Tiro esta conclusão a
partir de dois artigos de Leonete Botelho que o Público de hoje, dia 27, traz para a ribalta, baseando-se em
formulações de várias entidades, com destaque especial para Carlos Jalali,
autor do ensaio “Partidos e Sistemas
Partidários” (Fundação Francisco Manuel
dos Santos, 2017) e Professor de Ciência Política na Universidade de Aveiro.
Cinco novos partidos
poderão concorrer já às eleições europeias que se preveem para maio do próximo
ano: Aliança (liberal, conservador e personalista – para espicaçar a direita, em
oposição a Rui Rio); Democracia 21 (liberal na economia e costumes, em reação à demissão de Passos
Coelho, com a ideia do emagrecimento do Estado, descida da carga fiscal e apoio
à Europa a duas velocidades); Volt (partido pan-europeu, instalado em 8 países, em reação ao Brexit); Iniciativa Liberal (para preencher o vazio de liberalismo e reformar o sistema
político, com a criação dos círculos uninominais e um círculo nacional); e Partido Libertário Português (defende o liberalismo económico e a liberdade individual).
Com exceção do Volt, todos se reclamam de liberais
acentuando cada um aspetos específicos do liberalismo. No entanto, o novo
partido que mais engulho está a criar ao Palácio de Belém é o Aliança liderado por Santana Lopes. No
dizer de Leonete Botelho, ante o anúncio da criação dum partido por Santana,
Marcelo Rebelo de Sousa terá afirmado temer pela “fragmentação” da direita. Com
efeito, para o Chefe de Estado e Professor de Direito Constitucional, a divisão
à direita pode criar condições para uma maioria absoluta do PS, sozinho ou com
apenas mais um partido, sobretudo tendo em conta o nosso sistema parlamentar de
representação proporcional amplificada pelo método de Hondt. E, deste modo, o
Presidente da República pode ver protelada no tempo a formação dum governo de
direita, ou seja, arrisca-se a repetir o mandato presidencial – repetição ou
não de que fez tabu, entregando-a nas mãos de Deus – sem que veja o regresso da
direita ao poder executivo. E a agenda presidencial ficará gorada neste
aspeto.
Aliás, todos os seus
antecessores repetiram mandato e, antes de saírem de Belém, fizeram os seus
estragos no poder executivo. Ramalho Eanes, antes da saída, empossou um Governo
minoritário do PSD, refém do PRD, um ícone de Eanes; Mário Soares, depois do
Congresso “Portugal, que futuro?”, não
saiu de Belém sem, antes, empossar um Governo pouco minoritário do PS; Jorge
Sampaio, provocou a dissolução do Parlamento onde havia uma maioria
parlamentar, de que resultou o único Governo maioritário do PS; E Cavaco Silva
(Considerado institucionalista!), depois de vir a terreiro defender o
seu ataque público ao estatuto autonómico dos Açores (aprovado unanimemente no Parlamento e sem óbice no Tribunal
Constitucional) e lançar a suspeita de que o Palácio de Belém estava sob escuta
de membros do Governo, consegue empossar um governo minoritário do PS e, depois
do apelo ao sobressalto democrático no discurso de inauguração do seu 2.º
mandato presidencial, conseguiu passar guia de marcha a José Sócrates e
empossar um Governo maioritário do PSD/CDS, que se ia desfazendo num sistema de
autofagia. E a sua famosa índole institucionalista tentou, a seguir às
legislativas de 2015, impor um Governo minoritário de Passos, mas uma leitura
institucionalista da Constituição por parte de Costa, Catarina, Jerónimo e
Heloísa Apolónia impôs-lhe o empossamento do Governo minoritário do PS estribado
numa maioria parlamentar de esquerda.
***
O Professor Carlos
Jalali aplica ao PS e ao PSD o funcionamento do sistema de representação
proporcional (CRP, art.º 113.º/5) segundo a média
mais alta de Hondt (art.º 149.º/1), em que a fórmula
de distribuição de votos em mandatos favorece o partido (ou coligação) mais votado e tanto mais quanto maior for a distância entre os
dois primeiros partidos:
“Num
cenário em que o PS ganha, quanto maior for a diferença percentual em relação
ao segundo, mais mandatos ganhará, reforçando a sua maioria”.
E Leonete Botelho,
baseada nessa afirmação, refere que “o método de Hondt faz inflacionar o número
de deputados quando um dos partidos tem clara vantagem sobre os restantes”. Assim,
“se o segundo partido se afunda, desce a percentagem necessária para o partido
mais votado ter maioria absoluta”, pois a sobrerrepresentação deste aumenta.
Nestes termos, tudo quanto o partido de Rio ceder à abstenção, que pode crescer,
ou aos partidos liberais cavará de forma significativa o fosso em relação ao
PS, com o efeito inverso ao que levou à coligação PSD/CDS e lhe granjeou o
maior número de deputados.
