Confesso que não me deixou
entusiasmada a notícia de que o Papa comunicara, no início da Congregação Geral
do Sínodo dos Bispos da tarde de ontem, dia 22, que tinha decidido criar um
novo dicastério com competência para os assuntos atinentes aos Leigos, Família e Vida – que substituirá
o Conselho Pontifício para os Leigos e
o Conselho Pontifício para a Família
e agregará a si a Academia Pontifícia para
a Vida – e que já tinha constituído uma comissão especial que tem a
incumbência de preparar um texto coerente que defina canonicamente as competências
deste novo dicastério, texto que será apresentado para discussão no Conselho de
Cardeais na sua próxima reunião de dezembro.
A primeira coisa de que me lembrei
foi a índole do ímpeto reformista de Marcello Caetano (1968-1974), que se cingia a mudar os nomes das
instituições e a introduzir algumas alterações de cosmética na sua orgânica estatutária.
E, quanto à família, veio-me ao espírito o XVI Governo Constitucional, que
incluiu na sua orgânica um Ministério da
Segurança Social, da Família e da Criança, mas sem quaisquer efeitos práticos
em relação àquilo que já existia.
Ora, pensando um pouco melhor, é de
ter em conta que o Papa Francisco tem revelado uma coragem incomum e tem
defendido que é preciso ir às causas das coisas. E a leitura da última
informação sobre o sínodo dos bispos reforça a ideia de que o Pontífice, sem
desrespeitar a liberdade de cada um e o conteúdo e forma de expressão de cada
um dos padres sinodais, terá em conta o pulsar das famílias escutado na aula sinodal,
tanto em 2014 como este ano, e que é o Espírito Santo que guia a Igreja. Ademais,
a reunião num só dicastério de dois conselhos pontifícios pode trazer uma
melhor coordenação e uma diferente dinâmica ao tratamento das causas das
famílias e dos leigos, sobretudo agregando a esta estrutura uma outra estrutura
de cariz científico como é a Academia Pontifícia
para a Vida e tendo em conta que a família é constituída com base em
pessoas que normalmente detêm o estatuto laical.
Amanhã, dia 24, acontecerá a última Congregação
Geral do Sínodo, que aprovará o documento final.
Hoje, o cardeal Peter Erdo, presidente da Conferência Episcopal da
Hungria e Presidente do Conselho das Conferências Episcopais da Europa,
apresentou o esboço do documento final, explicando o espírito sinodal, mas sem
entrar especificamente no texto; e o cardeal Baldiserri, secretário-geral do
Sínodo dos Bispos, recordou que foram analisadas 1355 propostas nos três
estágios do sínodo para alcançar esse resultado. Especificamente, os Padres
Sinodais discutiram a 'consciência e a lei moral’, com base no texto
distribuído aos cardeais.
Com efeito, para falar sobre o
desenvolvimento do Sínodo dos Bispos sobre a família, que começou em 4 de
outubro no Vaticano, na Sala Nova do Sínodo, estiveram presentes hoje na sala
de imprensa da Santa Sé, sob a moderação do respetivo diretor, o cardeal Peter
Turkson presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, o cardeal Gérald
Lacroix, arcebispo de Quebec; e o salesiano Dom Lucas Van Looy, bispo da
diocese de Gent, Bélgica.
O diretor da
Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, não entrou em detalhes,
alegadamente porque se trata de um tópico do projeto que, pelo menos agora, não
é público.
Por seu turno,
o cardeal Turkson, referindo-se ao caminho sinodal, reiterou a índole do sínodo
como um caminho em conjunto e recordou-se de quando, em Assis, o Papa Bento XVI
apelou: “todos juntos em busca da verdade”.
O presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz sublinhou o valor inestimável
de todas as intervenções na assembleia sinodal: os testemunhos dos casais; a informação
dos auditores; as opiniões dos padres sinodais; as palavras do Santo Padre; e o
contacto com a realidade da sociedade.
