No passado dia 6 de agosto, o Diário de Notícias, citando o ABC
Galicia, noticiava que a fachada da Catedral de Santiago de Compostela, na Galiza,
Espanha, aparecera naquela manhã vandalizada com motivos da banda de rock Kiss.
Na verdade, uma das esculturas da fachada sul da Catedral foi pintada
com referências à banda estadunidense de hard rock Kiss, um verdadeiro
“atentado cultural” ao monumento do século XII que foi detetado naquela
segunda-feira de manhã. Disse, a este respeito o Conselheiro de Cultura da Junta
da Galiza, Román Rodriguez, ao ABC
Galicia:
“Estamos perante uma barbaridade, um autêntico
atentado cultural; e esperamos que se possam localizar os infratores e
aplicar-lhes com toda a força a lei do património cultural, que prevê sanções
de 6.000 a 150.000 euros para uma infração deste tipo”.
Estando as autoridades a analisar as gravações das câmaras
de segurança do local na tentativa da identificação e busca dos responsáveis, a
polícia nacional pediu, através da sua conta de Twitter, a colaboração dos
cidadãos para encontrar os culpados.
Ao mesmo tempo, foi noticiado que a escultura de mármore
onde foram desenhados bigodes e olhos de gato e foi escrita a palavra “Kiss”
iria ser limpa com equipamentos de laser de última geração ainda na tarde
daquele dia, como assegurou o diretor da Fundação da Catedral, Daniel Lorenzo.
E Martiño Noriega, presidente da câmara de Santiago, em declarações aos
jornalistas junto à fachada, citado pelo ABC
Galicia, enfatizou:
“Esta é uma cidade Património da Humanidade
que se construiu aberta para o mundo e terrivelmente tolerante, mas hoje todas
as administrações aqui representadas querem enviar a mensagem de que somos
intolerantes a este tipo de ações: se tocam no património, que é a razão de ser
da cidade, tocam-nos a todos”,
De facto, a fachada das Pratarias é a fachada sul da
catedral e é a única de estilo românico, que ainda no edifício. Foi construída entre
1103 e 1117 e deve o nome às oficinas de prata existentes no claustro durante a
Idade Média.
***
Entretanto, a leitura do ABC Galicia oferece-nos pormenores mais
precisos e explicações pertinentes.
Assim, a previsão acima adiantada
pelo diretor
da Fundação da Catedral de que as obras de limpeza se fariam na tarde do dia da
deteção do ato de vandalismo foi proferida depois da avaliação feita pelos técnicos da
Direção-Geral de Património e dos peritos de restauração da própria Catedral,
que analisaram, logo quase no início do dia, a escultura datada do século XII e
feita de mármore. E, como adiantou aos jornalistas, a intervenção poderia realizar-se
com as equipas de laser de última
geração presentes já no templo por via da recente recuperação da policromia do Pórtico da Glória – o que levou o
Conselheiro de Cultura, Román Rodriguez, a confiar numa
rápida reparação do prejuízo e o diretor da Fundação Cultural, Daniel Lorenzo, a afirmar, ao meio-dia, que “hoje (no dia 6) à tarde já estará a peça perfeitamente
limpa”.
Em qualquer
caso e apesar do custo da intervenção, Daniel Lorenzo
acentuou a importância da consciencialização geral a respeito do património,
salientando que “deve ser coisa de todos”.
Por seu turno, junto da estátua
afetada, Román Rodríguez, censurou, como foi referido, estes atos, advertindo
que a lei do património cairá com toda a força em cima dos autores desta barbaridade,
pelo que espera que eles sejam rapidamente localizados com vista à aplicação
das sanções estipuladas na lei.
Também o alcaide de Santiago (Presidente da Câmara), Martiño Noriega, acompanhou os representantes da Igreja e o titular da
Cultura para condenar em absoluto este tipo de ações, enfatizando a
classificação da cidade como Património da Humanidade que se constituiu aberta
ao mundo afincadamente tolerante, mas afirmando a necessária intolerância para
com estas ações de desfiguramento do património. Na verdade, as classificações
burocráticas de património da humanidade, de monumento nacional, de monumento
de interesse público pouco eficazes se tornam se não houver respeito da parte
de todos, apertada vigilância por quem de direito e colaboração cidadã.
***
Enquanto a Catedral trabalhava na
reparação dos prejuízos – logo desde o início da tarde do dia 6, a zona estava
vedada e oculta com uma lona para permitir o trabalho dos restauradores – a Polícia Nacional instava, através da sua
conta no Twitter, à colaboração cidadã. Assim, escrevia o corpo de polícia em
sua conta oficial, acompanhando o texto com uma fotografia da estátua atacada:
“A Catedral de
Santiago é Património da Humanidade. Pertence-nos a todos. Estas pinturas, além
de falta absoluta de respeito e civismo, são ‘delito’. Ajude-nos a encontrar o/s responsável (eis).”.
