terça-feira, 21 de agosto de 2018

Uma volta cultural e etnográfica pela vila de Murtosa


Depois da degustação dum saboroso almoço com base em peixe grelhado na praia do Furadouro, o trio passou a uma digressão pela Torreira e deu um salto à Murtosa. E aqui procedemos a uma volta significativa em termos culturais e etnográficos.
O ponto de mora maior foi precisamente o museu municipal da Murtosa que dá pela designação de COMUR – Museu Municipal.
Desta visita aqui faço crónica, principalmente com base na memória, ainda fresca, e nos apontamentos adrede colhidos e obviamente consultando os sites da Câmara Municipal, do museu e da fábrica.
A COMUR apresenta-se aos visitantes como um espaço museológico dedicado ao historial dos trabalhos de preparação da conserva e embalamento das enguias. Com efeito, os pescadores iam à faina para sustento das famílias, sendo que as mulheres tinham sobretudo o trabalho da venda na lota e, depois, a distribuição pelos povos circunvizinhos.
O panorama alterou-se quando, em 1942, foi inaugurada a COMUR – Fábrica de Conservas da Murtosa que, tendo começado pela enguia, estendeu a sua atividade conserveira a muitas outras espécies marinhas. A princípio, os pescadores e vendedeiras individuais e familiares continuaram com o seu trabalho. Todavia, a fábrica, ao mesmo tempo que desenvolvia a sua atividade em maior escala, garantia-lhes a compra dos produtos sobejantes.    
Como a Fábrica, depois da criação das zonas industriais, teve de se ajustar às novas exigências burocráticas e conseguir uma maior expansão e melhores condições de laboração, deslocou-se para a Zona Industrial do Bunheiro, sita noutra freguesia, mas na área do município.  
Assim, em 1997, a empresa deixou a velha “Fábrica das Enguias”, em pleno centro de Pardelhas, mudando-se para a Zona Industrial da Murtosa, onde continua a laborar atualmente.
E as antigas instalações na Rua José Maria Barbosa deram lugar ao atual museu municipal que pretende ser a “história de uma comunidade” e da “Fábrica de Conservas da Murtosa”, procurando “ser exemplo de uma estratégia sustentada no labor de um povo que sempre conseguiu transformar adversidades em oportunidades”.
Assim, a COMUR-fábrica, tal como a COMUR-museu, considera-se intimamente ligada à Murtosa. As conservas de enguia são, ainda hoje, uma das imagens de marca da localidade e as grandes embaixadoras da Murtosa fora de portas. Existem, por esse país fora, muitas conserveiras e uma série de espaços museológicos associados à indústria conserveira, mas conservas de enguia, só mesmo na Murtosa. São a sua marca identitária e diferenciadora.
O museu permite conhecer a história da fábrica e da comunidade onde ela se insere, vendo o desenvolvimento do processo conserveiro e as suas diversas fases.
Nele se pode aprender como as caraterísticas específicas da Murtosa e da Ria de Aveiro deram origem àquela unidade fabril, como trabalhavam os seus operários e operárias e qual o processo completo de produção de conservas desde a chegada do peixe até à expedição das conservas.
Este assume-se como um museu inovador, multidisciplinar no qual convivem e dialogam a Murtosa, a Ria, o Vouga, o mar, o trabalho, a indústria, a publicidade e a gastronomia.
Trata-se dum investimento do Município da Murtosa, que ficou em cerca de 1,3 milhões de euros e através do qual a autarquia adquiriu, renovou e instalou um museu de nova geração que se pretende que seja uma referência no panorama museológico nacional e regional. 
Por esta via, “a investigação histórica, os estudos e levantamentos efetuados e a intervenção arquitetónica realizada pela Câmara Municipal da Murtosa, permitiram a salvaguarda de um edifício histórico que serve agora de guardião da memória e das histórias de todos aqueles que trabalharam na “Fábrica das Enguias”. Dotado de uma museografia contemporânea, que alia design, conteúdos de qualidade e interatividade, este espaço distingue-se pela sua capacidade pedagógica de envolver os diversos públicos na história de uma fábrica, dos seus trabalhadores e, no fundo, de toda uma comunidade, dando mesmo conta da viagem das barricas de enguias pelo país.
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O Museu foi inaugurado pela Câmara Municipal a 21 de fevereiro de 2015. E o momento foi assinalado numa cerimónia presidida pelo Secretário de Estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu, e onde foi salientado que este espaço museológico, dedicado à História de uma comunidade e à Fábrica de Conservas da Murtosa, “procura ser exemplo de uma estratégia sustentada no labor de um povo que sempre conseguiu transformar adversidades em oportunidades”. E o Município da Murtosa passou a garantir um espaço de dotado de uma museografia contemporânea, que alia design, conteúdos e interatividade. 
Para lá das instalações, tanques, bancas, fornalha, caldeira, maquinaria e instrumentos que documentam as diversas fases da lavagem, limpeza, conservação, fabrico das embalagens (lata e barrica) e lacramento da embalagem para venda, a visita é acompanhada por vários painéis textuais explicativos e fotografias das diversas fases processuais. E destaca-se a cozinha, que obviamente estava ao serviço de quem trabalhava ali.
