Estava
marcada a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades (PACC), na parte comum, para o dia 18
de dezembro próximo e, na parte específica, a partir de 1 de fevereiro.
Entretanto,
“por acórdão de 28 de janeiro de 2015, o
Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra,
julgando procedente a ação administrativa especial de impugnação de ato
administrativo intentada pelo Sindicato dos Professores da Região Centro contra
o Ministério da Educação e Ciência (MEC), anulou o
Despacho n.º 14293-A/2013 do Ministro da Educação e Ciência, datado de 5 de
novembro de 2013, e publicado no Diário da República, 2.ª série, desse mesmo dia, com fundamento em
violação de lei”.
O predito despacho ministerial estabeleceu, em relação à PACC,
prevista na alínea f) do n.º 1 do
art.º 22.º do ECD (Estatuto da Carreira dos
Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário,
aprovado pelo DL n.º 139-A/90, de 28 de abril, com a redação que lhe foi dada
pelo DL n.º 15/1007, de 19 de janeiro, pelo DL n.º 270/2009, de 30 de setembro,
DL n.º 75/2010, de 23 de junho, DL n.º 146/2013, de 22 de outubro e pela Lei
n.º 7/2014, de 12 de fevereiro) – e cujo regime se encontra estabelecido, de acordo com a
norma do n.º 10.º do art.º 22.º, do ECD, no Decreto Regulamentar n.º 3/2008, de
21 de janeiro (com a redação que lhe
foi dada pelo Decreto Regulamentar n.º 7/2013, de 23 de outubro) – o calendário
da sua realização, as condições de aprovação e os valores a pagar pela
inscrição, consulta e pedido de reapreciação da mesma.
Segundo o TAF de Coimbra, o vício de violação de lei daquele
Despacho “resulta da falta de base legal em consequência da desaplicação com
fundamento em inconstitucionalidade das normas contidas nos art.os
2.º, parte final, e 22.º, n.º 1, alínea f), ambos do ECD”, assim como das contidas no DR n.º 3/2008, de 21 de janeiro “estas
últimas inquinadas pela inconstitucionalidade daquela[s]”. Assim, está em
causa, a “violação do princípio da segurança jurídica e da confiança”, enquanto
“corolários do princípio do Estado de direito democrático” consignado no art.º
2.º da CRP; e o desrespeito pela liberdade de escolha de profissão e de acesso
à função pública prevista no art.º 47.º da CRP.
Tanto o MP (Ministério Público) como o MEC interpuseram,
para o TC (Tribunal Constitucional), recurso de
constitucionalidade de tal decisão. Quanto ao MP, o recurso era obrigatório,
nos termos do n.º 3 do art.º 280.º da CRP –, ao abrigo do disposto no artigo
280.º, n.º 1, alínea a), da CRP e do art.º 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º
28/82, de 15 de novembro (LTC), para
apreciação da constitucionalidade das normas julgadas inconstitucionais pelo
TAF, referido.
Pelo seu acórdão n.º 509.º/2015, de 13 de outubro, o TC decidiu:
Julgar
inconstitucionais, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição com
referência ao direito de acesso à função pública previsto no artigo 47.º, n.º
2, do mesmo normativo, (i) a norma do
artigo 2.º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
139-A/90, de 28 de abril, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 146/2013, de
22 de outubro, na parte em que exige como condição necessária da qualificação
como pessoal docente a aprovação em prova de avaliação de conhecimentos e
capacidades; (ii) a norma do artigo 22.º, n.º 1, alínea f), do mesmo Estatuto, na
redação dada pelo citado Decreto-Lei n.º 146/2013, de 22, de outubro, que
estabelece como requisito de admissão dos candidatos a qualquer concurso de
seleção e recrutamento de pessoal para exercício de funções docentes por ele
disciplinadas, e que ainda não integrem a carreira docente aí regulada, a
aprovação na mesma prova; e (iii) consequencialmente, as normas do Decreto
Regulamentar n.º 3/2008, de 21 de janeiro, na
redação dada pelo Decreto Regulamentar n.º 7/2013, de 23 de outubro.
***
Como reação
ao acórdão do TC, o secretário-geral da FENPROF, Mário Nogueira, numa
conferência de imprensa, em Coimbra, concluiu que a PACC morreu. Porém, o Ministro
da Educação e Ciência disse basicamente duas coisas: que o que foi declarado inconstitucional
não foi a prova, mas as regras e procedimentos da sua aplicação; e que o TC se pronunciou
sobre matéria não recorrida. Das duas, uma: ou Crato não leu o acórdão e lhe
forneceram informação distorcida ou o leu e leu mal. Não acredito que tenha
querido enganar a opinião pública.
Por outro
lado, o MEC parece ter remetido agora extemporaneamente para a Assembleia da
República (AR) a resolução destas questões que levaram
o TC a declarar inconstitucional a prova de avaliação dos professores como
requisito necessário à contratação pública, pois, no comunicado hoje posto em
circulação, o MEC afirmou que os seus serviços jurídicos estão já a estudar “possíveis
soluções” para uma questão, que “naturalmente terá de ser sanada em sede
parlamentar”.
A direção da responsabilidade
pela questão da PACC para a Assembleia da República devia ter sido colocada pelo
MEC, não hoje, mas em 2007, em 2009, em 2010 e em 2013. Foi nessas ocasiões –
da produção respetivamente dos DL n.os 15/2007, 19 de janeiro, 270/2009,
de 30 de setembro, 75/2010, de 23 de junho, e 146/2013, de 22 de outubro – em que
foi introduzida a PACC ou confirmada a sua introdução. E não se percebe o motivo
por que não foi suscitada tal questão pelos ilustres deputados quando
apreciaram parlamentarmente o DL n.º 146/2013, de 22 de outubro, de cuja
apreciação resultou a alteração aprovada pela Lei n.º 7/2014, de 12 de
fevereiro. É porque representam o todo nacional, não as profissões, como me diziam
antanho?
