Após o colapso da Ponte Morandi, Virgílio
Azevedo, especialista
em engenharia de estruturas, veio admitir, segundo o Expresso, que a queda daquela ponte teve origem na falta de
manutenção e na tecnologia usada na sua construção em 1969 (que
a torna muito vulnerável),
assegurando que “basta partir-se um tirante para um dos três blocos (torres) da ponte desabar”.
Reconhecendo
ser difícil explicar à distância o que sucedeu, adiantou que a ponte tem três blocos que a
sustentavam, tendo caído o maior. Construída em 1969, cada um dos seus blocos
só tinha um tirante (cabo
em tração) para cada
lado. Deste modo, em estrutura pouco redundante, falhando um dos elementos, é o
colapso por via do desequilíbrio. Foi por isso que, segundo o especialista,
estas pontes evoluíram para pontes do tipo da Ponte Vasco da Gama, em que há uma série de tirantes. Se um rebentar,
a ponte não cai, pois os outros aguentam a estrutura.
Pelas
imagens que mostravam que tudo caíra de repente, inferiu que se trataria de problema num dos tirantes. E
estranhou que, “numa comunicação sobre os trabalhos de manutenção da ponte de
Génova realizados em 2000, apresentada por um investigador do Departamento de
Engenharia de Estruturas do Politécnico de Milão numa conferência em 2010, seja
referido que não foi feita qualquer intervenção no bloco n.º 9 da ponte,
precisamente o que caiu, porque os seus tirantes estavam menos degradados do
que os dos outros blocos”. Assim, conclui ter havido claramente “um problema de corrosão que não foi travado
por falta de manutenção”.
Assenta
ironicamente em que “as pontes são feitas para cair se não se fizer manutenção”, ou seja, “no
fundo, não há nenhuma ponte que seja segura”. Com efeito, todos os materiais se
degradam pela ação ambiental. Assim, os técnicos, quando, no século XIX, começaram
a fazer pontes em ferro, perceberam que o ferro tinha corrosão, pois oxidava em
contacto com o ar, pelo que tiveram de criar “sistemas de manutenção” com base na limpeza, pintura, soldadura e
substituição de parafusos, rebites, cabos, painéis, etc.
Por sua vez, no
final do século XIX, surgiu o betão armado, que não é mais que “uma pedra
artificial que tem aço lá dentro” e que os cientistas consideravam “um material
ideal, porque o problema da corrosão do aço ficava resolvido”, pois, dentro do
betão, ele “não ficava em contacto com o ar”.
A este
respeito, gosto de referir que um engenheiro técnico civil, meu amigo, me dizia
que o betão é o melhor amigo do homem, já que são tantas as asneiras que se
fazem com ele que raramente colapsa. Mas Virgílio Azevedo
aponta:
“Infelizmente
os cientistas enganaram-se. Os problemas surgiram nos anos 70/80 do século XX,
cerca de 50 anos depois de o seu uso se generalizar. Quando a ponte de Génova
foi feita (1969), penso que ainda não se conhecia este fenómeno.”.
E o
especialista explicita o processo de degradação do betão, sugerindo o que se
deve fazer:
“Há
dois grandes fenómenos. O primeiro é a carbonatação. Quando é fabricado, o
betão tem um pH básico, mas em contacto com o dióxido de carbono (CO2)
ambiental e com a humidade vai-se transformando de básico em pH ácido e gera
uma frente que vai avançando pelo betão dentro. E quando esta frente ácida
chega aos ferros, estes começam a corroer. O outro fenómeno está relacionado
com os cloretos, nomeadamente o sal marítimo; e é por isso que as estruturas de
betão armado junto ao mar se degradam mais. O sal vai entrando pelos poros do
betão e, quando atinge o aço, este começa a corroer e pode levar ao colapso das
estruturas. Nos anos 70/80 do século passado, de repente surgiram estruturas
degradadas por todo o lado. Mas, a partir do momento em que o aço está corroído,
só há uma solução: substituí-lo por betão armado novo.”.
