terça-feira, 14 de agosto de 2018

Aplicação do CPA sem mais na escola subestima a vertente pedagógica


O Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, “estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário, os princípios orientadores da sua conceção, operacionalização e avaliação das aprendizagens, de modo a garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e desenvolvam as capacidades e atitudes que contribuem para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. 
Mais: o disposto no predito diploma “aplica-se às diversas ofertas educativas e formativas dos ensinos básico e secundário, no âmbito da escolaridade obrigatória, ministradas em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, incluindo escolas profissionais, públicas e privadas”, e, “ainda, com as necessárias adaptações, ao ensino a distância, bem como ao ensino individual e doméstico”.
Como é normal, o próprio Decreto-lei prevê, no n.º 2 do seu art.º 8.º, o mecanismo de regulamentação – através de portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da educação e, sempre que aplicável, pela área da formação profissional – das ofertas educativas e formativas previstas nos números 2 e 4 do art.º 7.º, designadamente: ensino básico geral e cursos artísticos especializados do ensino básico (n.º 2); cursos científico-humanísticos, cursos profissionais, cursos artísticos especializados do ensino secundário e cursos com planos próprios (n.º 4).
Também está prevista, no n.º 6 do mesmo art.º 7.º, a regulamentação, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação e da formação profissional, dos cursos de dupla certificação do ensino básico e do ensino secundário, que visam o cumprimento da escolaridade obrigatória e a inserção na vida ativa.
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Entretanto, foi publicada a Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, que “procede à regulamentação das ofertas educativas do ensino básico, previstas no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, designadamente o ensino básico geral e os cursos artísticos especializados, definindo as regras e procedimentos da conceção e operacionalização do currículo dessas ofertas, bem como da avaliação e certificação das aprendizagens, tendo em vista o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”. Além disso, “tomando como referência as matrizes curriculares-base dos cursos artísticos especializados constantes dos anexos IV e V do mesmo decreto-lei, estabelece ainda o regime destes cursos, designadamente nas áreas da dança, música e canto gregoriano, bem como as suas regras específicas de frequência e de matrícula”.
Por seu turno, a Portaria n.º 226-A/2018, de 7 de agosto, vem regulamentar os “cursos científico-humanísticos”, previstos na “alínea a) do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, designadamente dos cursos de Ciências e Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e de Artes Visuais, tomando como referência a matriz curricular-base constante do anexo VI do mesmo decreto-lei. Por outro lado, a mesma portaria “define as regras e procedimentos da conceção e operacionalização do currículo” dos preditos cursos, “bem como da avaliação e certificação das aprendizagens, tendo em vista o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.
Falta, assim, a portaria regulamentadora dos cursos de dupla certificação (art.º 7.º/6, do dito DL).
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Obviamente, as duas preditas portarias regulamentam matérias do DL n.º 55/2018, de 6 de julho, sem o desvirtuarem, tendo o mérito de especificar e desenvolver alguns dos seus aspetos, bem como de gizar a operacionalização e o estabelecimento dos diversos procedimentos.
Não obstante, o art.º 34.º da Portaria n.º 226-A/2018, de 7 de agosto, determina que “o conselho de turma, para efeitos de avaliação dos alunos, é constituído pelos professores da turma”, competindo-lhe: “apreciar a proposta de classificação apresentada por cada professor, tendo em conta as informações que a suportam e a situação global do aluno”; e “deliberar sobre a classificação final a atribuir em cada disciplina”.
Mais: “o funcionamento dos conselhos de turma obedece ao previsto no Código do Procedimento Administrativo (CPA), especificando:
 Quando a reunião não se puder realizar, por falta de quórum ou por indisponibilidade de elementos de avaliação, deve ser convocada nova reunião, no prazo máximo de 48 horas, para a qual cada um dos docentes deve previamente disponibilizar, ao diretor da escola, os elementos de avaliação de cada aluno […] O diretor de turma, ou quem o substitua, apresenta ao conselho de turma os elementos de avaliação de cada aluno. As deliberações das reuniões dos conselhos de turma de avaliação devem resultar do consenso dos professores que as integram.”.
E ainda:
No conselho de turma podem intervir, sem direito a voto, outros professores ou técnicos que participem no processo de ensino e aprendizagem, bem como outros elementos cuja participação o conselho pedagógico considere conveniente”.
