sábado, 2 de março de 2019

Auditoria ao Novo Banco semelhante à da Caixa Geral de Depósitos


É caso para dizer: “o que torto nasce tarde ou nunca se endireita”. E sem exceção.
Face ao histórico de prejuízos que o Novo Banco (NB) acumula e em que reincide, o Ministério das Finanças “considera indispensável a realização de uma auditoria para o escrutínio do processo de concessão dos créditos incluídos no mecanismo de capital contingente”.
Na verdade, face ao comportamento desta imbecil instituição não há Governo que resista e Ministro que possa prometer seja o que for. É certo que este Governo não criou o problema, que foi engendrado em 3 agosto de 2014 pelo Banco de Portugal (BdP) com a complacência do Governo de Passos Coelho, sendo que o diploma que mais proximamente o permitiu (o  DL n.º 114-B/2014, de 4 de agosto) foi aprovado em Conselho de Ministros eletrónico com a superior assinatura de Paulo Portas (à data, vice-Primeiro-Ministro), promulgado pelo Presidente Cavaco Silva e referendado também por Paulo Portas – tudo no mesmo dia (um domingo, como o dia do diploma de Sócrates) – e publicado de imediato (a 4 de agosto, já depois de criado o NB).
Na ocasião, foi dito pelo Governador do BdP que o Fundo de Resolução (formado por um sindicato de bancos do sistema, em que sobressaía a CGD [Caixa Geral de Depósitos]) seria o acionista da nova entidade “Novo Banco”, o banco bom, que ficava com os produtos limpos do antigo BES, sendo que se mantinha o BES (Banco Espírito Santo) como o banco mau, que geria os produtos tóxicos. Nestes termos, fez-se crer que o Novo Banco, qual libelinha sonhadora e ambiciosa (lembro-me do logótipo criado dias depois), traria a felicidade financeira a milhões de clientes.
Entretanto, o Governo então felizmente reinante houve por bem aceitar que o BdP nomeasse uma sábio saído da esfera governativa com a simples incumbência de conseguir a venda desse novo ente financeiro pelo melhor preço, percebendo um vencimento de luxo, enquanto os prejuízos se acumulavam, a administração assobiava para o lado e os lesados do BES se manifestavam com a tranquilidade possível. 
***
O atual Governo não enjeitou a herança, acreditou na proeza do sábio e aceitou a venda do NB por mil milhões de euros, sendo que 25% desse montante, ainda detido pelo Estado, seria encaixado aquando do restabelecimento da saúde financeira da instituição, ficando o Fundo de Resolução (FdR), a quem, neste consulado, o Governo tinha de ir inoculando dinheiros públicos (há quem não goste do verbo injetar), pois o fundo estava sem fundo, e a dívida existente do FdR ao Estado ficava sem horizonte temporal (aceite-se-me o eufemismo).
Ora a ingenuidade do Ministério das Finanças ou (mais certo) a sua incapacidade de falar grosso à finança e às autoridades europeias levaram o Estado à opção da venda, quando o mais razoável era, para não liquidar o banco, nacionalizá-lo até melhor oportunidade de venda, se essa viesse a ser a opção política. Mas aceitar inocular mais dinheiro à medida das necessidades, que sempre ocorrerão, nos termos do perímetro do mecanismo do capital contingente, é brincar connosco, os cidadãos e contribuintes. Depois, não há dinheiro para o SNS, os enfermeiros, os professores, os magistrados, etc.
Note-se que, tal como os demais, o NB fez a sua reestruturação, que obviamente se resumiu em ter, em 2018, menos 71 balcões e menos 392 trabalhadores, além ter haver aumentado as comissões por serviços prestados. 
***
Agora, o NB acaba de pedir mais 1.149 milhões de euros ao FdR. E o Ministério das Finanças, ao tomar conhecimento do montante solicitado determinou uma auditoria aos créditos incluídos no mecanismo de capital contingente face ao “valor expressivo” das perdas registadas pela instituição, ou seja, quer que passem pelo mesmo escrutínio que os empréstimos ruinosos concedidos pela CGD. E, em comunicado, referindo-se à validação pela Comissão de Acompanhamento e pelo Agente de Verificação (que julga insuficiente), lembra que o Fundo de Resolução é responsável por “validar o montante solicitado pelo NB, através dos mecanismos contratuais previstos” e “e da atividade de supervisão desenvolvida pelo BdP”.
Dado o valor expressivo das chamadas de capital em 2018 e 2019, o Ministério das Finanças, em conjugação com o FdR, considera indispensável a realização de uma auditoria para o escrutínio do processo de concessão dos créditos incluídos no mecanismo de capital contingente” – sublinhou.
