O
Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, “estabelece o currículo dos ensinos
básico e secundário, os princípios orientadores da sua conceção,
operacionalização e avaliação das aprendizagens, de modo a garantir que todos
os alunos adquiram os conhecimentos e desenvolvam as capacidades e atitudes que
contribuem para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.
Mais: o
disposto no predito diploma “aplica-se às diversas ofertas educativas e
formativas dos ensinos básico e secundário, no âmbito da escolaridade
obrigatória, ministradas em estabelecimentos de ensino público, particular e
cooperativo, incluindo escolas profissionais, públicas e privadas”, e, “ainda,
com as necessárias adaptações, ao ensino a distância, bem como ao ensino
individual e doméstico”.
Como é
normal, o próprio Decreto-lei prevê, no n.º 2 do seu art.º 8.º, o mecanismo de
regulamentação – através de portaria dos membros do Governo responsáveis pela
área da educação e, sempre que aplicável, pela área da formação profissional –
das ofertas educativas e formativas previstas nos números 2 e 4 do art.º 7.º,
designadamente: ensino básico geral e cursos artísticos especializados do
ensino básico (n.º 2);
cursos científico-humanísticos, cursos profissionais, cursos artísticos
especializados do ensino secundário e cursos com planos próprios (n.º
4).
Também
está prevista, no n.º 6 do mesmo art.º 7.º, a regulamentação, por portaria dos
membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação e da formação
profissional, dos cursos de dupla certificação do ensino básico e do ensino
secundário, que visam o cumprimento da escolaridade obrigatória e a inserção na
vida ativa.
***
Entretanto,
foi publicada a Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, que “procede à
regulamentação das ofertas educativas do ensino básico, previstas no n.º 2 do
artigo 7.º do Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, designadamente o ensino
básico geral e os cursos artísticos especializados, definindo as regras e
procedimentos da conceção e operacionalização do currículo dessas ofertas, bem
como da avaliação e certificação das aprendizagens, tendo em vista o Perfil dos
Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”. Além disso, “tomando como
referência as matrizes curriculares-base dos cursos artísticos especializados
constantes dos anexos IV e V do mesmo decreto-lei, estabelece ainda o regime
destes cursos, designadamente nas áreas da dança, música e canto gregoriano,
bem como as suas regras específicas de frequência e de matrícula”.
Por seu
turno, a Portaria n.º 226-A/2018, de 7 de agosto, vem regulamentar os “cursos
científico-humanísticos”, previstos na “alínea a) do n.º 4 do artigo 7.º do
Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, designadamente dos cursos de Ciências e
Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e de Artes
Visuais, tomando como referência a matriz curricular-base constante do anexo VI
do mesmo decreto-lei. Por outro lado, a mesma portaria “define as regras e
procedimentos da conceção e operacionalização do currículo” dos preditos
cursos, “bem como da avaliação e certificação das aprendizagens, tendo em vista
o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.
Falta,
assim, a portaria regulamentadora dos cursos de dupla certificação (art.º
7.º/6, do dito DL).
***
Obviamente,
as duas preditas portarias regulamentam matérias do DL n.º 55/2018, de 6 de
julho, sem o desvirtuarem, tendo o mérito de especificar e desenvolver alguns
dos seus aspetos, bem como de gizar a operacionalização e o estabelecimento dos
diversos procedimentos.
Não
obstante, o art.º 34.º da Portaria n.º 226-A/2018, de 7 de agosto, determina
que “o conselho de turma, para efeitos de avaliação dos alunos, é constituído
pelos professores da turma”, competindo-lhe: “apreciar a proposta de classificação apresentada por cada professor,
tendo em conta as informações que a suportam e a situação global do aluno”;
e “deliberar sobre a classificação final
a atribuir em cada disciplina”.
Mais: “o
funcionamento dos conselhos de turma obedece ao previsto no Código do
Procedimento Administrativo (CPA), especificando:
“Quando
a reunião não se puder realizar, por falta de quórum ou por indisponibilidade
de elementos de avaliação, deve ser convocada nova reunião, no prazo máximo de
48 horas, para a qual cada um dos docentes deve previamente disponibilizar, ao
diretor da escola, os elementos de avaliação de cada aluno […] O diretor de
turma, ou quem o substitua, apresenta ao conselho de turma os elementos de
avaliação de cada aluno. As deliberações das reuniões dos conselhos de turma de
avaliação devem resultar do consenso dos professores que as integram.”.
E ainda:
“No conselho de turma podem intervir, sem direito a voto, outros
professores ou técnicos que participem no processo de ensino e aprendizagem,
bem como outros elementos cuja participação o conselho pedagógico considere
conveniente”.
