Depois da degustação dum saboroso
almoço com base em peixe grelhado na praia do Furadouro, o trio passou a uma
digressão pela Torreira e deu um salto à Murtosa. E aqui procedemos a uma volta
significativa em termos culturais e etnográficos.
O ponto de mora maior foi
precisamente o museu municipal da Murtosa que dá pela designação de COMUR –
Museu Municipal.
Desta visita aqui faço crónica,
principalmente com base na memória, ainda fresca, e nos apontamentos adrede
colhidos e obviamente consultando os sites
da Câmara Municipal, do museu e da fábrica.
A COMUR apresenta-se aos visitantes como um
espaço museológico dedicado ao historial dos trabalhos de preparação da
conserva e embalamento das enguias. Com efeito, os pescadores iam à faina para
sustento das famílias, sendo que as mulheres tinham sobretudo o trabalho da
venda na lota e, depois, a distribuição pelos povos circunvizinhos.
O panorama alterou-se quando, em 1942, foi
inaugurada a COMUR – Fábrica de Conservas da Murtosa que, tendo começado pela
enguia, estendeu a sua atividade conserveira a muitas outras espécies marinhas.
A princípio, os pescadores e vendedeiras individuais e familiares continuaram com
o seu trabalho. Todavia, a fábrica, ao mesmo tempo que desenvolvia a sua
atividade em maior escala, garantia-lhes a compra dos produtos sobejantes.
Como a Fábrica, depois da criação das zonas
industriais, teve de se ajustar às novas exigências burocráticas e conseguir
uma maior expansão e melhores condições de laboração, deslocou-se para a Zona
Industrial do Bunheiro, sita noutra freguesia, mas na área do município.
Assim, em 1997, a empresa deixou a velha “Fábrica das Enguias”, em pleno centro de
Pardelhas, mudando-se para a Zona Industrial da Murtosa, onde continua a
laborar atualmente.
E as antigas instalações na Rua José Maria
Barbosa deram lugar ao atual museu municipal que pretende ser a “história de
uma comunidade” e da “Fábrica de
Conservas da Murtosa”, procurando “ser exemplo de uma estratégia sustentada
no labor de um povo que sempre conseguiu transformar adversidades em
oportunidades”.
Assim, a COMUR-fábrica, tal como a
COMUR-museu, considera-se intimamente ligada à Murtosa. As conservas de enguia
são, ainda hoje, uma das imagens de marca da localidade e as grandes
embaixadoras da Murtosa fora de portas. Existem, por esse país fora, muitas
conserveiras e uma série de espaços museológicos associados à indústria
conserveira, mas conservas de enguia, só mesmo na Murtosa. São a sua marca
identitária e diferenciadora.
O museu permite conhecer a história da
fábrica e da comunidade onde ela se insere, vendo o desenvolvimento do processo
conserveiro e as suas diversas fases.
Nele se pode aprender como as caraterísticas
específicas da Murtosa e da Ria de Aveiro deram origem àquela unidade fabril,
como trabalhavam os seus operários e operárias e qual o processo completo de
produção de conservas desde a chegada do peixe até à expedição das conservas.
Este assume-se como um museu inovador,
multidisciplinar no qual convivem e dialogam a Murtosa, a Ria, o Vouga, o mar,
o trabalho, a indústria, a publicidade e a gastronomia.
Trata-se dum investimento do Município da
Murtosa, que ficou em cerca de 1,3 milhões de euros e através do qual a
autarquia adquiriu, renovou e instalou um museu de nova geração que se pretende
que seja uma referência no panorama museológico nacional e regional.
Por esta via, “a investigação histórica, os
estudos e levantamentos efetuados e a intervenção arquitetónica realizada pela
Câmara Municipal da Murtosa, permitiram a salvaguarda de um edifício histórico
que serve agora de guardião da memória e das histórias de todos aqueles que
trabalharam na “Fábrica das Enguias”.
Dotado de uma museografia contemporânea, que alia design, conteúdos de qualidade e interatividade, este espaço
distingue-se pela sua capacidade pedagógica de envolver os diversos públicos na
história de uma fábrica, dos seus trabalhadores e, no fundo, de toda uma
comunidade, dando mesmo conta da viagem das barricas de enguias pelo país.
***
O Museu foi inaugurado pela Câmara Municipal
a 21 de fevereiro de 2015. E o momento foi assinalado numa cerimónia presidida
pelo Secretário de Estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu, e onde foi salientado
que este espaço museológico, dedicado à História de uma comunidade e à Fábrica
de Conservas da Murtosa, “procura ser exemplo de uma estratégia sustentada no
labor de um povo que sempre conseguiu transformar adversidades em
oportunidades”. E o Município da Murtosa passou a garantir um espaço de dotado
de uma museografia contemporânea, que alia design,
conteúdos e interatividade.
Para lá das instalações, tanques, bancas,
fornalha, caldeira, maquinaria e instrumentos que documentam as diversas fases
da lavagem, limpeza, conservação, fabrico das embalagens (lata e barrica) e lacramento da embalagem para
venda, a visita é acompanhada por vários painéis textuais explicativos e
fotografias das diversas fases processuais. E destaca-se a cozinha, que
obviamente estava ao serviço de quem trabalhava ali.