O alcaide de Santiago
de Compostela, apesar de ter referido que os responsáveis deste ato de vandalismo se
sujeitam a sanções pecuniárias, que vão de 6 mil a 150.000 euros, e de ter
rotulado o ato de barbaridade que lesa “um
bem Património da Humanidade”, avisava:
“Não vou adiantar
nada até que os corpos de segurança possam dizer alguma coisa”.
Dizia isto a propósito das imagens que pudessem
ter captado as câmaras de segurança colocadas em torno da fachada sul da
Catedral, depois de uma das esculturas da portada
das Pratarias ter aparecido pintada – melhor, tatuada – com marcador azul, aplicando sobre a figura a
maquilhagem caraterística da banda estadunidense de hard rock Kiss.
E o Conselheiro de Cultura, Román
Rodríguez, esclarecia:
“Há várias câmaras, algumas municipais, outras da Igreja... Esperamos
que se possam localizar os infratores e aplicar-lhes com toda a força a lei do
património cultural.”.
É curioso registar que, segundo o diretor da
Fundação Catedral, Daniel Lorenzo, não há consenso entre os estudiosos sobre
quem é a personagem representada na escultura afetada: um profeta, um apóstolo…
Noriega, entretanto, pormenorizou
que a parte da Polícia Local correspondente ao turno da noite não
recolheu nenhum indício de altercação na zona, embora,
como recordou, a vigilância se encontre reforçada desde o mês de julho, em colaboração
com a Polícia Nacional, como parte do habitual reforço de meios a que se
procede, em cada verão, neste como noutros pontos do território histórico
compostelano em virtude da sua importante afluência turística. Em qualquer
caso, o autarca sublinhou que o incidente transcende a esfera da vigilância e
do controlo e apelou a uma necessária e acurada atenção ao civismo e ao respeito
pelo património por parte “do conjunto da cidadania e de todos aqueles que nos visitam”.
A câmara de vigilância do “Ayuntamiento”
mais próxima do lugar do ato de vandalismo situa-se no balcão do Museu das Peregrinações,
na mesma Praza das Pratarias, a uns 20 metros do acesso à Catedral em que se
produziram os grafitti. Porém, fontes oficiais levantaram dúvidas sobre a possibilidade
de que, de noite e a partir da sua posição (a figura afetada encontra-se na esquina direita
da fachada), a câmara pudesse ter registado a infração.
***
Porém, o trabalho de restauro não
foi totalmente eficaz à primeira. Com efeito, apesar do
trabalho dos técnicos, ainda se divisam restos dos grafitti que exibiam o
estilo da banda de hard rock Kiss.
A pintura que, no dia 6, apareceu na
fachada sul da Catedral é histórica. Após a realização de diferentes
experimentações numa peça de mármore para assegurar a idoneidade do tratamento, os técnicos procederam à
eliminação dos restos dos grafiti realizados na referida estátua do
século XII situada na fachada das Pratarias. Não obstante, ainda podem apreciar-se restos do marcador azul com que o autor (ou os autores) do ato de
vandalismo intentaram imprimir na talha o caraterístico estilo da banda de hard rock Kiss.
Fontes da Fundação Catedral declararam ao
jornal Faro de Vigo que preveem uma
nova atuação sobre a estátua para eliminar por completo os vestígios da
pintura. Presentemente, a zona de localização da estátua encontra-se encoberta por vários
painéis, que se retirarão a seu tempo.
Uma vez reparada a escultura, as
autoridades afadigam-se a localizar o responsável ou os responsáveis pela predita
ação de vandalismo com vista ao apuramento total das responsabilidades e à
eventual merecida punição.
***
Pode aplicar-se
à defesa do Património relativamente aos atos de vandalismo e ao terrorismo o
que o Padre António Vieira dizia sobre a guerra e a falta de segurança em tempo
de guerra:
“[…] É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas,
do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a
guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, as
cidades, os castelos, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias
inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que
não há mal algum que ou não se padeça ou não se tema, nem bem que seja próprio
e seguro: – o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o
pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a sua honra; o
eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela;
e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro. […].” (Excerto
do SERMÃO HISTÓRICO E PANEGÍRICO
NOS ANOS DA RAINHA D. MARIA FRANCISCA DE SABOIA, cap. II).
Deus nos
livre! A ambição, a maldade e o exibicionismo subterrâneos anulam a
sensibilidade. Degrada-se o património como se fere e mata. A polícia não dá
conta, as câmaras de vigilância não são eficazes, a justiça nem sempre funciona.
E a colaboração cidadã é limitada. Se não temos quem zele pela segurança de
todos, resta-nos o conforto da fé e da esperança, a consolação psicológica e a
vingança do repúdio pelos atos de vandalismo e de terrorismo.
Entretanto,
por tudo o que é mais sagrado, redobremos a vigilância e procedamos à
comunicação discreta às autoridades de tudo o que pareça suspeito, esperando
que elas guardem o devido sigilo sobre a identidade e a proveniência dos
denunciantes.
2018.08.07 –
Louro de Carvalho
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