sábado, 25 de agosto de 2018

A propósito da exumação de Franco…


A primeira questão que se levanta é se a Espanha não terá, de momento, problemas mais relevantes para resolver ou se o Governo minoritário legítimo não tem outra forma significativa de ficar na memória coletiva. Mas uma outra se coloca: Não haverá outra forma de honrar a memória das vítimas da guerra civil, que independentemente da formação partidária e militar que a venceu, fez inúmeras vítimas de ambos os lados da barricada político-militar erigida em toda a Espanha, mas com os convenientes apoios internacionais?
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Seja como for, o decreto-lei aprovado a 24 de agosto pelo Governo espanhol, no regresso de férias da maior parte dos governantes, vem aditar a Lei da Memória Histórica e permitirá muito em breve a exumação dos restos mortais do ditador sepultado no Vale dos Caídos desde a sua morte, em 1975. E terá de passar no Congresso (em setembro, quando os seus membros regressarem de férias), onde bastará a maioria simples.
Além dos votos a favor do PSOE (84 deputados), o decreto-lei contará com os do Unidos Podemos, Partido Nacionalista Basco, PDeCAT, EH Bildu, Compromís e, ainda, da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), que aceitou dar o “sim” após o Governo ter garantido que o decreto-lei preveria a anulação das sentenças franquistas. Ora, tanto o PP como o Ciudadanos se absterão na votação no Congresso. Mas, como basta que haja mais votos a favor do que contra para ter luz verde a alteração legislativa, a aprovação parlamentar está praticamente assegurada pelo Governo de Pedro Sánchez, que já tem um calendário definido para este tema.
Assim, no próximo dia 31 de agosto, será acordado o procedimento pelo qual será feita a exumação, incluindo o aviso à família que terá, a partir dessa data, um prazo de 15 dias para decidir o lugar para onde deve ser trasladado o corpo do caudilho.  E, caso não se pronuncie dentro do prazo estipulado, será o governo espanhol a tomar a decisão, como explicou, em conferência de imprensa, Carmen Calvo, a vice-primeira-ministra espanhola.
Porém, a posição da família tem sido de total oposição à exumação do seu familiar. Em declarações ao La Razón, fonte da família do caudilho disse desconhecer a lei que será discutida em Conselho de Ministros (“não temos qualquer ideia daquilo que o Governo está a preparar”) e insistiu:
Não admitimos uma exumação. Enquanto não houver um mandado judicial, ninguém vai exumar nada.”.
A Igreja Católica, que inicialmente terá feito saber que não permitiria a entrada das máquinas na Basílica, onde pontifica o direito canónico (e, por isso, regulada pelos acordos assinados entre o Estado espanhol e a Santa Sé em 1979) e que está à guarda da Ordem Beneditina (tendo o Governo referido que tinha formas de ultrapassar a questão), já veio declarar que não se opõe à trasladação. Disse o Cardeal-Arcebispo de Madrid, Carlos Osoro:
A Igreja não toma nenhuma decisão: quem toma decisões é o Governo e a família”.
Mas, porque a família se mostrou, desde o início, contra a exumação dos restos mortais do ditador da Basílica do Vale dos Caídos, o monumento mandado construir em memória das vítimas da Guerra Civil espanhola, o decreto-lei foi a forma que o Governo encontrou para contornar a oposição dos familiares de Franco.
Isto, porque a trasladação do corpo de Francisco Franco é uma antiga reivindicação da esquerda espanhola, embora tenha esta sido a primeira vez que um Governo se comprometeu com ela. A este respeito, o El País cita Carmen Calvo, a qual declarou que “ter o túmulo de Franco é uma falta de respeito para com as vítimas que estão ali enterradas”, pelo que “não podemos perder um único instante”, pois a “democracia não é compatível com a existência de um túmulo que honra a memória de Franco”.