Por sua vez, o art.º 35.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, também se refere a esta matéria estabelecendo que o “conselho de docentes e o conselho de turma, para efeitos de avaliação dos alunos, são constituídos, respetivamente, no 1.º ciclo, pelos professores titulares de turma e, nos 2.º e 3.º ciclos, pelos professores da turma” e que, “tendo em consideração a dimensão do agrupamento de escolas e das escolas não agrupadas, podem os órgãos competentes definir critérios para a constituição do conselho de docentes, nos termos do respetivo regulamento interno”.
Mais: “o conselho de docentes emite parecer sobre a avaliação dos alunos apresentada pelo professor titular de turma”, ao passo que ao conselho de turma compete: “apreciar a proposta de classificação apresentada por cada professor, tendo em conta as informações que a suportam e a situação global do aluno”; e “deliberar sobre a classificação final a atribuir em cada disciplina”.
Por outro lado, “o funcionamento dos conselhos de docentes e de turma obedece ao previsto no Código do Procedimento Administrativo”, determinando-se:
Quando a reunião não se puder realizar, por falta de quórum ou por indisponibilidade de elementos de avaliação, deve ser convocada nova reunião, no prazo máximo de 48 horas, para a qual cada um dos docentes deve previamente disponibilizar, ao diretor da escola, os elementos de avaliação de cada aluno. […] O coordenador do conselho de docentes, no 1.º ciclo, e o diretor de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, ou quem os substitua, apresentam aos respetivos conselhos os elementos de avaliação previamente disponibilizados. O parecer e as deliberações das reuniões dos conselhos de avaliação devem resultar do consenso dos professores que as integram.”.
E ainda:
Nos conselhos de docentes e de turma podem intervir, sem direito a voto, outros professores ou técnicos que participem no processo de ensino e aprendizagem, bem como outros elementos cuja participação o conselho pedagógico considere conveniente”.
O estipulado nesta portaria de 3 de agosto, através do seu art.º 35.º, é muito semelhante ao estabelecido na portaria de 7 de agosto, no seu art.º 34.º, embora com algumas diferenças. Com efeito, tratando-se do ensino básico, inclui os conselhos de docentes (1.º Ciclo) que funcionam como os conselhos de turma. Porém, o respetivo Regulamento Interno pode definir critérios para a constituição do conselho de docentes, “tendo em consideração a dimensão do agrupamento de escolas e das escolas não agrupadas”. Por outro lado, enquanto ao conselho de turma cabe “apreciar a proposta de classificação apresentada por cada professor, tendo em conta as informações que a suportam e a situação global do aluno”, bem como “deliberar sobre a classificação final a atribuir em cada disciplina, ao conselho de docentes apenas cabe emitir “parecer sobre a avaliação dos alunos apresentada pelo professor titular de turma”.
Porém, o que mais sobressai nas duas portarias é a aplicação aos conselhos de turma e de docentes do estipulado no CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, sobre o quórum necessário para o funcionamento dos órgãos colegiais, cujo art.º 29.º estabelece:
1. Os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto. 
2. Quando se não verifique na primeira convocação o quórum previsto no número anterior, deve ser convocada nova reunião com um intervalo mínimo de 24 horas. 
3. Sempre que se não disponha de forma diferente, os órgãos colegiais reunidos em segunda convocatória podem deliberar desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto. 
4. Nos órgãos colegiais compostos por três membros, é de dois o quórum necessário para deliberar, mesmo em segunda convocatória.
As preditas portarias, sem anularem o mínimo de 24 horas estabelecido para a reunião em segunda convocatória, estabelecem um máximo de 24 horas.
Para serem consequentes, as portarias não deviam proibir a abstenção, dado que, segundo o art.º 30.º do CPA, só “é proibida a abstenção aos membros dos órgãos consultivos e aos dos órgãos deliberativos, quando no exercício de funções consultiva” – não sendo este o caso dos conselhos de turma, que são órgãos deliberativos e não estão a exercer funções consultivas, o que não poderei dizer dos conselhos de docentes. E também não deveria ser estabelecido que “o parecer e as deliberações das reuniões dos conselhos de avaliação devem resultar do consenso dos professores que as integram”. Com efeito, quer-se aplicar o estipulado no CPA, mas não se aplica hipocritamente naquilo que não interessa, ou seja, naquilo que ainda parece salvaguardar a vertente pedagógica destes conselhos de avaliação. De facto, o art.º 32.º do CPA estabelece:
1. As deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião, salvo nos casos em que, por disposição legal ou estatutária, se exija maioria qualificada ou seja suficiente maioria relativa.
