segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O Orçamento de Estado para 2019 não precisa de ser eleitoralista


Tiro esta conclusão a partir de dois artigos de Leonete Botelho que o Público de hoje, dia 27, traz para a ribalta, baseando-se em formulações de várias entidades, com destaque especial para Carlos Jalali, autor do ensaio “Partidos e Sistemas Partidários” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2017) e Professor de Ciência Política na Universidade de Aveiro.
Cinco novos partidos poderão concorrer já às eleições europeias que se preveem para maio do próximo ano: Aliança (liberal, conservador e personalista – para espicaçar a direita, em oposição a Rui Rio); Democracia 21 (liberal na economia e costumes, em reação à demissão de Passos Coelho, com a ideia do emagrecimento do Estado, descida da carga fiscal e apoio à Europa a duas velocidades); Volt (partido pan-europeu, instalado em 8 países, em reação ao Brexit); Iniciativa Liberal (para preencher o vazio de liberalismo e reformar o sistema político, com a criação dos círculos uninominais e um círculo nacional); e Partido Libertário Português (defende o liberalismo económico e a liberdade individual).
Com exceção do Volt, todos se reclamam de liberais acentuando cada um aspetos específicos do liberalismo. No entanto, o novo partido que mais engulho está a criar ao Palácio de Belém é o Aliança liderado por Santana Lopes. No dizer de Leonete Botelho, ante o anúncio da criação dum partido por Santana, Marcelo Rebelo de Sousa terá afirmado temer pela “fragmentação” da direita. Com efeito, para o Chefe de Estado e Professor de Direito Constitucional, a divisão à direita pode criar condições para uma maioria absoluta do PS, sozinho ou com apenas mais um partido, sobretudo tendo em conta o nosso sistema parlamentar de representação proporcional amplificada pelo método de Hondt. E, deste modo, o Presidente da República pode ver protelada no tempo a formação dum governo de direita, ou seja, arrisca-se a repetir o mandato presidencial – repetição ou não de que fez tabu, entregando-a nas mãos de Deus – sem que veja o regresso da direita ao poder executivo. E a agenda presidencial ficará gorada neste aspeto.
Aliás, todos os seus antecessores repetiram mandato e, antes de saírem de Belém, fizeram os seus estragos no poder executivo. Ramalho Eanes, antes da saída, empossou um Governo minoritário do PSD, refém do PRD, um ícone de Eanes; Mário Soares, depois do Congresso “Portugal, que futuro?”, não saiu de Belém sem, antes, empossar um Governo pouco minoritário do PS; Jorge Sampaio, provocou a dissolução do Parlamento onde havia uma maioria parlamentar, de que resultou o único Governo maioritário do PS; E Cavaco Silva (Considerado institucionalista!), depois de vir a terreiro defender o seu ataque público ao estatuto autonómico dos Açores (aprovado unanimemente no Parlamento e sem óbice no Tribunal Constitucional) e lançar a suspeita de que o Palácio de Belém estava sob escuta de membros do Governo, consegue empossar um governo minoritário do PS e, depois do apelo ao sobressalto democrático no discurso de inauguração do seu 2.º mandato presidencial, conseguiu passar guia de marcha a José Sócrates e empossar um Governo maioritário do PSD/CDS, que se ia desfazendo num sistema de autofagia. E a sua famosa índole institucionalista tentou, a seguir às legislativas de 2015, impor um Governo minoritário de Passos, mas uma leitura institucionalista da Constituição por parte de Costa, Catarina, Jerónimo e Heloísa Apolónia impôs-lhe o empossamento do Governo minoritário do PS estribado numa maioria parlamentar de esquerda.
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O Professor Carlos Jalali aplica ao PS e ao PSD o funcionamento do sistema de representação proporcional (CRP, art.º 113.º/5) segundo a média mais alta de Hondt (art.º 149.º/1), em que a fórmula de distribuição de votos em mandatos favorece o partido (ou coligação) mais votado e tanto mais quanto maior for a distância entre os dois primeiros partidos:
Num cenário em que o PS ganha, quanto maior for a diferença percentual em relação ao segundo, mais mandatos ganhará, reforçando a sua maioria”.
E Leonete Botelho, baseada nessa afirmação, refere que “o método de Hondt faz inflacionar o número de deputados quando um dos partidos tem clara vantagem sobre os restantes”. Assim, “se o segundo partido se afunda, desce a percentagem necessária para o partido mais votado ter maioria absoluta”, pois a sobrerrepresentação deste aumenta. Nestes termos, tudo quanto o partido de Rio ceder à abstenção, que pode crescer, ou aos partidos liberais cavará de forma significativa o fosso em relação ao PS, com o efeito inverso ao que levou à coligação PSD/CDS e lhe granjeou o maior número de deputados.