Também
se refere, embora concisamente, ao que se passa em Portugal neste âmbito. E começou
por mencionar a Ponte
da Arrábida, construída nos anos 60, mas que já foi toda reabilitada. Depois,
disse que, “a partir do desastre de Entre-os-Rios em 2001 tudo mudou em termos
de manutenção e inspeção, tudo ficou mais rigoroso”, mas que o sistema mais
avançado foi aplicado na Ponte Vasco da
Gama, em Lisboa (1998). E, em relação a isto, confessa:
“Integrei
a equipa que fez todo o lançamento do concurso para a sua construção e
impusemos uma vida útil de 120 anos. Isto significa que aquela frente de
degradação que vai avançando no betão não pode chegar ao aço em 120 anos. Isto
obrigou a estudar betões especiais e um conjunto de medidas para evitar a
corrosão, incluindo obras de manutenção.”.
Sobre
a necessidade da mudança legislativa, decorrente das novas questões materiais,
explica:
“As
pontes eram projetadas para uma vida útil de 50 anos. Mas estes 50 anos não
tinham que ver com a degradação dos materiais, mas com outra questão. Quando se
projeta uma ponte tem de se prever para essa vida útil as ações que vão
ocorrer, ou seja, tem de estar preparada para resistir a um sismo de grande
magnitude, ao vento mais forte, etc. Este era o conceito de segurança quando
ainda não eram conhecidos os problemas do betão armado. Quando foram
descobertos, criou-se uma nova legislação, uma norma europeia que define um
conjunto de regras para garantir os 50 anos de vida útil. Isto significa que
projetar uma ponte para 50 anos é ela estar preparada não só para suportar os
sismos, os ventos, etc., mas também para não ter corrosão durante esses 50
anos.”.
(cf
https://www.msn.com/pt-pt/noticias/sociedade/%E2%80%9Cn%C3%A3o-h%C3%A1-nenhuma-ponte-que-seja-segura%E2%80%9D/ar-BBM8Apz)
***
Entretanto,
o PCP veio pedir, no dia 21, ao Ministro
do Planeamento e Infraestruturas esclarecimentos documentados sobre a
manutenção da Ponte 25 de Abril e Ponte Vasco da Gama, das autoestradas,
incluindo o Viaduto Duarte Pacheco, e das ferrovias nacionais.
Através dum
requerimento entregue na Assembleia da República, os comunistas exigem um
“ponto da situação das infraestruturas em Portugal”, isto “para lá de notícias
mais ou menos fundamentadas ou especulativas, como as que recentemente vieram a
público sobre a Ponte 25 de Abril ou mesmo sobre o Viaduto Duarte Pacheco (que não
devem ser ignoradas)”, em
Lisboa, pois “o país já conheceu o colapso da ponte de Entre-os-Rios, em
Castelo de Paiva”. Além disso, o partido pede “documentação elucidativa dos
compromissos contratuais sobre a manutenção das infraestruturas entre cada uma
das concessionárias de autoestradas e o Estado e das alterações introduzidas
pelas renegociações ocorridas nos últimos anos”, bem como “documentação
elucidativa dos compromissos contratuais sobre a manutenção da Ponte 25 de
Abril e da Ponte Vasco da Gama [em Lisboa] entre a Lusoponte e o Estado”.
Ademais, os
comunistas exigem conhecer os documentos sobre subcontratos da IP para a
manutenção da infraestrutura ferroviária” e relativos ao “papel atribuído pelo
Estado ao LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil), no quadro da manutenção das infraestruturas de
transporte, designadamente nas geridas por empresas públicas e nas que estão
concessionadas em regime de PPP (Parcerias Público-Privadas).
No texto do aludido
requerimento, o deputado comunista Bruno Dias frisa tratar-se de “matéria sobre a qual o PCP tem exposto
preocupações regularmente e que a queda de um viaduto rodoviário em Itália no
passado dia 14 torna mais atual”.
Recorde-se
que, há uma semana, em Génova, a derrocada de parte da Ponte Morandi, com uma
altura de 90 metros, provocou, pelo menos, 43 mortos, além de feridos, e ainda 600
desalojados devido à destruição de 11 edifícios. Agora, segundo o requerimento
do PCP, após a tragédia, o Primeiro-Ministro italiano anunciou ter comunicado
oficialmente à empresa Autostrade que
iniciara o procedimento para terminar a concessão da gestão das estradas.