Ao longo dos diversos corredores e recantos, ficamos surpreendidos com imagens e sons a referir aspetos desta unidade etnográfica. E o auditório desenvolve em contínuo durante a visita um filme sobre a história da terra e da COMUR. Além disso, estão em mostra alguns espécimes de barcos utilizados na pesca, bem como outros instrumentos.
Já depois de inaugurado, o museu instalou um conjunto de tanques de enguias para visualização.
Também ficámos a saber que, a partir de 2016, além da exposição permanente, o museu apresenta exposições temporárias. E a que ora está patente e vimos é muito interessante, pois mostra não só aspetos da localidade e da região, mas um pouco do país que somos e até de aspetos relevantes do mundo inteiro. Neste ultimo aspeto, devo salientar um quadro sobre as Torres Gémeas de Nova Iorque como eram antes do atentado de 11 de setembro de 2001.  
Um aspeto digno de nota é a existência duma sala onde o visitante pode criar a sua própria embalagem, personalizando o invólucro de uma lata de conserva de sardinha, mexilhão ou cavala, a preços aceitáveis. De resto, a visita é gratuita.
À saída, pode aproveitar-se a oportunidade para fazer um médio investimento nalgumas latas de conservas COMUR e ainda nuns conjuntos de patés groumet, a módicos preços. 
Em suma, é um pequeno museu moderno e interativo que explica como se faziam os vários tipos de conservas de peixe da COMUR. Mais do que uma marca com uma estética das embalagens muito caraterísticas dos bem concebidos, belos e funcionais modelos do marketing português dos anos 40 e 50, que manteve um relativa constância até ao presente, é uma história do desenvolvimento económico da Murtosa, perfeitamente integrado com as pessoas e atividades tradicionais da Ria de Aveiro. Ponto alto da visita é, como se disse, a criação personalizada de uma embalagem para uma conserva à escolha do visitante numa aplicação interativa, que depois é finalizada por funcionários/as à frente do mesmo visitante.
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Por fim, uma referência à Fábrica sem a qual o museu não existia ou seria de outro cariz.
Inaugurada em 1942 na Murtosa, como ficou dito, a fábrica COMUR é uma das maiores bandeiras do setor conserveiro nacional. Inicialmente dedicada à exportação de enguias, a produção evoluiu depois para os mais variados tipos de conservas de peixe, sempre com os mais elevados padrões de qualidade e excelência.
Por ocasião do seu 75.º aniversário, em 2017, a COMUR mergulhou 500 anos na história para criar uma combinação épica de exultação dos feitos Portugueses pelos mares deste mundo fora. O mar que os portugueses um dia tornaram seu, dá-nos hoje alguns dos mais maravilhosos sabores do mundo, proporcionando experiências gastronómicas únicas, possíveis pelos séculos de conhecimento que aqui se reúnem em torno de uma lata. Saberes e sabores seculares abraçados numa maré histórica de reencontro do mar com os seus heróis. Uma epopeia agora recontada pela COMUR, a conserveira de Portugal.
Instalada, como se disse, desde 1997, na Zona Industrial de Murtosa, no Bunheiro, a COMUR continua a crescer, apresentando os mais exigentes padrões de excelência e qualidade. E, embora a sardinha seja efetivamente o produto com maior procura, a empresa é famosa sobretudo pelas enguias de conserva.
A COMUR concretizou ainda recentemente um dos seus mais antigos sonhos, abrindo em Lisboa um espaço para homenagear a Sardinha Portuguesa e tudo o que o popular peixe já fez pelo país. A fórmula encontrada para o efeito foi o “Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa”, um espaço que procura respeitar um dos mais extraordinários traços do prodígio do Atlântico: ser simultaneamente nobre e popular
A loja propõe-se revisitar o último século da história de Portugal e do Mundo e promover com isso uma reflexão sobre o último centenário das conservas de peixe em Portugal. Assim, nas latas constam as datas desde 1916 até 2017, com um acontecimento de relevo do ano em causa e assinalando-se o nascimento das personalidades mais relevantes de tal data. Cada década tem uma cor base e cada lata assume uma tonalidade própria. Com isto, a loja ganha uma dimensão cromática cativante, à qual se alia uma banda sonora própria (criada especialmente para a loja pelo artista Carlos Alberto Moniz), muita luz e a caraterização a rigor de toda a equipa. O resultado final é verdadeiro “circo” de latas pois as sardinhas são, para a COMUR, o maior espetáculo do Mundo. Em cada lata existe um só produto, uma só receita: Sardinha Portuguesa em azeite. São 140 gramas de puro sabor a Portugal, comprovando-se então que a um sabor único pode ser associado um marketing diferenciado, sem que qualquer um deles saia beliscado. 
O espaço vem atraindo naturalmente muitos estrangeiros e muitos portugueses que confessam ir, a pretexto da loja e da atratividade da lata, provar pela primeira vez sardinha em conserva.
75 anos depois da sua fundação, a empresa cumpre assim a sua missão e o “Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa” é um espaço absolutamente a não perder na cidade de Lisboa, prometendo não deixar ninguém indiferente.
E a volta terminou com a compra de água, para matar a sede, e de pão, para garantia da subsistência diária.
2018.08.21 – Louro de Carvalho

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