Mas será o novo
partido liderado por Santana Lopes – e não qualquer doa outros acima referidos
– o que mais estragos causará ao partido de Rui Rio? Quem tiver lido o irónico
artigo do comendador Marques de Correia na Revista
do Expresso do passado dia 25 poderá
pensar que o Aliança teria apenas o
líder ou que seria o novo partido do táxi. No entanto, há que pensar em Pedro
Santana Lopes e no seu espírito combativo.
Que me recorde, só
ganhou a Câmara Municipal de Figueira da Foz e a de Lisboa. Quanto ao mais,
candidatou-se várias vezes à Presidência do PSD, tendo sido ultrapassado pelos
concorrentes. Chegou a líder do partido por indicação dum Conselho Nacional
para obviar à emergência criada por Durão Barroso pela assunção da Presidência da
Comissão Europeia e, nessas circunstâncias, foi nomeado Chefe de Governo. Foi
aclamado como líder partidário mais tarde num congresso partidário quando
exercia funções primo-ministeriais e foi levado aos ombros às eleições
legislativas de 2005, que perdeu a favor de Sócrates. O seu desempenho como
Chefe do Governo foi de má memória, mas, para tal, muito contribuiu a posição
demolidora de barões da sua família partidária, bem como as críticas acérrimas
do comentador Marcelo, hoje PR, que agora lança as suas lágrimas de direita
pela deserção santanista – e, ainda, a vigilância presidencial de Sampaio que o
aguentou até que o PS se preparasse para eleições, saído do rescaldo da Casa
Pia, que tramou o então secretário-geral dos socialistas.
Não obstante, ainda
que perdedor em resultados finais, costuma apresentar bons resultados de
percurso, graças a uma certa eficiência pessoal e à capacidade persuasiva
nalguns setores e áreas. E os resultados finais não têm sido apocalípticos,
pois têm sido lidos como fruto das circunstâncias e do não domínio do aparelho
partidário. Agora, com uma criação sua, se não se augura um efeito retumbante,
adivinham-se estragos consideráveis no atual alinhamento à direita,
provavelmente radicalizando posições ou ajudando a pulverizar o espectro
partidário.
Ora, se o PSD descer
para cerca dos 25% (as últimas sondagens, antes
do anúncio de criação da Aliança, davam-lhe pouco mais de 27% das
intenções de voto) e
o PS ficar perto dos 40%, este terá aumentada a sobrerrepresentação e a direita
sofrerá derrota maior, não compensável pela soma dos eleitos pelo PSD e pelo Aliança. E, se o PSD perder 3 ou 4% para
a Aliança, não aumentará o número de deputados da direita, mas aumentará o
fosso entre PSD e PS, com benefício para este, que assim poderá – sozinho ou
com um dos partidos que hoje suportam o Governo – alcançar mais facilmente a
maioria absoluta, não pedida por Costa. A este respeito, interpelada sobre se
esta conjuntura está a ser equacionada pelo Aliança
e se levará a coligações à direita para as legislativas para evitar tal
resultado, Margarida Neto, uma das fundadoras, quis responder muito laconicamente:
“Esperem que
o partido surja, que aprove o seu programa, e aí terão a resposta. Por agora
não posso adiantar mais nada.”
E, para lá do impacto nos
resultados eleitorais em 2019, o surgimento de novos partidos à direita pode
conduzir a uma profunda alteração desta área política. A isto diz Carlos
Jalali:
“Os novos
partidos podem atrair eleitores que de outra forma não votariam e alguns deles
podem afirmar-se no espectro partidário, levando a uma reconfiguração da
direita após 2019”.
Ora, este é um outro fator
preocupante para Belém: reexistir uma alternativa
forte a um governo de esquerda pode demorar muito tempo, tanto quanto durar
esse período de recomposição do sistema partidário.
***
Uma questão que os observadores
estão a levantar é sobre o motivo que leva, 44 anos após a democracia, à
tendência tão acentuada do surgimento de partidos afirmadamente liberais. E o
referido Professor de Ciência Política opina que não será “uma reação direta à
‘geringonça’ da esquerda”, mas que se deverá ao facto de “esta solução
governativa ter mostrado um sistema mais volátil”, mais permeável a soluções originais
e alianças inesperadas. Com efeito, segundo o especialista, essa volatilidade
confirma a tendência europeia dos últimos anos, onde nalguns países “representou mesmo o colapso do sistema
partidário, como em França, Espanha e tantos outros”. Por outro lado, reconhece
a existência de um espaço quase vazio nesta área do nosso sistema político, que
tem sido pouco explorado, o correspondente “aos Liberais Democratas no Reino
Unido ou FDP (Free Democratic Party)
alemão”, um espaço que é liberal no sentido económico e no plano dos valores e
normas sociais. E o Professor discorre: O CDS teve uma linha mais liberal com
Lucas Pires, mas noutros momentos é mais conservador, enquanto o PSD teve uma
aproximação mais liberal no sentido económico com Passos, mas no plano social
aproxima-se mais das posições da Igreja (o que é discutível) – sobretudo a partir de
Sócrates, quando o PS ocupa o espaço liberal nos valores – tendências que “dependem
sempre mais do líder”. E, se, por um lado, a perceção é a de que “os liberais
não estão suficientemente representados a nível partidário”, por outro, têm
ganhado “uma maior visibilidade” nos media, onde várias figuras públicas
e opinion makers (nas
redes sociais e blogosfera)
se definem como liberais. E Jalali verifica:
“Este peso
social dos liberais não tem encontrado resposta suficiente no espectro
partidário. Alguns destes partidos surgem para tentar refletir esta potencial
procura do lado do eleitorado.”.