Mas será o novo partido liderado por Santana Lopes – e não qualquer doa outros acima referidos – o que mais estragos causará ao partido de Rui Rio? Quem tiver lido o irónico artigo do comendador Marques de Correia na Revista do Expresso do passado dia 25 poderá pensar que o Aliança teria apenas o líder ou que seria o novo partido do táxi. No entanto, há que pensar em Pedro Santana Lopes e no seu espírito combativo.
Que me recorde, só ganhou a Câmara Municipal de Figueira da Foz e a de Lisboa. Quanto ao mais, candidatou-se várias vezes à Presidência do PSD, tendo sido ultrapassado pelos concorrentes. Chegou a líder do partido por indicação dum Conselho Nacional para obviar à emergência criada por Durão Barroso pela assunção da Presidência da Comissão Europeia e, nessas circunstâncias, foi nomeado Chefe de Governo. Foi aclamado como líder partidário mais tarde num congresso partidário quando exercia funções primo-ministeriais e foi levado aos ombros às eleições legislativas de 2005, que perdeu a favor de Sócrates. O seu desempenho como Chefe do Governo foi de má memória, mas, para tal, muito contribuiu a posição demolidora de barões da sua família partidária, bem como as críticas acérrimas do comentador Marcelo, hoje PR, que agora lança as suas lágrimas de direita pela deserção santanista – e, ainda, a vigilância presidencial de Sampaio que o aguentou até que o PS se preparasse para eleições, saído do rescaldo da Casa Pia, que tramou o então secretário-geral dos socialistas.
Não obstante, ainda que perdedor em resultados finais, costuma apresentar bons resultados de percurso, graças a uma certa eficiência pessoal e à capacidade persuasiva nalguns setores e áreas. E os resultados finais não têm sido apocalípticos, pois têm sido lidos como fruto das circunstâncias e do não domínio do aparelho partidário. Agora, com uma criação sua, se não se augura um efeito retumbante, adivinham-se estragos consideráveis no atual alinhamento à direita, provavelmente radicalizando posições ou ajudando a pulverizar o espectro partidário.         
Ora, se o PSD descer para cerca dos 25% (as últimas sondagens, antes do anúncio de criação da Aliança, davam-lhe pouco mais de 27% das intenções de voto) e o PS ficar perto dos 40%, este terá aumentada a sobrerrepresentação e a direita sofrerá derrota maior, não compensável pela soma dos eleitos pelo PSD e pelo Aliança. E, se o PSD perder 3 ou 4% para a Aliança, não aumentará o número de deputados da direita, mas aumentará o fosso entre PSD e PS, com benefício para este, que assim poderá – sozinho ou com um dos partidos que hoje suportam o Governo – alcançar mais facilmente a maioria absoluta, não pedida por Costa. A este respeito, interpelada sobre se esta conjuntura está a ser equacionada pelo Aliança e se levará a coligações à direita para as legislativas para evitar tal resultado, Margarida Neto, uma das fundadoras, quis responder muito laconicamente:
Esperem que o partido surja, que aprove o seu programa, e aí terão a resposta. Por agora não posso adiantar mais nada.
E, para lá do impacto nos resultados eleitorais em 2019, o surgimento de novos partidos à direita pode conduzir a uma profunda alteração desta área política. A isto diz Carlos Jalali:
Os novos partidos podem atrair eleitores que de outra forma não votariam e alguns deles podem afirmar-se no espectro partidário, levando a uma reconfiguração da direita após 2019”.
Ora, este é um outro fator preocupante para Belém: reexistir uma alternativa forte a um governo de esquerda pode demorar muito tempo, tanto quanto durar esse período de recomposição do sistema partidário.
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Uma questão que os observadores estão a levantar é sobre o motivo que leva, 44 anos após a democracia, à tendência tão acentuada do surgimento de partidos afirmadamente liberais. E o referido Professor de Ciência Política opina que não será “uma reação direta à ‘geringonça’ da esquerda”, mas que se deverá ao facto de “esta solução governativa ter mostrado um sistema mais volátil”, mais permeável a soluções originais e alianças inesperadas. Com efeito, segundo o especialista, essa volatilidade confirma a tendência europeia dos últimos anos, onde nalguns países “representou mesmo o colapso do sistema partidário, como em França, Espanha e tantos outros”. Por outro lado, reconhece a existência de um espaço quase vazio nesta área do nosso sistema político, que tem sido pouco explorado, o correspondente “aos Liberais Democratas no Reino Unido ou FDP (Free Democratic Party) alemão”, um espaço que é liberal no sentido económico e no plano dos valores e normas sociais. E o Professor discorre: O CDS teve uma linha mais liberal com Lucas Pires, mas noutros momentos é mais conservador, enquanto o PSD teve uma aproximação mais liberal no sentido económico com Passos, mas no plano social aproxima-se mais das posições da Igreja (o que é discutível) – sobretudo a partir de Sócrates, quando o PS ocupa o espaço liberal nos valores – tendências que “dependem sempre mais do líder”. E, se, por um lado, a perceção é a de que “os liberais não estão suficientemente representados a nível partidário”, por outro, têm ganhado “uma maior visibilidade” nos media, onde várias figuras públicas e opinion makers (nas redes sociais e blogosfera) se definem como liberais. E Jalali verifica:
Este peso social dos liberais não tem encontrado resposta suficiente no espectro partidário. Alguns destes partidos surgem para tentar refletir esta potencial procura do lado do eleitorado.”.