O purpurado encara este Sínodo como
um “marco para a Igreja”, porque o casamento é um sacramento, precedido pelo
batismo que, por sua vez, é um sacramento do discipulado, e formulou o voto de
que “o casamento seja de discípulos que caminham com o Senhor”, porque “não
bastam as forças naturais”, mas é necessária a graça do Senhor. E, se a graça
do Senhor for negligenciada, aflora a incapacidade das forças naturais e da
vontade humana.
Sobre o documento final do Sínodo,
este prelado da Cúria Romana destacou que “não será um documento aguado” para obter um consenso, uma vez
que, “no Sínodo tentamos apreciar o ponto
de vista dos outros mesmo que não seja o meu” – falou, personalizando a sua
declaração – eu procuro soluções, não apenas para mim, mas também para os
bispos de todos os continentes”. Por isso, o eminente cardeal não vê nenhumas
barreiras ou muros, mas diversos pontos de vista e diversas realidades. Dando um
exemplo em concreto, assegurou que, na África “as etapas para o casamento não
são as mesmas que na Europa” e concluiu que o Sínodo foi uma “experiência muito
enriquecedora”.
Do seu lado, o cardeal canadense
Lacroix salientou a importância quer do “documento final” do sínodo quer da “experiência
sinodal”. E explicou que o trabalho dos padres sinodais “não é um texto
legislativo”, mas o registo de “uma experiência que precisava de ser
transmitida ao Santo Padre”.
Em relação aos desvios por que passa
a família em relação à proposta eclesial, o purpurado canadense apontou o lema “Deus ama-te como tu és, mas não se conforma”.
E sugeriu como chave para entender este Sínodo o episódio dos peregrinos de
Emaús (vd Lc 24,13-35).
Por outro lado, lembrando que “não há
famílias perfeitas”, revelou outra preocupação dos Padres sinodais: “Como expressar alegria diante dessas
famílias feridas?”. E salientou que “algumas famílias feridas, com a
palavra dos casados e divorciados, também participaram das consultas antes do
Sínodo”.
Por sua vez, Dom Lucas Van Looy,
bispo da diocese belga de Gent, antes de partir para Roma para a assembleia
sinodal, mostrou a sua preocupação pelas famílias de migrantes que chegam do Médio
Oriente e pelo modo como vivem as famílias nesses grandes campos de refugiados,
sublinhando que esta problemática também fez parte da agenda sinodal.
O prelado
belga também revelou que, nas três semanas de escuta sinodal, “entendemos
melhor a palavra misericórdia,
difícil para o mundo atual”. Foram semanas que levaram os bispos a compreender
que é necessário integrar e acompanhar as pessoas, bem como a assumir o
conceito de ‘sinodalidade’, “conceito que é mais do que uma palavra”. Mais ironizou
que está a pensar como vai traduzir para o flamengo a palavra ‘sinodalidade’.
Por isso, considera que “o Sínodo está a dar às famílias uma tarefa de
evangelização”. Entre a temática do areópago periódico do mais alto nível em
Igreja, esteve também muito presente “a questão do jovem que vê Deus muito
distante e como acompanhá-lo no matrimónio”.
E acabou por arrasar a conferência de
imprensa quando observou que “a grande riqueza”, a grande diversidade do Sínodo
se reflete “na cor dos rostos dos bispos”; que a “palavra que permanece é a
palavra ternura”; e que a Igreja “existe
para todas as situações, não apenas para as famílias feridas”, podendo essa
ternura “ser o início de uma nova época para a Igreja”.
***
Fica
patente que o caráter emblemático consiste em conferir à família um desígnio
evangelizador, uma tarefa de ação missionária. Mas, para a consecução prática
deste desígnio e desta tarefa, é preciso definir um duplo caminho: tornar muito
próxima junto das famílias feridas e de todas as pessoas que passam por qualquer
modo de sofrimento a ternura da Igreja como espelho fiel da misericórdia de Cristo;
e rasgar a estrada que leve as famílias a serem autenticamente missionárias.
Ficou, pois, muito claro que o Sínodo
está a percorrer um caminho conjunto e espera-se que as famílias sejam efetivamente
missionárias num dinamismo de “Igreja em saída” e celebrem em Igreja a família.
2015.10.23 – Louro de Carvalho
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