domingo, 12 de agosto de 2018

Jesus é o Pão da Vida


Esta categórica asserção de Jesus de que é o Pão da Vida ou o Pão Vivo (expressões equivalentes, sendo que a primeira é um hebraísmo) ocupa de algum modo todo o capítulo 6.º do Evangelho de São João (Jo 6,1-71); é precedida da afirmação da sua divindade, como vem desenvolvido no cap. 5.º; e emparelha com as afirmações de que é a Luz do Mundo (Jo 7,1-10,42) e a Vida do Mundo (Jo 11,1-12,50). João – mais atento, ao significado do gesto do lava-pés, ao mandamento novo do amor e do serviço, bem como à preocupação de Cristo com a unidade dos discípulos e a disponibilidade destes à aceitação da força consoladora do Espírito Santo – não incluiu no seu relato evangélico da Última Ceia a referência à bênção do pão durante a Ceia, como o fazem os Evangelho sinóticos (Mt 26,26; Mc 14,22; Lc 22,19). Porém, o discurso do Pão da Vida retém e expõe as ideias que muito influíram na afirmação da doutrina da Eucaristia na tradição cristã.
Com efeito, no contexto cristológico, o uso do título “Pão da Vida” é similar ao de “Luz do Mundo”. Na verdade Jesus afirma Eu sou a luz do mundo; quem me segue, de modo nenhum andará nas trevas, pelo contrário terá a luz da vida” (Jo 8,12). Estas são afirmações expandem o tema cristológico iniciado em João 5,26, onde Jesus declara possuir a Vida, dada pelo Pai, e a capacidade de a dar aos que o seguem.
O capítulo 6.º de João fornece excertos tomados como leitura do Evangelho para a Missa dos domingos XVII (1-15), XVIII (24-35), XIX (41-51), XX (51-59) e XXI (60-69) do Tempo Comum, neste Ano B.
Discurso do Pão da Vida é antecedido pelo episódio da multiplicação dos cinco pais e dos dois peixes depois de a multidão faminta ter escutado o ensino de Jesus, para o que o Mestre não prescindiu do pouco de comida que os discípulos tinham consigo e levou a multidão a sentar-se em conjunto e a compartilhar da comida disponível, que deu para todos e ainda sobejou. Repare-se que a bênção que ali o Senhor pronunciou sobre o pão é similar da referida pelos sinóticos aquando da Última Ceia (XVII domingo). Como era de esperar, as multidões ficaram entusiasmadas e quiseram aclamá-Lo rei. Jesus, porém, percebendo-lhes o intento, afastou-se sozinho para o monte. Entretanto, os discípulos deram conta de que Jesus caminhava sobre as águas e tiveram medo. E lá teve o Senhor que os tranquilizar.
No dia seguinte, as multidões aperceberam-se de que nem Jesus nem os discípulos estavam no lugar onde era suposto estarem. Meteram-se então em barcos e foram ter com eles lá para os lados de Cafarnaum. Foi então que Jesus resolveu pôs os pontos nos is e dar o devido esclarecimento. No deserto, depois da murmuração junto de Moisés e de Aarão, com saudades balofas da abundância do Egito, mas sob o signo da opressão e da escravidão, os antepassados comeram o Maná e as codornizes, como se leu no XVII domingo, na 1.ª leitura. Porém, agora eles ficaram satisfeitos, não pelos milagres nem pela Palavra, mas porque supostamente tinham quem lhes desse de comer sem terem de fazer qualquer esforço. Ora, como no deserto Deus – e não Moisés – lhes acudira em situação de necessidade, também agora por ação do Pai, Jesus colmatara a necessidade pontual da multidão, mas clarificou duas coisas: por um lado, cada um e todos têm de trabalhar para conseguirem o alimento de que necessitam e não esperar que ele surja de surpresa e sem esforço; por outro lado, é preciso trabalhar para conseguir o alimento que não pereça e tratar de o manter disponível em cada dia de passa. Ora este alimento é justamente o Pão da Vida.
E é exatamente, quando eles pedem a Jesus que lhes dê sempre desse pão, que se abre o núcleo do discurso do Pão da Vida:
Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede. Mas já vo-lo disse: vós vistes-me e não credes. Todos aqueles que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.” (Jo 6,35-40).
(XVIII domingo)
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Se no deserto, o povo murmurava porque não tinha comida, tinha sede e lhe custava a aguentar as agruras do deserto, agora os judeus murmuram contra Jesus por ter dito:Eu sou o pão que desceu do Céu’. E diziam: “Não é Ele Jesus, o filho de José, de quem nós conhecemos o pai e a mãe? Como se atreve a dizer agora ‘Eu desci do Céu’?”.
Admite-se que os judeus não tivessem conhecimento da génese da encarnação do Verbo, mas censura-se-lhes a supina ignorância sobre o mandato celeste confiado por Deus aos profetas, bem como o apoio divino à missão profética. Na sua autossuficiência e na mania de que tudo sabiam acerca daquela personalidade, fecharam-se ao mistério e até se desdisseram do que professaram anteriormente: Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!” (Jo 6,14).
Mas Jesus, sabendo que o murmúrio nada resolve e constitui pecha impeditiva da abertura ao mistério e ao outro, enclausurando-nos nos nossos esquemas e prejudicando os outros, ordenou: “Não murmureis entre vós”. E reafirmou com autoridade reforçada o discurso do Pão da Vida como suporte e resultado da fé:
Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair; e Eu hei de ressuscitá-lo no último dia. Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus. Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim. Não é que alguém tenha visto o Pai, a não ser aquele que tem a sua origem em Deus: esse é que viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto, mas morreram. Este é o pão que desce do Céu; se alguém comer dele, não morrerá. Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei de dar é a minha carne, pela vida do mundo.” (Jo 6,44-51).
Jesus não tenta discussão com quem se escandaliza nem tenta persuadir com argumentos irrefutáveis, mas apela à fé e a que se interroguem com sinceridade sobre aquilo de que Deus é capaz de fazer em prol do seu povo, lembrado as intervenções divinas ao longo da História e apresentando-Se como o garante de que Deus continuará a dar a Sua graça e agora em plenitude na pessoa do Filho, que é Ele próprio e que se apresenta como o Pão vivo descido do Céu, penhor de vida eterna. Para tanto associa a aceitação deste Pão ao ensino que Deus faz.
(XIX domingo)
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O XX domingo retoma no Evangelho (Jo 6,51-58) do discurso do Pão da Vida o segmento “Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei de dar é a minha carne, pela vida do mundo – com que reforça a sua condição de pão vivo não fabricado pelo homem, mas descido do Céu, e de garantia de vida eterna para quem dele comer, pois quem dele comer não morrerá como morreram os que se alimentaram do maná. Mais: este pão é a carne do próprio Cristo. E aqui surge novo murmúrio:
Então, os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: ‘Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?’!” (Jo 6,52).
Mas Jesus não desarma e continua insistindo mais explicitamente:
Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei de ressuscitá-lo no último dia, porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente.” (Jo 6,53-58).
Desde os tempos dos primeiros cristãos se entende que o discurso do Pão da Vida se refere à Eucaristia, como os sinóticos explicitam no relato da Última Ceia, ali não de forma polémica como no cap. 6.º de João, mas na intimidade da refeição pascal, embora Jesus soubesse que seria traído, negado e abandonado, mas que tudo seria remediado e reforçado por ação do Espírito Santo, a força do Alto.
Trata-se, pois, de comer realmente o Corpo do Senhor e beber do Seu Sangue, o Corpo e Sangue do Filho do Homem – título que no 4.º Evangelho evoca sempre os mistérios indissociáveis da Encarnação e da Páscoa. Come-se e bebe-se a carne do Cristo Ressuscitado sob os sinais ou sacramento do pão e do vinho consagrados. E daí consegue-se que Cristo more em nós e nós nele. Mas não consegue tal alimento quem não acreditar na Palavra de Deus e do Seu Filho e não se deixar alimentar por ela. Mas quem o fizer terá a vida eterna e será ressuscitado no último dia porque o Senhor é a Ressurreição e a Vida, tal como é aqui e em toda a parte, agora e para sempre, o Caminho, a Verdade e a Vida.
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E o evangelho do XXI domingo (Jo 6,60-69), partindo do murmúrio, não das multidões, mas agora de muitos dos discípulos, reforça e encerra o discurso do Pão da Vida. De facto, “depois de O ouvirem, muitos disseram: ‘Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?’.
Mas, como era de supor, o murmúrio (provindo da dureza de coração) não passou despercebido a Jesus, pois sabia que os discípulos murmuravam no seu íntimo a respeito disto, pois os conhecia por dentro, pelo que os interpela: “Isto escandaliza-vos?”. E, apelando aos valores do espírito e à inanidade da carne, que atrai a muitos, sabedor de que muitos não acreditam, desafiou:
E se virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes? É o Espírito quem dá a vida; a carne não serve de nada: as palavras que vos disse são espírito e são vida. Mas há alguns de vós que não creem.”.
O evangelista não se esquece de frisar que efetivamente “Jesus sabia, desde o princípio, quem eram os que não criam e quem era aquele que O havia de entregar”, como se refere a vv. 70-71:
Disse-lhes Jesus: ‘Não vos escolhi Eu a vós, os Doze? Contudo, um de vós é um diabo’. Referia-se a Judas, filho de Simão Iscariotes, pois esse é que viria a entregá-lo, sendo embora um dos Doze.
E, segundo João, era por isso que os advertira: “Eu vos declarei que ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai”.  
O autor do 4.º Evangelho sublinha que, a partir dali, muitos dos discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele. Então, desafiou os Doze: “Também vós quereis ir embora?”.  Mas, de pronto, Simão Pedro adiantou-se e confessou: “A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! Por isso, nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus”.   
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O discurso do Pão da Vida foi longo e perturbado pela murmuração e pelo abandono de discípulos. Mas foi pedagógico, progressivo, insistente e claro, tendo a resposta (inspirado do Alto) plasmada na fé de Pedro, como sinal de adesão ao quadro messiânico que emoldura a figura e a missão do Senhor. De facto, Jesus é a Palavra de Deus feita carne.
Aceitamos nós de verdade este discurso do Pão da Vida? Deixamo-nos alimentar e agarrar na vida toda pela Eucaristia-banquete, Eucaristia-sacrifício-memorial, Eucaristia-sinal da parusia?
2018.08.12 – Louro de Carvalho

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