É caso para dizer: “o que torto nasce tarde ou nunca se endireita”. E sem exceção.
Face ao histórico de prejuízos que o Novo Banco (NB) acumula
e em que reincide, o Ministério das Finanças “considera indispensável a
realização de uma auditoria para o escrutínio do processo de concessão dos
créditos incluídos no mecanismo de capital contingente”.
Na verdade, face ao comportamento desta imbecil
instituição não há Governo que resista e Ministro que possa prometer seja o que
for. É certo que este Governo não criou o problema, que foi engendrado em 3 agosto
de 2014 pelo Banco de Portugal (BdP) com a complacência do
Governo de Passos Coelho, sendo que o diploma que mais proximamente o permitiu (o DL n.º 114-B/2014, de 4 de
agosto) foi
aprovado em Conselho de Ministros eletrónico com a superior assinatura de Paulo
Portas (à data, vice-Primeiro-Ministro), promulgado pelo Presidente Cavaco Silva e referendado também por Paulo
Portas – tudo no mesmo dia (um domingo, como o dia do
diploma de Sócrates) – e publicado de imediato (a 4 de
agosto, já depois de criado o NB).
Na ocasião, foi dito pelo Governador do BdP que o
Fundo de Resolução (formado por um sindicato de
bancos do sistema, em que sobressaía a CGD [Caixa Geral de Depósitos]) seria o acionista da nova
entidade “Novo Banco”, o banco bom, que ficava com os produtos limpos do antigo
BES, sendo que se mantinha o BES (Banco
Espírito Santo) como o banco mau, que geria os produtos tóxicos. Nestes termos, fez-se
crer que o Novo Banco, qual libelinha sonhadora e ambiciosa (lembro-me do logótipo criado dias depois), traria a felicidade financeira a milhões de
clientes.
Entretanto, o Governo então felizmente reinante
houve por bem aceitar que o BdP nomeasse uma sábio saído da esfera governativa
com a simples incumbência de conseguir a venda desse novo ente financeiro pelo
melhor preço, percebendo um vencimento de luxo, enquanto os prejuízos se
acumulavam, a administração assobiava para o lado e os lesados do BES se
manifestavam com a tranquilidade possível.
***
O atual Governo não enjeitou a herança, acreditou
na proeza do sábio e aceitou a venda do NB por mil milhões de euros, sendo que
25% desse montante, ainda detido pelo Estado, seria encaixado aquando do
restabelecimento da saúde financeira da instituição, ficando o Fundo de
Resolução (FdR), a quem, neste consulado, o Governo tinha de ir inoculando dinheiros
públicos (há quem não goste do verbo injetar), pois o fundo estava sem
fundo, e a dívida existente do FdR ao Estado ficava sem horizonte temporal (aceite-se-me o eufemismo).
Ora a ingenuidade do Ministério das Finanças ou (mais certo) a sua incapacidade de falar grosso à finança e às autoridades europeias
levaram o Estado à opção da venda, quando o mais razoável era, para não
liquidar o banco, nacionalizá-lo até melhor oportunidade de venda, se essa
viesse a ser a opção política. Mas aceitar inocular mais dinheiro à medida das
necessidades, que sempre ocorrerão, nos termos do perímetro do mecanismo do capital
contingente, é brincar connosco, os cidadãos e contribuintes. Depois, não há
dinheiro para o SNS, os enfermeiros, os professores, os magistrados, etc.
Note-se que, tal como os demais, o NB fez a sua
reestruturação, que obviamente se resumiu em ter, em
2018, menos 71 balcões e menos
392 trabalhadores, além ter haver aumentado as comissões por serviços
prestados.
***
Agora, o NB acaba de pedir mais 1.149 milhões de euros ao FdR. E o
Ministério das Finanças, ao tomar conhecimento do montante solicitado determinou uma auditoria aos créditos incluídos no mecanismo de capital
contingente face ao “valor expressivo” das perdas registadas pela
instituição, ou seja, quer que passem pelo mesmo escrutínio que os empréstimos
ruinosos concedidos pela CGD. E, em comunicado, referindo-se à validação pela
Comissão de Acompanhamento e pelo Agente de Verificação (que julga
insuficiente), lembra
que o Fundo de Resolução é responsável por “validar o montante solicitado pelo
NB, através dos mecanismos contratuais previstos” e “e da atividade de supervisão
desenvolvida pelo BdP”.
“Dado o valor expressivo das chamadas de
capital em 2018 e 2019, o Ministério das Finanças, em
conjugação com o FdR, considera indispensável a realização de uma auditoria
para o escrutínio do processo de concessão dos créditos incluídos
no mecanismo de capital contingente” – sublinhou.
É de registar que esta auditoria foi solicitada
diretamente por Mário Centeno, que
pretende saber o porquê de ter de haver o empréstimo estatal de um valor tão
“expressivo” (o Estado comprometeu-se a conceder anualmente até 850 milhões ao Fundo de
Resolução).