Recorde-se que, já em 2017, o Congresso dos Deputados aprovou uma moção a favor da exumação de Franco. Ao todo, 198 deputados votaram a favor e houve 140 abstenções, bem como um voto contra duma deputada do PP que se enganou na altura de votar. A moção, que não tem força de lei e serve apenas como uma proposta, foi ignorada pelo Governo de Mariano Rajoy.
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Já no domingo, dia 19, a agência Efe noticiara que o Conselho de Ministros do dia 24 iria alterar a Lei da Memória História, criada em 2007, durante o segundo mandato do socialista José Luiz Zapatero, que permitiu que fossem desenterradas valas comuns da Guerra Civil espanhola.
Agora, como escreve o El País sem entrar em detalhes, a alteração que o Conselho de Ministros deveria aprovar em decreto-lei e que depois terá de apresentar para votação no Congresso não passaria duma “simples modificação” que consistiria na criação de “um par de artigos”.
A 3 de agosto, após uma reunião do Conselho de Ministros e antes de partir de férias, Pedro Sánchez tinha dado sinais de que a exumação de Franco não seria tão rápida como pensara, mas que seria ainda assim “muito, muito em breve”, dizendo que, “se esperámos 40 anos, também podemos esperar uma semanas ou uns dias…”.
Na verdade, o tema das exumações de valas comuns tem sido fonte de debate no Congresso (nos programas eleitorais das últimas eleições, de 2016, PSOE e Unidos Podemos defendiam o seu financiamento pelo Estado; já o Ciudadanos e o PP não referiam o tema), mas o debate parece ser menos aceso quando se fala do caso particular do caudilho. Assim, além de ter o acordo dos partidos à esquerda (Unidos Podemos) e das forças independentistas e regionalistas, o que chegaria para aprovar uma alteração à Lei da Memória Histórica, o Governo não terá oposição dos partidos à sua direita.
Da parte do Ciudadanos, Albert Rivera já adiantou que o seu partido aprovará a exumação de Franco se o projeto do Governo passar por transformar o Vale dos Caídos num “cemitério nacional” que transmita a ideia de “união”, dando como exemplo o Cemitério de Arlington (no Estado da Virginia, EUA), criado para enterrar soldados dos dois lados da Guerra Civil americana:
Uma coisa é que se apresente uma lei onde haja um projeto sério para converter o Vale dos Caídos num cemitério nacional, como o de Arlington, onde estão todos, independentemente do lado em que lutaram, enterrados juntos. Outra coisa é querer dividir Espanha de forma artificial em dois lados.”.
Já é pouco claro o discurso do PP (Partido Popular), de Pablo Casado, sobre o tema – o que leva alguns a crer que, em vez de a apoiar ou o de se opor à revisão da Lei que permita desenterrar Franco, o PP deverá abster-se. No dia 20, em declarações ao La Sexta, Pablo Casado disse:
Não gastaria nem sequer um euro a desenterrar Franco e também não gastaria um euro para voltar a enterrá-lo”.
E, depois, disse uma frase que está a ser apontada como sinal de que o PP pode abster-se:
Não vou defender esse edifício nem quem está enterrado nele, incluindo por razões familiares, como neto de alguém que sofre represálias do regime franquista, mas Espanha tem de olhar para o futuro”.
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Exumar Franco é tema que volta a dividir a Espanha social e a criar nela forte divisão histórico-política, quando mais não fosse pelo número crescente de visitantes ou turistas que se dirige a Vale dos Caídos desde que o Governo equacionou a hipótese da exumação.  