Além disso e apesar do descrédito
da política e dos políticos, vem crescendo o número de formações partidárias.
As eleições legislativas de 2015 foram as que tiveram o maior número de
partidos a concorrer na democracia, batendo as de 1975 e 76. Isso mostra a
Jalali a tendência para haver mais partidos nos últimos anos, aproveitando o
desgaste dos partidos tradicionais e a ideia de que o ‘mercado’ partidário não
está a corresponder à ‘procura’ dos eleitores.
***
Para um partido novo, é tentador estrear-se
nas europeias. Fizeram-no o Bloco de
Esquerda em 1999, o Movimento
Alternativa Socialista e o Livre
em 2014. São campanhas mais fáceis de montar por se concorrer com lista única num
único círculo eleitoral, o que não obriga a investir muitos recursos como
sucede nas legislativas e mais ainda nas autárquicas. Em contraponto, são
vistas como eleições de 2.ª ordem por não determinarem o rumo da governação em Portugal,
pelo que os eleitores estão mais disponíveis para votarem em partidos que não
os principais. Não há a pressão do voto útil, a agenda política é mais diversificada
e os novos partidos podem introduzi a sua própria agenda. Santana começou por
dizer que não concorreria às europeias. Não sei se o disse em termos pessoais
ou de partido e se, no segundo caso, não terá já repensado a estratégia.
Com efeito, em contraponto como o
referido acima, nas eleições europeias, é mais difícil eleger deputados e
aceder ao financiamento público. A proporção de votos necessária para eleger um
eurodeputado é maior que para eleger um deputado à Assembleia da República, como
explica o professor de Ciência Política:
“Nas europeias,
os partidos precisam de conseguir um resultado entre 2,4 a 4,5% para eleger um
deputado, numa média de 3,5% dos votos. O que não sendo muito alto, é mais alto
do que é preciso para eleger um deputado no círculo eleitoral de Lisboa e Porto
em legislativas.”.
Por outro lado, nas europeias, é
mais difícil, como se disse, o acesso aos media. Assim, mas últimas, não
houve sequer nenhum debate em canal aberto entre os candidatos à presidência da
Comissão Europeia. Na verdade, a legislação que regula a cobertura jornalística
foi alterada em 2015, entre as europeias e as legislativas, mas para os
partidos mais pequenos, foi pior a emenda que o soneto. Diz Rui Tavares a este
respeito:
“Se em 2014
vigorava a lei que garantia igualdade de cobertura – e os media optaram
por dar zero cobertura, acompanhando apenas os líderes dos partidos
parlamentares para falarem das questões nacionais –, em 2015 a lei eleitoral
passou a permitir a liberdade jornalística desde que seja dada visibilidade aos
partidos com assento parlamentar, o que levou a que os outros fossem
completamente ostracizados em matéria de cobertura”.
Ora, sem canais de massa para os
ouvir, fica mais difícil aos pequenos partidos passarem a sua mensagem. E os
partidos com assento parlamentar tendem, nas europeias, a desviar a atenção para
as questões internas.
***
Pode Costa negociar o OE 2019 à
vontade com os partidos à esquerda do PS, cedendo onde puder, com alguma consequência
em relação ao resultados de 4 de outubro de 2015 e a sua hábil determinação, ou
com Rio, se preferir guinar mais à direita. Mas não tem que se preocupar
demasiado com a vertente eleitoralista – o que não quer dizer que o não fará – porque a oposição à direita se
encarregará de lhe facilitar o trabalho atomizando-se, a não ser que surja se
súbito algum estratega credível.
Porém, criará um problema a
Marcelo: se acertar o OE 2019 com a esquerda, pode acirrar a direita, levando o
Presidente à tentação de dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas.
O mesmo pode acontecer se o OE 2019 for acertado com Rio e Marcelo esquecer a
sua afirmação de que a aprovação do próximo orçamento terá de ser naturalmente com
a esquerda.
Seja como for, a antecipação das
eleições legislativas para antes das europeias, hipótese que Marcelo admitiu,
dará um cenário de um PSD fragilizado, os partidos liberais sem preparação para
disputar o eleitorado e o PS vergastado à esquerda e sem saber para onde se
virar. E tanto a habilidade de Costa como o rigor de Rio ou a determinação de
Cristas têm limites. Veremos!
2018.08.27 – Louro de Carvalho
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