E será em tudo semelhante à que foi levada a cabo pela EY à CGD
(nesta, foi
avaliada a gestão do banco público entre 2000 e 2015), ou seja, o Governo quer saber em que moldes foram
aprovados dos empréstimos incluídos na “garantia” de 3,89 mil milhões de euros
que vieram a revelar-se ruinosos para o banco que nasceu da resolução do BES.
António Ramalho, CEO do NB, reagiu, na conferência de imprensa da
apresentação de resultados, à notícia do pedido de auditoria do Ministério das
Finanças, dizendo apenas que todas as auditorias são bem-vindas.
Os empréstimos (que só entre 2017 e 2018 já totalizam 1,9 mil milhões
de euros) são realizados pelo FdR no âmbito
do mecanismo de capital contingente (sendo o limite máximo global é de
3,89 mil milhões de euros) criado
aquando da venda ao Lone Star, em 2017, para compensar as perdas avultadas que
teve com a venda de ativos problemáticos.
Após as validações, o FdR disponibilizará, na fase inicial, os recursos
próprios, sendo que o fundo terá atualmente cerca de 300 milhões de euros.
Posteriormente, avaliará a possibilidade dum financiamento de mercado e, se
persistirem as necessidades de financiamento, poderá pedir um empréstimo ao
Estado até 850 milhões de euros, conforme previsto no acordo. O ministério de
Centeno acompanhará regularmente o processo de validação, pelo FdR, do montante
solicitado pelo NB, por forma a assegurar a defesa do interesse público, mas
frisa que, tendo em conta o Programa de Financiamento da República para 2019,
não é expectável que um eventual empréstimo tenha um impacto
adicional nas necessidades de financiamento.
Não obstante estas declarações, os observadores, admitem que não impactará
nas necessidades de financiamento, mas que irá impactar no défice. Com efeito,
a meta do Governo para este ano irá mais do que duplicar por o Estado ser chamado a inocular fundos no NB. Apesar
de apenas parte do valor ser emprestado pelo Estado, o montante total é
incluído no saldo orçamental já que o restante é incluído como receitas (de impostos). O défice orçamental previsto para 2019 é de 0,2%,
mas esta revisão pode pôr em cima da mesa o cenário de um Orçamento
Retificativo.
***
Parece
contraditório, mas aquela que é a parte “boa” do Banco Espírito Santo (BES) acumula já seis mil milhões de euros em prejuízos em apenas
5 anos de existência. É o legado que o NB e todos nós continuamos a carregar
nos ombros.
No dia
1 de março, o NB (nascido
em agosto de 2014 da resolução aplicada ao BES) apresentou prejuízos de 1.412 milhões de euros, em
virtude das perdas com a venda de carteiras de ativos problemáticos, como o
conjunto de nove mil imóveis (Projeto Viriato)
ou do malparado no valor de 2.150 milhões de euros (Projeto Nata). É um legado cuja fatura vai ser
passada ao FdR, pois, quando ficou fechada a venda da instituição ao fundo
americano, em outubro de 2017, foi criado um mecanismo
de capital contingente que obriga o FdR a injetar dinheiro
no banco sempre que as perdas na alienação de ativos problemáticos provoquem
uma descida dos rácios abaixo dos níveis exigidos. Foi o que sucedeu em 2018 e suceder
em 2019: o FdR vai ser chamado a contribuir com mais 1.149 milhões de euros
para o NB restabelecer o seu equilíbrio financeiro, como anunciou o CEO a
partir da sede do banco na Avenida da Liberdade, em Lisboa.
Assim,
desde o primeiro dia de vida do NB, o FdR já meteu 6,9 mil milhões, montante
que impacta diretamente nas contas públicas, porque o Fundo consolida no
Orçamento do Estado. Foram 4,9 mil milhões logo em 2014, quase 800 milhões em
2018 e agora uns surpreendentes 1.149 milhões de euros. Quando a venda do NB
foi efetivada, era outra retórica. E, no último trimestre de 2018, Centeno e
Mourinho Félix garantiam que a probabilidade de recurso à garantia pública era
baixa. Por isso, não foi preciso muito tempo para que a novidade
chegasse ao Terreiro do Paço. Ainda decorria a conferência de imprensa de
apresentação de resultados do NB e o Ministério das Finanças, surpreendido com
o valor expressivo que terá de emprestar ao FdR (850 milhões), enviava um comunicado às redações a dizer que ordenara uma
auditoria aos créditos concedidos que estão no perímetro do mecanismo do
capital contingente. É uma auditoria parecida com a que foi exigida à CGD
e que revelou créditos e investimentos ruinosos no período entre 2000 e 2015.
Confrontado
com a informação que os jornalistas acabavam de receber, António Ramalho não
dramatizou e adiantou que “todas as
auditorias são bem-vindas”. Mais tarde, porém, em entrevista à RTP,
sinalizou que vai “pedir o dinheiro que
for necessário” ao FdR para limpar a casa porque não quer “empurrar os
problemas com a barriga para alguém no futuro os resolver”.