É que esta matéria (aliás, todo o ECD, pois os professores devem ser o único
grupo profissional ligado à causa pública cujo estatuto não passa pelo Parlamento:
só que o TC aprecia apenas a constitucionalidade das normas cuja apreciação lhe
é solicitada) pertence à área das matérias que constituem reserva relativa de competência
legislativa da Assembleia da República. Com efeito, “é da exclusiva competência da
Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização
ao Governo: (…) b) Direitos,
liberdades e garantias; (…)” (vd CRP, art.º 165.º /1, alínea b).
Assim,
para o Governo poder legislar sobre esta matéria, era necessário que tivesse
apresentado à AR o conveniente pedido de autorização legislativa e esta fosse
concedida através de uma lei de autorização legislativa. Com efeito, nos termos constitucionais, “compete ao
Governo, no uso da sua competência legislativa: (…) b) Fazer decretos-leis em matérias de reserva
relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta; c) Fazer decretos-leis de
desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos
em leis que a eles se circunscrevam” (vd CRP, art.º 198.º /1, alíneas b e c).
Mas o
governo, via MEC, tentou justificar ao TC a exigência da PACC com o n.º 2 do art.º
34.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) – Lei n.º 46/86, de 14 de
outubro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto –
que reza, “o Governo define, por
decreto-lei, os perfis de competência e
de formação de educadores e professores para ingresso na carreira docente”.
Por outro, lado, aduziu que o n.º 1 do art.º 62.º da LBSE, ao dispor sobre o desenvolvimento
da Lei, refere que “O Governo fará
publicar no prazo de um ano, sob a forma de decreto-lei, a legislação
complementar necessária para o desenvolvimento da presente lei que contemple,
designadamente, os seguintes domínios: (…) b) Formação de pessoal docente; (…).
O TC
aduz – e bem – que o Governo ao introduzir a PAAC, não estava a intervir na
área da formação. Por outro lado, devo recordar a exigência constitucional para
o Governo pode legislar sobre as matérias acima referidas como sendo da sua
competência legislativa. Efetivamente o n.º 3 do art.º 198.º da CRP estabelece:
“Os decretos-leis previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 devem invocar expressamente a lei de autorização legislativa
ou a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados”.
***
Quem ler o
mencionado acórdão do TC pode dizer abertamente a Nuno Crato que não é verdade que
o acórdão tenha decidido sobre matéria não recorrida. O que acontece é que o TC
não seguiu claramente todos os aspetos do acórdão do TAF de Coimbra, de que são
exemplo a proteção da confiança jurídica e a frustração das justas
expectativas.
É certo que o
TC não apreciou cada uma das normas do DR n.º 3/2008, de 21 de janeiro, com a redação
que lhe foi dada pelo DR n.º 7/2013, de 23 de outubro. Rejeitou estas normas em
bloco, porquanto declarou inconstitucionais as normas que lhe serviam de fonte,
nomeadamente a norma do art.º 2.º e a norma do art.º 22.º,
n.º 1, alínea f), ambas do
ECD, mas também expressa e consequencialmente a das normas dos decretos
regulamentares daqueles artigos do ECD.
Portanto, o MEC tem de saber que o TC chumbou efetivamente as regras e
os procedimentos de aplicação da PAAC (os decretos regulamentares mencionados), mas também a própria
PAAC, ou seja, a sua exigência no ECD. Seria redundante o TC estar a rejeitar cada
uma das normas regulamentares quando rejeitou o tema de base dessas normas.
Mas não pode esquecer-se que o TC invocou a referência ao direito de
acesso à função pública previsto no n.º 2 do art.º 47.º da CRP, como suporte da
declaração de inconstitucionalidade daquelas normas do ECD e dos respetivos
decretos regulamentares.
A confusão do MEC tem a ver com o facto de o TC não ter declarado a
inconstitucionalidade material daquelas normas, mas a sua inconstitucionalidade
orgânica, isto, o facto de um órgão de soberania ter legislado em matéria para
a qual não tinha competência, embora se pudesse ter revestido dela. O Governo violou,
pois, o “artigo 165.º, n.º 1, alínea b),
da Constituição com referência ao direito de acesso à função pública previsto
no artigo 47.º, n.º 2 do mesmo normativo”, porque não observou os n.os
1 e 3 do art.º 198.º da CRP.
Não é crível que, pelo menos até 18 de dezembro, a Assembleia da República
vá receber um pedido de autorização legislativa sobre estas matérias da parte
do Governo. E, se calhar, Mário Nogueira tem razão, quando certificou o óbito
da PAAC, pois, agora só a PaF a defendia.
***
A FENPROF
pergunta quando e como vai o MEC devolver “o dinheiro que os professores
pagaram para se submeterem a uma prova que é inconstitucional e não tem
validade nenhuma” e como e quando vai ressarcir os docentes que, no âmbito da
PACC, não foram colocados e ficaram “impedidos de trabalhar”, já que o Ministro
não pode descartar a solução dos problemas da PAAC, para a qual foi alertado, “designadamente
pelo provedor de justiça, de que era ilegal”.
E eu
pergunto-me como o MEC (lesou
a justiça comutativa) se
vai redimir dos gastos de tempo, materiais, energias e dinheiro despendidos pelo
IAVE-IP, polícia, inspetores, diretores, professores vigilantes e corretores,
grevistas por um objeto ferido de inconstitucionalidade, etc.?
Porque é que
o MEC não opta por intervir a sério na formação inicial de professores?
2015.10.16 – Louro de Carvalho
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