Ao longo dos diversos corredores e recantos,
ficamos surpreendidos com imagens e sons a referir aspetos desta unidade
etnográfica. E o auditório desenvolve em contínuo durante a visita um filme
sobre a história da terra e da COMUR. Além disso, estão em mostra alguns
espécimes de barcos utilizados na pesca, bem como outros instrumentos.
Já depois de inaugurado, o museu instalou um
conjunto de tanques de enguias para visualização.
Também ficámos a saber que, a partir de
2016, além da exposição permanente, o museu apresenta exposições temporárias. E
a que ora está patente e vimos é muito interessante, pois mostra não só aspetos
da localidade e da região, mas um pouco do país que somos e até de aspetos
relevantes do mundo inteiro. Neste ultimo aspeto, devo salientar um quadro
sobre as Torres Gémeas de Nova Iorque como eram antes do atentado de 11 de
setembro de 2001.
Um aspeto digno de nota é a existência duma sala onde o visitante pode criar a sua própria
embalagem, personalizando o invólucro de uma lata de conserva de sardinha,
mexilhão ou cavala, a preços aceitáveis. De resto, a visita é gratuita.
À saída, pode
aproveitar-se a oportunidade para fazer um médio investimento nalgumas latas de
conservas COMUR e ainda nuns conjuntos de patés groumet, a módicos preços.
Em suma, é um pequeno museu moderno e interativo que explica como se
faziam os vários tipos de conservas de peixe da COMUR. Mais do que uma marca
com uma estética das embalagens muito caraterísticas dos bem concebidos, belos
e funcionais modelos do marketing
português dos anos 40 e 50, que manteve um relativa constância até ao presente,
é uma história do desenvolvimento económico da Murtosa, perfeitamente integrado
com as pessoas e atividades tradicionais da Ria de Aveiro. Ponto alto da visita
é, como se disse, a criação personalizada de uma embalagem para uma conserva à
escolha do visitante numa aplicação interativa, que depois é finalizada por
funcionários/as à frente do mesmo visitante.
***
Por fim, uma referência à Fábrica
sem a qual o museu não existia ou seria de outro cariz.
Inaugurada em 1942 na Murtosa, como ficou
dito, a fábrica COMUR é uma das maiores bandeiras do setor conserveiro
nacional. Inicialmente dedicada à exportação de enguias, a produção evoluiu
depois para os mais variados tipos de conservas de peixe, sempre com os mais
elevados padrões de qualidade e excelência.
Por ocasião do seu 75.º aniversário, em
2017, a COMUR mergulhou 500 anos na história para criar uma combinação épica de
exultação dos feitos Portugueses pelos mares deste mundo fora. O mar que os
portugueses um dia tornaram seu, dá-nos hoje alguns dos mais maravilhosos
sabores do mundo, proporcionando experiências gastronómicas únicas, possíveis
pelos séculos de conhecimento que aqui se reúnem em torno de uma lata. Saberes
e sabores seculares abraçados numa maré histórica de reencontro do mar com os
seus heróis. Uma epopeia agora recontada pela COMUR, a conserveira de Portugal.
Instalada, como se disse, desde 1997, na
Zona Industrial de Murtosa, no Bunheiro, a
COMUR continua a crescer, apresentando os mais exigentes padrões de excelência
e qualidade. E, embora a sardinha seja efetivamente o produto com maior
procura, a empresa é famosa sobretudo pelas enguias de conserva.
A COMUR concretizou
ainda recentemente um dos seus mais antigos sonhos, abrindo em Lisboa um espaço
para homenagear a Sardinha Portuguesa e tudo o que o popular peixe já fez pelo
país. A fórmula encontrada para o efeito foi o “Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa”, um espaço que procura
respeitar um dos mais extraordinários traços do prodígio do Atlântico: ser simultaneamente nobre e popular.
A loja propõe-se
revisitar o último século da história de Portugal e do Mundo e promover com
isso uma reflexão sobre o último centenário das conservas de peixe em Portugal.
Assim, nas latas constam as datas desde 1916 até 2017, com um acontecimento de
relevo do ano em causa e assinalando-se o nascimento das personalidades mais
relevantes de tal data. Cada década tem uma cor base e cada lata assume
uma tonalidade própria. Com isto, a loja ganha uma dimensão cromática cativante,
à qual se alia uma banda sonora própria (criada
especialmente para a loja pelo artista Carlos Alberto Moniz), muita luz e a caraterização a rigor de toda a
equipa. O resultado final é verdadeiro “circo” de latas pois as sardinhas são,
para a COMUR, o maior espetáculo do Mundo. Em cada lata existe um só
produto, uma só receita: Sardinha
Portuguesa em azeite. São 140 gramas de puro sabor a Portugal,
comprovando-se então que a um sabor único pode ser associado um marketing
diferenciado, sem que qualquer um deles saia beliscado.
O espaço vem atraindo
naturalmente muitos estrangeiros e muitos portugueses que confessam ir, a
pretexto da loja e da atratividade da lata, provar pela primeira vez sardinha
em conserva.
75 anos depois da sua
fundação, a empresa cumpre assim a sua missão e o “Mundo Fantástico da Sardinha
Portuguesa” é um espaço absolutamente a não perder na cidade de Lisboa,
prometendo não deixar ninguém indiferente.
E a volta terminou com a
compra de água, para matar a sede, e de pão, para garantia da subsistência diária.
2018.08.21 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário