Celebra-se a 15 de agosto de cada ano a Solenidade da Assunção da
Virgem Santa Maria. Na verdade, foi através desta donzela de Nazaré que se
cumpriu o protoevangelho do cap. 3 (v. 15) do livro do Génesis:
“Farei reinar a inimizade entre ti e
a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu
tentarás mordê-la no calcanhar.”.
Foi, pois,
por Maria que a descendência da mulher (sperma, em grego,
e semen, em latim), ou seja, Cristo e todos os seus seguidores, vence
as forças do mal. Obviamente, que Maria, a portadora dessa descendência
vitoriosa, participa de modo eminente nessa vitória de Cristo e da sua Igreja.
Depois, Maria, a pobre donzela de Israel, prestou-se a
esta missão “comessiânica”, porque Deus a escolheu desde toda a eternidade e a
cumulou da sua Graça. E Ela, que se tornara a serva do Senhor e disponível para
o cumprimento total da sua Palavra, quando foi saudada por Isabel como a Mãe do
Senhor, reconhece que Deus, como sempre, faz maravilhas através dos pobres,
simples e humildes e como que não tem paciência para a arrogância, soberba,
avareza, vingança e violência. E a Mãe do Senhor profetiza que, “porque Ele pôs os olhos na humildade da sua
serva, doravante todas as
gerações a proclamarão bem-aventurada” (cf Lc
1,48). Na
verdade, Deus é o Senhor da História – passada, presente e futura.
Por outro lado, em Maria realiza-se no presente o sinal dado pelo
profeta ao rei Acaz:
“Por isso, o Senhor, por sua conta
e risco, vos dará um sinal. Olhai: a jovem está grávida e vai dar à luz um
filho, e há de pôr-lhe o nome de Emanuel.” (Is 7,14).
Mateus resume-o pela boca do anjo em sonhos a José, vendo no que
sucedeu em Maria o pleno cumprimento, no presente, desta profecia
veterotestamentária:
“Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito
pelo profeta: Eis que a virgem
conceberá e dará à luz um filho; e hão de chamá-lo Emanuel, que quer
dizer: Deus connosco” (Mt 1,22-23).
E Lucas põe
na boca do anjo, aquando da anunciação a Maria, uma mensagem mais explícita:
“Maria, não temas,
pois achaste graça diante de Deus. Hás de conceber no teu seio e dar à luz um
filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do
Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará
eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.” (Lc 1,30-33).
Por seu turno, João fala-nos da Mãe de Jesus, que, na solicitude para
com os problemas, humanos, avisa o Filho em Caná de que está a faltar o vinho;
e, apesar da evasiva de Jesus, recomenda aos serventes que fizessem o que Ele
mandasse. Eles fizeram e o milagre aconteceu para gáudio de todos (cf Jo 2,3.5.9-10) e, sobretudo, com o escopo da fé. E, no
Calvário, João faz sobressair o silêncio ativo de Maria, tal como o das outras
mulheres (Estavam de pé junto à cruz…), mas também a aceitação da maternidade sobre
os discípulos, que se assumem com seus filhos (cf Jo 19,25.26-27). Esta mútua aceitação, expectante e orante,
é confirmada no Livro dos Atos:
“E todos unidos pelo
mesmo sentimento, entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres,
entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus”.
Porém, o cap. 12 do Apocalipse é mais abundante em relação ao grande
sinal que aparece no céu: uma Mulher vestida de Sol, com a Lua debaixo dos pés e
com uma coroa de doze estrelas na cabeça, mas
grávida e a gritar com as dores de parto e o tormento de dar à luz (Ap 12.1-2). E, em contraponto, um outro sinal:
“Um grande dragão de
fogo com sete cabeças e dez chifres. Sobre as cabeças tinha sete coroas e, com
a cauda, varreu a terça parte das estrelas do céu e lançou-as à terra.
Colocou-se diante da Mulher parturiente para lhe devorar o filho quando ele
nascesse. E Ela deu à luz um filho varão, que há de governar todas as nações
com cetro de ferro. Mas o filho foi-lhe arrebatado para junto de Deus e do seu
trono; e a Mulher fugiu para o deserto onde Deus lhe preparou um lugar, de modo
a não lhe faltar aí o alimento.” (Ap 12,3-6).