E o grupo
parlamentar comunista frisa que a política de direita dos governos PS, PSD e
CDS, adotara um modelo semelhante ao de Itália, “com concessões rodoviárias, em
regime de PPP, e a crescente externalização das atividades de projeto,
construção, fiscalização, reparação e manutenção da infraestrutura, para além
de uma contração no investimento público”.
***
Ora, um
dia depois do requerimento do PCP, a IP (Infraestruturas de
Portugal) vem
garantir a segurança de pontes e viadutos em Portugal, ou seja, a entidade que
gere a rede nacional rodoviária e ferroviária vem dar a cara pela segurança e
saúde das mais de 7.200 obras de arte, como pontes, viadutos, túneis e
passagens hidráulicas que tem a seu cargo. Ora, 73% destas obras pertence à rede
rodoviária e 27% à rede ferroviária.
A
empresa liderada por António Laranjo sublinha que investiu 250 milhões de euros
na requalificação de pontes e viadutos desde 2010. A nota de imprensa da IP
refere:
“O forte investimento efetuado nos últimos anos, de 250 milhões de euros
desde 2010, em trabalhos de conservação e requalificação de Obras de Arte e a
realização de inspeções a todas as estruturas e a atempada definição de uma
estratégia de intervenções devidamente programadas, contribuíram decisivamente
para o incremento do nível de qualidade das estruturas em bom ou muito bom
estado de conservação, resultando em otimização dos custos com investimento.
Hoje a empresa detém um conhecimento aprofundado e permanente do estado de
todas e cada uma das estruturas, que lhe permite garantir a boa gestão da conservação
de todo este vasto património.”.
A empresa
recorda que atualmente não há na rede ferroviária e ferroviária gerida pela IP
“qualquer obra de arte em exploração cuja
utilização esteja vedada por representar risco à segurança de pessoas e bens”.
Na rede nacional, segundo a empresa, apenas há restrições de circulação nos
locais onde decorrem “trabalhos de requalificação, reforço ou substituição das
atuais estruturas”. A IP tem 7 obras de reforço de pontes e viadutos na área
rodoviária e três intervenções na rede ferroviária. Mais esclarece a IP que as
inspeções são feitas por procedimentos de rotina ou por inspeções principais: a
verificação de rotina a estas instalações é efetuada de 2 em 2 anos na rede
rodoviária e a cada 15 meses na rede ferroviária; as inspeções principais, mais
detalhadas, são feitas a cada 5 anos. São ainda efetuadas inspeções
subaquáticas, a cada 4 ou 5 anos, “às
partes permanentemente imersas das obras de arte, com uma altura de água superior
a 1 metro, a fim de avaliar o seu estado de conservação, caraterizar a zona
envolvente das fundações e propor as medidas de atuação necessárias”.
Sobre as
obras recentemente programadas para a Ponte 25 de Abril, a IP vem garantir que o
início dos trabalhos não vai sofrer atrasos, apesar de a empreitada de 18
milhões de euros ainda não ter sido adjudicada.
Na
verdade, o prazo para a entrega das propostas para o concurso de reparação e
conservação da Ponte 25 de Abril, em Lisboa, foi adiado duas vezes, mas a IP garante
que a empreitada, no valor de 18 milhões de euros, arrancará no final de 2018
ou no início de 2019, como previsto. Com efeito, fonte oficial da empresa disse
que “foram entregues seis propostas no concurso” e que “a adjudicação deverá
ocorrer em breve”. Os concorrentes são seis: a Martifer, a Promanec e mais 4
consórcios (Somague/SMM/STAP, Extraco/Alexandre Barbosa Borges,
Conduril/Edirio Construções e Teixeira Duarte/SIMI). E as propostas estão neste
momento em fase de avaliação pelo júri.
De
facto, o concurso foi lançado no passado dia 23 de março, mas a data limite
para os interessados entregarem as propostas foi prorrogada nos dias 9 de maio
e 8 de junho. Segundo a empresa liderada por António Laranjo, os adiamentos devem-se
às dúvidas que os diferentes interessados foram colocando ao longo do concurso.