É de registar que esta auditoria foi solicitada diretamente por Mário Centeno, que pretende saber o porquê de ter de haver o empréstimo estatal de um valor tão “expressivo” (o Estado comprometeu-se a conceder anualmente até 850 milhões ao Fundo de Resolução). E será em tudo semelhante à que foi levada a cabo pela EY à CGD (nesta, foi avaliada a gestão do banco público entre 2000 e 2015), ou seja, o Governo quer saber em que moldes foram aprovados dos empréstimos incluídos na “garantia” de 3,89 mil milhões de euros que vieram a revelar-se ruinosos para o banco que nasceu da resolução do BES.
António Ramalho, CEO do NB, reagiu, na conferência de imprensa da apresentação de resultados, à notícia do pedido de auditoria do Ministério das Finanças, dizendo apenas que todas as auditorias são bem-vindas.
Os empréstimos (que só entre 2017 e 2018 já totalizam 1,9 mil milhões de euros) são realizados pelo FdR no âmbito do mecanismo de capital contingente (sendo o limite máximo global é de 3,89 mil milhões de euros) criado aquando da venda ao Lone Star, em 2017, para compensar as perdas avultadas que teve com a venda de ativos problemáticos.
Após as validações, o FdR disponibilizará, na fase inicial, os recursos próprios, sendo que o fundo terá atualmente cerca de 300 milhões de euros. Posteriormente, avaliará a possibilidade dum financiamento de mercado e, se persistirem as necessidades de financiamento, poderá pedir um empréstimo ao Estado até 850 milhões de euros, conforme previsto no acordo. O ministério de Centeno acompanhará regularmente o processo de validação, pelo FdR, do montante solicitado pelo NB, por forma a assegurar a defesa do interesse público, mas frisa que, tendo em conta o Programa de Financiamento da República para 2019, não é expectável que um eventual empréstimo tenha um impacto adicional nas necessidades de financiamento.
Não obstante estas declarações, os observadores, admitem que não impactará nas necessidades de financiamento, mas que irá impactar no défice. Com efeito, a meta do Governo para este ano irá mais do que duplicar por o Estado ser chamado a inocular fundos no NB. Apesar de apenas parte do valor ser emprestado pelo Estado, o montante total é incluído no saldo orçamental já que o restante é incluído como receitas (de impostos). O défice orçamental previsto para 2019 é de 0,2%, mas esta revisão pode pôr em cima da mesa o cenário de um Orçamento Retificativo.
***
Parece contraditório, mas aquela que é a parte “boa” do Banco Espírito Santo (BES) acumula já seis mil milhões de euros em prejuízos em apenas 5 anos de existência. É o legado que o NB e todos nós continuamos a carregar nos ombros.
No dia 1 de março, o NB (nascido em agosto de 2014 da resolução aplicada ao BES) apresentou prejuízos de 1.412 milhões de euros, em virtude das perdas com a venda de carteiras de ativos problemáticos, como o conjunto de nove mil imóveis (Projeto Viriato) ou do malparado no valor de 2.150 milhões de euros (Projeto Nata). É um legado cuja fatura vai ser passada ao FdR, pois, quando ficou fechada a venda da instituição ao fundo americano, em outubro de 2017, foi criado um mecanismo de capital contingente que obriga o FdR a injetar dinheiro no banco sempre que as perdas na alienação de ativos problemáticos provoquem uma descida dos rácios abaixo dos níveis exigidos. Foi o que sucedeu em 2018 e suceder em 2019: o FdR vai ser chamado a contribuir com mais 1.149 milhões de euros para o NB restabelecer o seu equilíbrio financeiro, como anunciou o CEO a partir da sede do banco na Avenida da Liberdade, em Lisboa.
Assim, desde o primeiro dia de vida do NB, o FdR já meteu 6,9 mil milhões, montante que impacta diretamente nas contas públicas, porque o Fundo consolida no Orçamento do Estado. Foram 4,9 mil milhões logo em 2014, quase 800 milhões em 2018 e agora uns surpreendentes 1.149 milhões de euros. Quando a venda do NB foi efetivada, era outra retórica. E, no último trimestre de 2018, Centeno e Mourinho Félix garantiam que a probabilidade de recurso à garantia pública era baixa. Por isso, não foi preciso muito tempo para que a novidade chegasse ao Terreiro do Paço. Ainda decorria a conferência de imprensa de apresentação de resultados do NB e o Ministério das Finanças, surpreendido com o valor expressivo que terá de emprestar ao FdR (850 milhões), enviava um comunicado às redações a dizer que ordenara uma auditoria aos créditos concedidos que estão no perímetro do mecanismo do capital contingente. É uma auditoria parecida com a que foi exigida à CGD e que revelou créditos e investimentos ruinosos no período entre 2000 e 2015.
Confrontado com a informação que os jornalistas acabavam de receber, António Ramalho não dramatizou e adiantou que “todas as auditorias são bem-vindas”. Mais tarde, porém, em entrevista à RTP, sinalizou que vai “pedir o dinheiro que for necessário” ao FdR para limpar a casa porque não quer “empurrar os problemas com a barriga para alguém no futuro os resolver”.