Volta e meia, a polémica vem ao de cima como uma ferida mal sarada que reitera a infetação. Apesar de viver há quase 43 anos em democracia, a Espanha regista ainda muitas das sequelas divisionistas da Guerra Civil, de que saíram vencedores os nacionalistas do generalíssimo Francisco Franco sobre os republicanos. Franco, que governou como caudilho até 1975, foi sepultado num mausoléu que o próprio mandou construir no Vale dos Caídos, em San Lorenzo del Escorial, a 40 quilómetros de Madrid. Ao longo dos anos debateu-se, em várias ocasiões, a retirada dos restos mortais do generalíssimo daquele local, mas sempre com polémica – polémica que Pedro Sánchez, recém-arvorado em líder do governo espanhol, decidiu retomar. Na sequência da sua opção, acaba de surgir o decreto-lei de alteração da Lei da Memória Histórica, que data de 2007, tempo de José Luis Rodríguez Zapatero. Para o Ministro da Cultura, José Guirao, o decreto-lei foi a fórmula encontrada para a Espanha consiguir realizar “quanto antes” a exumação do ditador “evitando quaisquer processos judiciais” que pudessem impedir a mesma. Isto porque, segundo os media espanhóis, os familiares de Franco, falecido aos 82 anos, são contra a exumação dos restos mortais do ditador e recusam recebê-los se forem dali retirados. 
Neste sentido, Francisco Franco, seu neto, considera “um absurdo” a ideia da exumação e “oportunismo propagandístico querer uma vingança 42 anos depois”; diz que “não há nada para falar com o governo” e, uma vez aprovado o decreto-lei, “verá o que fazer”.
Além do ditador, segundo dados do Ministério da Justiça espanhol, estão no Vale dos Caídos depositados restos mortais de 33 833 pessoas, 21 423 identificadas e 12 410 por identificar, dos dois lados que se defrontaram na Guerra Civil. Para ali foram levados entre 1959 e 1983, oriundos de valas comuns ou de cemitérios das várias províncias. Muitas famílias, sobretudo do lado dos republicanos, exigem retirar dali os restos mortais dos seus entes queridos.
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Foi no início de junho que a moção foi aprovada graças ao apoio de 180 deputados, os do PSOE, os do Unidos Podemos, os da Esquerda Republicana da Catalunha, os do Partido Democrático e Europeu da Catalunha, os do Partido Nacionalista Basco, os do Compromís, os do EH Bildu e um da Nueva Canarias. E, chegado à Moncloa, Sánchez prometeu tirar Franco do Vale dos Caídos. Em debate no Parlamento espanhol, a 17 de julho, o líder do PSOE disse que a exumação dos restos mortais do ditador “é uma decisão firme” que será tomada “em breve” e executada “num muito breve espaço de tempo”. Como era de esperar, multiplicaram-se, a seguir, os protestos dos simpatizantes do franquismo, junto ao Vale dos Caídos, onde está sepultado, mas também o número de turistas a ir em visita ao túmulo do homem forte de Espanha entre 1936 e 1975. Segundo o El Mundo, neste ano já visitaram o Vale dos Caídos 153 677 pessoas, 38 269 delas só em julho. O que pressupõe um aumento de 49%, pois em julho de 2017 o número de visitas ao monumento situou-se nas 25 532.
Apesar de a oposição se vir a abster no debate no Congresso, acusa Sánchez de recorrer ao decreto-lei como forma de governar para contornar o facto de os socialistas estarem em minoria. Este será o sétimo decreto-lei desde que Sánchez chegou à Moncloa, fará no dia 2 de setembro 3 meses. Em defesa do PSOE, no dia 21, disse a porta-voz do partido no Parlamento, Adriana Lastra, que “o que incomoda o PP não são os decretos reais, mas sim retirar o ditador” Franco do Vale dos Caídos, embora “não seja capaz de o dizer abertamente”. Segundo afirmou à Telecinco, a exumação dos restos mortais de Franco acontecerá sem aviso prévio em setembro, para evitar qualquer tipo de protestos ou manifestações, de modo que a exumação será realizada “com muita prudência, sem grande alarido, sem informar sobre o dia concreto”.