Por sua
vez, o art.º 35.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, também se refere
a esta matéria estabelecendo que o “conselho de docentes e o conselho de turma,
para efeitos de avaliação dos alunos, são constituídos, respetivamente, no 1.º
ciclo, pelos professores titulares de turma e, nos 2.º e 3.º ciclos, pelos
professores da turma” e que, “tendo em consideração a dimensão do agrupamento
de escolas e das escolas não agrupadas, podem os órgãos competentes definir
critérios para a constituição do conselho de docentes, nos termos do respetivo
regulamento interno”.
Mais: “o conselho de docentes emite parecer sobre a
avaliação dos alunos apresentada pelo professor titular de turma”, ao passo
que ao conselho de turma compete: “apreciar
a proposta de classificação apresentada por cada professor, tendo em conta as
informações que a suportam e a situação global do aluno”; e “deliberar sobre a classificação final a
atribuir em cada disciplina”.
Por
outro lado, “o funcionamento dos conselhos de docentes e de turma obedece ao
previsto no Código do Procedimento Administrativo”, determinando-se:
“Quando a reunião não se puder realizar, por falta de quórum ou por
indisponibilidade de elementos de avaliação, deve ser convocada nova reunião,
no prazo máximo de 48 horas, para a qual cada um dos docentes deve previamente
disponibilizar, ao diretor da escola, os elementos de avaliação de cada aluno.
[…] O coordenador do conselho de docentes, no 1.º ciclo, e o diretor de turma,
nos 2.º e 3.º ciclos, ou quem os substitua, apresentam aos respetivos conselhos
os elementos de avaliação previamente disponibilizados. O parecer e as
deliberações das reuniões dos conselhos de avaliação devem resultar do consenso
dos professores que as integram.”.
E ainda:
“Nos conselhos de docentes e de turma podem intervir, sem direito a
voto, outros professores ou técnicos que participem no processo de ensino e
aprendizagem, bem como outros elementos cuja participação o conselho pedagógico
considere conveniente”.
O
estipulado nesta portaria de 3 de agosto, através do seu art.º 35.º, é muito
semelhante ao estabelecido na portaria de 7 de agosto, no seu art.º 34.º, embora
com algumas diferenças. Com efeito, tratando-se do ensino básico, inclui os
conselhos de docentes (1.º Ciclo) que funcionam como os conselhos de turma. Porém, o
respetivo Regulamento Interno pode definir critérios para a constituição do
conselho de docentes, “tendo em consideração a dimensão do agrupamento de
escolas e das escolas não agrupadas”. Por outro lado, enquanto ao conselho de
turma cabe “apreciar a proposta de
classificação apresentada por cada professor, tendo em conta as informações
que a suportam e a situação global do aluno”, bem como “deliberar sobre a classificação final a atribuir em cada disciplina,
ao conselho de docentes apenas cabe emitir
“parecer sobre a avaliação dos alunos apresentada pelo professor titular de
turma”.
Porém, o
que mais sobressai nas duas portarias é a aplicação aos conselhos de turma e de
docentes do estipulado no CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de
janeiro, sobre o quórum necessário para o funcionamento dos órgãos colegiais,
cujo art.º 29.º estabelece:
1. Os órgãos colegiais só podem, em regra,
deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com
direito a voto.
2. Quando se não verifique na primeira convocação
o quórum previsto no número anterior, deve ser convocada nova reunião com um
intervalo mínimo de 24 horas.
3. Sempre que se não disponha de forma diferente,
os órgãos colegiais reunidos em segunda convocatória podem deliberar desde que
esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto.
4. Nos órgãos colegiais compostos por três
membros, é de dois o quórum necessário para deliberar, mesmo em segunda
convocatória.
As
preditas portarias, sem anularem o mínimo de 24 horas estabelecido para a
reunião em segunda convocatória, estabelecem um máximo de 24 horas.
Para
serem consequentes, as portarias não deviam proibir a abstenção, dado que,
segundo o art.º 30.º do CPA, só “é
proibida a abstenção aos membros dos órgãos consultivos e aos dos órgãos
deliberativos, quando no exercício de funções consultiva” – não sendo este o
caso dos conselhos de turma, que são órgãos deliberativos e não estão a exercer
funções consultivas, o que não poderei dizer dos conselhos de docentes. E
também não deveria ser estabelecido que “o parecer e as deliberações das
reuniões dos conselhos de avaliação devem resultar do consenso dos professores
que as integram”. Com efeito, quer-se aplicar o estipulado no CPA, mas não se aplica
hipocritamente naquilo que não interessa, ou seja, naquilo que ainda parece
salvaguardar a vertente pedagógica destes conselhos de avaliação. De facto, o
art.º 32.º do CPA estabelece:
1. As deliberações são tomadas por maioria
absoluta de votos dos membros presentes à reunião, salvo nos casos em que, por
disposição legal ou estatutária, se exija maioria qualificada ou seja suficiente
maioria relativa.
