou o jovem que foi indiciado [por agressões a agentes da polícia]. O resultado desse julgamento foi aceitável e o jovem está em liberdade. Angola fez o que tinha de fazer.”.
E acrescentou:
Quero aqui assegurar que o Governo angolano, através dos seus representantes em Portugal, assumiu as suas responsabilidades, estabeleceu pontes de diálogo com as autoridades portuguesas, condenou o uso excessivo da força, tal como também o fez tem relação ao respeito às autoridades (policiais portuguesas). Tivemos uma atitude permanente, sem muito barulho, mas eficaz.”.
Contudo, num esclarecimento enviado à agência Lusa, o gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros afirma nada reconhecer sobre o alegado pedido de desculpas e garante que, por iniciativa de Augusto Santos Silva, ambos falaram ao telefone “logo após os incidentes do bairro da Jamaica”, a 20 de janeiro. E, ainda segundo a mesma agência Lusa, os ministros voltaram a abordar o tema a 15 de fevereiro, em Luanda, tanto na reunião bilateral como na conferência de imprensa conjunta”, mas que “em ambas as ocasiões”, a mensagem de Santos Silva “foi sempre a mesma”, ou seja, o Ministro dos negócios Estrangeiros português lamentou “a ocorrência daquele incidente”, agradeceu “a forma como as autoridades angolanas – quer a embaixada em Lisboa, quer o Ministério do Interior – reagiram” e comunicou que “Portugal manteria Angola informada dos desenvolvimentos e conclusões dos inquéritos em curso”.
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O programa oficial da visita de Estado iniciar-se-á no dia 6 de manhã, com a deposição de uma coroa de flores no Memorial Agostinho Neto e um encontro com João Lourenço no Palácio Presidencial, onde haverá igualmente conversações ministeriais, seguido de uma conferência de imprensa conjunta.
Em cima da mesa estará certamente o tema de regularização de dívidas de Angola a empresas portuguesas, que teve avanços durante a visita do Primeiro-Ministro português, António Costa, a Angola, em setembro do ano passado, e na visita de João Lourenço a Portugal, em novembro.
À tarde, o Presidente português discursará numa sessão solene na Assembleia Nacional e encontrar-se-á com estudantes na Universidade Agostinho Neto, onde deu aulas de direito e impulsionou a criação de cursos de mestrado e doutoramento.
Segundo Evaristo Solano, vice-decano para os assuntos científicos da Faculdade de Direito, comentou com o Jornal de Angola a influência de Marcelo:
Hoje temos um número muito elevado de mestres e há um número muito elevado de mestres e há um número de inscritos no curso de doutoramento. Devo dizer que o professor Marcelo Rebelo de Sousa tem impressão digital destes programas.”.
À noite, terá um jantar oficial oferecido pelo Chefe de Estado e de Governo de Angola.
Entre os dias 7 e 8, Marcelo Rebelo de Sousa deslocar-se-á ao Lubango, na província de Huíla, e, na província de Benguela, a Benguela, Lobito e Catumbela – viajando de comboio entre estes dois últimos municípios –, alargando os contactos políticos aos governadores destas regiões.
No Lobito – terra natal de João Lourenço – encerrará um fórum empresarial no dia 7. E, no último dia de visita, mais um marco simbólico: comemora em Luanda os três anos de mandato.
Pela parte do Governo, Marcelo Rebelo de Sousa é acompanhado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos, bem como pela Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro.
Da parte da Assembleia da República integra a comitiva oficial desta visita uma delegação parlamentar constituída por três líderes parlamentares, Fernando Negrão, do PSD, Nuno Magalhães, do CDS-PP, e João Oliveira, do PCP, e, ainda, pela vice-presidente da bancada do PS Lara Martinho e a deputada Maria Manuel Rola, do BE, partido que acompanha pela primeira vez uma visita oficial a Angola.
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O Chefe de Estado português visita Angola três meses depois de ter recebido em Portugal, também em visita de Estado, o Presidente angolano, João Lourenço, que tomou posse em setembro de 2017, dando início a um novo ciclo político, após 38 anos com José Eduardo dos Santos no poder. E Marcelo esteve em Angola nessa cerimónia de posse, em que João Lourenço deixou Portugal de fora da lista de principais países parceiros que mencionou no seu discurso.
Esta visita de Estado, considerada uma das mais importantes do seu mandato, termina precisamente no dia 9 de março, em Luanda, onde se irá despedir do Presidente angolano, João Lourenço, e terá um encontro com membros da comunidade portuguesa e luso-descendente.
A passagem deste aniversário em solo angolano não é casual, disse o Presidente à agência Lusa:
Foi uma opção intencional minha e foi possível conjugar o programa”.
E responde a um convite pessoal, que acontece cerca de 20 anos depois de, por acaso, ter estado do aniversário da agora primeira-dama Ana Dias Lourenço.
Questionado sobre que prenda de aniversário que vai oferecer ao Presidente da República de Angola, Marcelo hesitou: “Não sei se é bonito estar a divulgar antes de dar ao próprio”. Mas lá foi dizendo que “não é um presente, são dois presentes”.
Esta é a 13.ª visita de Estado de Marcelo, que desde que tomou posse, em 9 de março de 2016, já se deslocou ao estrangeiro mais de meia centena de vezes e esteve em 32 países diferentes.
O Presidente da República afirmou, em conferência de imprensa depois da sua chegada a Luanda, ao ser questionado sobre a matéria, que o Governo continua a “trabalhar a todo o vapor” para resolver a questão das dívidas do Estado angolano às empresas portuguesas, algo que, de acordo com o Ministro das Relações Exteriores de Angola, “já não é considerada uma matéria especial”. O objetivo, disse Marcelo, é “ir o mais longe possível”, pois, sendo “um processo que não para”, “está-se a trabalhar a todo o vapor e vai-se continuar”.
Segundo os dados do Ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, já divulgados, o processo de certificação em curso das dívidas do Estado angolano ao setor empresarial abrange 24 empresas portuguesas estando confirmados 270 milhões de euros de dívidas.
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Para o Presidente angolano, as relações entre os dois países no pico da montanha. Marcelo chegou a Luanda para receber banhos de multidão e com uma agenda económica no bolso. A sua visita é um sinal político forte.
Depois de terem batido no chão por causa do processo de Manuel Vicente, é suposto esta visita ser a celebração de uma amizade recuperada, mas com ingredientes económicos: enquanto Angola precisa de capital, de divisas e de investidores para gerar emprego, Portugal precisa de exportar.
O Jornal de Angola, o jornal do poder cujos editoriais foram em muitas circunstâncias muito duros para Portugal, dá quatro páginas à relação luso-angolana e titula assim: “Visita está à altura das relações especiais entre os dois países”, como afirmou o Ministro das Relações Exteriores – apesar de, na mesma conferência de imprensa, ter falado de um alegado pedido de desculpas do MNE português sobre os incidentes no bairro da Jamaica (já desmentido por Santos Silva – um incidente antes mesmo de a visita ter começado).
A visita do Chefe de Estado português tem sobretudo significado político e antecipa-se a maior receção de sempre a um líder estrangeiro. Com efeito, Marcelo Rebelo de Sousa disse, no dia 4, em Cabo Verde que o objetivo é “consolidar este novo ciclo a todos os níveis, económicos, financeiros, sociais, culturais, educativos e políticos”, cujos dossiês foram trabalhados “em tempo recorde, isto é, cerca de seis meses, em todos os domínios”.
Por outro lado, para Angola e Portugal, a componente empresarial é fundamental e não é por acaso que o Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, está com o Ministro da Agricultura, Capoulas Santos, na comitiva: em cima da mesa está obviamente a recuperação das dívidas do Estado angolano às empresas portuguesas, possibilidades de investimento em áreas como o agroalimentar e as dívidas de companhias portuguesas ao fisco angolano. Esta última questão foi levantada na conferência de imprensa de Manuel Augusto, que disse:
Quando falamos da dívida, não estamos só a falar da dívida de Angola com Portugal, mas também da regularização da dívida fiscal de empresas portuguesas para com o Estado angolano”.
Embora ressalvando que “a dívida já não constitui o assunto principal nas relações entre Angola e Portugal”, ela, para o Ministro, não deixará de ser assunto.
E o Presidente angolano apelou aos empresários portugueses em entrevista à RTP de hoje, dia 5:
Gostaríamos de ver maior presença do empresariado português na agricultura, nas indústrias, na indústria transformadora, nas várias indústrias, não especificamente na indústria extrativa, mas sobretudo na indústria transformadora, no turismo. Sobretudo nessas áreas.”.
Do ponto de vista político e diplomático, o enfoque estará nos instrumentos de cooperação que os dois governos vão fechar, como disse Marcelo, que referiu a “assinatura” de “cerca de 50 acordos” que devem ter “resultados efetivos em termos financeiros para os empresários portugueses e angolanos”, mas que também envolvem “cooperação em formação dos professores, em matéria de saúde, em domínios que vão desde administração interna à justiça, um pouco de tudo”.
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Não há dúvida de que a visita de Marcelo a Angola tem forte significado político e diplomático. Terá mesmo fortes consequências económicas, sociais e culturais. Mas o excesso de acordos – cerca de 50 – fazem desconfiar de que muitos não passem do papel ou levem a evocar o adágio “muita parra, pouca uva”. Todavia, enquanto se visitam mutuamente, os Estados não se guerreiam e fazem bons discursos.
2019.03.05 – Louro de Carvalho

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