Quando o PP de Mariano Rajoy chegou ao poder em Espanha, em 2011, o financiamento para a Lei da Memória Histórica, sobretudo no atinente a dinheiro para exumações, foi drasticamente reduzido. Agora, face à ideia de exumar Franco, o partido afirma não querer travar a retirada dos restos mortais do ditador, mas não deixará de contestar o decreto-lei do Governo de Sánchez. A este respeito, o secretário-geral do PP, Teodoro García Egea, citado pelos media, avisou o Governo de que não deve contar com o apoio do maior partido da oposição para aprovar o decreto-lei porque não está de acordo que “se ressuscite o passado para evitar falar do futuro” e garantiu que os populares “vão recorrer de todos decretos que não tenham carácter urgente”. E Francisco Martínez, porta-voz do PP na comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento, declarou-se à espera de conhecer “as razões de necessidade urgente” para aprovar a exumação de Franco através do uso de decreto-lei”, explicitando:
“Vamos aguardar para conhecer de que forma o Governo justifica esta medida e se cumpre as exigências constitucionais. Ainda que, a priori, tenhamos muitas dúvidas.”.
Por seu turno, o novo líder do PP, Pablo Casado, já declarou que não vai defender um ditador e opor-se à exumação, mas sublinhou que a iniciativa do PSOE “visa reabrir feridas”, que deviam ter ficado fechadas na Transição, e usar Franco como bode expiatório para encobrir a sua debilidade e a sua incapacidade de governar Espanha.
Do seu lado, o Ciudadanos optará pela abstenção porque o Governo só está preocupado com “os ossos de Franco”. Por isso, o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, indicou, no dia 22, que não se oporá à exumação de Franco, mas confirmou que os deputados do seu partido optarão pela abstenção na votação do decreto-lei. E declarou aos microfones da rádio Onda Cero:
Esta não é a prioridade. Não é maneira de abordar o assunto. Preocupam-me bastantes mais coisas do que os ossos de Franco, preocupa-me mais a educação dos nossos filhos ou a direção que está a tomar a Europa. Se a única coisa que há para votar são os ossos de Franco, então não vamos apoiar isso. Não concordo com a forma; o decreto-lei é um instrumento absolutamente excecional para questões urgentes. Não podemos apelidar isto de questão urgente.”.
Segundo confirmou um porta-voz do Ciudadanos, citado pelo El País, o partido optará pela abstenção, com a seguinte adução:
Se tivesse havido um projeto para o Vale dos Caídos como monumento de reconciliação, com a exumação de Franco incluída, isso é o que defende o Ciudadanos. Mas, como parece que o único tema é Franco e por decreto-lei, como se fosse uma urgência, vamos abster-nos.”.
A ERC, um dos partidos catalães que puseram Sánchez no poder, avisou que só votará a favor do decreto-lei se o executivo se comprometer a anular as sentenças do tempo do franquismo, nomeadamente a condenação à morte ditada contra o ex-presidente da Generalitat Lluís Companys. O seu porta-voz, Joan Tardà, referindo-se à exigência de que o executivo assuma o compromisso de anular até ao final da legislatura todas as sentenças ditadas pelos tribunais da ditadura, considerou a condenação à morte de Companys, que acabou fuzilado em outubro de 1940, talvez o caso mais simbólico. Em 2007, a ERC votou contra a predita lei por não incluir a anulação das sentenças do tempo do franquismo. E as vítimas não só não tiveram nenhuma reparação como o modelo de impunidade “cobriu o espaço do presente com uma nuvem de amnésia absoluta” – lamentou Tardà, citado pela agência noticiosa espanhola Europa Press.
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A Espanha tem muitos problemas para onde se virar, incluindo o rumo que a UE está a tomar; a homenagem às vítimas podia bem ser um monumento comum a edificar lá no sítio, sem exumações, e a revogação das sentenças franquistas mais dolorosas. As sugestões vêm explícitas! De resto, só avivará as feridas e criará problema a familiares sem poder político.
Imagine-se que nós queríamos desenterrar todos os que fizeram mal a portugueses, como Oliveira Salazar, João Franco, Costa Cabral, Marques de Pombal, Pedro IV, Miguel, João II…!  
2018.08.25 – Louro de Carvalho

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