Desde
que nasceu, o NB nunca
registou lucros anuais. Logo nos primeiros 5 meses de vida,
entre agosto e dezembro de 2014, os prejuízos ascenderam aos 500 milhões de
euros. Nos anos seguintes, as perdas foram quase em crescendo: 981 milhões de euros em 2015, 780 milhões de
euros em 2016, 2.298 milhões em 2017 e, agora, em 2018, e 1.412 milhões em 2018.
Feitas as contas, apresenta um prejuízo acumulado de 5.975 milhões de euros
desde 2014.
Para
mostrar que há uma parte boa no NB, o CEO decidiu, em termos de mera engenharia
contabilística, separá-lo entre “Novo Banco legado” e “Novo
Banco recorrente”. No primeiro, incluem-se os ativos tóxicos (crédito em incumprimento ou imóveis) e em descontinuação (por exemplo, a seguradora GNB Vida) e é liderado por Jorge Cardoso, que
vai deixar o lugar de CFO para o irlandês Mark Bourke; e, no segundo está a
atividade boa do banco que, sem o passado do BES às costas, teria obtido um
lucro de 2,2 milhões de euros este ano, o que deixa a instituição a ver uma luz
ao fundo do túnel.
Em
agosto passado, o ECO perguntou a
Ramalho se o ditado “o que nasce
torto, tarde ou nunca se endireita” se podia associar ao
que vem sendo a história do NB. E a resposta foi:
“Esse
é um ditado sensato que não resiste, porém, ao princípio de que toda regra tem
exceção. Mas o ditado que mais se aplica ao Novo Banco é ‘o que não nos mata, torna-nos mais
fortes’.”.
É caso
para questionar: “Mais fortes em quê”?
***
Tendo o FdR, liderado por Máximo
dos Santos, recebido do NB o pedido de 1.149 milhões de euros,
vai, como o fez no ano passado, confirmar as contas para, depois, fazer a
transferência. Utilizará fundos próprios, mas conta com os 850 milhões do
Estado.
O pagamento devido em 2019 pelo FdR será realizado
após a certificação legal de contas do NB e após o procedimento de verificação, a realizar
por entidade independente, que visa confirmar se o montante a
pagar pelo Fundo foi corretamente apurado”, como refere o comunicado ora
divulgado. O recurso a esta entidade independente, que é procedimental, estava
previsto no pedido de ajuda do ano passado.
E, para
a realização do pagamento, o FdR utilizará, em primeiro lugar, como se disse, os
recursos financeiros disponíveis, resultantes das contribuições pagas pelos outros
bancos através de impostos e que serão
complementados pela utilização de um empréstimo acordado com o Estado em
outubro de 2017, com o limite máximo anual, então definido, de 850 milhões de
euros. Não há aqui nenhuma inovação metodológica.
O PSD
já anunciou que vai chamar o Ministro das Finanças ao Parlamento, no âmbito da
eventual injeção, disse o deputado Duarte Pacheco, citado pela agência Lusa,
que afirmou:
“Dinheiros
públicos estão a ser mobilizados para o Novo Banco. E face a esta informação,
só há uma ação: chamar o Ministro das Finanças ao Parlamento, à comissão de
Orçamento, para dar explicações com caráter de urgência.”.
Pelo
mesmo diapasão está a afinar o CDS por óbvias razões.
***
Não se
entende um bom número de coisas.
Foi
sob a égide do PSD e do CDS que os artesãos da regulação financeira em Portugal
e em Frankfurt – Alô, Vítor Constâncio – conceberam e deram à luz o ente
monstruoso. Porquê agora o arremesso dos dardos ao Governo de Costa?
Isto
não quer dizer que não se deve auditar o que se passa no NB. Deve, sim, mas na
perspetiva predominantemente técnica e disciplinadora e, se for o caso, com
eventuais responsabilidades civis e criminais e com o subsequente juízo de
idoneidade dos administradores.
Do ponto
de vista político, este Governo é responsável por não ter rejeitado a herança
do NB como a recebeu: tratava do processo de reversão como fez com a TAP, com a
vantagem de que o NB ainda não estava privatizado. De resto, vir dizer que não
haverá mais injeção de dinheiros dos contribuintes é cantilena que Maria Luís
Albuquerque entoava um melhor que Centeno.
Não
cabe na cabeça de ninguém que se tenha vendido o BPN por apenas 44 milhões, que
se tenha vendido o Banif por 150 milhões e que se permita que o Banco Popular fosse
vendido por um euro. Mas não se admite que alguém venda um bem que é seu,
ficando com uma pequena reserva de propriedade sobre ele para se
responsabilizar pelo que vai correr mal, os prejuízos, e deixar que os lucros,
o que vai correr bem, resulte em benefício exclusivo do comprador. Que rico
negociador arranjou e como Centeno, o melhor Ministro das Finanças da Europa,
aceitou!
Mas
não há dúvida de que é penoso continuar a haver dinheiro público para a banca
em milhares de milhões e não haver uns milhõezitos para prover à justiça de
professores e enfermeiros e à melhoria da Justiça, que está longe e ser célere,
equitativa, eficaz e justa.
2019.03.02 – Louro de
Carvalho
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