terça-feira, 7 de agosto de 2018

Fachada sul da Catedral de Santiago de Compostela vandalizada


No passado dia 6 de agosto, o Diário de Notícias, citando o ABC Galicia, noticiava que a fachada da Catedral de Santiago de Compostela, na Galiza, Espanha, aparecera naquela manhã vandalizada com motivos da banda de rock Kiss.
Na verdade, uma das esculturas da fachada sul da Catedral foi pintada com referências à banda estadunidense de hard rock Kiss, um verdadeiro “atentado cultural” ao monumento do século XII que foi detetado naquela segunda-feira de manhã. Disse, a este respeito o Conselheiro de Cultura da Junta da Galiza, Román Rodriguez, ao ABC Galicia:
Estamos perante uma barbaridade, um autêntico atentado cultural; e esperamos que se possam localizar os infratores e aplicar-lhes com toda a força a lei do património cultural, que prevê sanções de 6.000 a 150.000 euros para uma infração deste tipo”.
Estando as autoridades a analisar as gravações das câmaras de segurança do local na tentativa da identificação e busca dos responsáveis, a polícia nacional pediu, através da sua conta de Twitter, a colaboração dos cidadãos para encontrar os culpados.
Ao mesmo tempo, foi noticiado que a escultura de mármore onde foram desenhados bigodes e olhos de gato e foi escrita a palavra “Kiss” iria ser limpa com equipamentos de laser de última geração ainda na tarde daquele dia, como assegurou o diretor da Fundação da Catedral, Daniel Lorenzo. E Martiño Noriega, presidente da câmara de Santiago, em declarações aos jornalistas junto à fachada, citado pelo ABC Galicia, enfatizou:
Esta é uma cidade Património da Humanidade que se construiu aberta para o mundo e terrivelmente tolerante, mas hoje todas as administrações aqui representadas querem enviar a mensagem de que somos intolerantes a este tipo de ações: se tocam no património, que é a razão de ser da cidade, tocam-nos a todos”,
De facto, a fachada das Pratarias é a fachada sul da catedral e é a única de estilo românico, que ainda no edifício. Foi construída entre 1103 e 1117 e deve o nome às oficinas de prata existentes no claustro durante a Idade Média.
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Entretanto, a leitura do ABC Galicia oferece-nos pormenores mais precisos e explicações pertinentes.  
Assim, a previsão acima adiantada pelo diretor da Fundação da Catedral de que as obras de limpeza se fariam na tarde do dia da deteção do ato de vandalismo foi proferida depois da avaliação feita pelos técnicos da Direção-Geral de Património e dos peritos de restauração da própria Catedral, que analisaram, logo quase no início do dia, a escultura datada do século XII e feita de mármore. E, como adiantou aos jornalistas, a intervenção poderia realizar-se com as equipas de laser de última geração presentes já no templo por via da recente recuperação da policromia do Pórtico da Glória – o que levou o Conselheiro de Cultura, Román Rodriguez, a confiar numa rápida reparação do prejuízo e o diretor da Fundação Cultural, Daniel Lorenzo, a afirmar, ao meio-dia, que “hoje (no dia 6) à tarde já estará a peça perfeitamente limpa”.

Em qualquer caso e apesar do custo da intervenção, Daniel Lorenzo acentuou a importância da consciencialização geral a respeito do património, salientando que “deve ser coisa de todos”.

Por seu turno, junto da estátua afetada, Román Rodríguez, censurou, como foi referido, estes atos, advertindo que a lei do património cairá com toda a força em cima dos autores desta barbaridade, pelo que espera que eles sejam rapidamente localizados com vista à aplicação das sanções estipuladas na lei.
Também o alcaide de Santiago (Presidente da Câmara), Martiño Noriega, acompanhou os representantes da Igreja e o titular da Cultura para condenar em absoluto este tipo de ações, enfatizando a classificação da cidade como Património da Humanidade que se constituiu aberta ao mundo afincadamente tolerante, mas afirmando a necessária intolerância para com estas ações de desfiguramento do património. Na verdade, as classificações burocráticas de património da humanidade, de monumento nacional, de monumento de interesse público pouco eficazes se tornam se não houver respeito da parte de todos, apertada vigilância por quem de direito e colaboração cidadã. 
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Enquanto a Catedral trabalhava na reparação dos prejuízos – logo desde o início da tarde do dia 6, a zona estava vedada e oculta com uma lona para permitir o trabalho dos restauradores – a Polícia Nacional instava, através da sua conta no Twitter, à colaboração cidadã. Assim, escrevia o corpo de polícia em sua conta oficial, acompanhando o texto com uma fotografia da estátua atacada:
A Catedral de Santiago é Património da Humanidade. Pertence-nos a todos. Estas pinturas, além de falta absoluta de respeito e civismo, são ‘delito’. Ajude-nos a encontrar o/s responsável (eis).”.
O alcaide de Santiago de Compostela, apesar de ter referido que os responsáveis deste ato de vandalismo se sujeitam a sanções pecuniárias, que vão de 6 mil a 150.000 euros, e de ter rotulado o ato de barbaridade que lesa “um bem Património da Humanidade”, avisava:
Não vou adiantar nada até que os corpos de segurança possam dizer alguma coisa”.
Dizia isto a propósito das imagens que pudessem ter captado as câmaras de segurança colocadas em torno da fachada sul da Catedral, depois de uma das esculturas da portada das Pratarias ter aparecido pintada – melhor, tatuada – com marcador azul, aplicando sobre a figura a maquilhagem caraterística da banda estadunidense de hard rock Kiss.
E o Conselheiro de Cultura, Román Rodríguez, esclarecia:
“Há várias câmaras, algumas municipais, outras da Igreja... Esperamos que se possam localizar os infratores e aplicar-lhes com toda a força a lei do património cultural.”.
É curioso registar que, segundo o diretor da Fundação Catedral, Daniel Lorenzo, não há consenso entre os estudiosos sobre quem é a personagem representada na escultura afetada: um profeta, um apóstolo…
Noriega, entretanto, pormenorizou que a parte da Polícia Local correspondente ao turno da noite não recolheu nenhum indício de altercação na zona, embora, como recordou, a vigilância se encontre reforçada desde o mês de julho, em colaboração com a Polícia Nacional, como parte do habitual reforço de meios a que se procede, em cada verão, neste como noutros pontos do território histórico compostelano em virtude da sua importante afluência turística. Em qualquer caso, o autarca sublinhou que o incidente transcende a esfera da vigilância e do controlo e apelou a uma necessária e acurada atenção ao civismo e ao respeito pelo património por parte “do conjunto da cidadania e de todos aqueles que nos visitam”.
A câmara de vigilância do “Ayuntamiento” mais próxima do lugar do ato de vandalismo situa-se no balcão do Museu das Peregrinações, na mesma Praza das Pratarias, a uns 20 metros do acesso à Catedral em que se produziram os grafitti. Porém, fontes oficiais levantaram dúvidas sobre a possibilidade de que, de noite e a partir da sua posição (a figura afetada encontra-se na esquina direita da fachada), a câmara pudesse ter registado a infração.
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Porém, o trabalho de restauro não foi totalmente eficaz à primeira. Com efeito, apesar do trabalho dos técnicos, ainda se divisam restos dos grafitti que exibiam o estilo da banda de hard rock Kiss.
A pintura que, no dia 6, apareceu na fachada sul da Catedral é histórica. Após a realização de diferentes experimentações numa peça de mármore para assegurar a idoneidade do tratamento, os técnicos procederam à eliminação dos restos dos grafiti realizados na referida estátua do século XII situada na fachada das Pratarias. Não obstante, ainda podem apreciar-se restos do marcador azul com que o autor (ou os autores) do ato de vandalismo intentaram imprimir na talha o caraterístico estilo da banda de hard rock Kiss.
Fontes da Fundação Catedral declararam ao jornal Faro de Vigo que preveem uma nova atuação sobre a estátua para eliminar por completo os vestígios da pintura. Presentemente, a zona de localização da estátua encontra-se encoberta por vários painéis, que se retirarão a seu tempo.
Uma vez reparada a escultura, as autoridades afadigam-se a localizar o responsável ou os responsáveis pela predita ação de vandalismo com vista ao apuramento total das responsabilidades e à eventual merecida punição.
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Pode aplicar-se à defesa do Património relativamente aos atos de vandalismo e ao terrorismo o que o Padre António Vieira dizia sobre a guerra e a falta de segurança em tempo de guerra:
“[…] É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, as cidades, os castelos, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que ou não se padeça ou não se tema, nem bem que seja próprio e seguro: – o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a sua honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro. […]. (Excerto do SERMÃO HISTÓRICO E PANEGÍRICO
NOS ANOS DA RAINHA D. MARIA FRANCISCA DE SABOIA, cap. II).

Deus nos livre! A ambição, a maldade e o exibicionismo subterrâneos anulam a sensibilidade. Degrada-se o património como se fere e mata. A polícia não dá conta, as câmaras de vigilância não são eficazes, a justiça nem sempre funciona. E a colaboração cidadã é limitada. Se não temos quem zele pela segurança de todos, resta-nos o conforto da fé e da esperança, a consolação psicológica e a vingança do repúdio pelos atos de vandalismo e de terrorismo.
Entretanto, por tudo o que é mais sagrado, redobremos a vigilância e procedamos à comunicação discreta às autoridades de tudo o que pareça suspeito, esperando que elas guardem o devido sigilo sobre a identidade e a proveniência dos denunciantes.
2018.08.07 – Louro de Carvalho

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