Os Padres veem na mulher a figura da Igreja, que tem a missão de dar ao
mundo Jesus, o Salvador, e que tem, ao longo da História, sofrido as provações
do deserto da incompreensão e das perseguições, bem como o dos erros de muitos
dos seus membros, mas que também tem sido bafejada pela graça da proteção
divina e pela generosidade de muitos dos seus filhos. Porém, se Maria, a
primeira dos redimidos, é o protótipo e um membro proeminente da Igreja, é
natural que se veja na mulher apocalíptica a figura de Maria, Mãe de Jesus, que
não pecou nem sofreu as dores da maternidade, mas por causa do sofrimento do
Filho, que acabou por a preceder na glória, sentiu o coração trespassado por
uma espada de dor (cf Lc 2,35).
E, se no âmbito do mistério de Cristo, Ela é a portadora da Luz das
Nações, a Mãe do Verbo encarnado, no mistério da Igreja, é a Mãe solícita,
atenta às necessidades humanas, porta-voz junto de Deus dos dramas da
Humanidade e junto dos homens a peregrina, a profeta, a porta-voz da vontade
divina. Assim, o louvor a Maria mensageira de Deus tem de chegar a Cristo.
***
Maria aparece, pela última vez, de modo explícito, nos
escritos do Novo Testamento no capítulo 1.º dos Atos dos Apóstolos, como se viu
acima. Ela está, de facto, entre os apóstolos, em oração no cenáculo, a
aguardar a efusão do Espírito Santo no Pentecostes. Porém, à rareza de
referências a Maria nos textos canónicos opõem-se as abundantes informações a
seu respeito nos apócrifos, sobretudo as atinentes à dormitio da santa Mãe de Deus no Protoevangelho de Tiago e na Narração
de são João, o teólogo. O termo dormitio
é a mais antiga referência ao desfecho da sua vida terrena. Esta celebração foi
decretada no Oriente no século VII, por decreto do imperador bizantino
Maurício. No mesmo século, a festa da Dormitio
foi introduzida em Roma por Sérgio I, um Papa do Oriente. E, só passado um
século, o termo dormitio cedeu o
lugar ao mais explícito de Assumptio.
A definição dogmática, proclamada por Pio XII, de que Maria
não precisou de aguardar, como as outras criaturas, o fim dos tempos para obter
a ressurreição corpórea pôs em evidência o caráter único da sua santificação
pessoal, pois o pecado nunca ofuscou o brilho da sua alma. A união definitiva,
espiritual e corporal do homem com Cristo glorioso, é a fase final e eterna da
redenção. Agora, os santos, que já possuem a visão beatífica, estão de certo
modo a aguardar a plenitude da redenção, que em Maria se deu com a graça da
preservação do pecado.
À luz desta doutrina, fundamentada nas Escrituras, o Protoevangelho,
referindo-se ao 1.º anúncio da salvação messiânica feito por Deus aos nossos
progenitores após a culpa, apresenta Maria como a nova Eva, intimamente unida a
Jesus, o novo Adão. Jesus e Maria estão, pois, realmente associados na dor e no
amor para expiarem a culpa dos nossos progenitores e a nossa. Maria é, assim, a
Mãe do Redentor e a sua cooperadora, a ele intimamente unida na luta e na
vitória decisiva. Essa íntima união postula que Maria triunfe, como e com
Jesus, não apenas sobre o pecado, mas também sobre a morte, os dois inimigos do
género humano. Como a redenção de Cristo tem a sua conclusão com a ressurreição
do corpo, a vitória de Maria sobre o pecado, com a Imaculada Conceição, devia
ser completada com a vitória sobre a morte mediante a glorificação do corpo,
com a Assunção, pois a plenitude da salvação cristã é a participação do corpo
na glória celeste (cf
Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini um santo para cada dia, ed Paulinas).
***
Em termos práticos, a Assunção lembra-nos que “há um lugar em Deus para
nós; e que em nós deve haver um lugar para Deus”, pois Deus fez-nos para Ele e quer-nos
a viver sempre com Ele na eternidade. Por isso, Paulo adverte:
“Se
ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à
direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da Terra.” (Cl 3,1-2).