Desde que nasceu, o NB nunca registou lucros anuais. Logo nos primeiros 5 meses de vida, entre agosto e dezembro de 2014, os prejuízos ascenderam aos 500 milhões de euros. Nos anos seguintes, as perdas foram quase em crescendo: 981 milhões de euros em 2015, 780 milhões de euros em 2016, 2.298 milhões em 2017 e, agora, em 2018, e 1.412 milhões em 2018. Feitas as contas, apresenta um prejuízo acumulado de 5.975 milhões de euros desde 2014.
Para mostrar que há uma parte boa no NB, o CEO decidiu, em termos de mera engenharia contabilística, separá-lo entre “Novo Banco legado” e “Novo Banco recorrente”. No primeiro, incluem-se os ativos tóxicos (crédito em incumprimento ou imóveis) e em descontinuação (por exemplo, a seguradora GNB Vida) e é liderado por Jorge Cardoso, que vai deixar o lugar de CFO para o irlandês Mark Bourke; e, no segundo está a atividade boa do banco que, sem o passado do BES às costas, teria obtido um lucro de 2,2 milhões de euros este ano, o que deixa a instituição a ver uma luz ao fundo do túnel.
Em agosto passado, o ECO perguntou a Ramalho se o ditado “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita” se podia associar ao que vem sendo a história do NB. E a resposta foi:
Esse é um ditado sensato que não resiste, porém, ao princípio de que toda regra tem exceção. Mas o ditado que mais se aplica ao Novo Banco é ‘o que não nos mata, torna-nos mais fortes’.”.
É caso para questionar: “Mais fortes em quê”?
***
Tendo o FdR, liderado por Máximo dos Santos, recebido do NB o pedido de 1.149 milhões de euros, vai, como o fez no ano passado, confirmar as contas para, depois, fazer a transferência. Utilizará fundos próprios, mas conta com os 850 milhões do Estado.
O pagamento devido em 2019 pelo FdR será realizado após a certificação legal de contas do NB e após o procedimento de verificação, a realizar por entidade independente, que visa confirmar se o montante a pagar pelo Fundo foi corretamente apurado”, como refere o comunicado ora divulgado. O recurso a esta entidade independente, que é procedimental, estava previsto no pedido de ajuda do ano passado.
E, para a realização do pagamento, o FdR utilizará, em primeiro lugar, como se disse, os recursos financeiros disponíveis, resultantes das contribuições pagas pelos outros bancos através de impostos e que serão complementados pela utilização de um empréstimo acordado com o Estado em outubro de 2017, com o limite máximo anual, então definido, de 850 milhões de euros. Não há aqui nenhuma inovação metodológica.
O PSD já anunciou que vai chamar o Ministro das Finanças ao Parlamento, no âmbito da eventual injeção, disse o deputado Duarte Pacheco, citado pela agência Lusa, que afirmou:
Dinheiros públicos estão a ser mobilizados para o Novo Banco. E face a esta informação, só há uma ação: chamar o Ministro das Finanças ao Parlamento, à comissão de Orçamento, para dar explicações com caráter de urgência.”.
Pelo mesmo diapasão está a afinar o CDS por óbvias razões.
***
Não se entende um bom número de coisas.
Foi sob a égide do PSD e do CDS que os artesãos da regulação financeira em Portugal e em Frankfurt – Alô, Vítor Constâncio – conceberam e deram à luz o ente monstruoso. Porquê agora o arremesso dos dardos ao Governo de Costa?
Isto não quer dizer que não se deve auditar o que se passa no NB. Deve, sim, mas na perspetiva predominantemente técnica e disciplinadora e, se for o caso, com eventuais responsabilidades civis e criminais e com o subsequente juízo de idoneidade dos administradores.
Do ponto de vista político, este Governo é responsável por não ter rejeitado a herança do NB como a recebeu: tratava do processo de reversão como fez com a TAP, com a vantagem de que o NB ainda não estava privatizado. De resto, vir dizer que não haverá mais injeção de dinheiros dos contribuintes é cantilena que Maria Luís Albuquerque entoava um melhor que Centeno.
Não cabe na cabeça de ninguém que se tenha vendido o BPN por apenas 44 milhões, que se tenha vendido o Banif por 150 milhões e que se permita que o Banco Popular fosse vendido por um euro. Mas não se admite que alguém venda um bem que é seu, ficando com uma pequena reserva de propriedade sobre ele para se responsabilizar pelo que vai correr mal, os prejuízos, e deixar que os lucros, o que vai correr bem, resulte em benefício exclusivo do comprador. Que rico negociador arranjou e como Centeno, o melhor Ministro das Finanças da Europa, aceitou!   
Mas não há dúvida de que é penoso continuar a haver dinheiro público para a banca em milhares de milhões e não haver uns milhõezitos para prover à justiça de professores e enfermeiros e à melhoria da Justiça, que está longe e ser célere, equitativa, eficaz e justa.   
2019.03.02 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário