O Sínodo dos Bispos de 2015 decorreu em torno do tema
“A vocação e a missão da família na
igreja e no mundo contemporâneo”. No entanto, os padres sinodais tiveram
que ter em linha de conta, além das famílias atingidas por marcas situacionais diversas
da proposta eclesial e feridas pelo sofrimento, todas as famílias e pessoas que
passam por situações de sofrimento, exclusão ou ataques à sua dignidade. O
princípio “Deus ama-te como és, embora
não se conforme” parece constituir uma velha-nova regra de ouro que decorre
o mistério de Deus Amor e Pai misericordioso que chama insistentemente e não
sabe abandonar.
Esta postura dos Bispos insere-se na esteira daquela
visão humanista da Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo,
a Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano
II:
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de
hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo;
e não
há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.
Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são
guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e
receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a
Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.”.
É uma visão humanista assumida pelo Concílio e pelo Pontífice
que promulgou as suas deliberações plasmadas nos 16 documentos conhecidos de
todos, embora provavelmente pouco lidos e relidos. Tanto o Papa Paulo VI como
os diversos padres conciliares manifestaram a disponibilidade de escutar o Espírito
e o que Ele diz à Igreja, bem como o que o Espírito fez dizer a outros homens
que não tiveram oportunidade de conhecer por dentro a dimensão eclesial.
Assim, já Publius
Terentius Afer, no prólogo da sua comedia
palliata “Adelpfoi”: “Homo
sum, et humani nihil a me alienum puto” (Sou homem, nada do que
é humano me é estranho).
Nesta linha de pensamento, preocupação, sintonia e
reflexão, o areópago de mais alto nível eclesial de funcionamento periódico não
pôde deixar se ter, na sua oração, palavra e mensagem, a calamitosa situação
que se vive no e a partir do Médio Oriente, África e Ucrânia. Isto transpareceu
em algumas das declarações dos intervenientes nas conferências de imprensa que
o diretor deste pelouro na Santa Sé promoveu a um ritmo quase diário.
***
Não contentes com tudo isto, os padres sinodais, no
termo dos trabalhos da XIV Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos optaram
por uma declaração pública ao mundo sobre a situação
Que se vive no Médio Oriente, na África e na Ucrânia.
Situam-se na
condição de reunidos em torno do Sucessor de Pedro e agregam a esta declaração
todas as outras personalidades que trabalharam no sínodo: os delegados
fraternos, os auditores e as auditoras e os restantes colaboradores.
Além da
verificação que fazem das realidades dramáticas, da oração que exercitam, dos
apelos que lançam, dos agradecimentos que tecem, das convicções que exprimem e
dos ensinamentos que formulam, os participantes no Sínodo confiam à Sagrada
Família de Nazaré – Jesus, Maria e José – que experimentou o sofrimento, as suas
intenções em relação às famílias em dificuldade, de modo que, em breve, o mundo
se torne uma única família de irmãos e irmãs.
É certo que
o seu pensamento se dirige, em especial, a todas as famílias do Médio Oriente,
vítimas de inauditas atrocidades resultantes de sanguinários conflitos em curso
desde longa data e cujas condições de vida se agravaram nos meses e semanas
mais recentes – mas sem deixar de exprimir a sua solicitude para com todas
aquelas que estão envolvidas por vicissitudes similares.
Porém, os
Bispos não se limitam a uma referência genérica. Pelo contrário, especificam a
enumeração pormenorizada dos factos iníquos: o uso de armas de destruição em massa; os assassinatos indiscriminados,
as decapitações, o rapto de seres humanos, o tráfico de mulheres, o alistamento
de crianças, as perseguições por motivos religiosos e étnicos, a devastação de
lugares de culto, a destruição do património cultural e outras inumeráveis
atrocidades. Tudo isto obrigou, segundo os Bispos, milhares e milhares de famílias a fugir das suas casas e a procurar
refúgio noutros lugares, muitas vezes, em condições de extrema precariedade.
Os autores
da solene declaração reconhecem que “atualmente
estas famílias estão impedidas de regressar e de exercer o seu direito a viver
em dignidade e segurança na sua própria terra”. Em violação flagrante dos
direitos humanos, estas famílias estão impedidas de contribuir “para a
reconstrução e para o bem-estar material e espiritual dos seus países”, o que
configura a proibição do exercício dos direitos cívicos, económicos e sociais
em oposição à consecução do bem comum e uma inibição de as pessoas cumprirem os
seus deveres para consigo próprias, para com as suas famílias e para com as
comunidades que integram.
Os Bispos
sublinham o “dramático contexto” em que “são continuamente violados os
princípios da dignidade humana e da convivência pacífica e harmoniosa entre as
pessoas e os povos”; e mais do que isso, está em causa a sonegação clamorosa
dos “mais elementares direitos elementares” como são os direitos “à vida e à
liberdade religiosa”, bem como “o direito humanitário internacional”. Trata-se
de situações inaceitáveis neste terceiro milénio de cristianismo e de civilização
a que o iluminismo teima em não chegar.
Face a este
contexto, os Bispos reunidos em assembleia sinodal exprimem a sua proximidade
solidária e orante junto dos patriarcas, bispos, sacerdotes, consagrados e
fiéis, bem como a todos os habitantes dos países do Médio Oriente. Além disso,
em concreto: pedem a libertação de todas as pessoas sequestradas; e querem que
as suas vozes se unam ao grito de tantos inocentes:
Não mais violência, não mais
destruições, não mais perseguições! Cessem imediatamente as hostilidades e o tráfico
das armas!
Oxalá que,
tal como Deus os ouve, também os decisores escutem a sua voz e os humilhados
ouçam o grito destes senadores da Igreja, servindo-lhes de refrigério e de alimento
da esperança.
***
Mas os
Bispos não se limitam à verificação da realidade, à oração solidária e ao grito
de pacificação. Têm também uma palavra de gratidão para com todos aqueles
países que se disponibilizaram efetivamente a acolher os refugiados,
designadamente a Jordânia, o Líbano, a Turquia e numerosos países europeus. E,
ao mesmo tempo, lançam um novo apelo à Comunidade internacional para que faça
com que se ponham de parte “os interesses particulares” e se busquem soluções
com recurso aos “instrumentos da diplomacia, do diálogo e do direito
internacional”.
Por outro
lado, afirmam a sua convicção de que a paz no Médio Oriente não se obterá com
“escolhas impostas pela força”, mas com “decisões políticas respeitadoras das
particularidades culturais e religiosas de cada uma das Nações e das várias
realidades que as compõem”.
Talvez tenha
sido este um dos mais graves erros do dito Ocidente ao querer impor nalguns
países um regime democrático concebido, gizado estruturado à maneira dos países
que se autoproclamam livres e democráticos.
Afirmam-se outrossim
os Bispos convictos de que “a paz é possível” e de que “é possível acabar com as
violências que, na Síria, no Iraque, em Jerusalém e em toda a Terra Santa,
envolvem cada vez mais famílias e civis e inocentes e agravam a crise
humanitária”. E creem e ensinam que a “reconciliação é fruto da fraternidade,
da justiça, do respeito e do perdão”.
Talvez aqui
pudesse ser colhida a lição do exemplo de Timor-Leste, que no seguimento do
termo da guerra civil e da independência, propôs e conseguiu, pelo menos, em
muito grande parte, o desígnio nacional da reconciliação.
Para
sustentarem as suas convicções atinentes à fraternidade, justiça, respeito e
perdão – fatores e fautores da paz – citam as palavras do Papa Francisco em
Jerusalém, a 26 de maio de 2014, dirigidas a “todas as pessoas e comunidades que se reconhecem em Abraão:
respeitemo-nos e amemo-nos uns aos outros como irmãos e irmãs! Aprendamos a
compreender a dor do outro! Ninguém instrumentalize pela violência o nome de
Deus! Trabalhemos em conjunto pela justiça e pela paz!”.
Firmam-se
também nas palavras de Bento XVI no n.º 19 da sua exortação apostólica pós-sinodal
Ecclesia in Medio Oriente, de 14 de
setembro de 2012: “Possam
os judeus, os cristãos e os muçulmanos entrever no outro
crente um irmão a
respeitar e a amar, para darem – em primeiro lugar nas suas terras – um bom
testemunho de serena convivência entre filhos de Abraão”.
Por isso, os
Bispos reunidos em sínodo só podem ter um “único desejo”, igual ao das demais
pessoas de boa vontade, que fazem parte da grande família humana: que se possa viver em paz.
Por fim, os
padres sinodais, a partir de Roma, tornam extensivo o seu pensamento e oração –
com igual preocupação, solicitude e amor – a todas as famílias que se encontram
envolvidas em situações semelhantes noutras partes do mundo, referindo, em
especial, a África e a Ucrânia. E declararam expressamente que as tiveram muito
presentes durante os trabalhos da assembleia sinodal, do mesmo modo que as
famílias do Médio Oriente. Também por elas pedem “o retorno a uma vida digna e
tranquila”.
***
Supondo que
esta oportuna declaração sinodal teria sido mais completa, se no alinhamento
das várias declarações de Francisco, tivesse incluído também o reparo sobre a exploração
que determinados intermediários fazem incidir sobre refugiados e migrantes, frustrando-lhes
a esperança, conduzindo-os à desagregação familiar, à invalidez e à morte, bem
como sobre a postura de pensamento e de ação de algumas forças políticas, dirigentes
governativos e agentes de autoridade em diversos países da União Europeia
contra os migrantes e refugiados, incluindo as instituições europeias que andam
de cimeira em cimeira enquanto as pessoas sofrem.
E os que
sofrem estão demasiado tempo à espera.
E o Reino de
Deus, que não é deste mundo, prega-se neste mundo a todos, mas dirige-se
sobretudo aos excluídos, aos não reconhecidos, aso deixados à sua sorte.
Bem-aventurados
os que estão em saída a lutar pela
paz e pela justiça!
2015.10.24 – Louro de Carvalho
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