Houve, com efeito, questões colocadas pelos interessados e muitas visitas técnicas
à ponte. Todavia, a IP declara que os adiamentos registados no concurso não
irão fazer derrapar o prazo previsto para o início dos trabalhos e que “é
expectável que as obras comecem no final deste ano ou no início de 2019, tal como
estava previsto”. Não obstante, a empresa adverte que a consignação da
empreitada só será feita depois da autorização do Tribunal de Contas, que terá
de dar o aval ao contrato que a celebrar com o vencedor do concurso público.
Entretanto, a 27 de julho, a IP adjudicou ao ISQ (Instituto
de Soldadura e Qualidade)
um contrato de 2,1 milhões de euros para prestação de serviços integrados de
inspeção, operação e manutenção de equipamentos na Ponte 25 de Abril válido
para o triénio 2018-2020.
As acima
aludidas obras na Ponte 25 de Abril têm a duração prevista de dois anos e
obrigarão a cortes de trânsito. Para a empresa responsável pela conservação das
redes rodoviária e ferroviária nacionais, trata-se duma intervenção normal, mas
foram detetadas fissuras na ponte.
Um
relatório do LNEC divulgado em março pela revista Visão defendia obras urgentes. O documento, que terá sido entregue
ao Governo em fevereiro, alertava que, sem obras, seria necessário restringir o
tráfego de pesados e de comboios de mercadorias na ponte. Segundo a Visão, o Ministério do Planeamento e das
Infraestruturas aguardava há 6 meses que as Finanças libertassem as verbas necessárias
para as reparações. E o Ministério de Centeno então que não existia qualquer
processo a aguardar a autorização das Finanças para a ponte 25 de Abril. Mas, após
a notícia da Visão, o Governo
disponibilizou uma verba de 18 milhões para as obras.
Numa
audição no Parlamento no dia 16 de maio, o presidente da IP garantia que a Ponte
25 de Abril é a “mais segura” do país. A este respeito afirmava:
“É utilizada por cerca de 100 milhões de passageiros, ou seja, cerca de 10
vezes a população de Portugal. Aquela que mais intervenções sofreu nos últimos
anos, não só no alargamento que sofreu entre 1995 e 1999, mas também para o
caminho-de-ferro.”.
A concessão
da Ponte 25 de Abril está a cargo da Lusoponte, cujos acionistas são a
Mota-Engil e a Vinci, com 38% e 37%, respetivamente, e a italiana Atlantia, com
17,5%. Recentemente, a Teixeira Duarte acordou a venda dos seus 7,5% da empresa
com a China Construction.
Cerca de
300 mil pessoas atravessam diariamente a Ponte 25 de Abril por via rodoviária e
ferroviária. A estrutura, que liga Lisboa a Almada, tem 52 anos e foi
construída por ordem de Oliveira Salazar. Quando foi inaugurada, a 6 de agosto
de 1966, era a maior estrutura metálica suspensa da Europa e a quinta maior do
mundo. As duas torres principais elevam-se a 190 metros acima do nível da água
e o tabuleiro a 70 metros. A obra custou cerca de 10 milhões de euros (por
conversão direta à moeda atual),
excluindo o ajuste à inflação.
***
Apesar de
a resposta da IP vir a correr sobre o requerimento do PCP, o que poderia gerar a
suspeita de vir forjada em cima dos joelhos, temos de acreditar na segurança
destas infraestruturas de betão ou de aço e pressupor que se faz a cuidada
manutenção. De outro modo andaríamos de credo na boca, de coração nas mãos e de
rabo entre as pernas ou, em alternativa estaríamos uns contra os outros. No
entanto, que dizer das infraestruturas confiadas às autarquias locais ou
daquelas, como Ponte do Infante sobre o Douro, de que a IP e os municípios
alijam as responsabilidades?
Depois,
temos políticos a falar como técnicos e técnicos a falar com políticos, o que
não convém nada mesmo! Com efeito, há encargos para os quais tem de haver
sempre dinheiro e a burocracia tem de ser reduzida ao mínimo para garantir a
justeza e a eficácia
2018.08.22 –
Louro de Carvalho
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