Além disso e apesar do descrédito da política e dos políticos, vem crescendo o número de formações partidárias. As eleições legislativas de 2015 foram as que tiveram o maior número de partidos a concorrer na democracia, batendo as de 1975 e 76. Isso mostra a Jalali a tendência para haver mais partidos nos últimos anos, aproveitando o desgaste dos partidos tradicionais e a ideia de que o ‘mercado’ partidário não está a corresponder à ‘procura’ dos eleitores.
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Para um partido novo, é tentador estrear-se nas europeias. Fizeram-no o Bloco de Esquerda em 1999, o Movimento Alternativa Socialista e o Livre em 2014. São campanhas mais fáceis de montar por se concorrer com lista única num único círculo eleitoral, o que não obriga a investir muitos recursos como sucede nas legislativas e mais ainda nas autárquicas. Em contraponto, são vistas como eleições de 2.ª ordem por não determinarem o rumo da governação em Portugal, pelo que os eleitores estão mais disponíveis para votarem em partidos que não os principais. Não há a pressão do voto útil, a agenda política é mais diversificada e os novos partidos podem introduzi a sua própria agenda. Santana começou por dizer que não concorreria às europeias. Não sei se o disse em termos pessoais ou de partido e se, no segundo caso, não terá já repensado a estratégia.
Com efeito, em contraponto como o referido acima, nas eleições europeias, é mais difícil eleger deputados e aceder ao financiamento público. A proporção de votos necessária para eleger um eurodeputado é maior que para eleger um deputado à Assembleia da República, como explica o professor de Ciência Política:
Nas europeias, os partidos precisam de conseguir um resultado entre 2,4 a 4,5% para eleger um deputado, numa média de 3,5% dos votos. O que não sendo muito alto, é mais alto do que é preciso para eleger um deputado no círculo eleitoral de Lisboa e Porto em legislativas.”.
Por outro lado, nas europeias, é mais difícil, como se disse, o acesso aos media. Assim, mas últimas, não houve sequer nenhum debate em canal aberto entre os candidatos à presidência da Comissão Europeia. Na verdade, a legislação que regula a cobertura jornalística foi alterada em 2015, entre as europeias e as legislativas, mas para os partidos mais pequenos, foi pior a emenda que o soneto. Diz Rui Tavares a este respeito:
Se em 2014 vigorava a lei que garantia igualdade de cobertura – e os media optaram por dar zero cobertura, acompanhando apenas os líderes dos partidos parlamentares para falarem das questões nacionais –, em 2015 a lei eleitoral passou a permitir a liberdade jornalística desde que seja dada visibilidade aos partidos com assento parlamentar, o que levou a que os outros fossem completamente ostracizados em matéria de cobertura”.
Ora, sem canais de massa para os ouvir, fica mais difícil aos pequenos partidos passarem a sua mensagem. E os partidos com assento parlamentar tendem, nas europeias, a desviar a atenção para as questões internas.
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Pode Costa negociar o OE 2019 à vontade com os partidos à esquerda do PS, cedendo onde puder, com alguma consequência em relação ao resultados de 4 de outubro de 2015 e a sua hábil determinação, ou com Rio, se preferir guinar mais à direita. Mas não tem que se preocupar demasiado com a vertente eleitoralista – o que não quer dizer que o não fará – porque a oposição à direita se encarregará de lhe facilitar o trabalho atomizando-se, a não ser que surja se súbito algum estratega credível.
Porém, criará um problema a Marcelo: se acertar o OE 2019 com a esquerda, pode acirrar a direita, levando o Presidente à tentação de dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas. O mesmo pode acontecer se o OE 2019 for acertado com Rio e Marcelo esquecer a sua afirmação de que a aprovação do próximo orçamento terá de ser naturalmente com a esquerda.
Seja como for, a antecipação das eleições legislativas para antes das europeias, hipótese que Marcelo admitiu, dará um cenário de um PSD fragilizado, os partidos liberais sem preparação para disputar o eleitorado e o PS vergastado à esquerda e sem saber para onde se virar. E tanto a habilidade de Costa como o rigor de Rio ou a determinação de Cristas têm limites. Veremos!    
2018.08.27 – Louro de Carvalho

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