2. Quando seja exigível maioria absoluta e
esta não se forme, nem se verifique empate, procede-se imediatamente a nova
votação e, se aquela situação se mantiver, adia-se a deliberação para a reunião
seguinte, na qual a maioria relativa é suficiente.
Se é de aplicar o CPA nesta matéria, que se
aplique sempre e com as devidas consequências. Por um lado, os membros dos
conselhos de avaliação não devem ser coagidos na sua liberdade de voto e a
proibição da abstenção é uma limitação àquela; e, por outro, é penoso, não
permitir que o professor proponente de uma classificação não possa, depois de
se justificar sobre a proposta, abster-se ou mesmo deixar de participar no
resto da discussão e respetiva votação.
Ademais, como é que se salvaguarda a carga
pedagógica do conselho de avaliação se o consenso (?) resulta duma maioria ou
mesmo da totalidade de um terço terços dos membros que o integram? Palhaçada!
***
A este respeito, a Fenprof, a 6 de agosto, produziu uma nota em que vem
comentar a grande inovação introduzida pelo art.º 35.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, o que bem
poderia vir a dizer da similar publicada a 7 de agosto – a Portaria n.º 226-A/2018, de 7 de
agosto, em concreto o seu art.º 34.º.
Com efeito, como refere a nota, “reduzir o conselho de turma de avaliação
dos alunos a mero ato administrativo é um gravíssimo erro cometido por quem
governa a Educação em Portugal”.
Trata-se,
pois, de “um gravíssimo atentado contra a natureza pedagógica das reuniões de
conselho de turma, bem como de conselho de docentes para efeitos de avaliação
dos alunos, reduzindo-as a meros atos administrativos”. Na verdade, a decisão
veiculada pelas preditas portarias, “que põe em causa a natureza profundamente
pedagógica das reuniões de conselho de turma, é indigna e deveria envergonhar
aqueles que a tomaram” e desdiz do esforço de décadas dos professores em levar
muito a sério os conselhos de avaliação.
Apesar de o
Secretário de Estado da
Educação o ter negado publicamente, a
ninguém restam dúvidas de que esta medida foi tomada na sequência da recente
greve às reuniões de avaliação. O enquadramento legal até há pouco vigente
desaconselharia, “que o ME caísse na tentação de alterar normas gerais e de
outra natureza, com vista responder a um acontecimento particular” –diz a
Fenprof, realçando que “nenhum outro governo, incluindo o anterior PSD/CDS, que
também foi confrontado com uma situação semelhante, assumiu uma decisão destas”. Como
se torna evidente, “quem desrespeita
desta forma o ato pedagógico deveria refletir sobre se continua a reunir
condições para continuar a dirigir os destinos da Educação no Portugal
democrático”.
Aliás, como
é que o Secretário de Estado da
Educação pode negar a conexão desta medida
com a greve recente, se o teor destas portarias vem confirmar o que
a Fenprof “afirmara nas duas vezes em que, por informação enviada às
escolas, a DGEstE/ME, indevidamente, tentou que as suas direções garantissem
que as reuniões se realizassem sem a presença de todos os professores”. Para lá
da ilegalidade, ao tempo, dessa informação – “que mereceu queixas da Fenprof,
tanto junto da IGEC, como da PGR” –, provou-se, com o sucedido, que a atual
equipa ministerial, não só perdeu os professores, como as direções das escolas.
Por fim, se
o Governo quer ser consequente, deveria fazer funcionar todos os órgãos
colegiais nas escolas – conselho geral, conselho pedagógico e conselhos de
avaliação – em termos administrativos e políticos, e determinar que as sessões
destes órgãos se sujeitam a outros parâmetros: os participantes nelas deveriam
ser pagos contra a apresentação de senhas de presença; as faltas justificadas
ou injustificadas não descontariam no vencimento nem teriam efeitos na
carreira; as justificadas implicavam a perda da remuneração correspondente à
senha de presença; e um conjunto de faltas injustificadas implicaria a perda de
mandato.
Agora, aplicar o CPA a meio gás, não. Ao menos,
teríamos os órgãos colegiais a funcionar como se fossem órgãos
político-administrativos, empresariais e associativos, bem como a côngrua
compensação por trabalhar em horário pós-laboral, como acontece com muitas
reuniões no 3.º período, porque as aulas de alguns anos continuam!
Seja como for, aplicar o CPA ao funcionamento dos
órgãos colegiais na escola é tão grave como empresarializar a escola,
partidarizar a escola, municipalizar a escola ou negociar a escola. Ainda estão
por avaliar as consequências dos mega-agrupamentos, resultantes da aplicação da
vertente economicista à escola. O futuro das crianças e jovens merecia melhor!
2018.08.13 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário