Na sequência da publicação do
Decreto-Lei n.º 37/2019, de 15 de março, a ASF (Autoridade
de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) está a desenvolver as diligências
necessárias no sentido de lhe dar cumprimento, como disse o presidente do regulador
dos seguros em resposta à Lusa.
O predito diploma do Governo constitui norma interpretativa
da alínea f) do n.º 5 do art.º 6.º do Decreto-Lei
n.º 59/2018, de 2 de agosto, que aprovou o novo
CAM (Código das Associações
Mutualistas), cujo teor, pelas dúvidas que suscitou
em virtude de o decreto-lei em causa estabelecer um período transitório de 12
anos, gerou uma polémica, que se arrastou por largas semanas, entre a ASF e o
Governo sobre que entidade (Governo ou ASF?) deveria avaliar a idoneidade do presidente da AMMG
(Associação Mutualista Montepio Geral) Tomás Correia, que o BdP (Banco de Portugal) condenou
ao pagamento de 1,25 milhões de euros, assim como outros sete administradores (em montantes diferentes) e ao próprio banco, por irregularidades cometidas
na administração do ora designado por Banco Montepio (antes CEMG – Caixa Económica Montepio Geral).
Recorde-se que a AMMG, com mais de 600
mil associados, é o topo do grupo Montepio e tem como principal empresa o banco
Montepio, que desenvolve o negócio bancário.
Com a referida norma interpretativa, o
regulador dos seguros reconhece-se com competência bastante para avaliar a
idoneidade de Tomás Correia, presidente da Associação Mutualista Montepio Geral,
bem como os demais elementos dos órgãos sociais da instituição. Por isso, já
encetou diligências para cumprir a norma do Governo.
Segundo o diploma, que o Governo
aprovou no dia 14, o Presidente promulgou e o Governo referendou no mesmo dia, publicado
em Diário da República no dia 15, cabe à ASF “analisar o sistema de governação,
designadamente verificando a adequação e assegurando o registo das pessoas que dirigem
efetivamente as associações mutualistas, as fiscalizam ou são responsáveis por
funções-chave, incluindo o cumprimento dos requisitos de idoneidade,
qualificação profissional, independência, disponibilidade e capacidade, bem
como os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar
expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às
disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor
segurador”.
O Ministro do Trabalho da
Solidariedade e da Segurança Social disse, no dia 15, que a nova norma legal
que clarifica o papel do regulador no caso das associações mutualistas não é
dirigida “a ninguém em particular”, escusando-se a relacioná-la com o
presidente da AMMG. Nesse sentido, afirmou em Bruxelas, no final de um Conselho
de Emprego e Política Social:
“A lei não atribui
funções relativamente a ninguém em particular. A lei é uma lei geral e abstrata.”.
Efetivamente, ao ser questionado pelos
jornalistas se esta legislação está relacionada com Tomás Correia, Vieira da
Silva insistiu que “não é nada disso que
se trata”. E especificou:
“A legislação é uma
legislação que tinha sido aprovada já há uns meses depois de um longo período
de debate público com escassas manifestações de discordância, depois de um período
longo em que não existia legislação respeitante às entidades mutualidades de
maior dimensão”.
E, face à insistência dos jornalistas,
observou:
“Num momento, o Governo é
acusado de produzir uma legislação que protege uma determinada administração de
uma determinada instituição e, noutro momento, está a ser acusado de aprovar
uma legislação que seria, supostamente, contrária a essa mesma administração”.
***
Desde que, em 21 de fevereiro, foi conhecido que Tomás Correia foi
condenado pelo BdP a uma multa de 1,25 milhões de euros por irregularidades no
período em que era presidente do banco Montepio, se tem discutido a avaliação
da idoneidade do gestor, com um ping pong entre
o Governo e o regulador dos seguros sobre quem deveria fazer essa análise.
No passado dia 12, em audição no Parlamento, o presidente da ASF insistia
que não tinha competência para avaliar a idoneidade de Tomás Correia,
sob pena de infringir a lei, e que a avaliação do presidente da AMMG competiria
ao Governo.
Sobre esta questão, Vieira da Silva frisou que “não devia nem podia [ser o Governo a avaliá-lo] porque não tem poderes
para isso, a lei não lhe atribui esse poder”, cabendo essa função à ASF. E adiantou
que, “se dúvidas houvesse sobre assunto, o diploma […] veio esclarecer qualquer
dúvida que existisse e, obviamente, essa autoridade vai passar a fazer essa
supervisão porque está obrigada, como nós, a cumprir a lei”.
Porém, questionado sobre se Tomás Correia está em condições de continuar no
cargo, o Ministro escusou-se a tecer considerações sobre o assunto.
Agora, a ASF assume-se com total competência para
exercer as suas funções e sabe que pode
“exigir a qualquer autoridade, organismo
ou serviço público, e a qualquer outra entidade, pública ou privada, que lhe
sejam fornecidas diretamente as informações ou realizadas as
diligências necessárias” para o exercício
dos poderes, de acordo com a lei da supervisão.
***
Em grande entrevista a ler no Dinheiro Vivo, Diário de
Notícias, Jornal de Notícias e a ouvir
na TSF, o presidente da AMMG admite
que a lei da idoneidade pode ter sido feita a pensar só nele, o que a tornaria
inválida. Por isso, promete estudar o decreto-lei que o Governo aprovou em
Conselho de Ministros. A norma recente pretende “clarificar” a disposição que
dá à ASF a responsabilidade de avaliar a idoneidade das administrações das
associações mutualistas – e consequentemente a dele próprio – mas o gestor
contesta dizendo que toda a discussão pública tem sido feita em torno de um
nome: o seu.