A Igreja acreditou, desde os primeiros séculos, que a Virgem
Imaculada foi, por Deus, ressuscitada e elevada ao Céu em corpo e alma após sua
morte (falando em “dormição”). O Papa Pio XII, interpretando o sensus Ecclesiae, proclamou como dogma
de fé esta verdade em 1 de novembro de 1950, pela Constituição Apostólica “Munificientissimus Deus”:
“Finalmente, a Imaculada Virgem, preservada
imune de toda mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrestre,
foi assunta em corpo e alma à glória celeste. E, para que mais plenamente
estivesse conforme com seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da
morte, foi exaltada pelo Senhor como Rainha do universo.”.
E, se a Solenidade da Assunção se celebra a 15 de agosto, a
Festa de Nossa Senhora Rainha do Céu e da Terra é celebrada a 22 de agosto.
A Assunção da Virgem Maria constitui uma participação
especial na Ressurreição de Jesus e uma antecipação da ressurreição dos outros
cristãos. Por isso, a Liturgia bizantina reza:
“Em vosso parto, guardastes a virgindade; em
vossa dormição, não deixastes o
mundo, ó Mãe de Deus: fostes juntar-vos à fonte da vida, vós que concebestes o
Deus vivo e, por vossas orações, livrareis as nossas almas da morte”.
Na oração coleta da Missa da Assunção, a Igreja latina reza:
“Deus eterno e omnipotente, que elevastes à
glória do Céu, em corpo e alma, a Imaculada Virgem Maria, Mãe do Vosso Filho,
concedei-nos a graça de aspirarmos sempre às coisas do alto, para merecermos
participar da Sua glória”.
E, no prefácio da
Oração Eucarística, reza:
“Hoje a Virgem Mãe de Deus foi elevada à
glória do Céu. Ela é a aurora e imagem da Igreja triunfante, ela é sinal de
consolação e esperança para o vosso povo peregrino.”.
Muitos santos perguntavam se o melhor dos filhos pode recusar
à melhor mãe a participação na sua ressurreição e no glorioso domínio à direita
do Pai. Para eles a dignidade de Mãe de Deus exige a Assunção. Assim, Irineu de
Lião (†200) diz que Maria, como a nova Eva, participou
da sorte de Jesus Cristo, o novo Adão, que ressuscitou depois da morte, não
tendo o seu corpo experimentado a corrupção. Mas a Assunção de Nossa Senhora é
também, para nós que ainda vivemos neste vale de lágrimas, a certeza de que o
Céu existe e é o nosso destino. A chegada da Mãe ao Céu é a antecipada certeza
da vitória final de todos os justos amigos de Deus, que amam o Evangelho,
vivendo como verdadeiros cristãos. Por outro lado, é o momento de pedirmos à
Mãe que, lá do alto, ao lado do trono do Rei, seu Filho, prepare um lugar no céu
para cada um de nós e, como “omnipotência suplicante” de que se reveste, ali
interceda por nós sem cessar.
A Assunção de Maria é um sinal da nossa ressurreição. É uma mensagem
especial e convite da Mãe a cada um de nós para segui-la ao Céu, desprezando
toda a sedução dos apegos e prazeres desta vida, que, por mais abundantes que
sejam, não saciam os anseios da alma imortal criada em Deus, para Deus e à
semelhança de Deus (O coração do homem foi feito para o Alto). A Assunção é o testemunho certo de
que a filosofia consumista, materialista e hedonista, que tiraniza o ser humano
e o afasta de Deus e dos irmãos, longe de trazer a verdadeira felicidade, enche,
ao invés, a alma de tristeza, frustração e pessimismo, numa vida sem rumo e sem
ideal. A Assunção é a festa da esperança do cristão que espera a felicidade
eterna e perfeita. Com efeito, Maria foi elevada ao Céu deixando um túmulo
vazio, sinal de que a nossa vida na terra é uma caminhada para o Céu; um alerta
a não nos deixarmos enganar pelas delícias ilusórias da viagem, que não podem
satisfazer os anseios infinitos do homem, cujo destino é viver em Deus para
sempre. A Assunção é a vitória da vida sobre a morte, da esperança sobre o
pessimismo, do sofrimento sobre o prazer, da humildade sobre a soberba, do amor
sobre o egoísmo, da pureza sobre a luxúria, da mansidão sobre o ódio, da
bondade sobre a inveja, da solicitude sobre a preguiça – do bem sobre o mal. A
Assunção é um apelo vibrante a cada um a que vivamos na terra como Ela viveu:
simples, humilde, pobre, oculta, silenciosa, discreta, generosa, mansa, bondosa
e prestativa, para sermos um dia exaltados por termos vivido a humildade.