 2. Quando seja exigível maioria absoluta e esta não se forme, nem se verifique empate, procede-se imediatamente a nova votação e, se aquela situação se mantiver, adia-se a deliberação para a reunião seguinte, na qual a maioria relativa é suficiente.
Se é de aplicar o CPA nesta matéria, que se aplique sempre e com as devidas consequências. Por um lado, os membros dos conselhos de avaliação não devem ser coagidos na sua liberdade de voto e a proibição da abstenção é uma limitação àquela; e, por outro, é penoso, não permitir que o professor proponente de uma classificação não possa, depois de se justificar sobre a proposta, abster-se ou mesmo deixar de participar no resto da discussão e respetiva votação.
Ademais, como é que se salvaguarda a carga pedagógica do conselho de avaliação se o consenso (?) resulta duma maioria ou mesmo da totalidade de um terço terços dos membros que o integram? Palhaçada!
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A este respeito, a Fenprof, a 6 de agosto, produziu uma nota em que vem comentar a grande inovação introduzida pelo art.º 35.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, o que bem poderia vir a dizer da similar publicada a 7 de agosto – a Portaria n.º 226-A/2018, de 7 de agosto, em concreto o seu art.º 34.º.
Com efeito, como refere a nota, “reduzir o conselho de turma de avaliação dos alunos a mero ato administrativo é um gravíssimo erro cometido por quem governa a Educação em Portugal”.
Trata-se, pois, de “um gravíssimo atentado contra a natureza pedagógica das reuniões de conselho de turma, bem como de conselho de docentes para efeitos de avaliação dos alunos, reduzindo-as a meros atos administrativos”. Na verdade, a decisão veiculada pelas preditas portarias, “que põe em causa a natureza profundamente pedagógica das reuniões de conselho de turma, é indigna e deveria envergonhar aqueles que a tomaram” e desdiz do esforço de décadas dos professores em levar muito a sério os conselhos de avaliação.
Apesar de o Secretário de Estado da Educação o ter negado publicamente, a ninguém restam dúvidas de que esta medida foi tomada na sequência da recente greve às reuniões de avaliação. O enquadramento legal até há pouco vigente desaconselharia, “que o ME caísse na tentação de alterar normas gerais e de outra natureza, com vista responder a um acontecimento particular” –diz a Fenprof, realçando que “nenhum outro governo, incluindo o anterior PSD/CDS, que também foi confrontado com uma situação semelhante, assumiu uma decisão destas”. Como se torna evidente, “quem desrespeita desta forma o ato pedagógico deveria refletir sobre se continua a reunir condições para continuar a dirigir os destinos da Educação no Portugal democrático”.
Aliás, como é que o Secretário de Estado da Educação pode negar a conexão desta medida com a greve recente, se o teor destas portarias vem confirmar o que a Fenprof “afirmara nas duas vezes em que, por informação enviada às escolas, a DGEstE/ME, indevidamente, tentou que as suas direções garantissem que as reuniões se realizassem sem a presença de todos os professores”. Para lá da ilegalidade, ao tempo, dessa informação – “que mereceu queixas da Fenprof, tanto junto da IGEC, como da PGR” –, provou-se, com o sucedido, que a atual equipa ministerial, não só perdeu os professores, como as direções das escolas.
Por fim, se o Governo quer ser consequente, deveria fazer funcionar todos os órgãos colegiais nas escolas – conselho geral, conselho pedagógico e conselhos de avaliação – em termos administrativos e políticos, e determinar que as sessões destes órgãos se sujeitam a outros parâmetros: os participantes nelas deveriam ser pagos contra a apresentação de senhas de presença; as faltas justificadas ou injustificadas não descontariam no vencimento nem teriam efeitos na carreira; as justificadas implicavam a perda da remuneração correspondente à senha de presença; e um conjunto de faltas injustificadas implicaria a perda de mandato.
Agora, aplicar o CPA a meio gás, não. Ao menos, teríamos os órgãos colegiais a funcionar como se fossem órgãos político-administrativos, empresariais e associativos, bem como a côngrua compensação por trabalhar em horário pós-laboral, como acontece com muitas reuniões no 3.º período, porque as aulas de alguns anos continuam!
Seja como for, aplicar o CPA ao funcionamento dos órgãos colegiais na escola é tão grave como empresarializar a escola, partidarizar a escola, municipalizar a escola ou negociar a escola. Ainda estão por avaliar as consequências dos mega-agrupamentos, resultantes da aplicação da vertente economicista à escola. O futuro das crianças e jovens merecia melhor!
2018.08.13 – Louro de Carvalho

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