Questionado, a este respeito, se é possível que nem sequer seja
legal um processo de reavaliação de idoneidade, diz que não sabe. Mas adianta:
“A única coisa a que tenho assistido é a um
conjunto de intervenções muito pouco precisas dirigidas exclusivamente a uma
pessoa que pode desembocar na publicação de um diploma. Vamos ver.”.
E, quanto à probabilidade de esta ser uma lei feita para um só
homem, também diz que não sabe, mas que é por isso que vai ver, pois “as leis não podem ser feitas para casos
específicos”. Instado nesse campo refere não conseguir encontrar algum
caminho de razoabilidade na discussão que temos tido, pois a discussão pública
em torno da avaliação da idoneidade dos gestores das mutualistas tem sido uma
discussão em torno da sua própria idoneidade, pelo que tem de analisar o
diploma e perceber o que está em causa, mas não tem “dúvida nenhuma” e, “olhando
para o que sai na comunicação social, que parece que sim”.
***
“Não ficará pedra sobre pedra desta decisão” do
BdP, diz Tomás Correia. Com efeito, o presidente da AMMG vai recorrer da decisão condenatória do
banco central nacional, a que aponta várias irregularidades na acusação, e
mostra-se confiante de que esta não vai ter seguimento na fase de justiça.
Tomás Correia critica a decisão do BdP, que lhe aplicou uma multa de
mais de um milhão de euros, e garante que “não será difícil impugnar”. Aponta
vários erros e contradições na acusação do BdP e diz que o supervisor está a ir
longe de mais na aplicação dos poderes, como se pode ver na
referida entrevista ao Dinheiro
Vivo (acesso livre) e
à TSF.
“Não ficará pedra sobre pedra desta decisão” do Banco
de Portugal, diz
Tomás Correia. Entre as irregularidades apontadas pelo presidente da Associação
Mutualista está o facto de não terem sido tidas em conta comunicações, entre a
instituição e o próprio regulador, que foram truncadas pelo BdP “para retirar aquilo que contrariaria as
conclusões em relação a várias matérias”.
As partes dos documentos trocados com a CEMG que terão sido alvo de omissão
dizem respeito às áreas de controlo interno, provisões específicas, unidades de
participação e relações de créditos entre empresas do grupo Montepio e
participadas pela própria CEMG, como indica Tomás Correia, quando adianta que
já antecipava, desde 2012, que viria a ser alvo de investigação por parte do
BdP e que não ter cedido o Montepio a capital estrangeiro terá sido um
dos fatores que contribuíram para esta penalização. E reitera que o BdP
“está a ir longe de mais no modo como exerce os seus poderes”, e todos os sete
visados, bem como a própria CEMG, consideram que as acusações não têm
fundamento.
O presidente da Associação Mutualista confia que, na fase da justiça, esta acusação “não tem a mínima possibilidade
de poder ter seguimento”. O empréstimo da CEMG à Rioforte, sem
análise de risco, de 130 milhões de euros é um dos pontos que leva à acusação,
mas Tomás Correia esclarece que “o Montepio emprestou à Rioforte Portugal 30
milhões no final – já tinha lá 60 milhões há muito tempo – e defende que houve
análise de risco.
***
Há aqui vários aspetos a considerar. E o primeiro é
o diploma que vale como lei. É óbvio que não têm razão os que badalam que a lei
manda que a ASF avalie a idoneidade de Tomas Correia. Não o faz nem o poderia fazer.
Em teoria não se faz uma lei para atingir uma pessoa. Mas não venha o Ministro
alegar que a dita lei não tem nada a ver com o presidente da AMMG, escudando-se
na índole geral e abstrata da lei. Com efeito, toda a gente sabe que a norma interpretativa
que é objeto do Decreto-Lei n.º 37/2019, de 15 de
março, surgiu no contexto em que se discutia expressamente – e só – quem
devia avaliar a idoneidade do presidente da AMMG e dizia-se abertamente o seu
nome. Contudo, não creio que o Tribunal Constitucional venha a declarar a
inconstitucionalidade do decreto-lei em causa, pois não será claro deduzir da
letra da lei uma intenção particularista do legislador. Efetivamente, a letra
da norma é altamente cautelosa. Por isso, há de concluir-se que a lei, no seu caráter
geral e abstrato, será universal, pelo que terá de aplicar-se a todo e cada um
dos destinatários que integram o respetivo universo.
E o Governo bem sabe que, em rigor, o autor duma lei
é o Parlamento e o autor dum decreto-lei é o Governo. Não obstante, ninguém deixa
de chamar pai do SNS a António Arnaut e deixaram que António Almeida Santos
fora o homem que mais legislara nos tempos da nossa democracia. Ademais, há
tantas leis que foram produzidas com vista a atingir pessoas em concreto e
vírgulas deslocadas entre São Bento e Belém deram diferente sentido ao texto. Até
se disse que a alteração dos poderes presidenciais resultante da 1.ª revisão da
nossa CRP tinha em vista o exercício que deles fizera o general Ramalho Eanes
no seu primeiro mandato como Presidente.
Por isso, é bom que não nos atirem poeira para os
olhos.
E é de perguntar: A idoneidade de Correia ficará mesmo
afetada pela avaliação da ASF? Se ele vencer o recurso sobre a condenação do
BdP, a negativa à sua idoneidade converter-se-á em positiva e terá direito a indemnizações
por danos morais? E porque se fala apenas de Correia e não também dos outros? Brincamos,
somos parciais e discutimos inutilmente, não?!
2019.03.16
– Louro de Carvalho
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