É lá na casa do Pai, o esplendoroso palácio celeste, onde
Maria tem um lugar especial, que deve habitar o nosso coração. Conquistar o
céu, como Maria, é a meta de cada um e o objetivo de todos os nossos esforços.
Na verdade, o cristão vive com os pés na terra e o coração no céu. Paulo
exprime isso muito bem ao dizer:
“Se é só para esta vida que temos colocado a
nossa esperança em Cristo, somos de todos os homens os mais dignos de lástima”
(1Cor 15,19).
Por outras palavras, é perder tempo querer seguir Jesus
apenas para ser feliz nesta vida, que é rápida e muito precária. No céu é que
receberemos a recompensa, “a herança das mãos do Senhor” (Cl 3,24). Quem anseia pelo Reino de Cristo nunca pode
esquecer-se de que Ele disse: “O meu
reino não é deste mundo” (Jo 18,26). Cristo quer-nos
a todos no Céu, porque ali está o nosso destino. O seu coração fica frustrado
quando um lugar no céu não é ocupado por alguém. As alegrias do Céu são tantas e
tão insondáveis que fizeram Paulo exclamar:
“O que os olhos não viram, os ouvidos não
ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que
O amam” (1Cor 2,9). […] Nós somos cidadãos dos céus. É de lá que também
aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo
glorioso” (Fl 3,20-21). Temos no céu uma casa feita por Deus e não por mãos
humanas” (2Cor 5,1).”.
Para o Apóstolo, era um exílio viver na terra. Todo o tempo
que passamos no corpo é exílio longe do Senhor. Suspiramos e anelamos por ser
sobrevestidos da nossa habitação celeste, pois, enquanto permanecemos na tenda,
gememos oprimidos. Porém, estamos cheios de confiança, preferindo ausentar-nos
deste corpo, para ir habitar junto do Senhor” (cf 2Cor 5,2-8). E Santo Afonso dizia que desejar o paraíso é desejar a
Deus, nosso fim último, onde O amaremos perfeitamente. De facto, a vida sem a
perspetiva do céu é desastre total, frustração inexplicável. Sem a fé no céu a
vida na terra é vazia, sem sentido, como o barco que navega à deriva. Por isso,
Maria, agora gloriosa no Céu, é a “âncora lançada no infinito de Deus”, é “a
Porta do Céu” aberta para os seus filhos devotos. Vamos ao Céu por Maria, Ela é
a escada que Jesus nos deu para chegar até lá. Ela não é o caminho, mas aponta
o Caminho, que é Jesus – dizia o Padre Hamiltom da Encarnação a 20 de agosto de
1978, num sermão sobre Nossa Senhora.
Pela Assunção, Deus revela-nos o sentido pleno da redenção,
isto é, a completa divinização do corpo humano, a transfiguração da própria
dimensão material do homem e a vitória sobre a morte em todas suas formas. Por
outro lado, com o corpo transfigurado e glorificado, Ela pode estar sempre
presente ao lado de Jesus e, de modo muito especial, numa presença misteriosa
junto à Eucaristia. Por via disso, São Pedro Julião Eymard deu-lhe o título de
“Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento”. (cf Prof. Felipe Aquino - http://cleofas.com.br/o-que-significa-a-assuncao-de-nossa-senhora/). Não é por acaso que os santuários marianos
privilegiam a celebração da Missa e a adoração eucarística, bem como a tenção
aos débeis. Aqui se perfaz a sugestão pedagógica de Isabel: “Bendita é tu entre as mulheres e bendito é o
Fruto do teu ventre” (Lc
1,42).
***
Entretanto,
tenhamos nos lábios o Magnificat de
Maria como cântico da Misericórdia e do Louvor, bendizendo o Senhor, redobremos
a confiança de alcançarmos a graça oportuna e sigamos sempre o itinerário “per Mariam ad Iesum”.
2018.08.15 –
Louro de Carvalho
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